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Calibração e avaliação do modelo ORYZA-APSIM para o arroz de terras altas no Brasil

Calibration and evaluation of the ORYZA-APSIM crop model for upland rice in Brazil

Resumos

Objetivou-se com este trabalho calibrar o modelo ORYZA-APSIM e avaliar o seu desempenho na simulação do desenvolvimento, crescimento e produtividade da variedade cultivada de arroz de terras altas BRS-Primavera para as diferentes regiões produtoras dessa cultura. Na calibração foram definidas: as unidades de calor efetivo diário (HU); as taxas de desenvolvimento fenológico para cada estádio (DVR); as frações da massa de matéria seca das folhas (MSf), colmos (MS C) e órgãos armazenadores (panículas) (MSp), e os parâmetros para calcular a área foliar específica (AEF) simulada durante o ciclo da cultura. Na avaliação foram comparados os valores simulados com os observados do desenvolvimento fenológico (número de dias da emergência ao florescimento) e do crescimento da cultura (massa de matéria seca total da parte aérea (MSt) índice de área foliar (IAF)) e a produtividade (P). O modelo apresentou desempenho satisfatório na simulação do desenvolvimento fenológico para regiões próximas ao da calibração. Para latitudes próximas ao equador, como Teresina, PI, o desempenho fenológico foi insatisfatório. Para o crescimento, nos dois experimentos, o índice de área foliar (IAF) simulado diferiu do observado, e a MSt simulada foi semelhante a observada, mas diferiu entre o florescimento e a maturidade fisiológica. A MSf simulada foi satisfatória no primeiro experimento e regular no segundo. Isso é devido ao modelo superestimar os efeitos da deficiência hídrica que ocorreram durante a condução do segundo experimento. Entretanto, o modelo ORYZA-APSIM apresentou bom desempenho na simulação da ordem de produtividade ao nível de significância de 5%.

Arroz; Oryza sativa; Calibração; Fenologia


This study was carried out with the purpose of calibranting the ORYZA-APSIM crop model and evaluating its performance to simulate the development, growth and yield of upland rice variety BRS-Primavera in the production area of upland rice in Brazil. Acording to the following variables: the effective heat daily units (HU); the rates of phenological development at each stage (DVR); the fractions of the dry matter of leaves (DMf), stems, storage organs (panicle) (DMp) and parameters to define the specific leaf area (SLA) during the crop cycle. For the evaluation, it was compared the values simulated and observed for phenological development (number of days from emergence to flowering) and for growth (total dry matter of shoot (DMt), dry matter of green leaves (DMf), leaf area index (LAI)) and yield (P). The model showed a satisfactory performance to simulate the phenological development for regions near the local calibration. For latitude near equator, Teresina-PI, the phenological simulation was poor. The simulated growth for leaf area index (LAI) differed from observed, but the simulated total dry matter was similar to observed in the first experiment and not so good in the second experiment. One of the reasons is that the model overestimates the effects of water stress during the experiment. However, the ORYZA-APSIM presented good performance in simulation of the order of productivity at the 5% level of significance.

Rice; Oryza sativa; Calibration; Phenology


ARTIGO CIENTÍFICO

Calibração e avaliação do modelo ORYZA-APSIM para o arroz de terras altas no Brasil

Calibration and evaluation of the ORYZA-APSIM crop model for upland rice in Brazil

Rogério LorençoniI; Durval Dourado NetoII; Alexandre Bryan HeinemannIII,* * Autor para correspondência

IPrograma de Pós-Graduação em Fitotecnia ESALQ/USP, Bolsista CAPES, Piracicaba-SP, Brasil, rogeriolorenconi@usp.br

IIDepartamento de Produção Vegetal, ESALQ/USP, Pesquisador do CNPq, Piracicaba-SP, Brasil, dourado@esalq.usp.br

IIIEMBRAPA Arroz e Feijão, Goiânia-GO, Brasil, alexbh@cnpaf.embrapa.br

RESUMO

Objetivou-se com este trabalho calibrar o modelo ORYZA-APSIM e avaliar o seu desempenho na simulação do desenvolvimento, crescimento e produtividade da variedade cultivada de arroz de terras altas BRS-Primavera para as diferentes regiões produtoras dessa cultura. Na calibração foram definidas: as unidades de calor efetivo diário (HU); as taxas de desenvolvimento fenológico para cada estádio (DVR); as frações da massa de matéria seca das folhas (MSf), colmos (MSC) e órgãos armazenadores (panículas) (MSp), e os parâmetros para calcular a área foliar específica (AEF) simulada durante o ciclo da cultura. Na avaliação foram comparados os valores simulados com os observados do desenvolvimento fenológico (número de dias da emergência ao florescimento) e do crescimento da cultura (massa de matéria seca total da parte aérea (MSt) índice de área foliar (IAF)) e a produtividade (P). O modelo apresentou desempenho satisfatório na simulação do desenvolvimento fenológico para regiões próximas ao da calibração. Para latitudes próximas ao equador, como Teresina, PI, o desempenho fenológico foi insatisfatório. Para o crescimento, nos dois experimentos, o índice de área foliar (IAF) simulado diferiu do observado, e a MSt simulada foi semelhante a observada, mas diferiu entre o florescimento e a maturidade fisiológica. A MSf simulada foi satisfatória no primeiro experimento e regular no segundo. Isso é devido ao modelo superestimar os efeitos da deficiência hídrica que ocorreram durante a condução do segundo experimento. Entretanto, o modelo ORYZA-APSIM apresentou bom desempenho na simulação da ordem de produtividade ao nível de significância de 5%.

Palavras-chave: Arroz-cultivo. Oryza sativa. Calibração. Fenologia.

ABSTRACT

This study was carried out with the purpose of calibranting the ORYZA-APSIM crop model and evaluating its performance to simulate the development, growth and yield of upland rice variety BRS-Primavera in the production area of upland rice in Brazil. Acording to the following variables: the effective heat daily units (HU); the rates of phenological development at each stage (DVR); the fractions of the dry matter of leaves (DMf), stems, storage organs (panicle) (DMp) and parameters to define the specific leaf area (SLA) during the crop cycle. For the evaluation, it was compared the values simulated and observed for phenological development (number of days from emergence to flowering) and for growth (total dry matter of shoot (DMt), dry matter of green leaves (DMf), leaf area index (LAI)) and yield (P). The model showed a satisfactory performance to simulate the phenological development for regions near the local calibration. For latitude near equator, Teresina-PI, the phenological simulation was poor. The simulated growth for leaf area index (LAI) differed from observed, but the simulated total dry matter was similar to observed in the first experiment and not so good in the second experiment. One of the reasons is that the model overestimates the effects of water stress during the experiment. However, the ORYZA-APSIM presented good performance in simulation of the order of productivity at the 5% level of significance.

Key words: Rice-crop. Oryza sativa. Calibration. Phenology.

Introdução

A otimização dos recursos naturais, aliada às práticas de manejo adaptadas a diferentes ambientes inseridos na área de produção de arroz de terras altas, pode contribuir para minimizar a variabilidade temporal e espacial da produtividade. Modelos de simulação do crescimento e desenvolvimento de culturas são ferramentas que foram desenvolvidas para múltiplas aplicações na pesquisa agropecuária (JONES et al., 2003). Eles podem ser utilizados para integrar os conhecimentos dos processos biofísicos que regem o sistema solo-água-planta, permitindo identificar e avaliar as incertezas na produção, associadas às diferentes opções de manejo. Os modelos também tornam possível aperfeiçoar a eficiência da pesquisa, permitindo a análise do desempenho de cultivares em diferentes solos, condições climáticas, datas de semeadura, densidades de plantas, manejo da irrigação e épocas de aplicação de nitrogênio (HEINEMANN et al., 2000; HEINEMANN et al., 2002; ZHANG et al., 2007). Permitem também estudos do impacto das mudanças climáticas e quantificação das interações genótipo x ambiente x manejo, particularmente sob situações com variabilidade climática (CHAPMAN et al. 2000; HEINEMANN et al. 2008; HEINEMANN et al., 2009a; HEINEMANN, 2010; TAO et al., 2008). Um desses modelos é o ORYZA 2000, que foi desenvolvido pela Universidade de Wageningen e o Instituto Internacional de Pesquisa em Arroz (IRRI) nos anos 90. Esse modelo simula a dinâmica do crescimento e desenvolvimento da cultura do arroz irrigado para condições ótimas, que levam ao rendimento potencial, para condições limitantes de nitrogênio (BOUMAN; van LAAR, 2006), ou para a otimização da aplicação de nitrogênio (JING et al., 2007), assumindo-se que, em todas essas situações a cultura está bem protegida e não sofre reduções de produtividade devido a doenças, pragas e plantas daninhas. Recentemente, o modelo ORYZA 2000 foi incorporado ao sistema de suporte à decisão "Agricultural Production Systems Simulator" (APSIM) e vem sendo utilizado para embasar decisões agronômicas e alocação de recursos na Austrália para a cultura do arroz, como também para rotações de culturas (GAYDON et al., 2006). A incorporação do ORYZA 2000 ao sistema de suporte de decisão APSIM foi designada para a simulação de sistemas agrícolas complexos e de seus respectivos manejos, possibilitando o seu uso para o sistema de cultivo do arroz de terras altas. O modelo de simulação ORYZA-APSIM pode ser usado para caracterizar o desenvolvimento, crescimento e a ordem de grandeza da produtividade do arroz de terras altas com base nas suas respostas fenotípicas sob diferentes condições de clima e solo.

O objetivo deste trabalho foi calibrar o modelo ORYZA-APSIM e avaliar o seu desempenho em simular o desenvolvimento, crescimento e a ordem de grandeza da produtividade da variedade cultivada de arroz de terras altas BRS-Primavera sob condições ambientais em diferentes regiões produtoras dessa cultura no Brasil.

Material e métodos

Descrição do modelo ORYZA-APSIM

Nesse estudo somente os principais processos do modelo ORYZA-APSIM serão descritos. Maiores detalhes podem ser obtidos em Bouman et al. (2001). O modelo ORYZA-APSIM segue um regime de cálculos diários para o desenvolvimento fenológico e crescimento da matéria seca dos diversos órgãos da planta. A taxa de assimilação diária é obtida pela integração instantânea das taxas de assimilação de CO2 pelas folhas no dossel utilizando-se o modelo de integração gaussiano. O desenvolvimento fenológico do modelo é baseado nas unidades de calor efetivo HU (ºC.d.) e na sensibilidade fotoperiódica do genótipo utilizado. A duração dos estádios fenológicos no modelo são baseados no tempo cronológico de desenvolvimento da cultura de arroz, denominado DVS, e assim definidos: (i) vegetativo (DVS de 0 a 0,65 ), dividido em duas fases, não sensível e sensível ao fotoperíodo, (ii) reprodutivo (DVS de 0,65 a 1) e (iii) enchimento de grãos (DVS de 1 a 2). A taxa de assimilação de CO2 do dossel é calculada em função da radiação diária interceptada, eficiência de uso da luz, temperatura média diária, dia do ano e latitude do local. O IAF e, consequentemente, o acúmulo de matéria seca são regidos pela equação que descreve a área específica foliar (AEF) durante o ciclo da cultura. O balanço hídrico utilizado no modelo é unidimensional, com multicamadas determinadas pelo usuário, sendo o mesmo sistema utilizado pelo modelo CERES (JONES; KINIRY, 1986). As características da água no solo são especificadas em termos de conteúdo de água de saturação do solo, capacidade de campo e ponto de murcha permanente. O modelo calcula a demanda potencial diária de nitrogênio dos vários órgãos da cultura baseados nos seus pesos, taxas de crescimentos e seus conteúdos máximos e mínimos de nitrogênio e posteriormente computa a quantidade de nitrogênio que pode ser translocada diariamente das folhas, colmos, e raízes para os órgãos de armazenagem.

Calibração do Modelo ORYZA-APSIM

Para a calibração do desenvolvimento fenológico e do crescimento da cultivar BRS-Primavera, a mais cultivada na região produtora de arroz de terras altas (LANA et al., 2003), foram utilizados dados de dois experimentos conduzidos no município de Santo Antônio de Goiás-GO (latitude -16,5º, longitude -49,3º). As datas de emergência das plantas dos experimentos foram 17/11/2008 (EXP. 1) e 29/12/2008 (EXP. 2), respectivamente. Os dados meteorológicos diários, temperatura máxima e mínima (ºC), precipitação (mm) e radiação global (MJ.m-2.s-1) foram coletados na estação meteorológica localizado ao lado da área experimental (FIG. 1). As características morfofisiológicas da cultivar BRS-Primavera estão descritas em Heinemann et al. (2009b). O solo local é classificado como Latossolo Vermelho distrófico e a adubação na semeadura consistiu em 20; 120 e 60 kg ha-1 de N, P e K, respectivamente. Duas adubações de cobertura foram realizadas, no início do perfilhamento e na iniciação da panícula, aplicando-se 40 kg ha-1 de N. O delineamento experimental utilizado foi em blocos aleatorizados com quatro repetições. As datas de emergência, iniciação da panícula, florescimento e maturidade fisiológica foram observadas. A coleta de matéria seca foi efetuada nos diferentes estádios de desenvolvimento para obter as massas de matéria seca das folhas (MSf, kg planta-1), colmos (MSc, kg planta-1), panículas (MSp, kg planta-1) e a área foliar (AF, m2 folha planta-1) durante o ciclo da cultura. Em função desses dados calculou-se a área foliar específica (AFE=AF/MSf) e o índice de área foliar (IAF, m2 de folha por m2 de solo). Na colheita foi determinada a massa de 1000 sementes (g) e a produtividade (kg ha-1). A profundidade efetiva do sistema radicular foi de 40 cm, a qual foi observada por meio de trincheiras realizadas no florescimento.


Os valores observados das umidades de saturação (mm), capacidade de campo (mm), ponto de murcha permanente (mm) e da densidade do solo (g cm-3) utilizados no modelo como dados de entrada estão descritos na Tabela 1.

Calibração do Desenvolvimento Fenológico no Modelo ORYZA-APSIM

O primeiro passo para a calibração do desenvolvimento fenológico foi a determinação da sensibilidade fotoperiódica da cultivar, de acordo com a metodologia descrita por Fukai (1999). Para isso, utilizaram-se os números de dias ocorridos entre o plantio e o florescimento observados nos experimentos descritos acima (EXP. 1 e 2).

A temperatura horária (Td ºC), as unidades de calor efetivo (HUH, ºC d h-1) e efetivo diário (HU, ºC d-1 ) foram determinadas de acordo com as equações (1; 2; 3; 4 e 5) em função das temperaturas cardinais fixadas pelo modelo (temperatura base (Tb = 8 ºC); temperatura ótima (To = 30 ºC); temperatura máxima (TH = 42 ºC) (acima da qual não ocorre o desenvolvimento fenológico)) e das temperaturas máximas e mínimas diárias observadas (TM e Tm).

sendo que h representa o número de horas de um dia, variando de 1 a 24:

As unidades de calor efetivo diário (HU, ºC d-1) foram determinadas agregando os HUH para cada fase do desenvolvimento fenológico:

As taxas de desenvolvimento fenológico (DVR) das fases vegetativa (DVS de 0 a 0,65), reprodutiva (DVS de 0,65 a 1) e enchimento de grãos (DVS de 1 a 2) foram determinadas dividindo-se o valor de DVS pela somatória do calor efetivo diário para cada fase, conforme as equações 6; 7 e 8:

sendo V -vegetativo, R - reprodutivo e E enchimento de grãos.

Para minimizar o efeito de possíveis erros experimentais utilizou-se as médias dos valores de DVR obtidas nos Experimentos 1 e 2.

Avaliação do Desenvolvimento Fenológico no Modelo ORYZA-APSIM

Na avaliação do desenvolvimento fenológico do modelo foram comparados os dias simulados e observados do período entre a emergência e a floração. Para essa comparação utilizaram-se dados observados obtidos nos experimentos regionais denominados Valor de Cultivo (VCU), realizados pelo programa de melhoramento de arroz de terras altas nos diferentes ambientes de produção (Santo Antônio de Goiás - GO - latitude: -16,5º - longitude: -49,3º; Sorriso - MT - latitude: -12,5º - longitude: -55,7º; Gurupi - TO - latitude: -11,7º - longitude: -49,0º e Teresina - PI - latitude: -5,0º - longitude: - 42,8º).

Calibração do Crescimento do Modelo ORYZA-APSIM

A partição de assimilados para folhas, colmos e órgãos de armazenagem é demandada pelo modelo para caracterizar o crescimento da cultivar a ser simulada. Essa partição foi determinada em função da fração da massa de matéria seca dos diferentes órgãos contidos na MSt da parte aérea observada. Para isso utilizaram as Equações 9; 10 e 11.

sendo que FMSf, FMSc e FMSp se referem, respectivamente, às frações (kg kg-1) da matéria seca da parte aérea alocada para folhas, colmos e órgãos armazenadores (panículas); Ψ, γ e χ se referem, respectivamente a massa (kg) de folhas, colmos e panículas nos instantes t1 e t2 (instantes iniciais e finais referentes ao início e fim do período de avaliação).

As frações das folhas, colmos e panículas observadas nos Experimentos 1 e 2 foram ajustadas por meio de interpolação. As curvas ajustadas dessas frações foram comparadas com a curva padrão utilizada no modelo para o genótipo de arroz irrigado cultivar IR-72.

Como no modelo ORYZA-APSIM o crescimento do IAF é regido pela AEF, há necessidade de reajustar a equação (12) que descreve a AEF durante o ciclo da cultivar.

sendo que A, B, C e D são parâmetros da função não linear.

O ajuste dos parâmetros da equação foi realizado em função dos dados da AEF obtidos por meio dos Experimentos 1 e 2.

Avaliação do Crescimento e Produtividade do Modelo ORYZA-APSIM

Para a avaliação do crescimento foram comparados os valores simulados e observados da MSt, MSf e do IAF provenientes dos Experimentos 1 e 2. Já, para a avaliação da produtividade (P, kg ha-1), além dos dados dos Experimentos 1 e 2, foram utilizados dados observados de produtividade provenientes dos ensaios regionais (VCUs) de arroz de terras altas.

Resultados e discussão

Calibração do desenvolvimento fenológico

De acordo com a classificação elaborada por Fukai (1999), a cultivar BRS - Primavera não apresentou sensibilidade fotoperiódica porque o coeficiente angular da regressão dias entre emergência e florescimento e data de emergência foi menor que 0,3 (FIG. 2). Assim, considerou-se que o desenvolvimento fenológico na fase vegetativa é regido somente pela temperatura.


A duração média da fase vegetativa foi (TAB. 2) de 749 ºC d-1, o que correspondeu para o período de 2008/2009 a 46 dias entre a emergência e a diferenciação da panícula, a DVR média nessa fase foi de 0,000867 ºC dia-1. A fase reprodutiva teve uma duração média de 465 ºC.d-1, correspondendo a 29 dias ocorridos entre a diferenciação da panícula e 50% do florescimento e a DVR média nesse período foi de 0,000744 ºC dia-1. A fase de enchimento de grãos apresentou uma duração média de 449 ºC d-1, correspondendo a 30 dias entre 50% do florescimento e a maturação fisiológica. Essa fase foi a que apresentou a maior variação entre os Experimentos 1 e 2 nos valores de graus dias acumulados, provavelmente devido à dificuldade em se estabelecer corretamente a data de maturação fisiológica na cultura do arroz. A DVR média nessa fase foi de 0,002174 ºC dia-1.

Avaliação do desenvolvimento fenológico

Por meio da Figura 3, observa-se que a calibração do desenvolvimento fenológico apresentou uma ótima performance para as latitudes maiores que 10º, ou seja, para os municípios de Gurupi (TO), Sorriso (MT) e Santo Antônio de Goiás (GO). Para esses municípios o erro padrão médio foi de 0,5 dias entre o florescimento observado e simulado (FIG. 3), ilustrando a precisão do modelo ORYZA-APSIM na simulação do florescimento para essas localidades. Entretanto, para latitudes próximas ao equador, como Teresina (PI), o modelo superestimou o número de dias entre a emergência e o florescimento (FIG. 3) devido ao fato do modelo assumir um decréscimo linear das unidades de calor efetivo (HUH) quando a Td atinge valores intermediários entre a To e a TH (Equação 1 e 4). Assim, o modelo penaliza o desenvolvimento fenológico, acumulando uma menor quantidade de calor efetivo diário (HU), simulando um período de desenvolvimento maior do que os observados em Teresina (PI). À medida que a latitude diminui, a temperatura média do ar aumenta (OLIVEIRA NETO et al., 2002). Isso implica em uma redução no ciclo da cultura do arroz, pois o desenvolvimento fenológico é basicamente regido pela temperatura (FIG. 3).


Calibração do Crescimento do Modelo ORYZA-APSIM

A Figura 4 ilustra as partição de assimilados para as folhas (FIG. 4a), colmos (FIG. 4b) e panículas (órgãos armazenadores) (FIG. 4c) da cultivar BRS-Primavera (observados e ajustados) e da cultivar irrigada IR-72 utilizada como padrão no modelo ORYZA-APSIM. Observa-se que a cultivar BRS-Primavera difere da cultivar IR-72 na partição de assimilados para a folha por apresentar uma redução no consumo de assimilados no DVS 0,25, enquanto que a cultivar irrigada IR-72 apresenta essa redução para o DVS 0,5 (FIG. 4a). Já para os colmos, a BRS-Primavera apresenta um aumento no consumo de assimilados no DVS 0,25, enquanto que na cultivar IR-72 esse aumento somente ocorre no DVS 0,5 (FIG. 4b). Ambas as cultivares, BRS-Primavera e IR-72, apresentaram a maior diferença na partição de assimilados para os órgãos (FIG. 4c). Para a cultivar de terras altas, há um aumento gradual, no qual os órgãos passam a ser drenos absolutos de assimilados somente no DVS igual 1,5 Enquanto que para a cultivar irrigada, isso ocorre para um DVS igual a 1,2.




O ajuste da equação da AEF é ilustrado pela Figura 5. A cultivar de terras altas apresenta valores menores de alocação de biomassa por unidade de área, apresentado um custo menor na produção de folhas em relação à irrigada. Provavelmente, isso seja uma estratégia de adaptação das cultivares de arroz de terras altas a condições de solo não saturado.


Avaliação do crescimento e produtividade do Modelo ORYZA-APSIM

A Figura 6 a e b compara as variáveis observadas referentes ao crescimento da cultura e produtividade (MSt, MSf, IAF e P) com as simuladas para o conjunto de dados obtidos nos experimentos 1 e 2. Como referência, para os valores observados é ilustrado o desvio padrão. Os melhores resultados foram obtidos para o Experimento 1, para a variável MSt (FIG. 6a). Para essa variável, até o florescimento (DVS = 1), os valores simulados estão próximos ao observado. Esses dados estão de acordo com Bouman e Van Laar (2006), que também observaram maior consistência nos dados simulados de MSt. Os valores simulados para a MSf também podem ser considerados adequados, uma vez que o mesmo mostrou a mesma tendência que os observados. Os valores simulados de IAF foram os que apresentaram as maiores dispersões, o que pode ser atribuído ao fato de que o modelo teria sido originalmente desenvolvido para condições irrigadas, sendo extremamente sensível ao déficit hídrico. Esse modelo utiliza três fatores que penalizam o crescimento em função do grau de intensidade do estresse hídrico: (i) enrolamento foliar; (ii) paralisação do crescimento foliar e (iii) aumento da senescência foliar. No Experimento 1, ocorreu um curto veranico próximo ao florescimento (DVS = 1), conforme ilustrado na Figura 1 e 6a, o que ocasionou um decréscimo no IAF simulado. Entretanto, esse veranico não afetou o IAF observado. Já no experimento 2 o veranico foi mais intenso, conforme ilustra a Figura 1. Assim, os dados observados de IAF para o Experimento 2 (FIG. 6b) foram subestimados pelo modelo. O decréscimo acentuado no IAF simulado no Experimento 2 indica que parte da biomassa das folhas foi considerada como morta (aumento da senescência foliar). Isso explica a paralisação no crescimento da MSt simulada e a queda na MSf simulada próximo ao florescimento (DVS=1). Devido à adaptação que as cultivares de arroz de terras altas sofreram por se desenvolverem em solos não saturados, as mesmas apresentam uma maior tolerância a deficiência hídrica quando comparadas às cultivares desenvolvidas para ambientes de solo saturado. Nesse caso, deve-se reduzir os impactos dos fatores que penalizam o crescimento da cultura devido ao deficit hídrico. Apesar do modelo superestimar os efeitos do deficit hídrico na MSt, MSf e IAF, tanto para os Experimentos 1 quanto para o 2, a produtividade foi simulada com precisão para ambos (FIG. 6a e b). Entretanto, há a necessidade de refinar esse modelo para a simulação do crescimento do arroz nas fases reprodutivas e enchimento de grãos conforme ilustra a Figura 6a e b. Swain et al. (2007) também observaram essa necessidade nas fases tardias de crescimento. Um fator que pode estar reduzindo o desempenho do IAF simulado seria o fato do crescimento do IAF ser baseado na AEF (Equação 12). Uma opção seria utilizar o nitrogênio foliar específico ao invés da AEF para estimar o crescimento do IAF, devido ao fato que o mesmo apresenta uma melhor correlação com o crescimento foliar que a AEF (van OOSTEROM et al., 2010).


Na avaliação da produtividade utilizou-se somente os dados observados dos experimentos 1 e 2 e dos VCUs realizados em Santo Antônio de Goiás, GO, e Sorriso, MT. Devido ao fato do modelo superestimar o acumulo de unidades de calor efetivo diário em latitudes menores que 10º conforme já explicado, os dados observados de produtividade de Teresina foram descartados. Já, os dados observados de produtividade do VCU de Gurupi, TO, apresentaram alto coeficiente de variação, sendo também descartados. Baseado nos dados observados de produtividade, o modelo ORYZA-APSIM determinou a ordem de grandeza da produtividade a um nível de significância de 5% de probabilidade (FIG. 7). Os erros absolutos, relativos, valores observados e simulados da produtividade estão apresentados na Tabela 3. Observa-se que para o local de calibração do modelo, Santo Antônio de Goiás, GO, o erro relativo entre a produtividade observada e simulada foi menor que 10% (TAB. 3), enquanto que, para a localidade de Sorriso, MT, esse erro foi de 12%, ilustrando que o modelo ORYZA-APSIM responde de forma coerente às variações na precipitação, temperatura máxima e mínima e radiação global para predizer a produtividade.


Conclusões

1. O modelo ORYZA-APSIM apresenta desempenho satisfatório na simulação do desenvolvimento fenológico para a cultura do arroz de terras altas nas latitudes próximas ao local de calibração. Existe a necessidade de se modificar as equações utilizadas para calcular as unidades de calor efetivo quando a temperatura média diária aumenta, como ocorre nas latitudes próximas ao equador;

2. O modelo é sensível ao déficit hídrico. Para a cultura de arroz de terras altas é necessário reavaliar os impactos desse estresse na matéria seca total da parte aérea, de folhas e no índice de área foliar;

3. As simulações da produtividade para o arroz de terras altas apresentaram desempenho satisfatório, tendo os valores simulados correlação com os valores observados.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq projeto 471838/2008 pelo suporte financeiro dado a esse estudo.

Recebido para publicação em 18/02/2010; aprovado em 27/08/2010

Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq)

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    Autor para correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      18 Fev 2010
    • Aceito
      27 Ago 2010
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