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A PESQUISA DESIGN SCIENCE NO BRASIL SEGUNDO AS PUBLICAÇÕES EM ADMINISTRAÇÃO DA INFORMAÇÃO

DESIGN SCIENCE RESEARCH IN BRAZIL ACCORDING TO INFORMATION MANAGEMENT PUBLISHING

Resumos

Este artigo realiza uma revisão da literatura das pesquisas publicadas pela academia brasileira de administração da informação com o objetivo de analisar o quanto se aplica e como se pratica os princípios da pesquisa design science (DS). A amostra da pesquisa foi extraída de 257 artigos publicados por esta área, nos anais do EnANPAD, no período 2008-2012. Observou-se o interesse manifesto dos pesquisadores pela DS, considerando que há publicações referentes ao desenvolvimento de novos artefatos. Estas pesquisas, porém, não observaram aspectos centrais da DS, como: associação do artefato a problemas do ambiente de negócios e evidenciação da utilidade do artefato por meio de testes com variáveis associadas ao problema.

Design science; artefato; ciência do artificial; método de pesquisa; utilidade


This paper performs a literature review of research papers published by the Brazilian Academy of Information Management, with the purpose of analyzing how much the main design science (DS) research principles are applied and how they are put in practice. The research sample was extracted from 257 papers published in this area of study, from the annals of the EnANPAD, between 2008 and 2012. The expressed interest of the researchers in DS was noticed, taking into account the fact that there are research papers published related to the development of new artifacts. Such papers, however, did not address central aspects of DS, such as the association of an artifact with problems in the business environment, substantiating the use of an artifact by means of tests with variables associated with the problem.

Design science; artifact; science of the artificial; research method; utility


1. INTRODUÇÃO

Embora frequentemente associada a métodos de pesquisa das áreas de medicina e engenharia, a pesquisa design science aplica-se a diversas outras áreas da ciência, como a arquitetura, a ciência da computação, sistemas de informação, planejamento urbano, contabilidade, educação e administração (Baldwin & Clark, 2000Baldwin, C.Y. & Clark, K.B. (2000). Design Rules: The Power of Modularity. Cambridge, MA: MIT Press.).

A administração por ser uma área aplicada, com muita inserção de entidades artificiais, aqui denominadas de artefatos, é uma das áreas da ciência com grande potencial para aplicação da pesquisa design science (Van Aken & Romme, 2009Van Aken, J. E., & Romme, G. (2009). Reinventing the future: adding design science to the repertoire of organization and management studies. Organization Management Journal, 6 (1), p.2-12.). No campo da Administração, as pesquisas design science concentram-se fortemente na área da gestão de sistemas de informação (Truex, Cuellar, & Takeda, 2009Truex, D.,Cuellar, M., &Takeda, H. (2009).Assessing Scholarly Influence: Using the Hirsch Indices to Reframe the Discourse. Journal of the Association for Information Systems, 10 (7), 560-594.; Orlikowski & Iacono, 2001)Orlikowski, W.J., & Iacono, C.S. (2001). Research Commentary: desperately seeking the ‘IT’ in IT Research – A call to theorizing the IT artifact. Information Systems Research, 12 (2), 121-134..

A definição e fundamentação da pesquisa design science datam da década de 1960 do século XX. A primeira definição do termo ocorreu nos trabalhos de Fuller e McHale (1963)Fuller, R.B., & McHale, J. (1963). World Design Science Decade: 1965-1975. Southern Illinois University.. Em 1968, publicou-se a primeira edição do livro Ciência do Artificial, de Herbert Simon (1996)Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press., que divulgou o estudo científico do artificial, como uma postura distinta da ciência predominante, direcionada ao estudo do natural.

O trabalho de Simon (1996)Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press. motivou o desenvolvimento da metodologia científica design science direcionada a projetos de artefatos relevantes, sistemáticos e formalizados para as muitas disciplinas e profissões orientadas ao conceito de projetos de artefatos. Epistemologicamente, a pesquisa design science incorpora características típicas de paradigmas de pesquisa pragmáticos: centradas em problemas, voltadas para consequências e orientadas para prática do cotidiano, do fazer.

Ao comparar a estruturação e aplicação de abordagens de pesquisa associadas ao tradicional paradigma de pesquisa positivista, com abordagens associadas aos demais paradigmas de pesquisa como o pragmático, o construtivista e o reivindicatório-participante, observa-se que estas últimas abordagens estão em fase de desenvolvimento, estruturação e divulgação (Creswell, 2007Creswell, J. (2007). Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2. ed. Porto Alegre, RS: Bookman.). A pesquisa design science, de natureza pragmática, é uma dessas recentes abordagens científicas; pouco conhecida e, consequentemente, pouco praticada pelos pesquisadores. Apesar das publicações referentes às pesquisas brasileiras da área de administração não mencionarem a pesquisa design science (De Sordi, Meireles, & Sanches, 2011De Sordi, J.O., Meireles, M., & Sanches, C. (2011). Design Science aplicada às pesquisas em administração: Reflexões a partir do recente histórico de publicações internacionais. Revista de Administração e Inovação, 8(1), 10-36.), os autores desta pesquisa entendem que a essência da pesquisa design science deva estar presente em muitas das publicações, ou seja, voltam-se ao desenvolvimento e divulgação de artefatos úteis aos praticantes da área de administração, dos gestores organizacionais de empresas com fins lucrativos ou não e de quaisquer portes. Esta percepção foi o motivador da presente pesquisa que objetiva investigar o quanto se aplica e como se pratica os princípios da pesquisa design science nas pesquisas publicadas pela academia brasileira de administração da informação.

Para fins de obter a amostra, foram definidos os artigos publicados nas bases de dados do Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), mais especificamente os 257 artigos publicados nos anais da área de Administração da Informação, durante o período de 2008 a 2012.

A escolha desta base foi em função de ser o registro do maior e o mais importante congresso brasileiro da área da administração. Além disso, essa base disponibiliza todos seus artigos em mídia digital, o que permite a aplicação do software SearchInform Desktop para busca (query) eletrônica das palavras-chave. Quanto à escolha da área de Administração da Informação, ocorreu em função de ser a mais próxima da área de informática: uma das áreas originárias e de maior aplicação da pesquisa design science.

A próxima seção apresenta os conceitos da pesquisa design science, com a descrição de diretrizes e fases para sua aplicação segundo seus principais praticantes e conceituadores. A terceira seção apresenta o método da pesquisa, descrevendo os procedimentos quantitativos e qualitativos utilizados, respectivamente, para discussão do “quanto se aplica” e “como se pratica” a pesquisa design science nas pesquisas brasileiras da área de administração da informação que abordam artefatos. A quarta seção apresenta as análises e discussões e, concluindo o texto, a quinta seção apresenta as conclusões.

2. CONCEITO DA PESQUISA DESIGN SCIENCE

A pesquisa design science volta-se para resolução de problemas a partir da aplicação de novos conhecimentos científicos, essencialmente pragmática. Enquanto muitos paradigmas de pesquisa científica objetivam descobrir “o que é verdade”, a ciência do design busca identificar o “o que é eficaz” (Hevner et al., 2004Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.). “As questões fundamentais abordadas pela pesquisa design science são: “quão útil é este novo artefato?”, isto é, “o quanto o artefato atende a uma necessidade relevante?” e “o que demonstra esta utilidade?” (Hevner et al., 2004Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105., p.91)". Evidências devem ser apresentadas para resolver estas questões.

O novo conhecimento projetado para resolução de problemas, o design, tem de ser aplicado na resolução de problemas específicos, daí o emprego do termo artefato para o conhecimento gerado pela pesquisa design science. São muitas as formas possíveis de artefatos a serem desenvolvidos no campo da administração. Pode ser um método, um processo, um questionário, uma fórmula analítica, uma escala para classificação, entre outros. A diversidade de formas possíveis para o artefato está explicitada pelo emprego do termo design para denominar a abordagem. O Manual de Oslo, que aborda a inovação nas organizações, apresenta uma nota técnica que define bem a grande amplitude do termo design (Organisation, 1997Organisation for Economic Co-Operation and Development. (1997). Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. São Paulo, SP: FINEP., p.23):

A palavra design, na língua inglesa, pode ter diferentes interpretações, além da mais conhecida pelos brasileiros ligada a estilo, moda, layout do produto. As demais acepções dessa palavra aparecem neste Manual e são traduzidas pelos seus sentidos. Empregam-se assim, além da palavra “design”, as palavras “concepção”, “desenho”, “delineamento” e “formulação”.

Segundo Simon (1996)Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press., o “espaço do problema” é definido pela ciência do artificial (science of design) como a diferença entre a “situação presente” e a “situação desejada”. A ciência do artificial postula que utilidade e decisões estatísticas sejam empregadas para definir o “espaço do problema”, assim como as “técnicas de pesquisa” sejam as ações necessárias para diminuir a diferença entre “situação presente” e a “situação desejada”. Destarte, a fundamentação da pesquisa design science para construção dos artefatos são as técnicas de pesquisa científica.

Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105. sistematizaram um conjunto de sete diretrizes que se tornaram referência para pesquisadores, revisores, editores e leitores no que concerne à compreensão do método de pesquisa design science. Tais diretrizes devem ser criteriosamente observadas pelos pesquisadores que pratiquem a pesquisa design science. As sete diretrizes são descritas a seguir.

2.1. Diretrizes para prática da pesquisa design science

DIRETRIZ 1: O objeto de estudo deve ser um artefato.

Artefato é tudo o que não é natural, algo construído pelo homem (Simon, 1996Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press.). Os princípios da design science têm suas raízes na engenharia das coisas artificiais. Os sistemas de informação (SI) são um perfeito exemplo de sistemas artificiais, implementados dentro das organizações com o objetivo de incrementar a eficiência desta. Tais sistemas não obedecem às leis naturais ou às teorias comportamentais, pelo contrário, a criação deles confia num núcleo de teorias que são aplicadas, testadas, modificadas e expandidas por meio da experiência, criatividade, intuição e capacidade de resolver problemas do pesquisador (Markus, Majchrzak, & Gasser, 2002Markus, M. L., Majchrzak, A., & Gasser, L. (2002). A design theory for systems that support emergent knowledge processes. MIS Quarterly, 26(3), 179-212.; Walls, Widmeyer, & Sawy, 1992Walls, J.G.,Widmeyer,G.R., & Elsawy, O. (1992). A Building an information system design theory for Vigilant EIS. Information Systems Research, 3(1), 36-59.).

Orlikowski e Iacono (2001)Orlikowski, W.J., & Iacono, C.S. (2001). Research Commentary: desperately seeking the ‘IT’ in IT Research – A call to theorizing the IT artifact. Information Systems Research, 12 (2), 121-134. apontam a área de SI como uma das mais envolvidas com artefatos tecnológicos. São exemplos de artefatos, especialmente no campo de SI: constructos, modelos, métodos e geradores de instâncias (“instantiations”). Instantiations em design science são exemplos concretos, como modelos ou protótipos.

DIRETRIZ 2: O problema abordado pelo artefato deve ser relevante aos praticantes.

A fundamentação e declaração de um problema de pesquisa para pesquisa design science é distinta da encontrada em outras abordagens. Difere muito, por exemplo, do modelo de deficiências, amplamente empregado por pesquisadores da área de ciências sociais (Ellis & Levy, 2008Ellis, T.J. &, Levy, Y. (2008). Framework of problem-based research: A Guide for Novice Researchers on the Development of a Research-Worthy Problem, Informing Science, 11, 17-33.). Um problema para pesquisa design science precisa ser motivador, interessante e a sua solução tem de ser útil aos usuários (Hevner et al., 2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.. A design science volta-se para soluções de base tecnológica que, no campo da Administração, pode ser atrelada a importantes problemas e desafios empresariais. Neste contexto, um problema pode ser definido como a diferença entre um objetivo-meta e o corrente estado do sistema (Simon, 1996)Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press.. Resolver o problema, dessa forma, consiste em desenvolver ações para reduzir ou eliminar as diferenças. Além da organização ser um artefato complexo, há o desafio contínuo do alcance de metas. Metas devem ser alcançadas respeitando as condições necessárias de atuação, impostas pelos grupos de interesse, que são: Clientes (qualidade, preço); Empregados (salários, empregos); Governo (impostos, condições de trabalho). Estes objetivos da organização engendram, consequentemente, problemas empresariais e oportunidades frequentemente relacionados a custo e renda. Para isso, os artefatos passam a ser utilizados para contribuir para tais objetivos. Tais problemas relacionados ao aumento de eficácia, à elevação da eficiência, à redução de custos ou de prazos passam a ser relevantes porquanto estão associados à sobrevivência da empresa.

DIRETRIZ 3: A Avaliação da utilidade do artefato deve ser rigorosa.

A utilidade, qualidade e eficácia da design science devem ser demonstradas rigorosamente por meio de métodos precisos para avaliação do resultado produzido (Hevner et al, 2004Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.). Avaliação é um componente crucial do processo de pesquisa. A avaliação do resultado da design science é frequentemente fundamentada nas exigências empresariais, de forma geral, associadas ao contexto da utilidade, qualidade e beleza (estilo) do artefato produzido.

A avaliação inclui também a integração do artefato com a infraestrutura técnica do ambiente do negócio. De acordo com Johansson et al. (2003)Johansson, J.M.; et al. (2000). On the impact of network latency on distributed systems design. Information Technology Management, 1(3), 183-194., no ambiente da Tecnologia da Informação, os artefatos podem ser avaliados em termos da sua funcionalidade, da perfeição, da consistência, precisão, desempenho, confiabilidade, facilidade de uso, ajuste à organização, entre outros atributos de qualidade pertinentes. Quando métricas analíticas são apropriadas, os artefatos projetados podem ser avaliados matematicamente. Como exemplo, os resultados dos algoritmos de busca podem ser avaliados rigorosamente em termos da precisão, comparando o que se retorna (resultados) com o que há para se explorar na base (princípio da revocação) (Salton, 1988Salton, G. (1988). Automatic text processing: the transformation, analysis and retrieval of information by computer. Reading, MA: Addison-Wesley.).

DIRETRIZ 4: Deve haver contribuição efetiva para a área de conhecimento do artefato.

Uma questão fundamental em qualquer tipo de pesquisa é: “quais são as contribuições inovadoras e interessantes que a pesquisa proporciona?”. No ambiente de SI, os artefatos têm que representar o negócio. A síntese disso é que a pesquisa deve demonstrar uma clara contribuição para o ambiente empresarial, resolvendo um problema importante, até então em aberto. Segundo Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105., a design science tem potencial para produzir três tipos de contribuições na área de SI:

  • projeto do artefato. Uma das contribuições da design science é a criação do próprio artefato (Hevner et al., 2004Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.). O artefato deve ser uma solução para um problema até então não solucionado. Pode constituir-se numa expansão da base do conhecimento ou a aplicação de conhecimento existente sob uma ótica inovadora. A pesquisa em SI abrange a aplicação em ambiente apropriado. Metodologias para desenvolvimento de sistemas, projetos de ferramentas e protótipos de sistemas são exemplos de artefatos;

  • ampliação dos fundamentos. Os resultados da design science possibilitam que sejam feitas adições à base de conhecimentos existente. Os resultados da design science podem ser definição de constructos, métodos ou extensões de técnicas que melhorem as teorias, as estruturas (frameworks), os instrumentos, conceitos, modelos, métodos e protótipos existentes, ou incrementem a base de conhecimentos referentes a técnicas de análise de dados, procedimentos, medidas e critérios de validação; e

  • desenvolvimento de novas metodologias. O criativo desenvolvimento e uso de métodos de avaliação possibilitam a contribuição da pesquisa design science para o desenvolvimento de novas metodologias. Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105. consideram que medidas e métricas para avaliação são componentes cruciais da pesquisa, constituem-se, também, em contribuição da design science para a expansão da base de conhecimento existente.

DIRETRIZ 5: Pesquisa rigorosa.

Pesquisa por meio de design science requer a aplicação de métodos rigorosos, tanto na construção como na avaliação do projeto do artefato. O rigor é avaliado frequentemente pela aderência da pesquisa a uma apropriada coleção de dados e a análises técnicas corretas. Neste aspecto, a design science segue os mesmos princípios que norteiam as demais abordagens de pesquisa científica.

DIRETRIZ 6: Uso eficiente de recursos.

Empregam-se recursos disponíveis para se alcançar os fins, satisfazendo todas as leis do ambiente pertinente ao problema, sem efeitos colaterais. Uma pesquisa bem conduzida requer conhecimento tanto do domínio de aplicação quanto do domínio da solução. O artefato ou seu processo de criação é a melhor solução num dado espaço-tempo. A natureza interativa do processo de projeto permite contínuo feedback entre as fases de construção, para incrementar a qualidade resultante do sistema objeto de estudo.

DIRETRIZ 7: Comunicação dos resultados aos praticantes.

Os resultados da pesquisa design science são divulgados a diversas audiências com detalhes adequados a cada uma. As apresentações consideram detalhes específicos de acordo com o público-alvo. Os praticantes, aqueles que utilizarão o artefato, estão entre as audiências centrais das divulgações acerca do artefato objeto da pesquisa design science. Neste aspecto, observam-se as mesmas recomendações de outra abordagem pragmática, o Estudo de Caso, que recomenda a elaboração de um texto específico - a “versão popular” - para comunicar os resultados da pesquisa além do público acadêmico-científico, abrangendo os praticantes, no caso da administração, os gestores. Yin (2001Yin, R.K. (2001). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2. ed. Porto Alegre, RS: Bookman., p.163) faz a seguinte recomendação: “o resultado é um estudo de caso interessante e informativo, cuja versão popular – publicada em um periódico profissional do local – é divertida e fácil de ler”. Quanto à forma de comunicar as inovações obtidas pela pesquisa design science, duas abordagens são possíveis, a descritiva e a prescritiva, explicadas em maiores detalhes no subtópico a seguir.

2.2. Fases da pesquisa segundo a pesquisa design science

Gab et al. (2012)Gab, O. et al. (2012). Anatomy of Knowledge Bases Used in Design Science Research. In K. Peffers, M. Rothenberger & B. Kuechler (Eds.), Design Science Research in Information Systems: Advances in Theory and Practice. Berlin, GE: Springer Berlin Heidelberg, 328-344. pesquisaram as taxionomias epistemológicas propostas para classificar o tipo de conhecimento gerado pela pesquisa design science. Eles identificaram duas taxionomias como sendo as centrais: a de Kuechler e Vaishnavi (2008)Kuechler, B., &Vaishnavi, V. (2008). Theory development in design science research: anatomy of a research project. European Journal of Information Systems, 17(5), 489–504., abrangendo dois tipos, e a de Iivari (2007)Iivari, J. (2007). A paradigmatic analysis of information systems as a design science. Scandinavian Journal of Information Systems, 19(2), 39-64., que apresenta estrutura similar à anterior, porém com um tipo a mais. Os três tipos de conhecimento gerado pela pesquisa design science, segundo estas taxionomias, são:

  • Conhecimento Descritivo - proveniente das ciências naturais e das ciências sociais, serve como entrada para design science por sugerir técnicas ou novas abordagens para resolução de problemas (Iivari, 2007Iivari, J. (2007). A paradigmatic analysis of information systems as a design science. Scandinavian Journal of Information Systems, 19(2), 39-64.; Kuechler&Vaishnavi, 2008Kuechler, B., &Vaishnavi, V. (2008). Theory development in design science research: anatomy of a research project. European Journal of Information Systems, 17(5), 489–504.);

  • Conhecimento Prescritivo - fornece prescrições explícitas de como fazer algo. Além das características do artefato, fornece as normas tecnológicas e as regras que determinam como alcançar um resultado desejado, em uma situação particular, com a utilização do artefato (Iivari, 2007Iivari, J. (2007). A paradigmatic analysis of information systems as a design science. Scandinavian Journal of Information Systems, 19(2), 39-64.; Kuechler, &Vaishnavi, 2008Kuechler, B., &Vaishnavi, V. (2008). Theory development in design science research: anatomy of a research project. European Journal of Information Systems, 17(5), 489–504.);

  • Conhecimento Conceitual - inclui conceitos, classificações e estruturas conceituais (framework) a respeito de determinado problema ou oportunidade para aplicação da pesquisa design science (Iivari, 2007Iivari, J. (2007). A paradigmatic analysis of information systems as a design science. Scandinavian Journal of Information Systems, 19(2), 39-64.).

Os aspectos comuns das taxionomias de Gab et al. (2012)Gab, O. et al. (2012). Anatomy of Knowledge Bases Used in Design Science Research. In K. Peffers, M. Rothenberger & B. Kuechler (Eds.), Design Science Research in Information Systems: Advances in Theory and Practice. Berlin, GE: Springer Berlin Heidelberg, 328-344., que se ocupa da forma - prescritiva ou descritiva - como o conhecimento é apresentado, e de Iivari (2007)Iivari, J. (2007). A paradigmatic analysis of information systems as a design science. Scandinavian Journal of Information Systems, 19(2), 39-64., Kuechler e Vaishnavi (2008)Kuechler, B., &Vaishnavi, V. (2008). Theory development in design science research: anatomy of a research project. European Journal of Information Systems, 17(5), 489–504., que se ocupam das normas tecnológicas e das regras que determinam como alcançar um resultado desejado, indicam dois momentos do ciclo de desenvolvimento do artefato tecnológico: sua proposição na forma de proposta (descritiva) e sua apresentação na forma de como operacionalizá-lo (prescritiva).

As diretrizes de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105. para pesquisa design science agregam um terceiro estágio para o artefato: sua validação rigorosa com comprovada utilidade no contexto da área fim na qual o artefato se propõe a colaborar. Neste ponto é importante observar que há diferentes finalidades de testes: para construção e validação da lógica do artefato, por exemplo, a encontrada na proposição de uma escala, e o teste de utilidade do artefato, que deve estar associado a uma variável pertinente a um problema ou oportunidade do ambiente de negócios.

A figura 1 descreve estes diferentes momentos do ciclo de desenvolvimento do artefato; os testes para construção e validação do artefato estão declarados como “artefato funcional”, enquanto que os testes para análise de utilidade estão descritos como “artefato testado”.

Figura 1
– Fases da pesquisa design science e os diferentes momentos do ciclo de desenvolvimento do artefato tecnológico

3. PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS DA PESQUISA

Esta pesquisa analisa aspectos quantitativos e qualitativos das pesquisas brasileiras da área de Administração da Informação que abordam artefatos. Estes aspectos estão destacados pelos termos “quanto se aplica” e “como se pratica” presentes na redação do objetivo da pesquisa. Para definição do conjunto de atividades e das técnicas de pesquisas a serem aplicadas, os seguintes objetivos específicos foram definidos:

  1. identificar a base de artigos científicos representativa da produção brasileira na área de administração;

  2. identificar a partir da base de artigos científicos, as pesquisas que objetivaram apresentar um artefato à academia (primeira diretriz de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.);

  3. para as pesquisas voltadas para artefatos, verificar o estágio do artefato apresentado, se uma proposta de artefato, se testado funcionalmente ou se amplamente testado por profissionais e/ou no contexto da área fim;

  4. para as pesquisas voltadas para artefatos, analisar as que associam o artefato ao ambiente de negócios vinculando-o com uma ou mais variável relacionada ao problema ou oportunidade do ambiente de negócios (segunda diretriz de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.);

  5. para as pesquisas voltadas para artefatos, analisar as que buscaram comprovar a utilidade do artefato com testes envolvendo evidências associadas às variáveis do problema ou oportunidade do ambiente de negócios (terceira diretriz de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.);

  6. para as pesquisas voltadas para artefatos, verificar a forma de apresentação do mesmo, se o novo conhecimento é apresentado de forma prescritiva ou descritiva (taxionomias analisadas por Gab et al. (2012)Gab, O. et al. (2012). Anatomy of Knowledge Bases Used in Design Science Research. In K. Peffers, M. Rothenberger & B. Kuechler (Eds.), Design Science Research in Information Systems: Advances in Theory and Practice. Berlin, GE: Springer Berlin Heidelberg, 328-344.);

  7. para as pesquisas voltadas para artefatos, verificar a divulgação destas para público distinto do acadêmico-científico, ou seja, publicação da “versão popular” voltada para praticantes, no caso os gestores (sétima diretriz de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.).

Os dois primeiros objetivos específicos (“a” e “b”) auxiliaram a definir a amostra da pesquisa e, consequentemente, respondem pela parte quantitativa do objetivo da pesquisa: “quanto se aplica”, ou seja, quantas pesquisas intencionaram realizar uma pesquisa pragmática na forma de apresentação de um artefato à academia. Os demais objetivos específicos abordam a parte qualitativa, o “como se aplica”: o assunto estágio de desenvolvimento do artefato (uma proposta de artefato, artefato já funcional ou artefato testado) tratado pelo objetivo específico “c”; a percepção e comprovação da utilidade do artefato a partir de testes associados a variáveis de problemas ou oportunidades do ambiente de negócios, assunto tratado pelos objetivos específicos “d” e “e”; a forma de apresentação do artefato, se ocorre de forma prescritiva ou descritiva, assunto tratado pelo objetivo específico “f”, e a divulgação do artefato aos praticantes, tratado pelo objetivo específico “g”.

3.1. Procedimentos operacionais para análise da parte quantitativa (“quanto se aplica”)

Para o primeiro objetivo específico, de definição da base de artigos científicos representativa da produção brasileira na área de administração, optou-se por trabalhar com a base de dados do Encontro da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (EnANPAD), mais especificamente os 257 apresentados na área temática de Administração da Informação durante o período de 2008 a 2012.

A escolha desta base foi em função do EnANPAD ser o maior e mais importante congresso brasileiro da área da administração. Quanto à escolha pela área temática Administração da Informação, se deu em função de ser a mais pertinente com a área de Gestão de Sistemas de Informação, que é a área da Administração que concentra a maior quantidade de pesquisas empregando a pesquisa design science (Truex, Cuellar, & Takeda, 2009Truex, D.,Cuellar, M., &Takeda, H. (2009).Assessing Scholarly Influence: Using the Hirsch Indices to Reframe the Discourse. Journal of the Association for Information Systems, 10 (7), 560-594.).

Para o segundo objetivo específico, de identificar as pesquisas que objetivaram apresentar um artefato à academia, realizaram-se três atividades. A primeira atividade, de análise da base de artigos do EnANPAD, envolveu a realização de uma pesquisa do tipo scanning que teve como critério de pesquisa a existência no corpo de texto dos artigos do termo ARTEFATO ou ARTIFACT.

O software utilizado para esta análise foi o SearchInform Desktop. Ao final desta etapa foram pré-selecionados 15 artigos para análise intensiva. Na segunda etapa da pesquisa, ainda como pré-seleção de textos para leitura intensiva, aplicou-se a leitura do tipo skimming no título, resumo e introdução de todos os 257 artigos do universo definido. Esta análise agregou outros 11 artigos aos 15 já pré-selecionados da primeira etapa, totalizando 26 artigos.

A terceira atividade envolveu a leitura intensiva dos 26 artigos com aplicação da técnica de análise de conteúdo, tendo como códigos de análise: a descrição do artefato e o público-alvo ao qual o artefato se destina. Nesta atividade observou-se que algumas pesquisas apenas discutiam e testavam artefatos de terceiros, ou seja, não apresentavam novos artefatos. Ao término desta terceira atividade a amostra da pesquisa foi reduzida a 17 artigos.

3.2. Procedimentos operacionais para análise da parte qualitativa (“como se pratica”)

Para os quatro primeiros objetivos específicos pertinentes à parte qualitativa, do “como se aplica”, aplicou-se a técnica de análise de conteúdo aos 17 artigos da amostra, resultantes dos procedimentos operacionais para análise da parte quantitativa. Esta segunda aplicação da técnica da análise de conteúdo objetivou identificar evidências associadas aos seguintes códigos de análise:

· estágio do artefato (objetivo específico “c”) – conteúdos que denotem o estado do artefato em destaque pela pesquisa, se apenas uma proposição de artefato a ser desenvolvido, se trata-se de um artefato já desenvolvido e com os testes necessário para tal, ou se artefato já está com a utilidade testada por profissionais e/ou no contexto da área fim;

  • vínculo do artefato ao ambiente de negócios (objetivo específico “d”) – conteúdos que associem o artefato com uma variável que denote problema ou oportunidade junto ao ambiente de negócios;

  • utilidade do artefato (objetivo específico “e”) – conteúdos que demonstrem evidências da utilidade do artefato no sentido de explorar a oportunidade ou dirimir o problema;

  • forma de apresentar o artefato ao leitor (objetivo específico “f”) - se o tempo verbal empregado direciona para ação, de forma a compor ações prescritivas, ou se apenas limita-se a descrever o artefato.

Todos os códigos analisados foram trabalhados individualmente por três pesquisadores da equipe. Os resultados dessas análises foram, na sequência, consolidados e os pontos de divergências identificados e discutidos pela equipe de pesquisadores. Praticou-se nesta pesquisa a utilização de múltiplos analistas, também denominada de triangulação de pesquisadores (Patton, 1987 apud Yin, 2001Yin, R.K. (2001). Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. 2. ed. Porto Alegre, RS: Bookman., p. 121).

Para o objetivo específico “g” a pesquisa concentrou-se não no texto dos artigos da amostra, mas em derivações desses, mais especificamente na divulgação dos achados da pesquisa aos praticantes, por intermédio da publicação da “versão popular”. Para isto, realizaram-se pesquisas nos currículos (Lattes do CNPq) de cada um dos autores das 17 pesquisas da amostra. As pesquisas concentraram-se na identificação de textos similares ao título do artigo e ao nome do artefato.

O objetivo desta ação foi identificar a comunicação do artefato a praticantes, por intermédio da publicação em canais distintos daqueles utilizados pelo público acadêmico-científico como revistas técnicas, revistas de associação de classe, revistas especializadas em comunidades de profissionais e demais revistas comerciais. Além da pesquisa ao currículo dos autores, repetiram-se os mesmos critérios de pesquisa para o conteúdo disponível na Internet, utilizando-se das ferramentas de pesquisa avançada do software Google.

4. ANÁLISES E DISCUSSÕES

Os 17 artigos identificados pelas análises, como publicações de pesquisas associadas a artefatos, estão descritos na figura 2. Ao longo das análises, estes artigos da amostra são referenciados pelo código do artigo, conforme consta nos anais das cinco edições do congresso e declarado na segunda coluna da figura 2. Quantitativamente, esses 17 artigos correspondem a 6,6% do total de 257 artigos analisados. Isto demonstra que há a intenção manifesta dos pesquisadores brasileiros da área de administração da informação pelo desenvolvimento de artefatos em suas pesquisas. Embora as publicações de pesquisas com desenvolvimento de artefatos tenham sido encontradas em todas as edições analisadas do congresso EnANPAD (2008-2012), observa-se maior presença destas nas duas últimas edições: 5 pesquisas publicadas em 2012 e 5 em 2011, conforme observa-se na figura 2.

Figura 2
– Pesquisas abrangendo desenvolvimento de artefatos e publicadas nos anais do EnANPAD referentes ao período de 2008 a 2012

Não se pode atribuir esta leve tendência de crescimento de publicações envolvendo artefatos ao cenário internacional da pesquisa design science, caracterizado pelo crescente aumento de publicações e divulgação da mesma (Van Aken & Romme, 2009Van Aken, J. E., & Romme, G. (2009). Reinventing the future: adding design science to the repertoire of organization and management studies. Organization Management Journal, 6 (1), p.2-12.), considerando que nenhum dos 17 artigos da amostra faz menção explícita à pesquisa design science. O nome do método de pesquisa indicado pelos autores das pesquisas da amostra está descrito na última coluna da figura 2.

Em alguns artigos há a declaração apenas da técnica de pesquisa, nestes casos se declarou a técnica. A não citação à pesquisa design science, nas publicações analisadas, está coerente com pesquisa recente que não encontrou nenhuma citação a essa abordagem nas publicações das principais revistas brasileiras da área de administração (De Sordi, Meireles, & Sanches, 2011De Sordi, J.O., Meireles, M., & Sanches, C. (2011). Design Science aplicada às pesquisas em administração: Reflexões a partir do recente histórico de publicações internacionais. Revista de Administração e Inovação, 8(1), 10-36.).

Foram identificadas quatro variedades de artefatos nos 17 artigos da amostra: software, procedimento operacional, questionário e escala analítica.

A figura 2 traz essa informação na coluna “natureza do artefato”. As quantidades de artefatos identificados, segundo sua natureza, foram: três softwares, seis procedimentos operacionais, seis questionários e duas escalas analíticas.

Observa-se que o “público-alvo (profissional)” destes artefatos é composto predominantemente por profissionais da área de gestão de sistemas de informação, como administradores da informação e gestores de qualidade de web sites. Entre os 17 trabalhos, nove foram voltados para profissionais da área de sistemas de informação, os oito restantes foram para áreas bastante diversificadas. As quatro variedades de artefatos e os diferentes profissionais da área de gestão de sistemas de informação auxiliam a compreender a predominância desta área como a maior praticante da pesquisa design science dentre todas as subáreas da administração (Truex, Cuellar, & Takeda, 2009Truex, D.,Cuellar, M., &Takeda, H. (2009).Assessing Scholarly Influence: Using the Hirsch Indices to Reframe the Discourse. Journal of the Association for Information Systems, 10 (7), 560-594.).

É importante destacar o trabalho minucioso e necessário de análise da descrição do artefato, a fim de distinguir a pesquisa que apresenta novo conhecimento científico na forma de artefato, das pesquisas com outros propósitos, que aplicam ou testam artefatos já existentes. No limiar das fronteiras entre o novo e a aplicação de artefatos já existentes, encontra-se o novo artefato, composto pela junção e adaptação de artefatos já existentes, conforme identificado no artigo (ADI530):

O instrumento de coleta contém 62 perguntas que foram aplicadas em cada um dos sites da amostra por cada um dos avaliadores. As perguntas foram baseadas em artigo de Santinho (2001) e publicação de Nielsen e Mack (1994), juntamente com o referencial teórico extraído dos fundamentos que suportam a usabilidade, principalmente aqueles advindos da norma técnica NBR 9241-11 (2002) e de autores da área da usabilidade (BASTIEN e SCAPIN, 1993; DIAS, 2007; CYBIS, 2007; KALBACH, 2009). (ADI530, p.9)

Das 17 pesquisas descritas pelos artigos da amostra, cinco delas desenvolveram teste de utilidade do artefato junto ao contexto e profissionais da área fim. Este fato está descrito na coluna “Estágio de Desenvolvimento do Artefato” da figura 2. Dos 17 artigos analisados, nove pesquisas apresentaram uma proposta de artefato e três apresentaram um artefato funcional, abrangendo teste para construção e validação da lógica do artefato.

Doze pesquisas (71%) não se preocuparam em testar a utilidade do artefato junto ao contexto e profissionais da área fim. Embora isto seja uma deficiência pensando em termos de pesquisa pragmática com pesquisa design science, não pode ser considerada uma deficiência das pesquisas analisadas, considerando que nenhuma delas declarou a aplicação da pesquisa design science, conforme pode se constatar na última coluna da figura 2.

Outro aspecto de análise qualitativa dos 17 artigos da amostra é quanto à determinação do tipo de conhecimento associado ao artefato descrito pela pesquisa: se prescritivo ou descritivo (Gabet al., 2012). Para esta análise definiu-se como código de interesse os verbos de ação e as instruções aos leitores do artigo, em especial, aqueles com objetivo de orientar o leitor quanto ao uso do artefato. Conforme indicado na coluna “Tipo de Conhecimento” da Figura 2, identificaram-se quatro conhecimentos prescritivos e 13 conhecimentos descritivos. A figura 3 apresenta as evidências das análises realizadas, mais especificamente, extratos de textos das quatro pesquisas associadas aos conhecimentos identificados como prescritivos.

Figura 3
– Evidências das quatro pesquisas da amostra identificadas como prescritivas

O exercício da segunda e terceira diretrizes da pesquisa design science demanda dos pesquisadores especial atenção a dois aspectos (Hevner et al., 2004Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.): a) associar o artefato a pelo menos uma variável do ambiente de negócios, que denote problema ou oportunidade, e b) apresentar evidências (dados ou informações) associadas a esta(s) variável(veis) do ambiente de negócio, a fim de comprovar a utilidade do artefato no sentido de explorar a oportunidade ou dirimir o problema. Estas diretrizes são centrais da pesquisa design science, considerando que as outras cinco diretrizes são encontradas em diversas outras abordagens científicas. Estes dois aspectos foram definidos como códigos para análise de conteúdo dos 17 artigos da amostra, a fim de subsidiar a análise do quanto as pesquisas brasileiras da área de administração da informação, que desenvolvem artefatos, estão aderentes ou próximas das diretrizes específicas da abordagem design science.

A figura 4 apresenta o resultado da análise de conteúdo para a segunda e terceira diretrizes. Cinco pesquisas apresentaram artefatos de acordo com a segunda e terceira diretrizes. No outro extremo, oito pesquisas não atenderam nenhuma destas duas diretrizes. Uma pesquisa atendeu apenas à segunda diretriz, enquanto que outras três atenderam apenas à terceira diretriz. Os parágrafos a seguir analisam casos típicos de artigos que apresentam aderência às duas diretrizes, apresentando extratos do texto como evidências, bem como as análises dos que não atenderam, comentando como foi feita a justificativa para estas pesquisas.

Figura 4
– Observância das pesquisas a segunda e terceira diretrizes da pesquisa design science segundo Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105.

A observância à segunda diretriz requer que o pesquisador associe o artefato a um problema de ambiente de negócio. Tomando como exemplo os cinco artigos que atenderam às duas diretrizes, as seguintes variáveis foram identificadas na justificativa do artefato: artigo (ADI181), variáveis distância percorrida e custo; artigo (ADI1053), variáveis usabilidade do web site e acessibilidade do web site; artigo (ADI1203), variável nível de inclusão digital do indivíduo; artigo (ADI2341), variáveis prazo do projeto e custo do projeto; artigo (ADI2675), variável custo de integração tecnológica. Como exemplo, segue extrato do artigo (ADI181) em que tais variáveis são associadas ao problema de negócio ao qual o artefato se propõe a colaborar:

[...] o principal problema de empresas na área de logística associada ao transporte é o roteamento de veículos cujo objetivo é encontrar um conjunto de rotas que partem de um único depósito para vários pontos de entrega com a característica de minimizar a distância total percorrida. [...] O objetivo é definir uma sequência de rotas que cada veículo deve seguir a fim de se atingir a minimização do custo de transporte. (ADI181, p.2, grifo nosso)

A observância à terceira diretriz requer que o pesquisador demonstre a utilidade do artefato a partir da análise qualitativa e/ou quantitativa de evidências associadas às variáveis declaradas na justificativa do artefato. Tomando como exemplo o artigo (ADI181), o resumo das análises realizadas citando as variáveis foram assim apresentados:

O resultado apresentado pelo sistema apresentou um ganho de 10 quilômetros rodados e além disso os dois clientes que deveriam ser visitados estavam na rota do gerente de conta. Ou seja, o modelo proposto possibilitou tanto uma econômica de recursos financeiros, uma vez que houve redução no total de quilômetros rodados [...] (ADI181, p.11, grifo nosso)

O apêndice A Apêndice A Extratos de textos associados às análises dos cinco artigos da amostra que atendem à 2ª e 3ª diretrizes da pesquisa design science segundo Hevner et al. (2004) apresenta extratos de textos associados às análises dos cinco artigos da amostra que atendem às segunda e terceira diretrizes da pesquisa design science segundo Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105..

Quanto à divulgação dos resultados da pesquisa, do artefato útil e relevante para públicos distintos do acadêmico-científico, conforme sugerido pela sétima diretriz de Hevner et al. (2004)Hevner, A.R. et al. (2004). Design science in Information Systems Research. MIS Quarterly, 28(1), 75-105., constatou-se que apenas um dos artefatos descritos nos 17 artigos científicos da amostra foi comunicado parcialmente à comunidade de praticantes. O artefato desenvolvido pela pesquisa descrita no artigo (ADI1053), uma abordagem para avaliar acessibilidade de web pages empregando lógica fuzzy, foi divulgado parcialmente na revista eletrônica Webinsider, voltada para profissionais que interagem com projetos de tecnologia, propaganda e novas mídias. A comunicação é de março de 2012 e está disponível no endereço Internet (URL): http://webinsider.uol.com.br/2012/03/12/o-comportamento-da-terceira-idade-no-consumo-online/

A contagem simples da observância e não observância dos artigos da amostra para segunda, terceira e sétima diretrizes da pesquisa design science já é significativa em termos de análises.

Para a segunda diretriz, que prescreve que o artefato deve estar associado a pelo menos uma variável importante do ambiente de negócio, apenas seis dos artigos analisados observaram tal característica da abordagem.

Para a terceira diretriz, que prescreve que o artefato deva ser útil, com testes abrangendo variáveis associadas ao problema, oito dos 17 artigos atenderam a este preceito.

Quanto à observância concomitante das segunda e terceira diretrizes, apenas cinco pesquisas (29%) o fizeram.

Para a sétima diretriz, divulgação dos resultados da pesquisa para públicos distintos do acadêmico-científico, apenas uma pesquisa a exercitou parcialmente. Estes números indicam que, embora os artigos da amostra abordem artefatos, em sua maioria, não exercitam importantes preceitos da pesquisa design science.

5. CONCLUSÕES

Os procedimentos da pesquisa para responder à parte quantitativa do objetivo da pesquisa – “o quanto se aplica” – resultou na identificação de17 artigos associados a pesquisas que trabalharam com o desenvolvimento de artefatos. Isto corresponde a 6,6% do total de 257 artigos que constituíram o universo da pesquisa. Este número é relevante por demonstrar a intenção dos pesquisadores da área de administração da informação em desenvolver artefato e, principalmente, por mostrar que os pesquisadores que realizaram estas pesquisas não utilizaram uma abordagem específica e adequada para tal.

A análise do método de pesquisa declarado e praticado nas pesquisas evidenciou a não aplicação da pesquisa design science nas pesquisas publicadas em anais de congressos brasileiros da área de administração da informação. A não utilização de abordagem específica para artefatos, como seria o caso da aplicação da design science, torna as 17 pesquisas identificadas mais fidedignas e representativas em termos de motivação própria de seus autores em trabalhar no desenvolvimento de artefatos. A amostra trabalhada está isenta de um possível viés, do desejo de alguns dos autores em exercitar uma nova abordagem, ou seja, o foco na pesquisa design science e não no artefato em si.

A análise qualitativa dos 17 artigos associados às pesquisas que trabalharam com o desenvolvimento de artefatos permitiu responder à outra parte do objetivo geral: “o como se pratica” os princípios centrais da pesquisa design science nas pesquisas publicadas pela academia brasileira de administração. Neste ponto, observa-se que as práticas de pesquisa utilizadas estão bastante distintas dos principais postulados da pesquisa design science. Aspectos centrais desta abordagem não foram observados pelos autores das pesquisas analisadas como: associar o artefato a problemas ou oportunidades importantes do ambiente de negócios; evidenciar a utilidade do artefato, trabalhando nos testes com variáveis associadas ao problema ou oportunidade do ambiente de negócio; e divulgar o resultado da pesquisa, - o artefato -, aos praticantes que o utilizarão para resolução de problemas.

Destarte, das intenções declaradas no objetivo da pesquisa, constatou-se a prática do desenvolvimento de artefatos na academia brasileira de administração da informação, porém sem a observância a aspectos essenciais da pesquisa design science.

Caso, nas pesquisas analisadas, houvesse sido praticado preceitos da pesquisa design science para o desenvolvimento dos artefatos, provavelmente, as diretrizes 2, 3 e 7, teriam sido observadas, porquanto, esta metodologia direciona a atenção dos pesquisadores para tais aspectos. Isto auxiliaria na definição do “espaço do problema”, bem como das ações associadas ao artefato (constituído por técnicas de pesquisa), capazes de diminuir a diferença entre “situação presente” e a “situação desejada”, ou seja, artefato relevante, comprovadamente útil e divulgado aos seus potenciais usuários (Simon, 1996Simon, H.A. (1996). The Sciences of the Artificial. 3. ed. Cambridge, MA: MIT Press.).

Em termos de qualidade da pesquisa científica isto representa um conjunto de valores bastante amplo para a Administração: pesquisa aplicada com utilidade comprovada e de impacto no contexto organizacional.

O desenvolvimento de artefatos, segundo os princípios da abordagem design science, é um dos meios que a academia contemporânea utiliza para responder às críticas recorrentes quanto à qualidade da produção científica: muito fragmentada, consequentemente difícil de ser aplicada a problemas concretos da sociedade, tornando-a pouco relevante (Van Aken&Romme, 2009Van Aken, J. E., & Romme, G. (2009). Reinventing the future: adding design science to the repertoire of organization and management studies. Organization Management Journal, 6 (1), p.2-12.).

A pesquisa design science tem sido intensamente utilizada em países reconhecidamente inovadores, apresentando-se como um formato interessante ao desenvolvimento de pesquisas aplicadas. A adoção deste tipo de abordagem pode fomentar a produção de conhecimento direcionado a questões práticas e mais facilmente aplicado a problemas organizacionais e sociais.

A abordagem design science é recente em termos de aplicação no campo da Administração (March & Storey, 2008March, S.T. & Storey, V.C. (2008). Design Science in the Information Systems Discipline: An Introduction to the Special Issue on Design Science Research, MIS Quarterly, 32(4), 725-730.) pelo que se pode inferir como uma justificativa para sua pouca difusão no contexto analisado.

Outro aspecto a ser analisado em novos estudos é a aparente forte aderência dos preceitos da pesquisa design science com os anseios de consolidação e desenvolvimento dos programas stricto sensu de mestrado profissional no Brasil.

Apêndice A Extratos de textos associados às análises dos cinco artigos da amostra que atendem à 2ª e 3ª diretrizes da pesquisa design science segundo Hevner et al. (2004)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2013
  • Aceito
    17 Abr 2014
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