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Influências culturais na adoção da gestão de projetos: um estudo qualitativo em empresas de consultoria e desenvolvimento em TI

Cultural influences on adoption of project management: a qualitative study in consulting and it development companies

Resumos

Se a Gestão de Projetos for analisada sob o ponto de vista de novas conjugações que englobam técnicas já conhecidas, com um enfoque genérico para gerir projetos, encontra-se sua maior contribuição para as organizações. Porém, a questão que se revela é: como tornar estes enfoques gerenciais genericamente aplicáveis em todos os tipos, formas ou origens de organizações? Este trabalho apresenta, através de um estudo de caso múltiplo, uma análise da influência cultural na adoção da Gestão de Projetos em empresas de consultoria e desenvolvimento em TI. Por meio de entrevistas semi-estruturadas verifica-se que a cultura organizacional, quer sob o ponto de vista da alta administração, quer no domínio dos vários grupos que se formam nas organizações, estabelece limites e adequações necessárias à adoção real da Gestão de Projetos, para que se possa efetivamente contribuir para competitividade organizacional.

Gestão de Projetos; Planejamento Estratégico; Influência Cultural; Empresas de Tecnologia da Informação


If the Project Management is analyzed from the point of view of new combinations that include already known techniques with a generic approach to manage projects, its biggest contribution to the organizations is found. However, the question that is raised is: how to make these management approaches generally applicable in all types, forms or origins of organizations? This paper presents, through a multiple case study, an analysis of the cultural influence, in the adoption of the Management Project in consulting and IT development companies. Based on the semi-structured interviews, its possible to note that the organizational culture, whether from the point of view of senior management or in the domain of several groups that are formed within organizations, sets limits and adjustments which are necessary for the adoption of Project Management that effectively contribute to organizational competitiveness.

Project management; Strategic planning; Cultural influence; Information Technology Companies


Influências culturais na adoção da gestão de projetos: um estudo qualitativo em empresas de consultoria e desenvolvimento em TI

Cultural influences on adoption of project management: a qualitative study in consulting and it development companies

Carlos Ferreira da Rocha NetoI; George Leal JamilII; Maria Celeste Reis Lobo de VasconcelosIII

IUniversidade FUMEC, Minas Gerais, Belo Horizonte

IIDocente do Mestrado em Administração da FACE-FUMEC

IIIFaculdade de Pedro Leopoldo, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Carlos Ferreira da Rocha Neto Universidade FUMEC, Minas Gerais, Belo Horizonte Rua Cobre 200, Belo Horizonte, Cruzeiro 30310-190, Belo Horizonte - MG 55-31-3225-4216 e 55-31-9941-3689 - Brasil

RESUMO

Se a Gestão de Projetos for analisada sob o ponto de vista de novas conjugações que englobam técnicas já conhecidas, com um enfoque genérico para gerir projetos, encontra-se sua maior contribuição para as organizações. Porém, a questão que se revela é: como tornar estes enfoques gerenciais genericamente aplicáveis em todos os tipos, formas ou origens de organizações? Este trabalho apresenta, através de um estudo de caso múltiplo, uma análise da influência cultural na adoção da Gestão de Projetos em empresas de consultoria e desenvolvimento em TI. Por meio de entrevistas semi-estruturadas verifica-se que a cultura organizacional, quer sob o ponto de vista da alta administração, quer no domínio dos vários grupos que se formam nas organizações, estabelece limites e adequações necessárias à adoção real da Gestão de Projetos, para que se possa efetivamente contribuir para competitividade organizacional.

Palavras-Chave: Gestão de Projetos. Planejamento Estratégico. Influência Cultural. Empresas de Tecnologia da Informação.

ABSTRACT

If the Project Management is analyzed from the point of view of new combinations that include already known techniques with a generic approach to manage projects, its biggest contribution to the organizations is found. However, the question that is raised is: how to make these management approaches generally applicable in all types, forms or origins of organizations? This paper presents, through a multiple case study, an analysis of the cultural influence, in the adoption of the Management Project in consulting and IT development companies. Based on the semi-structured interviews, its possible to note that the organizational culture, whether from the point of view of senior management or in the domain of several groups that are formed within organizations, sets limits and adjustments which are necessary for the adoption of Project Management that effectively contribute to organizational competitiveness.

Keywords: Project management, Strategic planning, Cultural influence, Information Technology Companies.

1. INTRODUÇÃO

O ambiente organizacional atual, como abordado em inúmeros trabalhos acadêmicos e práticos, se apresenta cada vez mais distante da realidade pós 2ª Guerra Mundial. Mudanças cada vez mais profundas e rápidas nos contextos, relações de competitividade mais acirradas entre as empresas, necessidades de contenção de custos, melhoria da qualidade e encurtamento dos prazos definem alguns aspectos fundamentais a serem considerados pelas organizações. O consumidor fica mais exigente e consciente, criam-se produtos substitutos a todo o momento, a tecnologia se desenvolve e se torna mais sofisticada, as mudanças tornam-se cada vez mais velozes diante da criatividade e capacidade do ser humano.

Para Freitas (2000), a consolidação do capitalismo e o fortalecimento da globalização têm proporcionado condições favoráveis para a ampliação e crescimento das organizações, as quais têm assumido um lugar cada vez mais central no cenário econômico, social e político da sociedade.

Segundo Seixas, Grave e Gimenez (2001), é fato que, no mundo atual, com todas as suas rápidas e constantes transformações, as organizações devem cada vez mais inovar, no sentido de não só satisfazer o mercado como até de surpreendê-lo.

Para estudiosos da estratégia organizacional, entre eles Ohmae (1985) e Porter (1989), é fundamental concentrar os recursos organizacionais (dinheiro, pessoal, tempo e informação) nos fatores básicos que se mostram decisivos para o triunfo de uma empresa ou área. Distribuir recursos, conforme os benchmarks1 1 Benchmarks, ou seja, aqueles que mais se destacaram. (Cf. PRADO; ARCHIBALD, 2006, p. 21). , simplesmente não traz nenhuma vantagem palpável. Se uma organização ou área de uma empresa souber quais são os fatores chave para seu êxito e aplicar neles o conjunto correto de recursos, será então capaz de colocar-se em real superioridade competitiva.

Vargas (2005) afirma que, para atender a demandas de maneira eficaz e efetiva, em um ambiente caracterizado pela velocidade das mudanças, torna-se indispensável um modelo de gestão focado em prioridades e objetivos e, por esta razão, o gerenciamento de projetos tem crescido, mundialmente, de maneira tão acentuada nos últimos anos.

Assim, as metodologias de Gerenciamento de Projetos vêm ganhando cada vez mais espaço. Talvez por apresentarem novas conjugações que englobam técnicas já conhecidas, são muitas vezes criticadas quanto à forma ou ao conteúdo ou confundidas com modelos tradicionais de gestão. Em desenvolvimento de software, por exemplo, a corrente de métodos ágeis afirma que, muitas vezes, pelo excesso de formalidade nos modelos de processo propostos nos últimos 30 anos (FOWLER, 2005; LARMAN, 2004) não se consegue entregar softwares nos prazos e custos fixados. Porém, é fato que principalmente em áreas onde cada produto possui um alto grau de inovação, elas se apresentam como poderosos instrumentos que auxiliam na consecução de projetos, usando pessoas e processos, dentro de parâmetros de especificação, custo e prazo.

Dentro dessa perspectiva, o presente trabalho busca estabelecer a Gestão de Projetos, dentro da visão da ciência da administração, enquanto um método capaz de auxiliar na consecução do planejamento estratégico e na implementação de suas diretrizes.

Ampliando a visão sobre planejamento estratégico, principalmente em sua aplicação e implementação através da gerência estratégica, admitir que ele deve ser específico para cada realidade organizacional é admitir a necessidade de mudanças conforme dimensões intrínsecas e contextuais da organização, como a cultura organizacional e a de seus colaboradores.

Conforme Goold & Campbell (1987), em um estudo feito na Inglaterra com dezesseis grandes empresas de vários segmentos, identificaram-se três estilos bem-sucedidos de condução estratégica: "planejamento estratégico", "controle financeiro" e "controle estratégico". O segredo da escolha, segundo os mesmos autores, está em encontrar o que melhor se adapta às circunstâncias e, a partir daí, ficar atento em relação aos pontos fracos que certamente surgirão. Para eles,

O sapato que serve no pé de uma pessoa aperta o de outra; não existe uma receita de vida que sirva para todos os casos, observou Carl Jung em Modern Man in Search of a Soul. Quando escreveu isto, Jung certamente não estava pensando em gerência estratégica, mas bem que poderia (GOOLD; CAMPBELL, 1987, p. 349).

Para Gaj (1990), a cultura representa um conjunto de crenças e expectativas transformadas em normas e princípios que afeta os comportamentos dos indivíduos e grupos na organização. Nesse sentido, verifica-se um forte vínculo entre a cultura e as estratégias organizacionais.

O trabalho, ora em curso então, apresenta uma conexão entre a Gestão de Projetos e a Cultura Organizacional. Gestão de projetos, como uma importante ferramenta no gerenciamento da criação de inovações, pode ser usada na elaboração do Planejamento Estratégico e, principalmente, na execução de suas diretrizes. E a Cultura, organizacional e local, é uma dimensão com forte influência nos processos organizacionais, no Planejamento Estratégico e, assim, em suas ferramentas e formas de implementação, dentre elas, a Gestão de Projetos.

A pesquisa foi realizada em empresas de consultoria e desenvolvimento em TI, por trabalharem diretamente com projetos e terem na gestão de projetos uma forma de melhoria e reconhecimento mercadológico da organização: capacidade, qualidade, custo e prazo em seus processos e serviços.

Para Prado e Archibald, em referência a projetos de TI:

Seguramente, esta é uma das categorias de projetos mais ativas em todo o mundo, tanto por afetar diretamente o dia-a-dia das organizações, como por envolver enormes quantias de dinheiro e também pelo total de pessoas envolvidas (PRADO; ARCHIBALD, 2007, p. ii).

Vários autores têm discutido diversos problemas relacionados ao desenvolvimento de softwares como conseqüência da omissão ou do uso inadequado de metodologias e técnicas (MEREDITH; MANTEL JR., 2000). Para Hartman (1998), a compatibilidade com os requisitos, a programação e o orçamento são origens frequentes de conflitos em projetos neste segmento. Afirma ainda que a literatura na área atribui, repetidamente, as incongruências nas entregas de muitos projetos, e em especial dos softwares, às questões relacionadas com dimensões de gestão, organizacionais, humanas e culturais, e não técnicas.

Então, a questão de pesquisa que surge é: "como as dimensões culturais influenciam a adoção da Gestão de Projetos em organizações de consultoria e desenvolvimento em TI?".

Na busca de obtenção de resposta à pergunta orientadora e do cumprimento dos objetivos propostos, o artigo foi estruturado em seis seções, incluindo esta introdução. As seções 2 e 3 abordam o duplo referencial teórico do estudo. A seção 2 trata da cultura organizacional e a seção 3 busca descrever a literatura mais atual sobre gestão de projetos. A seção 4 apresenta a metodologia, seguida dos resultados obtidos na pesquisa (seção 5) e das conclusões (seção 6).

2. CULTURA ORGANIZACIONAL

Schein (1992) afirma que a cultura organizacional é um modelo dos pressupostos básicos que um dado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu no processo de aprendizagem, para lidar com os problemas de adaptação ao ambiente externo e de integração interna. A partir do momento em que tais pressupostos tenham sido validados, são repassados aos demais membros da organização como a maneira certa de se perceber, pensar e sentir em relação àqueles mesmos problemas. Para Freitas (1991), a cultura é diretamente proporcional à estabilidade do grupo, ao tempo que ele tem de convivência e à intensidade da aprendizagem gerada. Isso, juntamente com o sucesso econômico, explica porque grande parte dos trabalhos envolvendo a questão da cultura nas organizações aborda as empresas japonesas.

De acordo com Fleury (1991), o conceito de cultura organizacional incorpora diversas perspectivas. Pode ser um conjunto de concepções, normas e valores subjacentes à vida de uma organização que devem ser comunicados aos seus membros através de formas simbólicas tangíveis. Ou um conjunto de pressupostos básicos que um grupo inventou, descobriu ou desenvolveu, ao aprender a lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna, e que funciona bem o suficiente para ser considerado válido e ensinado, a novos membros, como a forma correta de perceber, pensar e sentir. Ou um conjunto de valores e pressupostos básicos, expressos em elementos simbólicos, que têm a capacidade de ordenar, atribuir significações, construir a identidade organizacional, agindo como elementos de comunicação e consenso, assim como elementos que ocultam e viabilizam as relações de dominação.

Segundo Mintzberg et al. (2000), a força da cultura na gestão empresarial se torna clara na medida em que a cultura organizacional passa a ser a mente da organização, as crenças comuns que se refletem nas tradições e nos hábitos, bem como em manifestações mais tangíveis - histórias, símbolos, ou mesmo construções e produtos. Em certo sentido, a cultura representa a força vital da organização, a alma de seu corpo físico, e sua força pode ser proporcional ao grau de ilusão que proporciona à consciência dos envolvidos.

Apesar de já se perceber na concepção de cultura organizacional uma intimidade com outros processos organizacionais, os autores se dividem quanto à concordância de sua influência sobre as estratégias e desempenhos organizacionais, apesar de serem numericamente superior os que a defendem (FREITAS, 2000). O que se vê é que, como os elementos da cultura são de difícil mensuração e estão sempre em uma interação dinâmica, as pesquisas mais especulam que mensuram propriamente o nível de suas influências sobre as estratégias e performance organizacionais (HOFSTEDE, 1986).

Dentre os que acreditam que a cultura é bem menos relevante para o desempenho organizacional do que afirmam a maior parte dos autores, destacam-se Wilkins & Ouchi. Defendem que a existência de organizações com uma cultura própria e exclusiva é muito menos freqüente do que se imagina e que a maior parte dos elementos culturais é irrelevante para esta medida organizacional.

Entretanto, tais afirmativas podem ser contestadas pelo fato de que: do nível dos valores pessoais, conforme estudos sobre a identidade (RODRIGUES, 1997; SILVA; VERGARA, 2002) ou sobre a determinação do ambiente pelo próprio indivíduo (WEICK, 2003), até o nível dos valores humanos (FREIRE, 1979; WEBER, 2005), a cultura está profundamente inserida. Os trabalhos de Porter (1989), por exemplo, destacam os fatores, inclusive culturais, que favorecem vantagens competitivas. A cultura organizacional, como possível recurso gerador de vantagem competitiva sustentável, como apresenta Barney (1991), também atesta esta posição. Além disso, O'Reilly III (1989) destaca uma série de empresas que incrementaram seus resultados através de um adequado gerenciamento da cultura organizacional. É possível que Wilkins & Ouchi (1983) não tenham atentado para o fato de que a dinâmica interação entre os diversos níveis de cultura muitas vezes oculta aspectos culturais específicos das organizações ou que os instrumentos utilizados em suas análises tivessem pouco rigor, conforme destacado por Reynolds (1986).

Uma pesquisa realizada por Child & Kieser (1979), comparando empresas inglesas e alemãs, sugere que os fatores especificamente culturais, como expectativas das pessoas sobre a autoridade, servem de mediadores entre as dimensões contextuais, como o tamanho das organizações, e a natureza das estruturas, papéis e comportamentos dentro das mesmas. O raciocínio sobre tamanho, estrutura e papéis, postulado pela lógica da tese da industrialização estava claro tanto nas empresas germânicas quanto nas inglesas. Porém, organizações nos dois países mostravam diferentes padrões de descentralização e diferentes características gerenciais que não poderiam ser atribuídas de forma consistente ao tamanho ou a outro fator contingente imediato. Este contraste na estrutura e papéis estava, por outro lado, previsto nas diferenças culturais retratadas por outros autores entre as culturas germânicas e inglesas.

Segundo Pardini (2004), face às incertezas oriundas da capacidade limitada da racionalidade humana em processar informações:

As incertezas cedem lugar às prescrições, fórmulas, intuições e referências que fazem algum sentido na hora de decidir. Nessas situações, a cultura se torna uma importante fonte de recursos com todas as suas histórias que precederam o fato e alimentaram as noções do correto e do maléfico (PARDINI, 2004, p. 54-55).

Para o PMI®2 2 Ver referência PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2004, p. 24. (2004), a cultura organizacional é uma das áreas onde o conhecimento do gerente de projetos deve se concentrar para que as interações entre projetos e organização sejam bem-sucedidas. Ainda segundo o mesmo instituto, a influência cultural sobre os projetos pode ser verificada não só nesta perspectiva interna, como também nas relações em que as expectativas e interesses dos diversos stakeholders3 3 Stakeholders de um projeto são indivíduos e organizações que estão ativamente envolvidos no projeto, ou cujos interesses podem ser afetados pelos resultados da execução do projeto ou de sua finalização. (Cf. PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2004, p. 24). estejam presentes.

Para Prado e Archibald (2007), a plataforma de gerenciamento de projetos adotada em uma organização deve respeitar suas particularidades, como a cultura e, ao mesmo, tempo ser compatível com o tipo de projeto para que tenha sucesso.

Hofstede (1980), em uma exaustiva pesquisa, procurou avaliar as influências culturais nacionais buscando entender como traços culturais afetam as organizações. Como ponto de partida de suas indagações, definiu quatro dimensões culturais básicas. Posteriormente, em análises das culturas orientais, tornaram-se cinco. Com elas procurou desenhar os perfis culturais dos países estudados: distância de poder; prevenção contra incertezas; individualismo ou coletivismo; masculinidade ou feminilidade; e orientação para curto ou longo prazo. Uma conclusão importante, afirma Hofstede (1980), é que não se deve esperar que as mesmas concepções e prescrições sobre gerência sejam apropriadas para todas as "categorias" de culturas.

Para Freitas, a descrição dos elementos da cultura organizacional, da forma como funcionam e das mudanças que provocam no comportamento, dá à cultura um tratamento mais concreto e de mais fácil identificação. Segundo a autora:

Verificamos que, no todo ou em parte, esses elementos fornecem uma interpretação para os membros da organização, onde a passagem do significado se dá como uma coisa aceita. A linguagem é funcionalizada, restando a aceitação do que é oferecido como é oferecido (FREITAS, 1991, p. 75).

Ainda segundo Freitas (1991), os elementos mais freqüentemente citados são: valores; crenças e pressupostos; ritos, rituais e cerimônias; estórias e mitos; tabus; heróis; normas; e processos de comunicação.

Para Pardini (2004), o estudo da cultura na organização deve ser desenvolvido considerando duas vertentes que se completam: a análise da administração e a análise de colaboradores em todos os níveis da organização. Nos dizeres do autor: "A cultura e a mudança cultural são tratados como paradigmas que expressam pontos de vista alternativos de pesquisadores da cultura organizacional e variam nos níveis de Integração, Diferenciação e Fragmentação" (PARDINI, 2004, p. 69).

O paradigma da integração caracteriza-se pelo foco na liderança e pelas perspectivas de consenso dos membros da organização em relação à cultura organizacional e da consistência desta mesma cultura (PARDINI, 2004). Schein (1992), citado por Pardini (2004) identifica quatro aspectos que influenciam a cultura organizacional nesta perspectiva integradora: as crenças e valores do fundador e de outras lideranças fortes; normas sociais da empresa e do país; problemas de adaptação externa e sobrevivência; e problemas de integração interna. Ainda na análise da perspectiva integradora, Pardini (2004) cita Vecchio (1995), para quem a manutenção e o reforço da cultura são compreendidos estudando-se: como os líderes reagem diante de crises e eventos críticos; o que a direção considera relevante para controlar e medir; as estratégias de socialização para novos membros; e os critérios de contratação, dispensa, promoção e distribuição de status e recompensas.

Outro paradigma adotado nos estudos sobre cultura organizacional é a visão da diferenciação. Segundo Meyerson e Martin (1987), citado por Pardini (2004), o foco destes estudos se encontra nas inconsistências, na falta de consenso e nas fontes culturais não centradas nas lideranças. A existência de diversas equipes, com objetivos, valores e limites próprios e distintos das demais equipes, demonstra a presença de perspectivas culturais diferenciadas na organização. Segundo a diferenciação, os grupos desenvolvem um sentido comum sobre as tarefas e comportamentos que provocaram resultados desejáveis, e acabam por defender coletivamente a cultura do grupo contra o avanço de outras culturas (ANSOFF; MCDONNEL, 1993, apud PARDINI, 2004). Eles não centram seus esforços no sucesso da organização, mas colaboram com os outros grupos para sua autoproteção (PAYNE, 2001, apud PARDINI, 2004).

O terceiro paradigma nos estudos sobre cultura organizacional, o da fragmentação, enfatiza o caráter individual e paradoxal dos valores e símbolos aceitos e interiorizados por diferentes pessoas e grupos, dentro de contextos internos e externos múltiplos e dinâmicos. Nesta visão, não existe o compartilhamento de um conjunto integrado de valores, mas sim uma conscientização da ambigüidade, ou seja, os paradoxos, a falta de clareza e as interpretações irreconciliáveis são acolhidas e legitimadas simultaneamente (PARDINI, 2004).

Algumas correntes de pensamento sobre os fenômenos sociais defendem que existem tendências, no atual mundo globalizado, de aculturação de elementos sociais, entre eles as técnicas de gestão, a partir da divulgação maciça de informações pelos mais modernos meios de comunicação e relacionamento. Freitas (1991) afirma que a resposta para os dias atuais segue o antigo conceito do global/local, esclarecendo que, embora existam empresas multinacionais em vários locais do planeta, elas devem incorporar valores de cada cultura local para haver uma identificação com seus públicos interno e externo.

Para Freire (1979): "Não há técnicas neutras que possam ser transplantadas de um contexto a outro". Ainda segundo este autor, a importação de técnicas e tecnologias sem a devida "redução sociológica" às suas circunstâncias objetivas não proporciona as condições para o compromisso autêntico na medida em que o instrumento para sua ação é estranho, às vezes antagônico, à sua cultura. As conseqüências são: a inibição da criatividade e o estímulo exclusivo ao formalismo em detrimento do conteúdo (FREIRE, 1979).

Segundo Popadiuk e Santos (2006), citando Rogers (1995):

A estrutura de um sistema social pode facilitar ou impedir a difusão da inovação em um sistema. A estrutura social fornece informações ao indivíduo, reduzindo o seu nível de incerteza quanto à adoção de uma inovação. As crenças associadas com as normas subjetivas são relacionadas com a probabilidade de que importantes referências individuais ou de grupo aprovem ou desaprovem um determinado comportamento (POPADIUK; SANTOS, 2006).

Quanto às mudanças na cultura organizacional, mais uma vez os autores se dividem. Freitas (1991) frisa serem caras e complexas. Complexas porque envolvem seres humanos, que, segundo pesquisas, ficam extremamente abalados e, na maioria das vezes, criam resistência para aceitá-las, pois suas identidades estão misturadas com a identidade da organização. A mudança cultural só acontece quando for introjetada pelas pessoas, pois são elas que a legitimam.

Para Prado (2007), a cultura de uma empresa é o conjunto de atitudes comportamentais frente às necessidades dos negócios. Ela se modifica, com certa lentidão, frente a estas mesmas necessidades de negócios. Porém, ainda no pensamento do autor, devido à dinâmica do mercado, existem circunstâncias em que a cultura precisa ser alterada de forma brusca, podendo gerar um processo penoso e cheio de conflitos que pode ser desenvolvido por uma adequada Gestão de Mudanças ou por uma renovação do quadro de pessoal, uma decisão de conotação social desastrosa.

Segundo Gavioli (2008), muitas organizações, desavisadas, acreditam nos chamados criadores, ou modificadores de cultura, que determinam dia e hora para iniciar a mudança na cultura organizacional. Na visão da autora, ninguém muda a cultura, ela se transforma através dos momentos ou estágios de desenvolvimento de uma organização. Há estágios - nascimento, crescimento, maturidade, falecimento ou renascimento - que são momentos propícios à mudança, estabelecendo-se uma nova correlação entre comunicação, poder e cultura organizacional (GAVIOLI, 2008).

Na visão da presente pesquisa, as técnicas de gerência de projetos, como outras ferramentas e estratégias de planejamento e execução, para obterem sucesso, não podem ser simplesmente copiadas: devem se adaptar à realidade do contexto e da empresa - a relação de culturas e gestão em Hofstede (1986); o conhecimento tácito em Rodrigues (1997); a influência da cultura na organização em Gaj (1990); as várias visões necessárias ao entendimento da cultura organizacional em Pardini (2004). Assim, aspectos como cultura local, cultura organizacional, estrutura formal e informal, estratégias, processos de comunicação, recursos humanos e outros exercem influências determinantes na gestão de projetos (a influência da cultura e estrutura organizacionais na gestão de projetos no PMBOK®, PMI®, 2004; a plataforma de gerenciamento de projetos em Prado e Archibald (2007), de forma similar às influências da cultura nas formas de gestão apresentadas nos estudos em organizações inglesas e alemãs feitos por Child (1979). Ou se mudam as técnicas ou se trabalha para mudar os principais obstáculos organizacionais à sua implantação. Considerando que, em muitas organizações, determinadas características são dificilmente modificadas em um prazo razoável e que existe uma necessidade crescente das organizações adquirirem diferenciais competitivos, ajustes nas técnicas são necessárias para não só torná-las mais exequíveis em tais organizações, possibilitando-lhes adquirir vantagens em um prazo mais curto (favorecer o uso dos recursos como fontes de vantagens competitivas sustentáveis como em Barney, 1991), como até para ajudá-las no processo de mudanças (uma efetiva Gestão de Mudanças) como se vê em Prado (2006).

3. GESTÃO DE PROJETOS

Apesar de pouco explorada na literatura científica em administração, a importância da Gestão de Projetos se torna clara quando é analisada como uma possível opção estratégica e, ainda mais, como uma opção de gestão para planejar e implementar as decisões estratégicas definidas.

Para Prado (2003), o sucesso das empresas no século XX estava relacionado aos melhores sistemas de marketing, aliados a eficientes sistemas de produção, logística, administração, finanças e RH e aos controles das operações rotineiras desses sistemas. No final do século XX e início do XXI, passou a ser importante para as empresas a capacidade de identificar e executar as melhores mudanças. A identificação dessas mudanças é de competência do Planejamento Estratégico e a identificação e seleção das melhores estratégicas de implementação são da alçada do Gerenciamento de Projetos, pois, para o autor, cada mudança é um projeto. Ele argumenta que a realização de projetos deve estar totalmente alinhada à estratégia da empresa, e os projetos devem favorecer os fatores-chave de sucesso da organização, maximizando assim a sua vantagem competitiva.

Kerzner (2003) alega que os crescentes e complexos desafios sobre o gerenciamento são resultados de condições ambientais que, apesar de já existirem anteriormente, nunca atingiram o grau atual. Afirma que grande parte dos executivos hoje concorda que a solução para a maioria dos problemas organizacionais envolve obter melhores controles e usos adequados dos recursos, procurando internamente a solução, e nesta perspectiva têm olhado com cuidado as formas como suas atividades são gerenciadas, considerando o gerenciamento de projetos como uma das alternativas.

Como tratado na literatura sobre o assunto, é fundamental que, ao se falar em Gestão de Projetos, se comece pelo entendimento do que seja um projeto (MENEZES, 2003; PMI®, 2004; VARGAS, 2005; SANTOS, CARVALHO, RBC, 2006).

Em alinhamento com a definição do PMI®(2000), Menezes ressalta o conceito: "Um empreendimento único, que deve apresentar um início e um fim claramente definidos e que, conduzido por pessoas, possa atingir seus objetivos respeitando os parâmetros de prazo, custo e qualidade." (MENEZES, 2003, p. 44).

Santos e Carvalho, no RBC - ABGP, ressaltam:

Considera-se projeto um empreendimento caracterizado, principalmente, pela singularidade das condições em que é realizado, especialmente no que diz respeito ao escopo, aos prazos, aos custos, às pessoas e à qualidade. Um projeto pode também ser definido como a conjugação de esforços em que recursos humanos, materiais e financeiros são organizados de forma inovadora para realizar um tipo único de trabalho, de acordo com especificações previamente definidas, com limitações de custos e de tempo, seguindo um ciclo de vida padrão e tendo em vista a obtenção de uma mudança benéfica para a organização, definida por objetivos quantitativos e qualitativos (SANTOS; CARVALHO, 2006, p. 16).

O PMI® (2004) descreve como características explícitas do projeto: temporal (início e fim definidos), individual (produto, serviço ou resultado único) e de elaboração progressiva (desenvolvido em etapas incrementais); a que Vargas (2005), citando Wideman (1991), acrescenta: raridade (pouco freqüente), restrito (tempo, capital e recursos limitados), multidisciplinar (normalmente necessita de integração entre áreas diferentes) e complexo (tecnologia e conflito de interesses).

Ainda segundo o PMI® (2004), projetos têm sentido para as atividades organizacionais que não podem ser desenvolvidas dentro dos limites operacionais normais da organização. Além disso, os projetos também ganham significado na elaboração e execução dos planos oriundos do planejamento estratégico da organização, como: demandas de mercado inovadoras, necessidades organizacionais de melhoria ou remodelação, novas necessidades dos clientes ou oriundas de avanços tecnológicos e requerimentos legais (PMI®, 2004).

Segundo Prado e Archibald (2007), as organizações privadas podem ser agrupadas em classes que definem os tipos de projeto que podem ser executados de uma forma geral. As organizações orientadas para a rotina, como as indústrias elétrica, siderúrgica e química, possuem uma pressão de mercado voltada para produtividade e qualidade. Assim, os tipos de projetos mais adequados seriam: (1) projetos de mudanças organizacionais para melhoria de resultados financeiros ou para melhoria de recursos operacionais e de produção, e de seus usos; (2) projetos para agilização de processos administrativos através da informatização; (3) projetos de construção e montagem, como a modernização do parque de equipamentos ou ampliação de instalações e grandes reformas. As organizações híbridas, como as indústrias de alimentos, automobilística, têxteis e da moda, por passarem por uma forte pressão por permanente inovação, além dos projetos acima voltados para a rotina, ainda executam: (1) projetos de desenvolvimento de novos produtos e serviços; (2) projetos voltados para área de pesquisa e desenvolvimento. Finalmente, ainda segundo os mesmos autores, as organizações orientadas para projetos, como as de tecnologia da informação, consultorias e design, desenvolvem todos os tipos de projetos pela sua própria orientação e natureza. Seus negócios são oriundos de negociação direta com os clientes e são executados através de projetos.

Para Vargas (2005), em consonância com o PMI® (2004), um projeto pode ser dividido em etapas que facilitam seu gerenciamento, permitindo um controle mais apurado do total de recursos em cada uma, para se atingirem as metas estabelecidas e se anteciparem problemas em um tempo que possibilite correções e evite grandes perdas que possam levá-lo à sua inviabilidade. O conjunto dessas etapas é denominado Ciclo de Vida do Projeto.

De uma forma genérica para efeito didático, nos dizeres de Vargas (2005), são consideradas cinco fases características do ciclo de vida de um projeto. A fase de iniciação, quando são estabelecidas as metas e objetivos, elaborado o escopo do projeto e definidas as estratégias. A fase de planejamento responsável pela discriminação das atividades, elaboração de cronogramas, análise de riscos, definições de recursos, recursos humanos, custos, comunicação, qualidade e aquisições, além das integrações necessárias. A execução do projeto, em que as atividades planejadas são efetivamente desenvolvidas e culminam na transformação de uma idéia em produto ou serviço que pode ser entregue. A fase de monitoramento e controle acompanha e corrige todo o curso do projeto, buscando mantê-lo alinhado ao seu planejamento inicial, gerando alterações necessárias no mesmo ou inclusive, mudando substancialmente seu processo. E a última fase, o encerramento, quando o produto ou serviço se torna acabado e o projeto é avaliado e documentado, estabelecendo um aprendizado em relação aos erros e acertos ocorridos no mesmo. A FIG. 1 ilustra esta visão.


Pelos conceitos de projeto apresentados, pode-se concluir que gerenciar projetos é então gerenciar empreendimentos limitados, específicos e singulares, com duração fixa e pré-determinada, através de um planejamento e execução que tornem seus resultados precisos e previsíveis através do controle de todos os processos envolvidos, tanto quanto possível (SANTOS; CARVALHO, 2006). Gerenciar projetos é gerenciar todas as fases do ciclo de vida de um projeto. Nos dizeres do PMI® (2004, p. 8): "Gerência de Projetos é a aplicação de conhecimentos, habilidades e técnicas para projetar atividades que visam a atingir os requerimentos do projeto [...]". Ela engloba a identificação dos requisitos, o estabelecimento de objetivos claros e possíveis, o balanceamento entre as demandas de qualidade, escopo, prazo e custo, e adaptação das especificações, planos e abordagens às expectativas e pontos de vistas dos diversos stakeholders.

Cleland (1999) propõe sete fatores que devem ser analisados para definição da necessidade do gerenciamento de projetos em um empreendimento ou organização: tamanho do empreendimento em volume de capital, de tempo e pessoal; interdependência entre departamentos ou entre organizações dentro da cadeia produtiva; importância do empreendimento com alto grau de risco e incerteza; reputação da empresa diante do prazo e do orçamento; compartilhamento de recursos; familiaridade com o empreendimento; e mudanças no mercado de atuação.

Vargas (2005) apresenta os principais benefícios alcançados pela adoção da gestão de projetos, quais sejam: evitar surpresas; desenvolver diferenciais competitivos e novas técnicas; antecipar problemas; adaptar os trabalhos ao cliente; disponibilizar orçamento antes da execução; agilizar decisões; aumentar o controle através do detalhamento das etapas e atividades; facilitar e orientar revisões, possibilitando maior capacidade de adaptação; otimizar alocação de recursos; documentar e facilitar estimativas para futuros projetos.

Segundo o PMI® (2004), apenas o conhecimento das técnicas, apesar de ser fundamental, não define um efetivo gerenciamento de projetos. O conhecimento de gerenciamento de projetos, em linhas gerais, abrange a definição e entendimento do ciclo de vida do projeto - iniciação, planejamento, execução, controle e encerramento - e das nove áreas envolvidas - integração, escopo, tempo, custo, qualidade, recursos humanos, comunicação, risco e aquisição. O conhecimento da área de aplicação se faz necessária pelas especificidades dos projetos em diferentes áreas, tal como citado na classificação de Prado e Archibald (2007) de tipos de projetos, assim como pelos aspectos particulares de padronização e regulamentação na mesma área. Ainda segundo o PMI® (2004), como o contexto de projetos é uma realidade social, econômica e ambiental, apresenta impactos, intencionais ou não, sobre os mesmos. Assim, aspectos culturais, sociais, políticos, nacionais, internacionais e físicos devem ser bem conhecidos e analisados sob o ponto de vista de suas inter-relações com o projeto.

Para o PMI® (2004), existem aspectos organizacionais que influenciam os projetos e seus gerenciamentos. Primeiramente, verifica que os sistemas organizacionais influenciam no gerenciamento de projetos na medida em que dá suporte estrutural e informacional para quem decide. Ainda segundo o Instituto, outro aspecto da organização que influencia os projetos é a cultura organizacional. Estas culturas estão refletidas em inúmeros fatores da organização incluindo, mas não restritos a eles: valores compartilhados, normas, crenças e expectativas, políticas e procedimentos, visão das relações de autoridade e relação, além de ética no trabalho. Um terceiro aspecto, ainda no PMBOK® (PMI®, 2004), é a estrutura organizacional. Estas estruturas podem favorecer ou não os projetos segundo a importância dada à atuação do gerente de projetos e à sua autonomia decisória. Finalmente, cita como outros aspectos influentes nos projetos: o papel do escritório de gerenciamento de projetos e os sistemas de gerenciamento de projetos.

Em relação aos stakeholders, em uma análise específica, o PMI® (2004) define que estes agentes são elementos individuais ou organizações, que estão ativamente envolvidos no projeto, ou que têm seus interesses afetados pela execução ou término do mesmo. Na medida em que possuem diferentes expectativas, visões e influências, muitas vezes conflituosas, eles devem ser identificados e trabalhados pelos gerentes, de forma a não afetarem negativamente o curso dos projetos, nem alterar seus objetivos, senão em conformidade com os demais envolvidos. As dimensões culturais, políticas e econômicas de cada um devem ser bem analisadas.

Prado e Archibald defendem que o gerenciamento de projetos em uma organização deve seguir uma plataforma que respeite suas peculiaridades, como a cultura e tipo de organização, e ao mesmo tempo deve ser compatível com o tipo de projeto, sem perder de vista as pressões do mercado. Nos dizeres dos autores:

Sabemos que empresas diferentes possuem culturas diferentes e suas peculiaridades devem ser respeitadas. Além disso, o modelo sendo implantado depende também do tipo de projeto que será acompanhado. Acreditamos, todavia, que, independente dos fatores acima, sempre estaremos implantando uma Plataforma para Gerenciamento de Projetos e a diferença fica por conta dos detalhes de cada plataforma. A pressão do mercado é o principal motivador e é quem tentará ditar a velocidade da implementação ou do aperfeiçoamento da cultura de GP. O tipo de organização e sua cultura indicarão a facilidade para absorção dos novos conceitos e rituais. A categoria de projetos executados no setor indicará as peculiaridades da plataforma que serão implementadas (PRADO; ARCHIBALD, 2007, p. 143).

Para Prado e Archibald (2007), a plataforma é constituída dos pilares: estrutura organizacional, metodologia e informatização, e a base onde se assentam é a competência das pessoas envolvidas, em conhecimentos, experiências e atitudes. A FIG. 4 demonstra a plataforma para gerenciamento de projetos proposta pelos autores.


Para Popadiuk e Santos (2006), o processo de implementação de uma inovação por uma organização, como a gestão de projetos, é muito complexo, pois envolve um grande número de pessoas com diferentes papéis, exigindo uma mútua adaptação da organização e da inovação. Segundo estes autores: "Uma inovação que é incompatível com os valores e normas do sistema social não será adotada tão rápida quanto uma inovação compatível." (POPADIUK; SANTOS, 2006).

Para Gallivan (2001), citado pelos autores acima, esta implementação se dá nas etapas de adoção primária, quando a organização toma a decisão, e de adoção secundária, quando a inovação é assimilada. Para ele, a mediação entre estas etapas se faz através da intervenção gerencial - em atitudes gerenciais para aceleração do processo -, de normas subjetivas - em crenças que as pessoas têm acerca das expectativas de outras pessoas relevantes em relação a seus comportamentos no processo - e de condições facilitadoras - compostas por fatores influenciadores como os atributos da inovação, contexto e cultura da organização e impacto nas atividades.

4 METODOLOGIA

Dentro da pesquisa qualitativa, segundo Yin (2004), o estudo de caso, como uma maneira de se fazer pesquisa, deve ser principalmente usado quando a questão de pesquisa diz respeito a "como" e "por que" determinados fenômenos acontecem, quando o pesquisador não possui controle sobre os acontecimentos e a questão pertence ao mundo atual. De outra forma, ainda no pensamento do mesmo autor, como situações relacionadas a "como" e "por que" são mais explanatórias e apresentam acontecimentos inter-relacionados ao longo do tempo, são mais adequadas aos estudos de caso, pesquisas históricas e experimentos. Não são meras repetições ou incidências, mas relações justificadas e temporais.

Desta forma, Yin (2004) define um estudo de caso como uma ferramenta de investigação empírica que pesquisa um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. Nestas circunstâncias, segundo o mesmo autor, a investigação enfrenta uma situação tecnicamente única, pois há muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados. Assim, deve basear-se em várias fontes de evidências e beneficiar-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e a análise de dados.

Quanto ao instrumento, Kidder (1987) afirma que, apesar de questionários e entrevistas fornecerem forte crédito à validade dos relatos verbais, há importantes diferenças entre os dois. Em um questionário, existe um limite imposto pelas respostas escritas dadas a perguntas pré-elaboradas, enquanto na entrevista a interação entre entrevistador e entrevistado permite um cuidado maior na comunicação das questões e no fornecimento de informações complementares. E ainda: o entrevistador tem a oportunidade de observar o sujeito e o ambiente no qual a resposta é dada.

Em relação à técnica usada para analisar as entrevistas, a pesquisa lança mão da análise de conteúdo. Para Franco (2003), apesar dos usos iniciais da análise de conteúdo estiveram limitados à análise documental - análise de dados naturais ou documentais -, cada vez mais esta técnica passou a ser utilizada para produzir inferências acerca de dados verbais e/ou simbólicos, obtidos através de perguntas e observações de interesse de um determinado pesquisador.

Ainda segundo Franco (2003), a análise de conteúdo se caracteriza por assentar-se em uma concepção crítica e dinâmica da linguagem enquanto entendida como construção real de toda a sociedade e como expressão da existência humana que, em diferentes momentos históricos, elabora e desenvolve representações sociais dentro da interação dinâmica que existe entre a linguagem, pensamento e ação. Assim, ainda segundo a autora, no uso da análise de conteúdo, é fundamental o uso de todo material obtido, mesmo que não apóie as hipóteses do investigador; todos os enunciados que suportem a tese da desigualdade devem ser analisados.

Através de um estudo de caso múltiplo, baseado em análises de conteúdo feitas em entrevistas semi-estruturadas nas empresas de consultoria e desenvolvimento em TI selecionadas, a pesquisa verifica os vínculos entre as variações nos padrões de mercado de implementação e aplicação da gestão de projetos e as culturas organizacionais. Estas variações nos padrões, citadas anteriormente, são definidas aqui por variações nos procedimentos e ferramentas, assim como nas dimensões e atributos organizacionais considerados relevantes para implementação e aplicação da gestão de projetos, conforme levantado na revisão bibliográfica. As entrevistas foram feitas com diretores, gerentes e coordenadores funcionais, gerentes de projetos e analistas, ou seja, com profissionais direta ou indiretamente envolvidos em projetos dentro das organizações.

A pesquisa, realizada em junho e julho de 2008, focou empresas de diferentes portes, em termos de número de profissionais e em locais diferentes, para potencializar possíveis diversidades culturais e de outras dimensões organizacionais. Assim, trabalhou-se com uma empresa pequena para média localizada na cidade de Belo Horizonte, uma empresa americana grande com sede nacional em São Paulo e filiais em Belo Horizonte, Itu e Jundiaí, e uma pequena empresa localizada na cidade de São Paulo, com filiais no Rio de Janeiro e Curitiba.

Na empresa A, foram realizadas quatro entrevistas em Belo Horizonte: um diretor, dois gerentes de projetos e um coordenador de fábrica e analista de sistemas. Na empresa B, foram realizadas cinco entrevistas: um diretor, um gerente de projetos e um gerente funcional, todos em São Paulo, e um analista de negócios e um analista de sistemas, em Belo Horizonte. E na empresa C, foram entrevistados dois profissionais: um gerente de planejamento e um gerente de projetos, todos em São Paulo. As entrevistas foram feitas em profundidade, usando como referência um questionário e duraram cerca de três horas e meia cada.

5. EXPOSIÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA

5.1 EMPRESA A

A primeira empresa pesquisada está localizada em Belo Horizonte, com cerca de 120 colaboradores, cujos principais produtos são: desenvolvimento de sistemas, fábrica de programas, alocação de mão de obra, entrada de dados, vendas de pacotes de softwares desenvolvidos internamente e vendas de softwares através de representação. Presta serviços nas plataformas mainframe e baixa (rede e WEB). Os principais clientes são da área financeira: bancos e seguradoras, atuando também em companhia energética e institutos de seguridade.

Segundo os entrevistados, a empresa viu na Gestão de Projetos, principalmente, um ganho em termos de credibilidade no mercado e padronização de seus processos. Ela foi implantada na empresa, com a ajuda de uma consultoria externa, na busca da certificação em um programa de qualidade em software voltado para a realidade brasileira, conforme esclarecido no próprio manual resumido do programa MPS.Br. Este programa é uma adaptação do modelo Capability Maturity Model Integrated (CMMi), permitindo uma evolução mais suave nos processos adotados, na medida em que os níveis iniciais do modelo americano são decompostos em outros níveis ascendentes. O primeiro nível de certificação é o nível G, classificado como parcialmente gerenciado, no qual a organização obteve o certificado. Este nível foca a Gerência de Projetos e a Gerência de Requisitos. O propósito do processo de gerência de projetos, conforme define o programa, é identificar, estabelecer, coordenar e monitorar as atividades, tarefas e recursos de que um projeto necessita para produzir um produto e/ou serviço, no contexto dos requisitos e restrições do projeto. Assim, em linhas gerais, apresenta uma grande compatibilidade com o modelo apresentado pelo PMI® (2004). Porém, níveis mais sofisticados do gerenciamento de projetos, associados a métricas, aquisições, qualidade e riscos, presentes no PMI® (2004), parecem fazer parte de outros níveis de maturidade do programa.

Por outro lado, o conceito de parcialmente gerenciado do primeiro nível do programa favorece a criação de padronização e documentação mais próximas dos procedimentos até então desenvolvidos pela organização. Segundo os entrevistados, o processo foi criado a partir dos procedimentos que já eram desenvolvidos pela empresa, alterando alguns, incluindo outros e mantendo ainda outros, só que de uma forma padronizada e documentada.

Um gerente de projetos da organização atesta que muitos procedimentos já eram executados pela empresa, porém de modo informal e com base na experiência. Um diretor afirma que buscaram manter certa flexibilidade nos processos para que não engessassem a criatividade dos profissionais, principalmente nas etapas de levantamento de requisitos e construção da solução. Segundo este mesmo diretor, o que se buscou foi adequar o Plano de Desenvolvimento de Software da empresa aos modelos propostos pela consultoria.

Os maiores obstáculos vividos pela organização nesta fase de transição, como apresentados nas entrevistas, foram ligados a questões de turnover4 4 Movimentação de pessoal (nota do autor). de colaboradores que participaram do processo, inexperiência da organização na formação de grupos para este tipo de trabalho, desconhecimento dos objetivos estratégicos da organização e a dificuldade de gerenciamento da dualidade entre a alocação de pessoal na produção e o tempo requerido dos mesmos para estudos, análise e implantação deste processo. A falta de transparência das estratégias parece ter-se acentuado, na visão dos gerentes, após a implantação dos processos, na medida em que a delegação de poder ao gerente de projetos não ocorreu e a alocação de recursos em projetos e na própria evolução dos processos, e da certificação, continua definida de forma centralizada pela diretoria. Talvez esta atitude esteja mais ligada a aspectos culturais, associados à realidade mercadológica da organização, do que propriamente à transparência das estratégias. Neste caso, algumas dimensões da organização devem ser consideradas: a cultura da alta administração, a capacidade de investimento e sua necessidade de sobrevivência.

Por outro lado, alguns pontos foram citados como contribuições da organização para a adoção da gestão de projetos: contratação de consultoria, treinamento, contratação de novos profissionais com experiência em gestão de projetos e apoio e comprometimento da alta administração, apesar dos obstáculos culturais e mercadológicos presentes, principalmente em situações impostas pelo cliente.

Ainda em relação à gestão de projetos na empresa, a implantação parcial do processo, somente na área de desenvolvimento de projetos em plataforma WEB, demonstra uma opção da empresa. Uma consideração importante é que a área de desenvolvimento de sistemas em ambiente mainframe está ligada aos maiores e tradicionais clientes da empresa, que possuem seus próprios processos e metodologias. Além disto, esta área é composta por analistas antigos, que estão acostumados a trabalhar com estes clientes e seus processos e metodologias. Assim, surgem dois grandes obstáculos nesta área: a resistência dos profissionais e a compatibilização dos processos internos com os dos clientes.

Vale ressaltar aspectos marcantes sobre a gestão de projetos em cada entrevista. Para o diretor, um dado fundamental para a gestão de projetos é a qualidade dos profissionais, associada ao treinamento e à conscientização dos mesmos. Para um dos gerentes de projetos, apesar de o caminho ser no sentido de amadurecer o processo de desenvolvimento de software, a tal ponto que possa usar a fábrica, prefere que os recursos estejam integralmente alocados no projeto. Para o coordenador da fábrica e analista de sistemas, o alinhamento transparente entre estratégia e operações é um elemento fundamental para o sucesso da gestão de projetos. Para outro gerente de projetos, a delegação de poder é o mais importante fator para que o gerente de projetos desempenhe suas funções a contento e a gestão possa ser considerada plenamente implantada na organização.

Sob o ponto de vista da cultura organizacional, a empresa pesquisada apresenta como principais características a concentração de poder, aversão ao risco, foco em resultados e visão de curto prazo. Como já esclarecido, com o auxílio de uma consultoria está buscando modificar sua visão para longo prazo, assim como exercitar mais a delegação de poder e autoridade, para que a alta administração possa realizar com mais eficácia suas reais obrigações. Por outro lado, possui fortes traços associados à responsabilidade social, preocupação com o clima organizacional e com os colaboradores, além de políticas não estruturadas de treinamento e recompensa. O desligamento imposto só é usado em último caso.

O treinamento, a motivação e retenção da mão-de-obra são citados como meios para atingir os objetivos, além do foco nos resultados e o estabelecimento de uma rede de relacionamento no mercado.

O recrutamento e seleção, feito internamente até pouco tempo, é realizado por empresas especializadas associadas. A missão, as normas, os procedimentos e os objetivos são documentados e divulgados em um manual do colaborador. Enfatiza os valores de comprometimento, responsabilidade e ética do profissional, e satisfação do cliente.

Os conceitos de espaço e tempo podem ser associados com certa segurança à centralização e à preocupação com o cliente. Procura promover eventos de integração entre os membros, como festas de confraternização e divulgação de resultados, e reforçar laços extraprofissionais. Procura valorizar o conhecimento e o espírito de trabalho em equipe, colaborativo, inclusive fortalecendo e buscando alianças com lideranças naturais na equipe.

Existem grupos distintos dentro da organização, definidos principalmente pelas atividades funcionais. Dentre eles, se destacam dois grupos formados pelos profissionais vinculados aos maiores clientes da empresa, mais antigos e com mais destaque em poder de pressão. Segundo os entrevistados, eles não se sentem tão motivados com os treinamentos tanto quanto os novos profissionais e demonstram certa resistência à implantação de novos processos, procedimentos e ferramentas. Com relação aos processos, estão vinculados aos dos clientes, sobre o que a empresa aceita por definição dos próprios clientes. Porém, na implantação de novas ferramentas e procedimentos, como ocorrido no processo de apropriação de horas trabalhadas, apresentam uma resistência que obriga a diretoria, pelo nível de dependência que possui, a tratá-los como exceção.

É interessante ainda ressaltar alguns aspectos. Como já mencionado, a concentração de poder na organização é grande e, por isso, segundo um gerente de projetos, resta a este profissional o gerenciamento técnico do projeto. Isto acarreta maior necessidade de conhecimento técnico por parte do gerente de projetos.

A aversão ao risco, associada à organização, fortalece a necessidade de criação de padrões e procedimentos, demonstrada pelos novos rumos organizacionais tomados a partir da consultoria e pelo apoio da alta administração na implantação da gestão de projetos. A implantação da gestão de projetos, em uma área composta por profissionais novos e abertos às novas metodologias, se coaduna com a preocupação com o clima organizacional, pois para estes profissionais isto é uma motivação que pode ser vista de outra forma por outros profissionais. Isso, inclusive, é demonstrado pela inexistência de resistências ao processo apresentada nas entrevistas. Os entrevistados afirmam que a tendência dos profissionais na organização é o coletivismo, que fortalece o trabalho em equipe e a gestão de projetos, principalmente quando o projeto envolve grande diversificação de conhecimentos.

Os valores parecem tender mais para aspectos técnicos, ressaltados na missão e nos valores discriminados no manual do colaborador. A existência do manual citado, com normas explícitas, demonstra a preocupação da organização em estabelecer padrões e procedimentos claros, o que favorece a gestão de projetos, apesar de críticas em relação à transparência na estratégia e à atribuição de responsabilidades, citadas nas entrevistas. Por ser uma empresa pequena, seu processo de comunicação é mais direto. Porém, usa também quadro de avisos, mensagens eletrônicas e reuniões.

Para uma efetiva gestão de projetos, envolvendo várias equipes e plataformas, deverá desenvolver mais seu processo de comunicação, apesar de hoje não possuir projetos que envolvam mais de uma plataforma ao mesmo tempo. As características mais observadas nos colaboradores são realização e foco. Este último demonstra o alinhamento com a obtenção de resultados e a realização pode ser analisada pelo número grande de novos profissionais.

Concluindo, a estrutura hierárquica funcional, a concentração de poder, a dependência de clientes e a cultura de resistência de grupos de colaboradores fundamentais para a empresa fazem com que a gestão de projetos esteja implantada em uma única área da organização. Além disto, na prática, ela funciona de uma forma em que o gerente de projetos não possui um poder de decisão em relação a alguns processos, como alocação de recursos ou análise de viabilidades, segundo o PMI® (2004), inerentes às suas funções.

A gestão de projetos se encontra ainda em fase inicial na organização, pelo tempo em que está implantada e pelo nível de certificação, conforme atestado nas entrevistas, apesar de já possuir processos, procedimentos e ferramentas definidos e usados. Saliente-se que os procedimentos, principalmente em relação à análise de requisitos e à definição de solução, foram flexibilizados para manter a criatividade e motivação dos profissionais envolvidos.

A sobrevivência da organização, que a dirige para o curto prazo, aumenta sua dependência pelo resultado imediato e a obriga a não ter tempo de trabalhar resistências. A sobrevivência, associada a imposições dos processos dos clientes e prazos exigidos, faz com que os processos desenhados não surtam os efeitos esperados e a competência dos profissionais envolvidos na gestão de projetos não possa ser integralmente explorada.

Outro aspecto que deve ser ressaltado é que existe um receio dos profissionais sobre a sobrevivência e importância de projetos dentro da organização, pela falta de transparência em relação ao planejamento estratégico, realçada em entrevista, e pela posição da área dentro da estrutura organizacional, debaixo da diretoria técnica. Deve-se ainda observar que a empresa está passando por uma profunda reorganização de onde poderão sair novos objetivos estratégicos.

5.2 EMPRESA B

A segunda empresa pesquisada possui sua matriz em São Paulo e filiais em Belo Horizonte, Jundiaí e Itu, e pode ser considerada uma empresa grande, com mais de 5.500 colaboradores. É uma empresa de processamento, consultoria e desenvolvimento em TI em uma área específica do setor financeiro, atuando há quinze anos no mercado, inicialmente somente com aplicações em ambiente mainframe e hoje também com soluções integradas envolvendo variadas plataformas.

Seu principal objetivo é o processamento, já que trabalha com sistema específico e de alto custo. Porém, para obter diferencial competitivo e poder oferecer funcionalidades que atendam aos diversos produtos requisitados pelos clientes, atua também na área de consultoria, ajudando o cliente a elaborar seus produtos; em desenvolvimento, para customizar seu sistema com soluções que estejam em conformidade com os requisitos dos produtos solicitados; e em prestações de serviços, como centrais de atendimento, suporte e cobrança, ligados ao seu mercado.

A organização se encontra, em linhas gerais, em uma fase embrionária da implantação de gestão de projetos. Os processos estão ainda sendo definidos e é usada uma ferramenta caseira para acompanhamento dos projetos e divulgação restrita de seus status. Ela nasceu da necessidade de organização da empresa, para permitir uma maior integração das áreas frente ao crescimento de seu negócio, inclusive com a intensificação de uso de outras plataformas, e a concretização de um novo e grande negócio, além de uma imposição do mercado, principalmente em relação à sua imagem. Como obstáculos à gestão de projetos, segundo as entrevistas, ressaltam-se a sua posição não estratégica, apesar de contar com o apoio da alta administração, e a cultura de choque entre áreas da organização, com a área comercial e de produtos alinhadas quase exclusivamente com o tempo de mercado do cliente e a área técnica com a falta de controle e previsibilidade para concordar com segurança, negociar ou criar argumentações sólidas para alterá-lo. Segundo os analistas, ainda devem ser destacados obstáculos ligados: à resistência, principalmente por falta de preparo e treinamento; à mudança de foco, diante da pressão sobre o prazo de implantação do novo negócio; à falta de legitimidade do gerente de projetos, diante da indefinição de papéis e responsabilidades, e desconhecimento do negócio; à falta de ferramentas de gestão; e à mudança radical, no sentido de implantação concomitante de diversos processos - gerência de projetos, gerência de mudanças, gerência de requisitos - sem uma análise profunda de suas integrações com o fluxo adotado até então na empresa, trazendo uma burocratização maior ao processo sem justificativas fundamentadas, segundo a visão de muitos colaboradores.

Conforme o diretor e o gerente funcional, o caminho está sendo trilhado no sentido da definição de processos, a partir do mapeamento dos atuais e com o envolvimento de todos, e de dotá-los de ferramentas e métricas que permitam, através de fatos concretos, controlá-los e torná-los visíveis. O objetivo, segundo o diretor, é buscar a qualidade em conformidade com os requisitos, que devem estar também em conformidade com as necessidades do cliente. Vale ressaltar uma observação do gerente de projetos, que ainda não percebeu movimentos concretos no sentido da definição de processos e procedimentos. Ainda seguindo esta última visão, para os analistas, a falta de uma estrutura concretamente mais participativa e transparente, principalmente na apresentação de resultados, provoca um aumento na resistência que, aliada à falta de treinamento e sensibilização, dificulta o amadurecimento do processo na organização.

Um aspecto importante, destacado nas entrevistas, foi a contratação de profissionais experientes em gestão de projetos. O diretor também admite que uma alternativa viável talvez seja a contratação de uma consultoria externa, com experiência no assunto, para auxiliar o processo.

Segundo o gerente funcional, a implantação está sendo feita informalmente, esclarecido com o termo "pelas beiradas", o que diminui um pouco as resistências, pois torna o custo, tempo e mudanças diluídos, porém acaba gerando outro problema associado às faltas de transparência, comunicação e divulgação, que já são deficitárias na organização. Para os analistas, o processo está sendo empírico e não segue nenhuma metodologia, apesar de existir uma consideração informal sobre o PMI® (2004), citado pelos outros entrevistados.

As entrevistas também esclarecem outras dificuldades encontradas no processo: a mudança de diretoria, que provocou um redirecionamento no foco, a posição estrutural da gerência de projetos que deveria estar como staff da organização, o tradicionalismo da matriz americana no sentido de não alterar o que está funcionando e a falta de investimento direto no processo. Interessante destacar a condição de um "desejo genuíno" da organização na implantação efetiva da gestão de projetos e não apenas uma questão de imagem diante do mercado, citada pela analista de negócios.

Sob o ponto de vista cultural, observa-se uma distância de poder acentuada, centralizada nas figuras da alta administração, e se estendendo pela organização por meio dos critérios de status, poder e autoridade, determinados pela posição na hierarquia funcional e proximidade formal e informal com a alta administração. Os entrevistados esclarecem sobre a divisão da empresa em velha e nova. A velha, configurada pela identidade formada, porém com deficiência em gestão. Apresenta também um enraizamento grande em sua história, mitos, crenças e heróis, apresentando por isto uma resistência maior às mudanças através de uma busca de alternativas para manutenção do status quo.

A nova se caracteriza por uma falta de identidade, focada mais no resultado imediato da implantação iminente e necessária. Por isso, apresenta maior dificuldade em suas relações, com alto índice de disputas pelo poder, além de uma apreensão maior por parte dos colaboradores. Além dessa divisão, os entrevistados também percebem divisões dentro da empresa em relação aos locais de trabalho, sendo destacado pelo diretor e corroborado pelos analistas, por exemplo, que a matriz em São Paulo se caracteriza pelo resultado e a filial, em Belo Horizonte, pela qualidade. Além disto, os analistas ressaltam o coletivismo, o clima bom, a responsabilidade profissional e a menor distância do poder local, como características da filial. Afirmam ainda que, na filial, a aceitação de novos membros se faz pelos critérios de humildade, comprometimento e autonomia, enquanto na matriz se faz por imposição, comprometimento e foco em seu próprio trabalho. Existem falhas na organização, apontadas pelos entrevistados, referentes à comunicação deficiente, à falta de normas explícitas e divulgadas e às falhas de atuação da área de recursos humanos em relação às contratações e socializações de novos membros. Apesar de a organização estar focada em clientes e resultados, e hoje, principalmente no curto prazo, apresenta traços iniciais de mobilização, no sentido do clima organizacional e satisfação no trabalho, e visiona um alto retorno no longo prazo a partir da concretização da implantação dos novos clientes. Outras características da concentração de poder e autoridade são: a solução de crises que, além do aspecto técnico de resolver o imediato e atacar a causa, também se caracteriza, conforme a pressão, pela demissão como solução apresentada ao cliente; e a contratação de um grande número de colaboradores exclusivamente pelo critério político da confiança.

Deve-se ainda ressaltar outros aspectos citados nas entrevistas: dentre as medidas importantes para a empresa estão pesquisas de satisfação dos clientes e dos funcionários; o conceito de tempo na organização está voltado para o prazo do cliente e para o resultado do período; o conceito de espaço é amplo e diverso, já que possui setores em locais diferentes, com características bem distintas; a história recente da organização demonstra um crescimento acentuado em um período muito curto; a empresa está passando por uma transformação profunda de valores, inclusive buscando homogeneizar suas características, de opções técnicas e voltadas para qualidade, para opções políticas, práticas e mercadológicas de resultados; enquanto a história demonstra uma cultura forte e enraizada, seu crescimento atual traz novas necessidades e novas formas de pensar. Para os analistas, a empresa está em renascimento e a gestão de projetos em nascimento na organização.

Parece existir falta de objetivo na definição de processos e procedimentos, demonstrada inclusive pela visão diversa dos entrevistados: uns defendendo um suposto mapeamento dos atuais; outros não percebendo nenhum movimento no sentido de suas definições; e outros, ainda, alegando que estão sendo definidos de forma centralizada e radical. Por outro lado, o crescimento acentuado da organização e o dualismo entre uma cultura forte antiga e uma nova cultura em formação, associados à priorização estratégica dos novos clientes, parece dificultar a reestruturação da organização e consequente adoção da gestão de projetos. Assim, pode-se concluir que, apesar da organização buscar a gestão de projetos para se posicionar mais profissionalmente no mercado e melhorar seus processos, esta iniciativa ainda é embrionária e apresenta problemas de cunho estratégico, circunstancial, organizacional e cultural.

5.3 EMPRESA C

A terceira empresa pesquisada é uma empresa de consultoria e desenvolvimento de sistemas em TI, com cerca de 50 colaboradores, com matriz em São Paulo e filiais em Curitiba e Rio de Janeiro.

Fundada em 2003, tem como principais clientes grandes empresas do setor financeiro. Surgiu do relacionamento que seu fundador tinha no mercado financeiro, com uma grande instituição financeira, por meio de uma oportunidade, e da associação com amigos com os quais já havia trabalhado. Em 2006, resolve investir também em outros mercados relacionados, entrando na área de consultoria e desenvolvimento de softwares para o segmento de cartões.

Em relação à Gestão de Projetos na organização, é importante ressaltar a forma como foi implantada. Segundo os entrevistados, a empresa mapeou seus procedimentos e, aproximando-os das melhores práticas, criou, documentou e padronizou seus processos em gerenciamento de projetos. Em linhas gerais, seguiu os processos adotados no PMI® (2004). Os principais objetivos da implantação da gestão de projetos na organização estão ligados à competitividade do mercado, à redução de custos, ao controle de seus processos e à profissionalização da organização como um todo.

Para os entrevistados, a cultura jovem da empresa, sempre aberta às inovações e a qualidade de seus profissionais, contribuiu de forma acentuada para a implantação desta metodologia. Porém, existiram obstáculos que dificultaram esta implantação. Ressaltam-se nas entrevistas: a equipe reduzida, dificultando a distribuição dos profissionais entre a produção e a elaboração e disseminação dos novos processos, e o turnover de profissionais. Além disso, sob o ponto de vista dos colaboradores, existiram resistências, atribuídas principalmente ao desconhecimento sobre o assunto, e a falta de experiência dos profissionais em trabalhar com uma estrutura matricial.

Segundo os profissionais entrevistados, é fundamental que haja o envolvimento de todos, o apoio da alta administração, e que os processos sejam definidos, padronizados e divulgados a partir dos já existentes, para depois, através de um PDCA (plan, do, check e action), aprimorá-los rumo às melhores práticas do mercado. Outro aspecto citado é o processo de comunicação que deve ser transparente no sentido dos objetivos e da conscientização de toda a organização. Para o gerente de planejamento, com a adoção da gestão de projetos, a organização amplia seu mercado e promove um crescimento de seus profissionais.

Apesar de uma evolução da gestão de projetos na organização, em situações de pressão e crise, a alta administração pressiona os profissionais no sentido de adotarem formas tradicionais de trabalho. Além disto, comparando a organização com a literatura de gerenciamento de projetos, observam-se algumas lacunas como a falta de clareza na atribuição de responsabilidades e a centralização na alocação e realocação dos gerentes de projetos, e dos profissionais em geral, pela diretoria. Esta alocação, segundo o gerente de planejamento, leva em consideração o nível de conhecimento sobre o assunto, podendo até o gerente funcional assumir a gestão do projeto. Em relação aos profissionais, existem situações em que a realocação dos mesmos causa transtornos para o gerente de projetos, porém, como é uma determinação da alta administração, é acatada.

Ainda em relação à gestão de projetos na empresa, a inserção de profissionais de origem técnica na equipe de gerentes de projetos foi uma estratégia importante, na medida em que aumentou o nível de aproximação deste profissional com as equipes, diminuindo as barreiras e elevando a capacidade de influenciar a equipe na adoção dos novos processos. Em muitos projetos, um membro da equipe de projetos participa do mesmo, não como gerente, mas como suporte à metodologia e com participação técnica.

Vale ainda ressaltar que, segundo os entrevistados, quando os clientes possuem metodologia de projetos própria, a organização é levada a adaptar seus processos, conseguindo em alguns casos um nível de aproveitamento de cerca de setenta e cinco por cento de seus processos e em outros uma mudança mais acentuada, principalmente em relação à documentação e procedimentos ainda inexistentes na empresa, como os processos de testes. Em outros casos, como atestado pelo gerente de projetos, o cliente não possui uma metodologia definida e apresenta resistência à apresentada pelo fornecedor. Nestas situações, desenvolve-se um trabalho de consultoria, no sentido de demonstrar para o cliente a importância da metodologia e os ganhos que virão com sua aplicação.

Sob o ponto de vista da cultura organizacional, a empresa pesquisada, segundo os profissionais entrevistados, apresenta como principais características uma menor distância do poder, apesar de a decisão final sempre ser da diretoria; aversão ao risco; foco em resultados e visão de curto para médio prazo. Seus principais hábitos e valores compartilhados estão associados ao comprometimento com a organização e com seus clientes, à ética no trabalho e à valorização de seus profissionais. Possui heróis ligados a feitos considerados muito difíceis, tanto comerciais quanto técnicos, com destaque para o empresário fundador da empresa.

O recrutamento e seleção são realizados internamente a partir de indicações. Seu quadro de profissionais é formado, em sua maioria, por consultores autônomos. Suas normas e atitudes padrões não são instituídas formalmente e, quando acontece algum evento considerado fora da normalidade, é tratado em reunião específica, ou em evento organizacional. Seu principal rito institucionalizado é a festa de confraternização mensal, onde são divulgados resultados, realizações e novidades, e comemoram-se os aniversários do mês.

A comunicação formal se faz através da intranet, quadro de avisos, mensagens eletrônicas e reuniões específicas ou gerais. Informalmente, o nível de comunicação é considerado normal pelos entrevistados, restringindo-se a conversas no café ou a eventos sociais extra-profissionais. O conceito de tempo da organização está associado ao tempo do cliente e o conceito de espaço é demonstrado através da autonomia das filiais e dos profissionais alocados nos clientes.

A organização possui um nível de responsabilidade com seus profissionais, demonstrado através do aproveitamento de todos os alocados em projetos finalizados, só desligando-os realmente se não for possível algum tipo de realocação. Existem grupos distintos dentro da organização, definidos principalmente pelas atividades funcionais e por tempo de casa, porém não apresentam dissonâncias em relação à organização.

Segundo os entrevistados, as características mais marcantes nos profissionais da organização são o foco e o comprometimento com o sucesso da empresa. Ainda pelas entrevistas, nota-se que existe um nível elevado de relacionamento social entre os profissionais, demonstrado pelas saídas freqüentes para barzinhos e churrascos nos sítios de alguns consultores da organização. A aceitação de novos colaboradores está associada à experiência e conhecimento, demonstrando a valorização dada a estas características pela cultura organizacional.

É interessante ainda ressaltar alguns aspectos. Como já mencionado, a inserção de profissionais de origem técnica na equipe de gerentes de projeto ajudou a organização no processo de aceitação do novo modelo. Associados a isto, os processos iniciais baseados na forma de trabalhar dos profissionais na empresa, também tornaram a mudança mais gradual e assimilável.

A aversão ao risco associada à organização fortalece a necessidade de criação de padrões e procedimentos, demonstrada pelo apoio da alta administração na implantação da gestão de projetos. Os entrevistados afirmam que a tendência dos profissionais na organização é o coletivismo, que fortalece o trabalho em equipe e a gestão de projetos, principalmente quando o projeto envolve grande diversificação de conhecimentos. Os valores parecem tender para aspectos técnicos e mercadológicos, ressaltados pela valorização da equipe e preocupação com as necessidades, com os processos e com o tempo do cliente. Os processos de comunicação parecem funcionar em um grau bom, favorecendo um dos processos importantes na gestão de projetos.

Se, por um lado, a juventude da organização, e principalmente de sua área de cartões, o apoio da alta administração, o envolvimento direto de profissionais de origem técnica e a mudança gradual favorecem a gestão de projetos, dificuldades relativas à compatibilização com os processos dos clientes e situações de crise e pressão do mercado dificultam seu funcionamento completo. Porém, a organização parece estar firme no propósito de adotar inovações metodológicas em seus processos e sua demonstração de mais realce, talvez, está na decisão de obter a certificação CMMi, já em fase inicial dos trabalhos.

Apesar do curto tempo em que está implantada, conforme atestado nas entrevistas, a gestão de projetos atingiu uma maturidade que permite à organização caminhar em direções mais ousadas, em busca do aprimoramento de seus processos e procedimentos. Um fator de fortalecimento deste caminho é a importância estratégica, para a empresa, dos negócios de consultoria e projetos, principalmente no setor de cartões.

6. CONCLUSÃO

Em conformidade com o referencial teórico, como em Kertzner (2000 e 2003), Prado (2003), Vargas (2005) e Prado e Archibald (2007), observa-se na pesquisa que a gestão de projetos em TI é hoje um importante indicador para o mercado da maturidade organizacional em termos de controles, processos, e qualidade, custo e prazo de seus serviços e produtos. Em algumas circunstâncias, torna-se mais importante sinalizar em um curto prazo ao mercado a sua implementação, que efetivá-la concretamente com todos os seus preceitos, apesar de serem seus objetivos processuais que a elevam ao status de referência.

Outro aspecto interessante, relativo à inserção desta gestão na esfera administrativa das organizações, citado em todas as entrevistas, diz respeito ao seu alinhamento estratégico que, segundo o PMI® (2004) e Prado (2003), garante que seus processos sejam respeitados e seus profissionais legitimados. Pela pesquisa, observa-se também que a gestão de projetos possui um apelo mais forte em termos administrativos -, de planejamento, liderança, controle e acompanhamento -que propriamente técnico, como em estudo citado em Vargas (2005, p. 135), apesar de o conhecimento do negócio facilitar o trabalho do gerente de projetos, além de emprestar-lhe uma ascendência maior sobre a equipe. Considerando então que as opções estratégicas das empresas de consultoria e desenvolvimento em TI estão vinculadas aos tipos de serviços prestados e à forma de condução dos mesmos, normalmente específicos e inovadores para cada cliente, o mercado sinaliza para essas organizações a gestão de projetos como forma adequada de implementá-las. Uma associação da concentração de recursos em fatores decisivos para a organização, como se vê em Ohmae (1985) e Porter (1989), e o domínio da arte de executar projetos, tal como está exposto em Prado (2003).

Porém, pela pesquisa, fica claro que alguns fatores devem ser analisados e estudados para que se obtenham os resultados desejados com a implantação da gestão de projetos.

Os pressupostos básicos, desenvolvidos ao longo dos anos pelos profissionais de TI, para lidar com os problemas de adaptação ao ambiente externo e de integração interna, citados em Freitas (1991) como cultura organizacional, criam resistências à introdução de novas metodologias. A empresa A, evitando confrontos com esta perspectiva, implanta a gestão de projetos em sua área de desenvolvimento na plataforma WEB, composta em sua maioria por profissionais jovens e em formação, e mantém as estruturas tradicionais na plataforma mainframe. Assim, sinaliza para o mercado modernidade e inovação, e ao mesmo tempo permanece atendendo às exigências dos clientes estabelecidos, além de não colocar em risco as relações com os profissionais mais antigos e raros, de quem a sua sobrevivência imediata depende.

Já a empresa C aproveita a formação de uma nova área e introduz, na organização, profissionais de origem técnica com experiências em gestão de projetos. Trabalha então no sentido de envolver seus colaboradores em uma mudança cultural, misturando a gestão de projetos com as atividades técnicas, como no desenho da solução e nas análises de alternativas de implementação, trazendo maior credibilidade para a metodologia e maior legitimidade ao gerente de projetos diante da cultura já estabelecida. Além disso, muda a visão exclusivamente gerencial da metodologia, contribuindo também para sua aceitação neste mesmo contexto.

A empresa B apenas introduz na estrutura funcional o gerente de projetos e ainda não consegue definir os processos e procedimentos que possam justificar sua existência, e, assim, legitimá-lo. Desta forma, o nível de resistência a esta metodologia, nessa organização, permanece alta, principalmente se considerada a força da identidade da filial BH, exposta em várias entrevistas. Na verdade, a indefinição organizacional torna a metodologia uma incógnita em toda a empresa, e a cultura forte da filial, como citado em Pardini (2000) e Robbins (2000), aumenta a resistência local à mesma. A empresa B menciona uma gestão efetiva de mudanças, como citada em Prado e Archibald (2007), coordenada pela área de recursos humanos, porém ainda não a introduziu.

Por outro lado, as definições de cultura organizacional de Freitas (1991) e Fleury (1991), associadas aos estudos de Pardini (2004) sobre a importância da cultura como fonte de recursos em momentos de incertezas, demonstram outras constatações oriundas das entrevistas.

Em momentos de crise e pressão dos clientes, as organizações optam pela forma tradicional de trabalhar, "o jeito que sempre deu certo". O importante é atender a urgência dos clientes e considerações como padrões, processos e documentação passam a ser irrelevantes. Também em situações de eventos críticos, onde erros e problemas são detectados, a imparcialidade dos processos é abandonada e muitas vezes a procura do culpado, como solução, é a saída adotada.

O entendimento sobre os stakeholders do projeto é fundamental, conforme explicitado pelo PMI® (2004). A cultura do ambiente e, em particular, a dos clientes, influencia em grande medida os projetos. Mesmo em situações que não se configuram como crises citadas anteriormente, observa-se uma pressão por prazos muito acentuada, tornando a adoção de procedimentos padronizados, controlados e documentados difícil. Como as empresas de serviços dependem diretamente dos projetos, para não perdê-los para a concorrência e ainda atender o cliente em suas necessidades, acabam por adotar procedimentos informais tradicionais e a cultura das práticas de trabalho de seus colaboradores mais experientes e capazes. A compatibilização dos processos organizacionais com diferentes processos de seus clientes também se torna um problema para sua padronização. Quando o cliente não os tem e ainda é incrédulo em relação a estas metodologias, o problema se torna de convencimento.

Sob o ponto de vista dos stakeholders internos, dois aspectos já citados se tornam relevantes. A opção pela gestão de projetos deve ser estratégica, para que os compromissos sejam efetivos e as exceções não se tornem regras. Por outro lado, a resistência de profissionais mais antigos e arraigados à sua forma de trabalhar deve ser analisada e trabalhada, principalmente pelas posições normalmente importantes ocupadas pelos mesmos na cadeia produtiva da organização.

Observa-se que as empresas, que apresentaram uma maturidade maior em gestão de projetos, partiram de uma adaptação de sua forma tradicional de trabalhar às práticas pregadas pela literatura. O objetivo foi diminuir o impacto da nova metodologia de trabalho nos profissionais, evitando que o nível de resistências dificultasse o novo processo. Por outro lado, a mudança gradual permite a manutenção dos níveis de produtividade necessários à sobrevivência imediata da organização. Em todas elas, a contratação de profissionais com conhecimento e experiência de gerenciamento de projetos ocorreu, com objetivo de disseminar a cultura e a experiência já existentes no mercado.

Um dado importante é a constatação da pouca maturidade das empresas brasileiras em gestão de projetos, conforme pesquisa de Prado e Archibald (2007). Conforme já esclarecido nesta conclusão, e percebido nas entrevistas, parece que a perspectiva exclusivamente de imagem se torna muitas vezes mais importante que a melhoria dos processos organizacionais, fato previsto por Freire (1979) na importação de técnicas sem sua adequação cultural: mais aparência que conteúdo.

Pela análise feita nas entrevistas, conclui-se então que a dimensão cultural influencia os processos organizacionais e sua consideração é fundamental na implementação da gestão de projetos. Partindo de seus procedimentos atuais, compatíveis com a organização e com seus profissionais, e criando alternativas para adaptá-los aos processos descritos na literatura, caminha-se no sentido de uma evolução gradativa da gestão de projetos na organização. Isto diminui a resistência às mudanças e cria um caminho próprio que leva em consideração a manutenção de seus recursos geradores de diferenciais competitivos sustentáveis. Vale considerar que, na maioria das entrevistas, foram citados o conhecimento e o comprometimento como alguns valores dentre os mais importantes das organizações.

A influência cultural pode ser percebida também sob o ponto de vista da relação cliente e fornecedor, dentro do contexto do mercado, na medida em que a prestação de serviços torna esta relação muito mais próxima em termos de necessidades, prazos e processos.

De forma direta: as resistências desenvolvidas pelos profissionais das organizações, as diretrizes definidas pelas altas administrações em situações de crise e as pressões das empresas clientes, quer por suas necessidades de prazo diante da concorrência veloz e acirrada ou por descrença nas metodologias dos fornecedores, são fatores que, por um lado, sofrem grande influência das dimensões culturais e, por outro, influenciam as implementações da gestão de projetos.

A conclusão desta pesquisa direciona um estudo com foco mais integrado e sistêmico da plataforma de gerenciamento de projetos proposta por Prado e Archibald (2007). Nele, as competências, a pressão do mercado, o tipo de organização e sua cultura, e a categoria de projetos seriam responsáveis concomitantemente pela velocidade e aperfeiçoamento, facilidade ou resistência e peculiaridades da gestão de projetos em uma organização.

É importante ainda ressaltar que a consideração dos aspectos culturais na implementação da gestão de projetos, de forma mais ampla, pode favorecer seu amadurecimento no Brasil, principalmente por considerar a diversidade do país oriunda da variedade da organização social, das necessidades locais, da extensão territorial, dos tipos e formatos de organizações e outros fatores que atuam sobre a cultura organizacional.

O presente estudo, enquanto uma pesquisa qualitativa baseada em um estudo de caso múltiplo, não possui a pretensão de esgotar as reflexões sobre o tema, mas abrir mais um espaço para necessidade de consideração das dimensões humanas e sociais na esfera das modernas formas de gestão nas organizações. Seus resultados não são generalizáveis e, por isso, muito trabalho resta por fazer sobre a influência cultural na adoção da gestão de projetos.

George Leal Jamil

Docente do Mestrado em Administração da FACE-FUMEC

Minas Gerais, Belo Horizonte

Rua Cobre 200, Belo Horizonte, Cruzeiro

30310-190, Belo Horizonte - MG

55-31-3225-4216 e 55-31-9941-3689 - Brasil

E-mail: gljamil@terra.com.br

Maria Celeste Reis Lobo de Vasconcelos

Faculdade de Pedro Leopoldo, Brasil

Recebido em: 08/02/2009

Aprovado em: 06/06/2009

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  • Endereço para correspondência
    Carlos Ferreira da Rocha Neto
    Universidade FUMEC, Minas Gerais, Belo Horizonte
    Rua Cobre 200, Belo Horizonte, Cruzeiro
    30310-190, Belo Horizonte - MG
    55-31-3225-4216 e 55-31-9941-3689 - Brasil
  • 1
    Benchmarks, ou seja, aqueles que mais se destacaram. (Cf. PRADO; ARCHIBALD, 2006, p. 21).
  • 2
    Ver referência PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2004, p. 24.
  • 3
    Stakeholders de um projeto são indivíduos e organizações que estão ativamente envolvidos no projeto, ou cujos interesses podem ser afetados pelos resultados da execução do projeto ou de sua finalização. (Cf. PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2004, p. 24).
  • 4
    Movimentação de pessoal (nota do autor).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Jun 2009
    • Recebido
      08 Fev 2009
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