Resumos
Introdução
O papel da oclusão como fator etiológico das disfunções temporomandibulares (DTMs) tem sido um assunto polêmico e ainda controverso.
Objetivo
Avaliar a correlação entre sinais e sintomas da disfunção temporomandibular e a severidade da má oclusão.
Método
Foram avaliados 135 estudantes de Odontologia da UFPB. A presença de DTM foi estimada através do Índice Anamnésico de Fonseca (DMF) e de questões objetivas sobre seus sintomas. Os estudantes também foram submetidos a um protocolo resumido de avaliação clínica de DTM. A avaliação dos fatores oclusais foi realizada através do Índice de Prioridade de Tratamento (IPT) aplicado a modelos de gesso dos arcos dentários superior e inferior. As diferenças entre as médias do IPT relacionadas aos sinais e sintomas de DTM foram determinadas por meio dos testes t e One-way ANOVA. As correlações entre os fatores oclusais e a DTM foram determinadas a partir de correlação de Pearson.
Resultado
A severidade da má oclusão, segundo o IPT, não influenciou no surgimento de DTM e de sinais clínicos musculares ou articulares, e na necessidade de tratamento. A má oclusão de classe II, trespasse vertical acentuado e dentes girados foram estatisticamente correlacionados à necessidade de tratamento e aos sinais clínicos de DTM.
Conclusão
Em modelos multifatoriais, como na fisiopatologia da DTM, a oclusão pode desempenhar um papel de cofator na predisposição ou perpetuar as diferentes formas de DTM, não devendo ser considerada fator principal.
Síndrome da Disfunção da Articulação Temporomandibular; má oclusão; oclusão dentária
Introduction
The role of occlusion as an etiologic factor of temporomandibular disorders (TMD) has been polemic and still controversial.
Objective
To evaluate the correlation between signs and symptoms of temporomandibular disorders and severity of malocclusion.
Method
A total of 135 undergraduate dental students from Federal University of Paraíba were evaluated. The presence of TMD was estimated by Fonseca's Anamnestic Index and objective questions about symptoms were addressed. Students were also submitted to a summarized protocol for clinical evaluation of TMD. The evaluation of occlusal factors was performed using the Treatment Priority Index (TPI) applied to plaster casts corresponding to upper and lower dental arches. The differences between the means of IPT related to signs and symptoms of TMD were determined by t tests and One-way ANOVA. Correlations between occlusal factors and TMD were determined by Pearson correlation.
Result
According to the TPI, the severity of the malocclusion did not influence the onset of TMD, muscle or joint clinical signs and need for treatment. Class II malocclusion, marked overbite and rotated teeth were statistically correlated with the need for treatment and clinical signs of TMD.
Conclusion
In multifactor models as in the pathophysiology of TMD, occlusion can play a role as a co-factor in predisposing or perpetuating the different forms of TMD. As such, it should not be considered a major factor.
Temporomandibular Joint Dysfunction syndrome; malocclusion; dental occlusion
INTRODUÇÃO
A oclusão tem sido historicamente relacionada como um importante fator desencadeante
das Disfunções Temporomandibulares (DTMs), mas mesmo um número expressivo de
trabalhos não consegue estabelecer uma correlação direta de causa e efeito entre
estas, existindo ainda muitas controvérsias na literatura sobre a real implicação
clínica dos fatores oclusais no desenvolvimento das DTMs11 Oliveira AS, Bevilaqua-Grossi D, Dias EM. Sinais e sintomas da
disfunção temporomandibular nas diferentes regiões brasileiras. Fisioter Pesqui.
2008; 15(4):392-7.
http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502008000400013.
http://dx.doi.org/10.1590/S1809-29502008...
.
Alterações oclusais, tais como as más oclusões de Angle, mordida aberta, mordida
cruzada posterior unilateral ou bilateral, trespasses vertical e horizontal
acentuados, ausências dentárias, discrepância entre máxima intercuspidação (MIC) e
posição de relação central (RC) maior que 2 mm, e interferências oclusais foram
identificadas em diferentes estudos como fatores predisponentes, desencadeantes ou
perpetuantes das DTMs22 Badel T, Marotti M, Krolo I, Kern J, Keros J. Occlusion in patients
with temporomandibular joint anterior disk displacement. Acta Clin Croat. 2008
September;47(3):129-36. PMid:19175060.
3 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal
factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish
subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814.
4 Hernandez RC, Abalo RG, Martín FC. Associação das variáveis oclusais
e a ansiedade com a disfunção temporomandibular. JBA: Jornal Brasileiro de
Oclusão. ATM e Dor Orofacial. 2001 April/June;1(2):134-7.-55 Thilander B, Rubio G, Pena L, Mayorga C. Prevalence of
temporomandibular dysfunction and its association with malocclusion in children
and adolescents: an epidemiologic study related to specified stages of dental
development. Angle Orthod. 2002 April;72(2):146-54.
PMid:11999938..
Outros estudos, no entanto, encontraram associações fracas ou mesmo inexistentes
entre os diversos tipos de fatores oclusais e os sintomas de DTM66 Gesch D, Bernhardt O, Mack F, John U, Kocher T, Alte D. Association
of malocclusion and functional occlusion with subjective symptoms of TMD in
adults: results of the Study of Health in Pomerania (SHIP). Angle Orthod. 2005
March;75(2):183-90. PMid:15825780.
7 Mohlin B, Axelsson S, Paulin G, Pietilä T, Bondemark L, Brattström
V, et al. TMD in relation to malocclusion and orthodontic treatment: a
systematic review. Angle Orthod. 2007 May;77(3):542-8.
http://dx.doi.org/10.2319/0003-3219(2007)077[0542:TIRTMA]2.0.CO;2.
PMid:17465668.
http://dx.doi.org/10.2319/0003-3219(2007...
8 Poveda Roda R, Bagán JV, Díaz Fernández JM, Hernández Bazán S,
Jiménez Soriano Y. Review of temporomandibular joint pathology. Part I:
classification, epidemiology and risk factors. Med Oral Patol Oral Cir Bucal.
2007 August;12(4):E292-8. PMid:17664915.
9 Seligman DA, Pullinger AG. Analysis of occlusal variables, dental
attrition, and age for distinguishing healthy controls from female patients with
intracapsular temporomandibular disorders. J Prosthet Dent. 2000
January;83(1):76-82. http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3913(00)70091-6.
PMid:10633025.
http://dx.doi.org/10.1016/S0022-3913(00)...
-1010 Varga ML. Orthodontic therapy and temporomandibular disorders. Med
Sci. 2010; 34:75-85..
Segundo Landi et al.1111 Landi N, Manfredini D, Tognini F, Romagnoli M, Bosco M.
Quantification of the relative risk of multiple occlusal variables for muscle
disorders of the stomatognathic system. J Prosthet Dent. 2004
August;92(2):190-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.2004.05.013.
PMid:15295330.
http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.200...
, embora a
relação entre oclusão e DTM tenha sido parcialmente explicada, ainda existem vários
aspectos que requerem esclarecimento, como a associação entre a oclusão e as
diferentes formas de DTM, os mecanismos patogênicos dos fatores oclusais e,
consequentemente, qual forma de DTM a má oclusão pode dar origem.
A definição dos possíveis fatores etiológicos relacionados a subgrupos específicos de DTM é fundamental para que o papel das más oclusões no desenvolvimento destas desordens – embora pareça pequeno, quando baseado nas evidências disponíveis – não seja subestimado1212 Fantoni F, Chiappe G, Landi N, Romagnoli M, Bosco M. A stepwise multiple regression model to assess the odds ratio between myofascial pain and 13 occlusal features in 238 Italian women. Quintessence Int. 2010 March;41(3):e54-61. PMid:20213016..
Estudos envolvendo associações entre más oclusões e DTM demonstram deficiências
graves, não só derivadas dos problemas de diagnóstico implícito da DTM, mas também
da falta de instrumentos adequados e padronização dos exames para avaliar os
diversos fatores oclusais1313 Tesch RS, Ursi WJS, Denardin OVP. Bases epidemiológicas para análise
das más oclusões morfológicas como fatores de risco no desenvolvimento das
desordens temporomandibulares de origem articular. Rev Dent Press Ortodon Ortop
Facial. 2004; 9(5):41-8.
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192004000500006.
http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192004...
.
Neste sentido, o TPI (Treatment Priority Index), conhecido no Brasil como IPT, inicialmente utilizado para avaliar os resultados de tratamentos ortodônticos preventivos, passou a ser utilizado como uma ferramenta importante no levantamento epidemiológico das más oclusões, principalmente devido à facilidade de sua aplicação, mesmo por pessoas não especialistas na área ortodôntica1414 Queiroz VS, Nouer PRA, Pereira JS No., Magnani MBBA, Nouer DF. O índice de prioridade de tratamento ortodôntico (IPTO) nos diferentes tipos faciais. Ortodontia. 2008; 41(4):373-81..
Esse índice é um dos mais aceitos na literatura, tendo sua validade e reprodutibilidade testadas em vários estudos; além de ser um índice de aplicação relativamente simples, indica também valores que expressam os distúrbios da oclusão dentária e a necessidade de tratamento ortodôntico1515 Capote TSO, Zuanon ACC, Pansani CA. Avaliação da severidade de má oclusão de acordo com o gênero, idade e tipo de escola em crianças de 6 a 12 anos residentes na cidade de Araraquara. Rev Dental Press Ortodon Ortop Maxilar. 2003 March/April;8(2):57-61..
Dessa forma, o objetivo deste trabalhão é avaliar a correlação entre os fatores oclusais e a severidade da má oclusão e os sinais e sintomas da DTM por meio do IPT.
METODOLOGIA
Este estudo foi aprovado pelo Conselho do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob protocolo n.º 149/11.
Foram selecionados, no período de setembro de 2011 a maio de 2012, 135 voluntários, alunos do curso de odontologia da UFPB, com idades entre 18 e 25 anos, sendo 58 homens e 77 mulheres.
Os critérios de exclusão usados foram: 1. Dois ou mais dentes perdidos (exceto os terceiros molares); 2. Uso de prótese removível; 3. Participantes que, no momento do estudo, faziam uso de aparelhos ortodônticos, fosse fixo ou removível; 4. Participantes em tratamento para DTM ou outras dores orofaciais agudas e crônicas; 5. Participantes que se negaram a preencher o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os voluntários que já haviam concluído o tratamento ortodôntico foram mantidos no estudo.
Classificação da DTM
Presença e severidade de DTM
A presença e a severidade da DTM foram determinadas através de um questionário anamnésico adaptado a partir do trabalho de Fonseca et al.1616 Fonseca DM, Bonfante G, Valle AL, Freitas SFT. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. RGO – Rev Gaucha Odontol. 1994 Janeiro/Fevereiro;42(1):23-8., contendo perguntas relativas a sintomas de DTM.
O questionário é composto por dez perguntas, sendo que, para cada pergunta, há três respostas possíveis: “sim”, “não” ou “às vezes”; a essas respostas, foram atribuídos valores que são, respectivamente, “10”, “0” e “5”. A somatória dos valores atribuídos às respostas, de acordo com o Índice Anamnésico de Fonseca et al.1616 Fonseca DM, Bonfante G, Valle AL, Freitas SFT. Diagnóstico pela anamnese da disfunção craniomandibular. RGO – Rev Gaucha Odontol. 1994 Janeiro/Fevereiro;42(1):23-8. (DMF), permite a classificação da população segundo o grau de DTM, sendo esta ausente, leve, moderada ou severa, de acordo com o total de pontos obtidos. Assim, são estabelecidos os seguintes valores: de 0-15 (ausência de DTM); de 20-40 (DTM leve); de 45-65 (DTM moderada), e 70-100 (DTM severa).
O questionário foi aplicado aos voluntários, sem qualquer interferência do examinador.
Avaliação dos sinais clínicos de DTM
Os voluntários foram submetidos a um protocolo resumido de avaliação clínica de DTM, registrado em ficha clínica adequada. O exame foi realizado na Clínica de Oclusão do Departamento de Odontologia Restauradora da Universidade Federal da Paraíba (DOR-UFPB), por um único examinador treinado e com experiência na área. Os exames foram realizados com os voluntários sentados em cadeira odontológica, sob luz ambiente e com o examinador respeitando os princípios de biossegurança.
A presença de sinais clínicos possibilitou a classificação da DTM de acordo com os seguintes critérios:
-
•
Sinais de DTM muscular: presença de dois ou mais sítios de dor muscular;
-
•
Sensibilidade articular: presença de um ou mais sítios de dor articular;
-
•
Alterações dos movimentos mandibulares: presença de uma ou mais alterações dos movimentos mandibulares (restrição de abertura, hipermobilidade, desvios e deflexão);
-
•
Sons articulares: presença de um e ou mais sítios de ruídos articulares (estalidos e crepitação);
-
•
Sinais de DTM articular: presença de dois ou mais sítios de desvios da normalidade da ATM (dor articular, ruídos ou movimentos mandibulares alterados).
Avaliação da severidade da má oclusão
A posição de máxima intercuspidação (MIC) de cada voluntário, caracterizada pelo maior número de contatos dentários possíveis, foi registrada com o auxílio de uma placa de mordida confeccionada em cera n.º 7 (Asfer Indústria Química LTDA., São Caetano do Sul-SP). Em seguida, os arcos dentários inferior e superior de todos os voluntários foram moldados, com moldeiras de aço (Moldeiras AG perfuradas, Dental AG LTDA., São Paulo-SP), contendo alginato (Jeltrate Dustless, Dentsply Indústria e Comércio LTDA., Petrópolis-RJ), e em seguida foram confeccionados modelos de gesso pedra tipo III (Asfer Indústria Química LTDA., São Caetano do Sul-SP), manipulado segundo a proporção água/pó estabelecida pelos fabricantes, sendo vazados sob vibração no interior dos respectivos moldes. Após a presa (uma hora), os modelos foram removidos dos moldes, recortados, numerados e preparados para a avaliação.
Os modelos de gesso foram colocados na posição de MIC com o auxílio da placa de mordida. Em seguida, foram avaliados por meio da análise oclusal do IPT (Treatment Priority Index), aplicado por um único examinador treinado e com experiência na área. O IPT foi calculado a partir de uma tabela específica, na qual foram registradas as seguintes características: relação molar, trespasse horizontal, trespasse vertical, deslocamentos dentários e mordida cruzada.
Os escores obtidos foram somados e acrescidos por uma constante de valor condizente com a relação molar inicialmente determinada. O escore total do IPT varia de zero a dez ou mais, com maiores escores representando más oclusões mais severas.
O nível de severidade da má oclusão foi avaliado de acordo com a Estimativa de Severidade da Má oclusão (ESM), índice preconizado por Grainger1717 Grainger RM. Orthodontic treatment priority index. Vital Health Stat 2. 1967 December;(25):1-49. PMid:5300095., o qual estabelece: oclusão praticamente normal (IPT 0); manifestações menores de má oclusão e necessidade de tratamento pequena (IPT 1-3); má oclusão, com tratamento eletivo (IPT 4-6); má oclusão grave, com tratamento altamente desejável (IPT 7-9); má oclusão muito grave, com tratamento obrigatório (IPT > 10).
Foram determinadas também, a partir da análise dos modelos de gesso: a presença de mordida cruzada anterior e posterior; a mordida aberta anterior e posterior; a sobremordida; a relação molar, e a relação canino, registradas em tabela específica. Adotaram-se os critérios do IPT para caracterização dos respectivos fatores oclusais1717 Grainger RM. Orthodontic treatment priority index. Vital Health Stat 2. 1967 December;(25):1-49. PMid:5300095.:
-
•
Mordida cruzada anterior: presença de um ou mais dentes cruzados na região anterior;
-
•
Mordida cruzada posterior unilateral: presença de um ou mais dentes cruzados por posterior unilateral;
-
•
Mordida cruzada posterior bilateral: presença de um ou mais dentes cruzados por posterior bilateral;
-
•
Síndrome de Brodie: presença de um ou mais dentes posteriores superiores cruzados para vestibular;
-
•
Mordida aberta anterior: ausência de trespasse vertical entre as margens incisais dos dentes anteriores superiores e inferiores;
-
•
Trespasse vertical acentuado: > 4 mm;
-
•
Traspasse horizontal acentuado: > um terço;
-
•
Dentes posteriores girados: no mínimo dois dentes girados acima de 45°;
-
•
Dentes anteriores acentuadamente apinhados (no mínimo dois dentes com deslocamentos a partir de 2 mm);
-
•
Má oclusão de classe II: relação molar em classe II;
-
•
Má oclusão de classe III: relação molar em classe III.
Análise Estatística
Os dados obtidos foram organizados e analisadas no programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 17.
A análise estatística foi realizada inicialmente por meio do teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov, sendo verificada distribuição normal dos dados.
As diferenças entre as médias do IPT em relação a presença/ausência de DTM ou necessidade de tratamento foram determinadas por meio do teste t. O teste One-way ANOVA, seguido do teste de Turkey para comparações múltiplas, foi utilizado para verificar as diferenças entre as médias do IPT nos grupos de classificação clínica da DTM (exame físico). As correlações entre os fatores oclusais e a DTM foram determinadas a partir de correlação de Pearson.
Em ambos os testes estatísticos, o nível de significância utilizado foi de 95%, adotando-se o p<0,05 como indicativo de diferença estatisticamente significante.
RESULTADO
Os indivíduos com DTM, segundo o questionário anamnésico, apresentaram maior média do IPT quando comparados aos indivíduos sem DTM; porém, essa diferença não foi estatisticamente significante (Tabela 1).
Comparações estatísticas entre as médias do IPT relacionadas à presença de sinais e sintomas de DTM. João Pessoa - PB
Em relação ao exame físico, o grupo de indivíduos com sinais clínicos de DTM muscular e articular apresentou uma média do IPT maior do que os demais grupos (ausência de sinais clínicos de DTM, sinais DTM muscular e sinais de DTM articular). No entanto, essa diferença não foi estatisticamente significante (Tabela 1).
A severidade da má oclusão, segundo o IPT, não influenciou na presença de sinais e sintomas de DTM ou na necessidade de tratamento.
Poucos fatores oclusais foram correlacionados à DTM. Apenas a má oclusão de classe II, trespasse vertical acentuado e dentes girados foram estatisticamente correlacionados à presença de necessidade de tratamento e sinais clínicos articulares (Tabela 2).
Correlação entre fatores oclusais e a presença de sinais e sintomas de DTM (valores estatisticamente significantes* * Correlação de Pearson. ). João Pessoa - PB
DISCUSSÃO
O papel da oclusão morfológica e funcional como fatores que contribuem no desenvolvimento das DTMs tem sido discutido durante as últimas décadas, mas existem ainda muitas controvérsias sobre a importância relativa dos fatores oclusais frente a outros fatores contribuintes1010 Varga ML. Orthodontic therapy and temporomandibular disorders. Med Sci. 2010; 34:75-85..
No presente estudo, foi utilizado o Índice de Prioridade de Tratamento (IPT) para avaliar a presença e a severidade da má oclusão na amostra estudada. Embora os indivíduos com DTM, segundo questionário anamnésico, e com sinais clínicos de DTM tenham apresentado maiores escores do IPT em relação aos indivíduos sem DTM, esta diferença não foi estatisticamente significante. A severidade da má oclusão, segundo o IPT, não foi associada à presença de DTM ou ao surgimento de sinais clínicos de DTM.
Não existem relatos de trabalhos na literatura que usaram o IPT para avaliar a associação entre a severidade da má oclusão e a DTM. Mohlin et al.1818 Mohlin BO, Derweduwen K, Pilley R, Kingdon A, Shaw WC, Kenealy P. Malocclusion and temporomandibular disorder: a comparison of adolescents with moderate to severe dysfunction with those without signs and symptoms of temporomandibular disorder and their further development to 30 years of age. Angle Orthod. 2004 June;74(3):319-27. PMid:15264641. verificaram, por meio de um estudo prospectivo de 19 anos, níveis significativamente mais elevados de pontuação do PAR (Peer Assessment Rating), índice que avalia a presença e a gravidade da má oclusão em indivíduos com sinais e sintomas de DTM, em comparação aos indivíduos assintomáticos.
Rusanen et al.1919 Rusanen J, Silvola AS, Tolvanen M, Pirttiniemi P, Lahti S, Sipilä K.
Pathways between temporomandibular disorders, occlusal characteristics, facial
pain, and oral health-related quality of life among patients with severe
malocclusion. Eur J Orthod. 2012 August;34(4):512-7.
http://dx.doi.org/10.1093/ejo/cjr071. PMid:21795754.
http://dx.doi.org/10.1093/ejo/cjr071...
, em estudo
realizado com 94 pacientes adultos (34 homens e 60 mulheres, idade média 38 anos),
que foram encaminhados para tratamento ortodôntico ou ortocirúrgico, também
observaram pontuações do índice PAR estatisticamente mais elevadas em indivíduos com
DTM.
Entre os fatores oclusais analisadas no presente estudo, a partir dos modelos de
gesso, a má oclusão de classe II foi estatisticamente correlacionada à necessidade
de tratamento, o que reflete uma maior severidade da DTM. Teixeira et al.2020 Teixeira ACB, Marcucci G, Luz JGC. Prevalência das maloclusões e dos
índices anamnésicos e clínicos, em pacientes com disfunção da articulação
temporomandibular. Rev Odontol Univ Sao Paulo. 1999; 13(3):251-6.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-06631999000300008.
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-06631999...
, em estudo realizado com 110
pacientes portadores de DTM, também encontraram uma predominância de má oclusão de
classe II de Angle, estatisticamente significante. Já Demir et al.33 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal
factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish
subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814. encontraram associação
estatisticamente significante entre a má oclusão de classe II e sensibilidade
dolorosa no músculo masseter e pterigoideo medial.
Corroborando com nossos resultados, Henrikson, Nilner2121 Henrikson T, Nilner M. Temporomandibular disorders, occlusion and
orthodontic treatment. J Orthod. 2003 June;30(2):129-37, discussion 127.
http://dx.doi.org/10.1093/ortho/30.2.129. PMid:12835429.
http://dx.doi.org/10.1093/ortho/30.2.129...
, por meio de um estudo prospectivo longitudinal,
verificaram um aumento da prevalência de sintomas de DTM no grupo de crianças com má
oclusão de Classe II sem tratamento ortodôntico. O grupo que recebeu tratamento
ortodôntico e o grupo com oclusão normal exibiu uma menor prevalência de sintomas
relacionados à DTM. Para esses autores, o tipo de oclusão pode desempenhar um papel
como fator contribuinte para o desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM, embora
essa influência seja difícil de quantificar e prever.
No entanto, duas revisões sistemáticas sobre a associação entre más oclusões,
tratamento ortodôntico e sinais e sintomas da DTM demonstraram que faltam evidências
significativas para sugerir que fatores oclusais funcionais ou estáticos causem DTM.
A disfunção temporomandibular não pode ser correlacionada com qualquer tipo
específico de má oclusão e não há suporte para a crença de que o tratamento
ortodôntico possa causar DTM77 Mohlin B, Axelsson S, Paulin G, Pietilä T, Bondemark L, Brattström
V, et al. TMD in relation to malocclusion and orthodontic treatment: a
systematic review. Angle Orthod. 2007 May;77(3):542-8.
http://dx.doi.org/10.2319/0003-3219(2007)077[0542:TIRTMA]2.0.CO;2.
PMid:17465668.
http://dx.doi.org/10.2319/0003-3219(2007...
,2222 Luther F. TMD and occlusion part II. Damned if we don’t? Functional
occlusal problems: TMD epidemiology in a wider context. Br Dent J. 2007
January;202(1):E3, discussion 38-9. http://dx.doi.org/10.1038/bdj.2006.123.
PMid:17220828.
http://dx.doi.org/10.1038/bdj.2006.123...
. Já segundo Badel et al.22 Badel T, Marotti M, Krolo I, Kern J, Keros J. Occlusion in patients
with temporomandibular joint anterior disk displacement. Acta Clin Croat. 2008
September;47(3):129-36. PMid:19175060., a classificação de Angle é considerada
insuficientemente específica para correlacionar a má oclusão com a fisiopatologia da
DTM.
No presente trabalho, trespasse vertical acentuado e dentes girados foram correlacionados à presença de sinais de DTM articular e a sons articulares. Nenhum fator oclusal foi estatisticamente correlacionado à presença de sinais de DTM muscular.
Em contraste, Demir et al.33 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814. encontraram relações estatisticamente significativas entre sensibilidade muscular mastigatória e trespasse vertical. Já Cruz et al.2323 Cruz FLG, Marinho CC, Leite FPP. Relationship between abnormal horizontal or vertical dental overlap and temporomandibular disorders. Rev Odonto Ciênc. 2009; 24(3):254-7. não verificaram nenhuma correlação significativa entre DTM e trespasses vertical e horizontal acentuados, em um estudo realizado com 196 adultos jovens, com idade variando de 18 a 25 anos. Esses autores realizaram uma avaliação clínica dos fatores oclusais, enquanto que, no presente estudo, foi realizada análise da oclusão em modelos de gesso. Tal fato pode explicar os resultados contraditórios encontrados.
Demir et al.33 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814. e Mohlin et al.1818 Mohlin BO, Derweduwen K, Pilley R, Kingdon A, Shaw WC, Kenealy P. Malocclusion and temporomandibular disorder: a comparison of adolescents with moderate to severe dysfunction with those without signs and symptoms of temporomandibular disorder and their further development to 30 years of age. Angle Orthod. 2004 June;74(3):319-27. PMid:15264641. encontraram uma associação positiva entre apinhamento dentário e presença de DTM. No presente estudo, a presença de giroversões foi correlacionada à presença de sinais de DTM articular.
Outros estudos têm demonstrado associações positivas entre DTM e fatores da oclusão
dinâmica33 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal
factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish
subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814.,1111 Landi N, Manfredini D, Tognini F, Romagnoli M, Bosco M.
Quantification of the relative risk of multiple occlusal variables for muscle
disorders of the stomatognathic system. J Prosthet Dent. 2004
August;92(2):190-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.2004.05.013.
PMid:15295330.
http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.200...
,1212 Fantoni F, Chiappe G, Landi N, Romagnoli M, Bosco M. A stepwise
multiple regression model to assess the odds ratio between myofascial pain and
13 occlusal features in 238 Italian women. Quintessence Int. 2010
March;41(3):e54-61. PMid:20213016.,2424 Schmitter M, Balke Z, Hassel A, Ohlmann B, Rammelsberg P. The
prevalence of myofascial pain and its association with occlusal factors in a
threshold country non-patient population. Clin Oral Investig. 2007
September;11(3):277-81. http://dx.doi.org/10.1007/s00784-007-0116-1.
PMid:17410385.
http://dx.doi.org/10.1007/s00784-007-011...
. Landi et al.1111 Landi N, Manfredini D, Tognini F, Romagnoli M, Bosco M.
Quantification of the relative risk of multiple occlusal variables for muscle
disorders of the stomatognathic system. J Prosthet Dent. 2004
August;92(2):190-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.2004.05.013.
PMid:15295330.
http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.200...
encontraram uma associação estatisticamente
significante entre discrepância de RC e MIC maior que 2 mm e interferências
mediotrusivas com presença de dor miofascial, de acordo com os critérios do RDC/TMD.
As probabilidades de razão para a dor miofascial foi 2,57 para discrepâncias entre
RC e MIC maior que 2 mm, e 2,45 para interferências mediotrusivas.
Já Fantoni et al.1212 Fantoni F, Chiappe G, Landi N, Romagnoli M, Bosco M. A stepwise
multiple regression model to assess the odds ratio between myofascial pain and
13 occlusal features in 238 Italian women. Quintessence Int. 2010
March;41(3):e54-61. PMid:20213016. observaram
diferença estatisticamente significativa entre o grupo de dor miofascial e o grupo
controle para quatro variáveis oclusais: ausência de guia canino, interferências
laterotrusivas, interferências mediotrusivas e mordida cruzada posterior unilateral.
No presente estudo, foi realizada apenas análise da oclusão estática, restringindo
as comparações com os estudos supracitados33 Demir A, Uysal T, Basciftci FA, Guray E. The association of occlusal
factors with masticatory muscle tenderness in 10- to 19-year old Turkish
subjects. Angle Orthod. 2005 January;75(1):40-6. PMid:15747814.,1111 Landi N, Manfredini D, Tognini F, Romagnoli M, Bosco M.
Quantification of the relative risk of multiple occlusal variables for muscle
disorders of the stomatognathic system. J Prosthet Dent. 2004
August;92(2):190-5. http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.2004.05.013.
PMid:15295330.
http://dx.doi.org/10.1016/j.prosdent.200...
,1212 Fantoni F, Chiappe G, Landi N, Romagnoli M, Bosco M. A stepwise
multiple regression model to assess the odds ratio between myofascial pain and
13 occlusal features in 238 Italian women. Quintessence Int. 2010
March;41(3):e54-61. PMid:20213016..
Os resultados do presente estudo indicam que a contribuição dos fatores oclusais no
surgimento das DTMs é leve. Apenas alguns poucos fatores da oclusão estática foram
significativamente correlacionados aos sinais de DTM. Estes resultados estão de
acordo com vários outros estudos, nos quais correlações fracas ou mesmo inexistentes
foram encontradas entre as más oclusões e a DTM22 Badel T, Marotti M, Krolo I, Kern J, Keros J. Occlusion in patients
with temporomandibular joint anterior disk displacement. Acta Clin Croat. 2008
September;47(3):129-36. PMid:19175060.,66 Gesch D, Bernhardt O, Mack F, John U, Kocher T, Alte D. Association
of malocclusion and functional occlusion with subjective symptoms of TMD in
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http://dx.doi.org/10.4103/0970-9290.5290...
.
Em modelos multifatoriais, como na fisiopatologia da DTM, fatores locais e, particularmente, a oclusão podem desempenhar um papel de cofatores na predisposição ou perpetuar as diferentes formas de DTM em alguns indivíduos, devendo-se colocar menos ênfase no papel único da oclusão como fator desencadeante das DTMs. A amostra avaliada foi de uma população de não pacientes e muitos já utilizaram aparelho ortodôntico, fatores que podem justificar os resultados encontrados.
Os fatores oclusais não devem ser considerados os mais importantes na etiologia das DTMs. É necessária uma visão ampla dos seus fatores etiológicos e reconhecer a oclusão como apenas mais um desses fatores, podendo esta influenciar em maior ou menor grau, dependendo das características do paciente.
A terapia oclusal (ajuste oclusal, ortodontia, cirurgia ortognática) deve ser
empregada com cautela e com o mínimo de procedimentos invasivos possível, pois não
há evidências claras de que oclusões patológicas sejam causas comuns de DTM22 Badel T, Marotti M, Krolo I, Kern J, Keros J. Occlusion in patients
with temporomandibular joint anterior disk displacement. Acta Clin Croat. 2008
September;47(3):129-36. PMid:19175060.,77 Mohlin B, Axelsson S, Paulin G, Pietilä T, Bondemark L, Brattström
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http://dx.doi.org/10.1038/bdj.2006.123...
.
O tratamento ortodôntico é fundamental ao permitir uma melhor harmonia oclusal e do aparelho mastigador, mas o profissional não deve apresentá-lo ao paciente como forma única de tratamento das DTMs.
CONCLUSÃO
A severidade da má oclusão não foi correlacionada à presença de sinais e sintomas de DTM.
Apenas a má oclusão de classe II, o trespasse vertical acentuado e os dentes girados foram correlacionados à presença de sinais clínicos de DTM articular ou à necessidade de tratamento.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jun 2015
Histórico
-
Recebido
16 Ago 2014 -
Aceito
20 Jan 2015