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Desafios para a oferta de prótese dentária na rede de saúde pública

Challenges related to dental prosthesis offer in the public health system

Resumo

Objetivo

Conhecer os desafios enfrentados pelos municípios na implantação e manutenção dos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPD), além de identificar o perfil dos municípios com LRPD implantados.

Método

Estudo exploratório, transversal, baseado em um questionário aplicado a 317 gestores municipais de saúde, no ano de 2014-2015, e em informações extraídas dos bancos oficiais. Para análise dos dados secundários, foi realizado o teste do Qui-quadrado, tendo como variável dependente a presença do LRPD credenciado e, como covariáveis, a Cobertura de Equipe de Saúde Bucal (ESB), o Contingente populacional, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Fator de Alocação (FA) e os dados relativos aos Gestores Municipais de Saúde.

Resultado

A baixa oferta do Técnico de Prótese Dentária (TPD) foi o maior desafio para a implantação dos LRPD e, para a manutenção dos LRPD, o baixo financiamento foi o fator limitante. Os municípios com população maior que dez mil habitantes tiveram mais chance de possuir um LRPD credenciado (RP = 2,42).

Conclusão

Os desafios enfrentados pelos municípios para a oferta de prótese dentária na rede de saúde pública demandam ações que extrapolam a esfera municipal, sendo necessário o envolvimento das instituições de ensino, a fim de garantir a capacitação dos recursos humanos e dos demais entes da federação na criação de estratégias de regionalização que minimizem os custos e ampliem o acesso dos municípios de menor porte populacional aos LRPD.

Descritores:
Avaliação de serviços de saúde; políticas públicas; saúde bucal

Abstract

Objective

To describe the challenges faced by local health managers during the implementation and maintenance of Regional Laboratories Dental Prosthetics (RLDP), and identify the profile of the cities with RLDP.

Method

A cross-sectional study using a questionnaire that was replied by 317 local health managers between 2014 and 2015 and information extracted from official database. A chi-square test was used to analyze secondary data, with the existence of credentialed RLDP as a dependent variable and the coverage of Dental Health Team (DHT), local population, Human Development Indices (HDI), Allocation Factor (AF) and data about local health managers being the co-variables.

Result

The low number of dental prosthetic technician was the main challenge regarding the implementation of the RLDP and low funding was the main one related to maintenance. Cities a population of less than 10,000 inhabitants were more likely to have a credentialed RLDP (rate = 2.42).

Conclusion

To meet the challenges faced by cities in offering dental prosthesis in the public health, the system demands actions that go beyond the local public sphere. The educational institutions' involvement is needed in order to meet human-resources training requirements and state and federal levels involvement is required to promote strategies that reduce costs and increase access to RLDP by small cities.

Descriptors:
Health services evaluation; public policies; oral health

INTRODUÇÃO

A perda dentária é um dos principais agravos à saúde bucal devido à sua alta prevalência e aos danos funcionais que acarreta, constituindo-se em um importante problema de saúde pública11 Barbato PR, Nagano HCM, Zanchet FN, Boing AF, Peres MA. Perdas dentárias e fatores sociais, demográficos e de serviços associados em adultos brasileiros: uma análise dos dados do Estudo Epidemiológico Nacional. (Projeto SB Brasil 2002-2003). Cad Saude Publica. 2007 Ago;23(8):1803-14. PMid:17653398. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2007000800007.
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. Os dentes têm um papel importante em vários aspectos: aparência facial, fala e mastigação, e a sua ausência influencia negativamente na qualidade de vida das pessoas22 Slade GD. Measuring oral health and quality of life. Chapel Hill: University of North Carlina; 1997. p. 11-24.. Para a recuperação parcial ou total das capacidades funcionais perdidas, a reabilitação oral se faz necessária.

O uso e a necessidade de prótese dentária foram dados apurados nos últimos levantamentos, como o Levantamento Epidemiológico Nacional de Saúde Bucal. O mais recente estudo, intitulado como Projeto SB Brasil 2010 ‒ Pesquisa Nacional de Saúde Bucal, observou que 13,7%, 68,8% e 92,7% da população brasileira, nas faixas etárias de 15 a 19, 35 a 44 e 65 a 74 anos, respectivamente, apresentavam necessidade de prótese dentária33 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010: Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério Saúde; 2012..

As diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) – Programa Brasil Sorridente apontaram para a necessidade de reorganização da saúde bucal em todos os níveis de atenção. Dentre as principais linhas de ação do Programa Brasil Sorridente, destacam-se a inserção dos procedimentos relacionados com a fase clínica da instalação de próteses dentárias na atenção básica e a implantação dos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias – LRPD44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília: Ministério Saúde; 2004..

Conforme a Portaria n.º 1.570/2004, o LRPD é uma Unidade de Serviço de Apoio Diagnóstico Terapêutico ‒ SADT, para realizar, no mínimo, serviços de prótese dentária total e prótese parcial removível, não havendo restrição quanto à pessoa jurídica do estabelecimento55 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1570, de 29 de janeiro de 2004. Estabelece critérios, normas e requisitos para a implantação e credenciamento de Centros de Especialidades Odontológicas e Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias. Diário Oficial da União. Brasília, 2004.. Para o financiamento dos LRPD, o Ministério da Saúde transfere aos municípios ou Estados um valor financeiro mensal por LRPD credenciado, de acordo com a faixa de produção credenciada, variando entre 7,5 mil reais (para oferta de 20 a 50 próteses/mês) e 22,5 mil reais (para oferta acima de 120 próteses/mês)66 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Geral de Saúde Bucal. Nota técnica: credenciamento e repasse de recursos para os Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias – LRPD. Brasília: Ministério da Saúde; 2012..

A implantação do LRPD no município constitui-se uma estratégia importante para a integralidade da atenção no âmbito odontológico. Um estudo observou que a distribuição dos LRPD no país foi influenciada por outros aspectos para além dos epidemiológicos e que a ampliação do número de LRPD e as produções de próteses dentárias foram discretas nos últimos anos, tendo em vista a demanda por reabilitação protética no país77 Aguiar VR, Celeste CR. Necessidade e alocação de laboratórios regionais de prótese dentária no Brasil: um estudo exploratório. Cien Saude Colet. 2015 Out;20(10):3121-8. PMid:26465854. http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152010.18212014.
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.

Apesar da grande demanda pela oferta de prótese dentária, atualmente, são 1.477 municípios com LRPD credenciados no país, correspondendo a 27% dos municípios brasileiros88 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS tecnologia da informação a serviço do SUS: notas técnicas [Internet]. Brasília; 2015 [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sia/cnv/qgmg.def
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. Ainda não se sabe quais são os desafios enfrentados pelos municípios que vêm dificultando o credenciamento e a manutenção dos LRPD.

Este estudo teve como objetivo conhecer os desafios enfrentados pelos municípios na implantação e manutenção dos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPD), e o perfil dos municípios que credenciaram os LRPD. Os resultados deste estudo poderão nortear as ações necessárias para que a oferta de prótese dentária seja efetiva e corresponda à real necessidade da população.

MÉTODO

Trata-se de um estudo quantitativo, exploratório e descritivo, realizado no Estado de Minas Gerais, que está localizado na Região Sudeste e é o segundo Estado mais populoso do Brasil, com uma população estimada, em 2014, de 20,73 milhões de habitantes, distribuída em 853 municípios99 IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população para 1º de julho de 2014 [Internet]. Rio de Janeiro; 2014 [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2014/estimativa_dou.shtm
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Para o estudo, distribuíram-se os municípios do Estado de Minas Gerais em três grupos, conforme a presença ou não dos LRPD credenciados: Grupo I – municípios que não credenciaram LRPD, sendo em número de 580, até outubro de 2014, e correspondendo a 68% dos municípios do Estado; Grupo II ‒ municípios que tiveram seus LRDP descredenciados por apresentarem ausência ou baixa produção dos serviços até o mês de outubro de 2014, perfazendo 54 municípios e correspondendo a 6% dos municípios mineiros, e Grupo III ‒ municípios que credenciaram LRPD e os mantiveram até o mês de outubro de 2014, totalizando 219 municípios e correspondendo a 26% dos municípios do Estado1010 Minas Gerais. Secretaria de Estado da Saúde. Informação fornecida pela Diretoria de Saúde Bucal da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais. Belo Horizonte; 2015..

Para o cálculo amostral, foi utilizado o método de estimativa de proporção, considerando um erro de 5%, proporção de 50% e nível de confiança de 95%. A amostra mínima requerida foi de 384 municípios. Na medida em que Minas Gerais possui 853 municípios, foi realizada uma correção para população finita, o que apontou para uma amostra de 265 municípios. Para compensar as possíveis perdas, esse número foi acrescido de 20%, totalizando 317 municípios.

Essa amostra foi estratificada para que todos os três grupos de municípios participassem do estudo, segundo a proporção de cada grupo no total de municípios do Estado. Feito o cálculo e realizada a correção, o grupo I foi composto por 216 municípios, o grupo II por 19 municípios e o grupo III por 82 municípios. Foi realizado um sorteio aleatório dos municípios de cada grupo.

Foram enviados, por meio eletrônico, os convites aos gestores municipais de saúde da amostra e as informações sobre a pesquisa. Um questionário foi inserido na plataforma virtual ‒ SurveyMonkey®, além do Termo de Consentimento. Para os municípios do Grupo I, foi questionado o motivo pelo qual não haviam sido credenciados os LRPD. Para os do grupo II, as dificuldades enfrentadas que contribuíram para o descredenciamento dos LRPD. Para os municípios do Grupo III, foi questionado o local da oferta de prótese dentária, bem como a forma de gestão dos LRPD e as dificuldades enfrentadas para manutenção do credenciamento dos LRPD.

Foram levantados dados oficiais de Cobertura de Equipe de Saúde Bucal (ESB)1111 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Histórico de cobertura da saúde da família [Internet]. Brasília; 2015 [citado 2015 Mar 01]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.php
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, Contingente Populacional99 IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas de população para 1º de julho de 2014 [Internet]. Rio de Janeiro; 2014 [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2014/estimativa_dou.shtm
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, Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)1212 PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil [Internet]. Brasília [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx
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e Fator de Alocação (FA)1313 Minas Gerais. Fundação João Pinheiro. Fundação João Pinheiro apresenta nova edição do Índice Mineiro de Responsabilidade Social [Internet]. Belo Horizonte; 2013 [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/noticias-em-destaque/2638-fundacao-joao-pinheiro-apresenta-nova-edicao-do-indice-mineiro-de-responsabilidade-social
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dos municípios da amostra. Esses dados constituíram, juntamente com os dados sobre a formação e o tempo de gestão dos secretários municipais de saúde, o perfil dos municípios que participaram do estudo.

O FA, segundo a Fundação João Pinheiro, consiste na média dos índices ‒ de necessidade de saúde e de porte ‒ econômicos dos municípios. Os municípios são enquadrados em quatro categorias, sendo o menor grupo, o n.º 1 (com menor necessidade de recursos financeiros), e o maior grupo, o nº 4 (com maior necessidade de recursos financeiros)1313 Minas Gerais. Fundação João Pinheiro. Fundação João Pinheiro apresenta nova edição do Índice Mineiro de Responsabilidade Social [Internet]. Belo Horizonte; 2013 [citado 2015 Maio 01]. Disponível em: http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/noticias-em-destaque/2638-fundacao-joao-pinheiro-apresenta-nova-edicao-do-indice-mineiro-de-responsabilidade-social
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Foi realizada análise bivariada pelo teste do Qui-quadrado dos dados dos municípios da amostra, com o objetivo de verificar a presença de associação entre as variáveis dependentes ‒ presença de LRPD credenciados nos municípios ‒ e as covariáveis: i) cobertura de ESB – maior ou inferior a 100%; ii) contingente populacional até 10 mil habitantes ou superior; iii) IDHM maior ou menor que a média do Estado de Minas Gerais, que é 0,73; iv) formação do secretário municipal de saúde ‒ área de saúde ou em outra área; v) tempo de gestão do secretário municipal de saúde ‒ até 24 meses ou maior; vi) FA ‒ Grupos nº 1 e nº 2 ou grupos nº 3 e nº 4.

A razão de prevalência e os respectivos intervalos de confiança de 95% foram estimados para as variáveis. Todos os testes estatísticos foram realizados pelo programa IBM SPSS versão 21, considerando o nível de significância estatística de 5%.

O estudo foi submetido, avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Protocolo número 33565414.9.0000.5149 CAAE).

RESULTADO

Foram obtidos 310 questionários válidos, sendo 209 do Grupo I, 19 do Grupo II e 82 do Grupo III. Foram excluídos do estudo os questionários incompletos.

Os resultados das questões respondidas pelos gestores dos municípios do Grupo I, em relação aos motivos por não terem implantado os LRPD, estão disponíveis na Tabela 1. Dentre os motivos, o mais prevalente foi a ausência do Técnico de Prótese Dentária (TPD) para ofertar o serviço (65%).

Tabela 1
Motivos apresentados pelos gestores dos municípios do Grupo I por não terem implantado os LRPD

Sobre as dificuldades enfrentadas pelos municípios do Grupo II que contribuíram para o descredenciamento de seus LRPD, a maior frequência de respostas foi para o campo aberto do questionário (87%), no qual os municípios descreveram situações particulares, como: lançamento de dados errados no Sistema Ambulatorial de Informação do SUS (SIA/SUS); falta de planejamento orçamentário do município; falta de documentação regularizada pelo laboratório; demora em organizar o serviço; dificuldades no processo licitatório; falta de um coordenador de saúde bucal, e não assiduidade dos usuários às consultas.

Para os municípios do Grupo III, além dos questionamentos sobre as dificuldades enfrentadas na manutenção dos LRPD, perguntou-se sobre o local em que as próteses são ofertadas, sendo que a Unidade Básica de Saúde foi o local mais prevalente (67%). Outro questionamento feito aos gestores do Grupo III foi sobre a forma de gestão dos LRPD e a maioria declarou que participa da gestão do laboratório, apesar de este ser terceirizado (57%).

Quanto às dificuldades enfrentadas pelos municípios do Grupo III na manutenção dos LRPD, os resultados estão descritos na Tabela 2. Verificou-se que o baixo financiamento dos LRPD foi o maior problema enfrentado (54%).

Tabela 2
Dificuldades enfrentadas pelos municípios do Grupo III na manutenção dos LRPD

Em relação ao perfil dos municípios da amostra, ao observar os resultados da análise pelo teste Qui-quadrado entre as variáveis dependentes e as covariáveis, verificou-se a presença de associação entre as varáveis: municípios com LRPD credenciados e municípios com contingente populacional superior a 10 mil habitantes (p<0,001). As demais covariáveis não apresentaram associação (Tabela 3).

Tabela 3
Perfil dos municípios da amostra conforme resultado da análise pelo teste Qui-quadrado

DISCUSSÃO

Os dados levantados neste estudo trazem reflexões e advertências acerca das trajetórias que estão em curso. Em relação aos motivos declarados pelos municípios do Grupo I por não terem credenciados os LRPD, a ausência do TPD para ofertar o serviço de confecção das próteses foi o motivo mais frequente (65%). Essa limitação em relação à mão de obra especializada do TPD também foi considerada pela maioria dos municípios do Grupo II (60%) como uma dificuldade que contribuiu para o descredenciamento dos seus LRPD. Esse fato aponta para a necessidade de investimentos na formação de TPD para o atendimento da demanda de reabilitação oral da população. Conforme destacado na IX Conferência Nacional de Saúde, uma política de recursos humanos efetiva é indispensável para a implementação do SUS1414 IX Conferência Nacional de Saúde: relatório final [Internet]. Brasília; 1992 [citado 2015 Maio]. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_9.pdf
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Em relação ao Grupo III, o baixo financiamento foi exposto como a maior dificuldade enfrentada pelos municípios na manutenção dos LRPD (54%). Esse fato também foi apresentado por 40% dos municípios do grupo II. Um estudo apontou as condições de trabalho precárias a que são submetidos os profissionais de saúde1515 Lima EL, Rivaldo EG, Cosme DC, Frasca LCF. Avaliação do material enviado pelos cirurgiões dentistas aos laboratórios de prótese para confecção de próteses parciais removíveis. Rev Fac Odontol P Alegre. 2004 Dez;45(2):14-6.. Tal situação retrata a presença de aspectos importantes no cenário da Saúde Pública brasileira, pendentes de uma solução que precisa ser objeto de estratégias governamentais de maior amplitude, a fim de garantir o financiamento de forma satisfatória.

Foi citada por 52% dos gestores municipais do Grupo I, como motivo do não credenciamento dos LRPD, a falta de orientações complementares por parte das Superintendências e Gerências Regionais de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde. Ainda transitando no campo da fragilidade dos processos de comunicação e da troca de informações, 47% dos municípios do Grupo II relataram terem perdido o credenciamento de seus LRPD por não atentarem para a possibilidade de serem descredenciados se não mantivessem a produção acordada, embora essa informação se encontrasse explícita na legislação sobre os LRPD. Esses resultados apontam para a necessidade de revisão do processo de repasse de informações entre os entes, bem como de manutenção de uma rotina de divulgação para os profissionais envolvidos na gestão e assistência nos serviços. Nesse aspecto, é fundamental o papel da gestão, tendo em vista que as informações de caráter técnico gerenciais são essenciais para garantir a efetividade das ações e dos serviços1616 Cotta RMM, Schott M, Azeredo CM, Franceschini SCC, Priore SE, Dias G. Organização do trabalho e perfil dos profissionais do Programa Saúde da Família: um desafio na reestruturação da atenção básica em saúde. Epidemiol Serv Saúde. 2006 Set;15(3):7-18. http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742006000300002.
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Reforçando a necessidade de uma revisão dos processos de repasse de informações, destaca-se a situação descrita por 40% dos municípios do Grupo II, que tiveram seus LRPD descredenciados por problemas de lançamento da produção mensal no SIA/SUS. Essa informação foi reiterada pelos munícipios do mesmo grupo no campo aberto do questionário, com a informação de terem lançado dados no sistema com códigos incorretos. A rotatividade dos técnicos administrativos e a falta de capacitação podem ser os principais causadores desse tipo de problemas. Por meio de um estudo em âmbito nacional, foi observado que 86% dos municípios relataram existir um processo regular de treinamento para os profissionais que atuam na atenção primária; todavia, esse mesmo estudo identificou que a maioria das contratações realizadas pelos municípios é temporária ou de prestação de serviços, o que pode comprometer a continuidade das informações repassadas aos profissionais1717 Carvalho CL, Girardi SB. Agentes institucionais e modalidades de contratação de pessoal no Programa Saúde da Família no Brasil. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 2002..

A necessidade de capacitação técnica para o Cirurgião-Dentista (CD) foi um dos problemas apontados por 38% dos municípios do Grupo III para a manutenção dos LRPD. A percepção em relação à necessidade de capacitação técnica coincide com os resultados encontrados por Lima et al.1515 Lima EL, Rivaldo EG, Cosme DC, Frasca LCF. Avaliação do material enviado pelos cirurgiões dentistas aos laboratórios de prótese para confecção de próteses parciais removíveis. Rev Fac Odontol P Alegre. 2004 Dez;45(2):14-6., ao analisarem a qualidade do material enviado pelos CDs aos Laboratórios privados de prótese dentária do município de Porto Alegre -RS. Segundo os autores, esses CDs desconhecem os princípios clínicos e técnicos da construção de prótese parciais removíveis. Esses dados apontam para necessidade de melhorias e qualificação dos CDs para a atuação na área de reabilitação.

Segundo Donabedian1818 Donabedian A. The seven pillars of quality. Arch Pathol Lab Med. 1990 Nov;114(11):1115-8. PMid:2241519., o conhecimento técnico profissional, as instalações físicas e as relações interpessoais entre os profissionais e pacientes são as três dimensões pelas quais se avalia a qualidade de um serviço. Desta forma, é importante refletir sobre a necessidade de criação de estratégias de alinhamento técnico entre os profissionais CD e TPD para a oferta dos serviços de reabilitação oral.

Outro fator relatado pelos gestores que contribuiu para o não credenciamento dos LRPD em 50% dos municípios pesquisados no Grupo I e a perda do credenciamento em 26% dos municípios do Grupo III foi a dificuldade no cumprimento da faixa de produção mensal definida para os LRPD. O descumprimento dessa meta acarreta o descredenciamento do LRPD. Para os municípios com menor porte populacional, o cumprimento da faixa mínima de 20 a 50 próteses/mês parece ser de difícil consecução. Para estes, a implantação de laboratórios regionalizados poderá ser uma alternativa, a fim de garantir a produção contínua das próteses e melhorar o aproveitamento da capacidade instalada, com a distribuição dos custos fixos para o maior número possível de procedimentos, eliminando ociosidades e desperdícios.

Ao analisar o perfil dos municípios, segundo os dados secundários levantados, aqueles que pertencem ao Grupo III foram os que apresentaram o maior contingente populacional, maior IDH e menor necessidade relativa de recursos financeiros, conforme o FA. Esse perfil de maior desenvolvimento confirma que a organização de boas políticas de saúde está vinculada a outras políticas, como de educação, emprego, renda e moradia, tendo em conta o conceito ampliado de saúde. É esperado que, nos municípios em que haja um conjunto de políticas públicas consistente, existam melhores condições socioeconômicas e, consequentemente, condições mais favoráveis para a assistência à saúde da população1919 Bydlowski CR, Westphal MF, Pereira IMTB. Promoção da saúde: porque sim e porque ainda não! Saúde e Sociedade. 2004 Jan-Abr;13(1):14-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902004000100003.
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Quanto à cobertura da Equipe de Saúde Bucal, observou-se que os grupos I e II apresentaram o maior percentual de municípios com cobertura de 100%. Uma cobertura dessa magnitude mostra a disposição dos gestores de implantar a atenção à saúde bucal na atenção primária. Nesses municípios, entretanto, não estão disponíveis os LRPD, equipamento fundamental para o atendimento à população adulta. Esse fato parece indicar que os desdobramentos operacionais, após a decisão pelo credenciamento do LRPD, são de difícil manejo. Nesses casos, a resolutividade dos serviços fica aquém do esperado, tendo em vista a grande dívida social do país em relação à saúde bucal da população adulta.

Em relação aos resultados da análise bivariada, os quais apontaram a maior frequência de credenciamento de LRPD nos municípios com maior contingente populacional, observa-se que essa informação reitera a necessidade de uma ação governamental no nível estadual, no sentido de promover uma discussão regionalizada sobre a oferta de próteses pela atenção à saúde bucal para os municípios de menor contingente populacional, identificando os gargalos nas regiões de saúde e intermediando o diálogo segundo a distribuição espacial, a capacidade instalada e o aporte populacional.

É pertinente alertar para as limitações deste trabalho, pois foi construído com informações referidas pelos gestores de saúde e, estas, muitas vezes, dependiam de um resgate de temas pouco discutidos no âmbito dos municípios.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostraram que, para uma efetiva oferta de prótese dentária na rede de saúde pública, serão necessárias ações que envolvam as instituições de ensino, a fim de garantir a capacitação dos recursos humanos e os três entes da federação, para favorecer a criação de estratégias de regionalização que minimizem os custos e ampliem o acesso dos municípios de menor porte populacional aos LRPD.

Conclui-se que os dados levantados neste estudo merecem ser objeto de reflexão, pois contemplam aspectos que vão além das competências municipais e que serão decisivos para uma real mudança no processo de implementação de ações no campo da reabilitação oral para a melhoria da saúde da população.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2017
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2016
  • Aceito
    20 Out 2016
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