INTRODUÇÃO
A reabsorção radicular interna é geralmente assintomática e quase sempre diagnosticada pelo exame radiográfico de rotina1,2, o que, de certa forma, gera uma complexidade no tratamento devido à sua "silenciosa" evolução.
Radiograficamente, esta lesão é visualizada como uma área radiolúcida com formato ovalado, uniforme e com contornos simétricos, junto à parede dentinária do canal radicular3,4.
O reparo espontâneo do processo de reabsorção é extremamente raro5. Portanto, diagnosticada a presença de reabsorção radicular interna, o tratamento endodôntico deve ser realizado a fim de impedir a progressão deste processo6,7. A remoção do tecido pulpar inflamado interrompe a circulação sanguínea que nutre as células clásticas, o que torna favorável o prognóstico8.
No entanto, a problemática deste tratamento está no acesso à área reabsorvida, devido à dificuldade na limpeza e na remoção do tecido de granulação, bem como no preenchimento da área através da obturação do canal.
Inúmeros equipamentos e técnicas têm sido testados na obturação das cavidades de reabsorção interna7,9, sejam estas, condensação lateral e vertical apenas, e uso de um compactador termomecânico e de um sistema termoplastificador, como o Thermafil®. No entanto, nenhuma destas técnicas mostrase satisfatória quanto ao preenchimento total das áreas de reabsorção.
Assim, este estudo tem como objetivo analisar a eficácia das técnicas de obturação com auxílio do sistema ultrassônico e híbrido de Tagger, em cavidades experimentais de reabsorção radicular interna em dentes artificiais.
MATERIAL E MÉTODO
Para este estudo, foram utilizados 20 incisivos centrais superiores artificiais do lado direito (Fábrica de Sorrisos®, Arujá, São Paulo, Brasil) com presença de uma cavidade no terço médio do canal radicular, simulando uma reabsorção interna.
O acesso à câmara pulpar destes dentes foi realizado com o auxílio de uma ponta diamantada cilíndrica n° 1012 (KG Sorensen Indústria e Comércio Ltda., Barueri, São Paulo, Brasil) acionada em alta rotação, sob refrigeração.
Após a realização da abertura coronária, o canal radicular foi localizado com uma sonda de Rhein n° 3 (Golgran Indústria e Comércio de Instrumental Odontológico Ltda., São Paulo, São Paulo, Brasil) e foi determinado o comprimento de trabalho (CT) com o uso de um instrumento endodôntico tipo K n° 15 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Switzerland), a 1 mm aquém da saída foraminal.
Previamente à realização do preparo químico-mecânico, foi realizado o preparo cervical com o uso da broca La Axxess® (SybronEndo, Glendora, USA) número 20 taper 0.6, a uma distância padronizada de penetração no canal radicular de 8 mm da borda incisal.
Para o preparo dos canais radiculares, utilizaram-se os instrumentos endodônticos tipo K (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Switzerland), de primeira e segunda séries, seguindo a técnica escalonada de recuo progressivo programado10. Iniciouse o preparo com movimento de limagem a partir do instrumento n° 15 até o n° 45, todos no CT. Como instrumento memória, foi padronizado o n° 45. Em seguida, foi realizado o recuo no escalonamento a 1 mm do CT para o instrumento n° 50, a 2 mm para o n° 55 e a 3 mm para o n° 60. Observe-se que, entre cada um dos instrumentos utilizados no recuo, foi recapitulado o instrumento memória calibrado no CT. O número limite de uso de cada instrumento endodôntico foi padronizado em cinco canais radiculares.
A cada troca de instrumento, os canais foram irrigados com 1 mL de água destilada (Iodontec Indústria e Comércio de Produtos Odontológicos Ltda., Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil). Note-se que, a fim de evitar o extravasamento de solução irrigadora pela saída foraminal, foi realizada a fotopolimerilização de um incremento de resina composta Fill Magic (Vigodent Coltene SA Indústria e Comércio, Rio de Janeiro, Brasil) no vértice apical.
Após o preparo dos dentes, os mesmos foram randomicamente divididos em dois grupos, de acordo com a técnica de obturação empregada: híbrida de Tagger ou com auxílio do sistema ultrassônico. Cada um dos grupos foi composto por dez espécimes.
Após a secagem dos canais radiculares com cones de papel absorvente (Tanari®, Manaus, Amazonas, Brasil) # 45 no CT e # 60 até onde fosse possível a penetração do cone, foi feita a seleção do cone principal de guta percha (Tanari®, Manaus, Amazonas, Brasil) adequado a cada canal radicular.
Durante o processo de obturação, juntamente com o cimento endodôntico obturador Endofill® (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Switzerland), que foi manipulado de acordo com a orientação do fabricante, foram utilizados cones acessórios de guta percha B7 (Tanari®, Manaus, Amazonas, Brasil).
Em todos os dentes, o protocolo inicial de obturação foi o mesmo. O cone principal envolto por cimento obturador foi levado no CT. Após isso, cinco cones acessórios foram também envolvidos em cimento obturador e levados aos espaços criados com o espaçador bidigital B (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Switzerland).
Nos dentes em que foi empregada a obturação híbrida de Tagger, foi realizado o seguinte protocolo: após a inserção do quinto cone secundário, os cones de guta-percha foram plastificados com auxílio de um condensador de McSpadden #60 (Dentsply/Maillefer, Ballaigues, Switzerland) calibrado a 4 mm aquém do CT, a fim de obturar os terços médio e cervical do canal. Após a plastificação da guta-percha e a remoção do McSpadden acionado do canal, foi realizada a condensação vertical da guta com auxílio do calcador tipo Paiva n° 2 (SSWhite, Rio de Janeiro, Brasil).
Já nos dentes em que foi empregada a obturação com o uso do sistema ultrassônico, foi realizado o seguinte protocolo: após a inserção do quinto cone secundário, os cones de guta-percha foram plastificados com auxílio do espaçador ultrassônico (Adiel®, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil) (Figura 1), acionado na potência em 50% por 20 segundos. O espaçador foi calibrado a 4 mm aquém do CT a fim de obturar os terços médio e cervical do canal. Após a plastificação da guta-percha, foi realizada a condensação vertical da guta com auxílio do calcador tipo Paiva n°2.
A obturação de todos os canais foi realizada pelo mesmo operador. Os dentes foram selados provisoriamente com Cavit® (ESPE Dental Medzin, Alemanha).
A análise da obturação endodôntica junto à cavidade de reabsorção interna foi realizada por meio da tomada radiográfica em duas incidências: mesiodistal e vestibulolingual, proporcionando assim a visualização vestibular e proximal de cada amostra.
Para a realização das tomadas radiográficas, cada dente foi fixado sobre a superfície de um sensor radiográfico digital Cygnus Ray MPS (Progeny Dental). As tomadas foram obtidas com o aparelho radiográfico (TIMEX 70C – Gnatus Equipamentos Médico-Odontológicos Ltda.), operando em 70 kv, 08 mA e 0,20 segundos de exposição, posicionado de maneira que o raio central incidisse perpendicularmente ao sensor com uma distância focal de 40 cm. Esta etapa foi padronizada por meio da utilização de uma plataforma radiográfica.
As tomadas radiográficas digitais obtidas (Figura 2) foram importadas para um microcomputador Pentium® 4 (Intel Inside®), em que foi utilizado o programa Image Tool® (UTHSCA, San Antonio, TX, EUA) para aferição da área de obturação.
Para obtenção do valor em porcentagem da área obturada, foi calculada a área total, em pixels, da cavidade de reabsorção interna equivalendo a 100% e a área obturada equivalendo a "X", ou seja, se realizou uma regra de três para obter-se o valor desejado. Em seguida, os dados obtidos foram submetidos à análise estatística por meio do Teste t de Student, com nível de significância de 5%.
RESULTADO
A Tabela 1 mostra os valores médios e o desvio padrão obtidos quanto à obturação das cavidades de reabsorção nos dois grupos experimentais. Por meio dos dados obtidos no Teste T de Student, não se observou diferença estatística no processo de obturação entre as técnicas: híbrida de Tagger e ultrassônica.
Tabela 1. Média e desvio padrão da capacidade de obturação em cavidades experimentais de reabsorção entre as duas técnicas propostas
Incidência Radiográfica | Técnica de Obturação | Média | Desvio Padrão | p |
---|---|---|---|---|
VL | Híbrida de Tagger | 97,65 | 4,228 | 0,704 |
Ultrassônica | 98,33 | 3,644 | ||
MD | Híbrida de Tagger | 97,1480 | 4,45615 | 0,818 |
Ultrassônica | 97,5870 | 3,91392 |
Já na Tabela 2, podemos analisar a obturação das cavidades nos dois grupos experimentais segundo a comparação entre as duas incidências radiográficas: mesiodistal e vestibulolingual. Por meio do Teste t de Student, pode-se observar apenas diferença estatística significativa no grupo de dentes obturados com auxílio do sistema ultrassônico.
Tabela 2. Análise da capacidade de obturação endodôntica, de acordo com a incidência radiográfica, em cavidades experimentais de reabsorção radicular interna
Técnica de Obturação | Incidência Radiográfica | Média | Desvio Padrão | p |
---|---|---|---|---|
Híbrida de Tagger | VL | 97,65 | 4,228 | 0,078 |
MD | 97,1480 | 4,45615 | ||
Ultrassônica | VL | 98,33 | 3,644 | 0,008 |
MD | 97,5870 | 3,91392 |
DISCUSSÃO
O tratamento de dentes com presença de resbsorção radicular interna é de grande complexidade, pois apresenta algumas dificuldades, como na execução do preparo químico mecânico e na etapa de obturação endodôntica11.
Para obtermos uma obturação homogênea da área de reabsorção interna, o material de obturação deve apresentar certa fluidez, a fim de propiciar a sua penetração em toda a extensão da cavidade12. A guta-percha ainda é o material mais comumente utilizado como material de preenchimento da area de reabsorção, porém este material necessita de um aquecimento prévio, a fim de promover o escoamento do mesmo.
De acordo com a literatura, inúmeros estudos sugerem diversas técnicas para obturação e preenchimento junto à cavidade de reabsorção; no entanto, a termoplastificação da guta-percha ainda é a mais indicada13,14.
Nos estudos de Agarwal et al.7 e Gencoglu et al.15, podese verificar que, na obturação de canais, em dentes com cavidades criadas artificialmente, os sistemas de obturações termoplastificadas foram significativamente melhores no preenchimento da área de reabsorção, quando comparados com o sistema de condensação lateral a frio. Assim, as técnicas obturadoras selecionadas para este estudo foram a híbrida de Tagger e o uso do sistema ultrassônico.
Os dentes artificiais foram utilizados com o propósito de padronização das amostras, mantendo todas as áreas de reabsorção numa mesma posição radicular e com diâmetro de cavidade similar. A escolha do incisivo central superior se deu pela maior prevalência da reabsorção interna neste grupo dentário16. Já em relação à sua localização, observou-se que a maior prevalência é no terço médio do canal radicular17.
Foi utilizado um programa de computador Image Tool® a fim de avaliar o preenchimento com material obturador da cavidade reabsorvida por meio do cálculo da porcentagem da área, assim como no estudo de Gencoglu et al.15, que utilizaram um programa similar, Image Pro®Plus (Media Cybernetics, Inc., Silver Spring, MD, USA), para calcular a porcentagem de obturação.
Na análise dos resultados, pode-se verificar que não há diferença entre as duas técnicas de obturação e que ambas foram satisfatórias em relação ao resultado prático. O emprego da técnica híbrida de Tagger mostrou-se tão bom no preenchimento e no escoamento do material obturador quanto foi verificado no estudo de Tagger et al.18. Com relação ao uso do sistema ultrassônico na etapa de obturação, Moreno19e Agarwal et al.7 também verificaram ótimos resultados com este sistema em relação a outras técnicas testadas.
Segundo Park20, um subproduto gerado com o acionamento da ponta ultrassônica é a energia térmica. Quando a energia de calor é transmitida para o espaçador, o calor produzido é capaz de amolecer a guta-percha. Alguns estudos21-23 têm demostrado que, em comparação com a condensação lateral a frio, usando o sistema ultrassônico, ocorre uma obturação mais compacta, com menos espaços vazios e com menor índice de infiltração.
No estudo de Agarwal et al.7, além de se demonstrar a melhor eficácia das técnicas termoplastificadas, também se pode observar a dificuldade em se analisar o defeito das áreas de reabsorção, já que a medida correta não pode ser estimada apenas pelo exame radiográfico obtido bidimensioionalmente de um objeto tridimensional. Por isso, a necessidade de se realizarem tomadas radiograficas tanto no sentido vestibulolingual quanto no sentido mesiodistal, obtendo-se assim uma noção em terceira dimensão e uma melhor avaliação da área obturada.
Os resultados obtidos mostraram haver diferença significativa entre as duas incidências radiográficas apenas nos dentes obturados com o sistema ultrassônico, o que está de acordo com os estudos de Goldberg et al.9 e Agarwal et al.7, que observaram também um menor grau de preenchimento da cavidade de reabsorção na incidência mesiodistal em relação à vestibulolingual.
Podemos concluir que é fundamental a associação de um meio para plastificação da massa obturadora a fim de preencher adequadamente todo o defeito causado pela reabsorção radicular interna. Ambas as técnicas testadas neste estudo foram eficazes com relação a este quesito.