INTRODUÇÃO
O terço apical do canal radicular comunica-se com os tecidos periapicais através do forame e pode abrigar um grande número de microrganismos que infectam e promovem inflamação perirradicular persistente. O acúmulo de raspas de dentina e restos pulpares na região apical pode obliterar o canal radicular, atuando como barreira mecânica1. Essa possibilidade, certamente, interfere na ação das substâncias químicas auxiliares ou da medicação intracanal, até mesmo na região de canal cementário, podendo ser evitada com a realização da manutenção da patência do forame apical2.
A limpeza passiva do canal cementário com instrumentos que não ampliam a constrição apical é uma prática possível de ser realizada durante o tratamento endodôntico. Contudo, a ampliação do forame apical com instrumentos mais calibrosos que o instrumento de patência pode contribuir para que um número maior de paredes desta região seja tocado durante a instrumentação e, provavelmente, elas sejam limpas, favorecendo o processo de reparo após o tratamento endodôntico2-5. Benatti et al.2 verificaram que a ampliação do forame favorece o processo de reparo tecidual ao demonstrar a invaginação dos tecidos periapicais após a realização deste procedimento.
Na atual literatura, não é consensual a eficácia da ampliação foraminal no que diz respeito ao grau de desinfecção do terço apical radicular. O insucesso de tratamentos endodônticos pode advir da presença de biofilme maduro formado no periápice radicular, com origem em microrganismos procedentes do sistema de canais radiculares3-6.
Acredita-se que a homeostasia dos tecidos da região periapical pode ser alcançada extinguindo ou reduzindo a infecção local em níveis considerados mínimos2. São essenciais, entretanto, novas abordagens sobre o tema, baseadas na análise da desinfecção do terço apical radicular através da realização de diversos protocolos de instrumentação em diferentes comprimentos de trabalho.
Considerado o fato de que a patência foraminal auxilia o acesso das substâncias químicas, para alcançarem mais profundamente a região apical, bem como a incerteza de qual cinemática de instrumentação (rotatória contínua ou reciprocante) promove uma maior desinfecção do terço apical, foram estabelecidos protocolos experimentais para este estudo, visando avaliar a influência de diferentes métodos de preparo dos canais radiculares em diferentes comprimentos de instrumentação, com uso de diferentes substâncias irrigadoras, tendo-se em conta a possibilidade de contaminação apical.
Com os diversos sistemas de instrumentação já existentes e o surgimento de tecnologias inovadoras, que visam aprimorar o tratamento endodôntico, são necessários estudos que avaliem essas tecnologias, comprovando ou não a sua eficácia. Esta pesquisa avaliou, in vitro, a ocorrência da descontaminação do terço apical do canal radicular através da efetivação de protocolos com instrumentos endodônticos, utilizando, para o movimento rotatório contínuo, as limas Protaper Next, e, para o movimento reciprocante, a lima WaveOne®Gold.
MATERIAL E MÉTODO
Seleção e Preparo das Amostras
Foram utilizados 110 pré-molares superiores birradiculares doados pelo Banco de Dentes da União Metropolitana de Educação e Cultura. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto das Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia protocolado sob número 1.852.064, sendo incluídos, na pesquisa em tela, dentes pré-molares superiores humanos, birradiculares (hígidos, restaurados ou cariados), cujas raízes deveriam estar completamente formadas e sem presença de fraturas.
Primeiramente, cada dente foi radiografado no sistema de radiografia digital FONA (Sirona Dental Systems - Schick Technologies Inc., Long Island City, NY, Estados Unidos), com incidência nos sentidos vestibulopalatino e mesiodistal, a fim de confirmar a viabilidade de sua utilização para o estudo, observando-se os seguintes critérios de exclusão: mais de um canal por raiz, canais fusionados, presença de material obturador no canal, medicação intracanal, perfurações e presença de instrumentos fraturados e/ou calcificações. Durante o preparo das amostras, também foram excluídos dentes que não obtiveram a patência do forame, dentes que possuíam diâmetro do forame maior que 0,25 mm, dentes com o forame localizado a mais de três milímetros do vértice apical e dentes com comprimento inferior a 16 mm.
Todos os dentes selecionados pelo pesquisador responsável foram armazenados em solução de timol a 0,1% e mantidos a 4 °C até o momento do experimento, quando então foram lavados e colocados em soro fisiológico para a devida reidratação3.
Após verificar a compatibilidade com os critérios de inclusão preestabelecidos, foi feita a remoção dos tecidos cariados (quando existentes) com brocas Carbide multilaminada nº3 KG®Sorensen (Medical Burs Indústria e Comércio de Produtos Abrasivos Ltda., São Paulo, Brasil). Em seguida, as câmaras pulpares foram acessadas através do uso de pontas de alta rotação, esféricas, diamantadas nº1014 KG®Sorensen, realizando-se a forma de conveniência com uso de brocas diamantadas de pontas inativas nº3082 KG®Sorensen. Foi feita uma breve irrigação com um mililitro de cloreto de sódio 0,9% (Samtec Biotecnologia Ltda., São Paulo, Brasil) e realizado o cateterismo com lima K-File #10 (Maillefer Instruments Holding Sarl, Ballaigues, Suíça).
Após a localização do forame apical radicular com a lima #10, foi inserida uma lima K-Flexofile #25 (Maillefer Instruments Holding Sarl, Ballaigues, Suíça), observando-se se atingiria o forame radicular. Nos casos em que a lima #25 não atingiu o forame, prosseguiu-se o preparo das amostras. Os forames radiculares foram ajustados no plano axial mediante o uso de limas K-Flexofile #10, #15 e #20 sequencialmente, irrigados com cloreto de sódio (NaCl) 0,9%. Dessa forma, os forames passaram a ter diâmetros de 0,20 mm. Só então os canais radiculares foram aspirados, preenchidos com solução de EDTA a 17% (Mln Farmácia de Manipulação Ltda. - Epp, Bahia, Brasil) durante um minuto, e recapitulados com a lima #10. A seguir, foram irrigados com seis mililitros de solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, NaOCl, (Indústria Anhembi, São Paulo, Brasil), durante 30 segundos, recapitulados com #10 e mais seis mililitros de NaCl 0,9%. Por fim, os canais foram secos com cones de papel absorvente esterilizados.
As coroas foram removidas com o uso de discos diamantados dupla face nº7016 KG®Sorensen e as raízes separadas para obtenção dos corpos de prova (CPs), isto é, amostras, com, no mínimo 16 mm de comprimento a partir de seu forame radicular. A demarcação da linha de secção foi feita utilizando-se um compasso de ponta seca e grafite, com a ponta seca posicionada no forame radicular e a ponta grafite delimitando onde foi feito o corte em torno da raiz e coroa. Todos os dentes foram numerados e, após a separação das raízes, além da numeração, os CP passaram a ser sinalizados como vestibular (V) ou palatino (P).
Grupos Experimentais
Foram 12 grupos experimentais divididos de acordo com o tipo de instrumentação (rotatória contínua ou reciprocante), o comprimento de instrumentação (no forame apical, um milímetro aquém ou além do forame apical) e o tipo de substância irrigadora (NaCl ou NaOCl), além dos grupos controles positivo e negativo. Após verificar compatibilidade com os critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados 66 pré-molares superiores humanos birradiculares cujas raízes separadas totalizaram 132 CP, distribuídos por sorteio em dez unidades para cada um dos grupos experimentais e seis unidades em cada um dos grupos controles, de acordo com o Quadro 1, observando que cada grupo possuía metade de suas amostras sorteadas em raízes vestibulares e a outra metade sorteadas em raízes palatinas. É importante relatar que, após a distribuição dos corpos de prova, foi feito um novo sorteio para definição dos grupos.
Quadro 1 Distribuição dos grupos experimentais e grupos controles
Grupos | N° amostras | Protocolo de instrumentação | |
---|---|---|---|
1 | 10 | Protaper Next a um milímetro aquém, irrigação com NaOCl 2,5% | |
2 | 10 | Protaper Next no forame, irrigação com NaOCl 2,5% | |
3 | 10 | Protaper Next a um milímetro além, irrigação com NaOCl 2,5% | |
4 | 10 | WaveOne®Gold a um milímetro aquém, irrigação com NaOCl 2,5% | |
5 | 10 | WaveOne®Gold no forame, irrigação com NaOCl 2,5% | |
6 | 10 | WaveOne®Gold a um milímetro além, irrigação com NaOCl 2,5% | |
7 | 10 | Protaper Next a um milímetro aquém, irrigação com NaCl 0,9% | |
8 | 10 | Protaper Next no forame, irrigação com NaCl 0,9% | |
9 | 10 | Protaper Next a um milímetro além, irrigação com NaCl 0,9% | |
10 | 10 | WaveOne®Gold a um milímetro aquém, irrigação com NaCl 0,9% | |
11 | 10 | WaveOne®Gold no forame, irrigação com NaCl 0,9% | |
12 | 10 | WaveOne®Gold a um milímetro além, irrigação com NaCl 0,9% | |
13 | 06 | Controle positivo, sem intervenção e com contaminação | |
14 | 06 | Controle negativo, sem intervenção e sem contaminação |
Fonte: Dados da pesquisa.
Preparo da Suspensão Bacteriana
A espécie microbiológica escolhida para a realização desta pesquisa foi a cepa de Enterococcus faecalis (com a identificação: ATCC 29212), cedida pelo Laboratório de Microbiologia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, a partir de uma subcultura cultivada em caldo de infusão (BHI). Em seguida, foi feito preparo desta cepa em solução salina 0,9%, a fim de se obter uma concentração equivalente à escala 0,5 McFarland e suspensão bacteriana inicial com cerca de 1,5 × 108 Unidades Formadoras de Colônias por Mililitro (UFC/mL).
Esterilização dos Corpos de Prova, Instrumentais, Substâncias e Materiais
Após o preparo das amostras, todos os materiais, instrumentais e substâncias que necessitavam ser esterilizados foram acondicionados em papel grau cirúrgico e filme laminado poliéster/polipropileno, e autoclavados. A esterilização foi realizada a 121 °C e 1 atm, durante 20 minutos. Foram feitas desinfecções com álcool 70° em todas superfícies e materiais não passíveis de esterilização.
Para cada CP a ser instrumentado, foram utilizados exclusivamente: uma pinça, uma gaze, um par de luvas de procedimento, uma ponta de irrigação NaviTip® (25 mm - 30 ga) (Ultradent, South Jordan, Utah, EUA), uma régua endodôntica milimetrada e uma lima #10, todos devidamente esterilizados, além da lima Easy Clean (Easy Equipamentos Odontológicos, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil) e as Protaper Next (X1/X2) (Maillefer Instruments Holding Sarl, Ballaigues, Suíça) ou WaveOne®Gold (Primary) (Maillefer Instruments Holding Sarl, Ballaigues, Suíça) já esterilizadas em suas embalagens de fábrica.
Montagem dos Sistemas de Cultura Bacteriana
Utilizaram-se, para o cultivo das bactérias nos corpos de prova, microplacas de acrílico esterilizadas. Foram inseridos 10 µL de caldo de infusão, com uso do pipetador em 10 poços de cada grupo experimental e em seis poços de cada grupo controle. Somente, então, cada CP esterilizado foi removido do papel grau cirúrgico e colocado no seu respectivo poço. Os corpos de prova dos grupos experimentais e do grupo controle positivo foram infectados individualmente com um microlitro da suspensão bacteriana contendo E. faecalis, inserida com uso do pipetador.
Essas microplacas foram tampadas e, para garantir um maior vedamento, foi utilizado filme PVC em torno da placa e, por fim, elas foram colocadas em uma estufa microbiológica a 37°C por 96 horas.
Preparo Químico Mecânico dos Grupos Experimentais
Após 96 horas de incubação, os corpos de prova foram submetidos à instrumentação com limas de único uso. Nos grupos de instrumentação rotatória contínua, as amostras foram instrumentadas com a sequência de limas Protaper Next® X1 e X2, seguindo-se as recomendações do fabricante.
Para cada CP do Grupo 1, inicialmente foi feita a obtenção do comprimento de patência com a lima #10 e, a partir de então, foi empregada a lima Protaper Next® X1 (017.04) ao longo da via do canal, em uma ou duas passagens, até se atingir o comprimento de trabalho determinado em um milímetro aquém do forame. Sempre que se encontrava algum tipo de resistência à penetração da lima, ela era removida, limpa com uma gaze esterilizada, e o canal irrigado, realizando-se a manutenção da patência com a lima #10. Logo após, foi utilizada a lima Protaper Next® X2 (025.06), exatamente como foi descrito para a lima Protaper Next X1, até que o comprimento de trabalho fosse atingido de forma passiva. Durante o uso de cada lima, o canal radicular foi irrigado com cinco mililitros de NaOCl 2,5%, totalizando 10 mL dessa substância.
No grupo 2, o comprimento de trabalho foi determinado no limite do forame, empregando-se o mesmo protocolo do grupo 1.
Utilizou-se o mesmo protocolo dos grupos anteriores para o Grupo 3, obedecendo-se ao limite de instrumentação em um milímetro além do forame.
Para os grupos 4, 5 e 6, foram utilizados, respectivamente, os mesmos limites de instrumentação dos grupos 1, 2 e 3, tendo como protocolo de instrumentação as limas WaveOne®Gold PRIMARY (025.07), obedecendo-se às recomendações do fabricante, com movimentos suaves e curtos (com dois a três milímetros de amplitude) em direção apical, para avançar passivamente o instrumento, mantendo a trajetória do canal radicular. Ao remover a lima, foi feito o pincelamento das paredes do canal radicular, com o próprio instrumento. A limpeza da lima com gaze esterilizada era sempre feita após cada ampliação, juntamente com a manutenção da patência com a lima #10 e irrigação do canal. A irrigação foi realizada com um total de 10 mL de NaOCl 2,5%.
Os Grupos 7, 8, 9, 10, 11 e 12 seguiram, respectivamente, os mesmos protocolos dos Grupos de 1 a 6, alterando-se apenas a substância irrigadora, que, nesses grupos, foi o cloreto de sódio 0,9%.
Em todos os grupos de estudo, a irrigação foi realizada mediante o uso de seringas descartáveis (Descarpack Descartáveis do Brasil Ltda., São Paulo, Brasil) com pontas NaviTip® esterilizadas e colocadas a quatro milímetros aquém do forame. Para todos os grupos, inclusive os grupos cujo limite apical foi aquém do forame, foi realizada a manutenção da patência com uso de lima #10.
Concluídas a instrumentação e a irrigação dos corpos de prova, respeitando-se o limite de quatro milímetros do forame, foi aplicado o seguinte protocolo para irrigação final em cada CP, repetido duas vezes: um mililitro de EDTA a 17%, sob agitação pela Easy Clean® em movimento reciprocante no motor VDW Silver Reciproc®, durante 20 segundos, considerado o limite de dois milímetros aquém do comprimento de trabalho. Igualmente à aplicação do EDTA, procedeu-se à irrigação com um mililitro da substância empregada na instrumentação de cada grupo, sob agitação pela Easy Clean®, durante 20 segundos, considerado o mesmo limite anterior.
Processada a irrigação final, as amostras foram secas com o auxílio do sugador endodôntico esterilizado Flex Suctor Endodôntico, com ponta de aspiração EndoTips 0.014 (Angelus Ind. de Prod. Odont. SA, Paraná, Brasil), penetrando a dois milímetros do comprimento de trabalho. Em seguida, foram preenchidas com um microlitro NaCl 0,9% esterilizado que, em caso de excesso, foi sugado. Por fim, a secagem final de cada CP foi feita com cones de papel Endo Points esterilizados (Endopoints Industrial da Amazônia LTDA., Manacapuru, Amazonas, Brasil), empregados na seguinte sequência: cone de calibre 55 no terço cervical, cone de calibre 40 para o terço médio e cone 20 para o terço apical.
Nenhum tipo de instrumentação foi feito nos grupos controles positivo e negativo. Nesses grupos, cada CP foi preenchido com um microlitro NaCl 0,9%, seguindo-se o mesmo protocolo de secagem final descrito anteriormente.
Avaliação da Presença de E. faecalis nos Grupos de Estudo
Apenas foram utilizados, para análise microbiológica, os cones de calibre 20, referentes aos conteúdos coletados nos terços apicais. Esses cones foram introduzidos em tubos de ensaio com caldo de infusão para avaliação do crescimento microbiano, sendo armazenados em estufa microbiológica e retirados após 12 horas. Como pode ser observado na Figura 1, após o período de armazenamento em estufa, foram encontrados tubos de ensaio com caldos de infusão que estavam turvos e outros translúcidos.

Figura 1 Avaliação da presença de E. faecalis após preparo químico-mecânico. Fonte: Autoria Própria.
Quantificação do número de unidades formadoras de colônia por mililitro (UFC/mL)
Para a avaliação semiquantitativa do número de bactérias, 0,1 mL de cada diluição foi semeado em duplicata, em placas de Petri com 20 mL do meio de ágar BHI, para, em seguida, estas serem incubadas a 37 °C, durante 48 horas. É importante salientar que os grupos controles foram submetidos aos mesmos protocolos de avaliação microbiológica dos grupos experimentais. Decorridos 48 horas de armazenamento desse material em estufa microbiológica a 37 °C, dois pesquisadores contaram o número de Unidades Formadoras de Colônias por mililitro, como pode ser visto na Figura 2 (lado esquerdo-amostras com contaminação e lado direito-amostras livres de contaminação).
Avaliação da Pureza das Infecções dos Corpos de Prova
A partir das colônias formadas nas placas, foram feitos testes de catalase e da biliesculina, e teste com caldo hipercloretado, para descartar a possibilidade de contaminação secundária dos corpos de prova. Através desses testes, pôde-se comprovar que não houve contaminação exógena das amostras, com exceção da terceira amostra do grupo experimental 3.
RESULTADO
A quantificação do número de unidades formadoras de colônias por mililitro das amostras, nos diversos grupos de estudo, permitiu verificar que, no grupo controle negativo e nos grupos irrigados com NaOCl 2,5%, não foi encontrado crescimento bacteriano, com exceção de uma amostra do grupo 3, como pode ser observado na Tabela 1. Contudo, todos os CPs irrigados com NaCl 0,9% e o grupo controle positivo possuíam mais de 105 UFC/mL.
Tabela 1 Distribuição dos grupos experimentais e grupos controles de acordo com a contagem do número de UFC/mL (N=120)
CP | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Grupo | ||||||||||
1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
3 | 0 | 0 | >105 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
4 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
5 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
6 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
7 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
8 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
9 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
10 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
11 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
12 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 |
13 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | >105 | ||||
14 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 |
0 - Ausência de UFC/mL. >105 - Presença de mais de 100.000 UFC/mL. Fonte: Dados da pesquisa.
DISCUSSÃO
O objetivo do tratamento endodôntico é suprimir as populações bacterianas a níveis não detectáveis, através de procedimentos de cultura (indiscutivelmente menor que 104 UFC/mL)1. Assim, nesta pesquisa, considerou-se como relevante para designar resultados favoráveis ou desfavoráveis, do ponto de vista técnico, os grupos que apresentaram o número de colônias maior que 104 UFC/mL.
Ao analisar os CPs irrigados com cloreto de sódio, verificamos que todos apresentaram mais de 105 UFC/mL, o que, consequentemente, representa resultados desfavoráveis ao sucesso do tratamento endodôntico. Já a irrigação com hipoclorito de sódio apresentou resultados favoráveis segundo os critérios estabelecidos nesta pesquisa. Ao confrontar os resultados encontrados entre si, ratificamos a importância do uso de substâncias irrigadoras bactericidas, como o hipoclorito de sódio, durante o tratamento endodôntico, pois todos os CPs irrigados com o hipoclorito de sódio evidenciaram resultados negativos para o crescimento das bactérias. Percebeu-se, a partir desses resultados, que apenas a ação mecânica do instrumento endodôntico ou do fluxo da irrigação não eliminou ou reduziu o volume de bactérias a níveis considerados mínimos para obtenção do sucesso na terapia endodôntica, seja em movimentos rotatórios contínuos ou reciprocantes, independentemente do limite estabelecido. Portanto, para obter sucesso no tratamento endodôntico, devem-se utilizar substâncias com capacidade bactericida.
Para a execução de pesquisas envolvendo avaliações microbiológicas, o pesquisador deve estar extremamente atento aos possíveis erros durante a execução do experimento. Portanto, deve ser feito um planejamento criterioso e minucioso, a fim de se evitarem resultados não condizentes com a realidade investigada. Por conta desse raciocínio, esta pesquisa foi totalmente concebida buscando-se evitar qualquer tipo de interferência nos resultados. Pode-se observar que, desde o princípio da execução, houve um preparo prévio das amostras, eliminando-se possíveis interferências que existiriam. Além disso, verifica-se que todos os instrumentais passíveis de esterilização foram esterilizados e foi feita a desinfecção daqueles não passíveis de esterilização. É importante observar também que, para cada instrumentação dos corpos de prova, foram utilizados apenas uma vez os materiais (pinça, gaze, limas, luvas, pontas de aspiração, pontas de irrigação, Easy Clean®, cones de papel e réguas endodônticas) devidamente esterilizados, manipulados dentro de uma câmara asséptica no Laboratório de Farmacologia da Universidade Federal da Bahia. Além disso, para cada preparo dos CPs, foi utilizada a mesma régua, como é recomendado por Lins et al.7, evitando-se, assim, erros de mensuração.
Objetivando maximizar a padronização das amostras, os forames radiculares foram ajustados mediante o uso de limas K-File #10 e K-Flexofile #15 e #20, e, consequentemente, aqueles com menores diâmetros passaram a ter amplitude de 0,20 mm. Também foram excluídas raízes que possuíam forames radiculares maiores que 0,25 mm. Assim, pode-se afirmar que o diâmetro do forame de cada amostra estava padronizado, não interferindo nos resultados encontrados.
O preparo das amostras conjuntamente com a irrigação, feitos previamente à contaminação dos corpos de prova, favoreceram a remoção de restos necróticos pulpares, remanescentes microbianos e lama dentinária. Caso essas interferências não fossem removidas, possivelmente se tornariam uma barreira para a progressão da contaminação no nível apical, desejada nas amostras, durante a montagem dos sistemas de cultura bacteriana, e, consequentemente, influenciariam os resultados. Portanto, objetivando assegurar a similaridade na contaminação dos corpos de prova, as amostras foram previamente preparadas, como já descrito
A respeito do comprimento de trabalho, Ricucci, Langeland8 preconizaram que a instrumentação deveria ser realizada respeitando-se o limite do canal dentinário. Adorno et al.6 defendem que a instrumentação deve ser realizada aquém do forame, evitando-se, assim, o surgimento de fendas na parede do canal radicular ou rachaduras na região apical. Outros pesquisadores indicam que o forame deve ser instrumentado e ampliado, afirmando trazer melhorias nos resultados do tratamento2,4,5,9-11. Contudo, deve-se levar em conta que o uso de limas manuais para ampliação do forame pode influir negativamente, como é relatado por Aragão*, sendo este um dos fatores que influenciaram a ausência de grupos com instrumentação manual na presente pesquisa. Os resultados encontrados para a presente pesquisa estão de acordo com o estudo de Friedman et al.12, que não verificaram diferenças significativas quando comparados grupos com e sem ampliação foraminal, pois o número de bactérias presentes após o preparo químico-mecânico dos corpos de prova nos grupos eram semelhantes, levando-se em conta o mesmo irrigante.
Para realização da ampliação foraminal, deve-se levar em consideração o tamanho inicial do forame, pois, como pôde ser visto por Aragão†, o alargamento excessivo do forame influi negativamente na regularização dos forames apicais.
Ao avaliar o alargamento foraminal através do uso de microscopia eletrônica de varredura13, verificou-se que independentemente da cinemática utilizada (rotatória contínua ou reciprocante), o alargamento foraminal no comprimento de patência ou um milímetro além promove deformação apical. Na pesquisa em tela, o diâmetro inicial do forame nos CP foi de 0,20 mm após a aplicação de métodos já descritos durante o protocolo experimental e, ao final da instrumentação, podemos afirmar que não houve alargamento sobejo do forame em nenhum dos grupos instrumentados, considerando-se o diâmetro inicial.
O volume-padrão da substância irrigadora para todos os grupos experimentais foi de dez mililitros, não havendo, assim, diferença entre os diversos grupos. Pesquisas demonstram que certas áreas do canal radicular podem não ser tocadas pelos instrumentos endodônticos e, consequentemente, permanecerem infectadas14,15. Por conta disto, foi realizada, neste estudo, a ativação da irrigação.
Segundo alguns autores, através dos diversos tipos de ativação da irrigação, podemos promover a dispersão da substância irrigadora por toda a extensão do sistema de canais radiculares, permitindo que esta alcance os microrganismos não removidos pela insinstrumentação mecânica16-18. Portanto, acredita-se que, na atual pesquisa, nos grupos irrigados com o NaOCl 2,5%, a ativação da irrigação com uso da Easy Clean® favoreceu a ação bactericida da substância irrigante, possibilitando resultados negativos de cultura e contagem de bactérias, como podem ser vistos na Tabela 1.
Apesar de não possuir ação bactericida, o cloreto de sódio também foi agitado, com o objetivo de mimetizar o protocolo de irrigação final e favorecer a remoção mecânica das bactérias e de smear layer, não removidos pela instrumentação mecânica, através da geração de uma corrente de fluxo, como preconizado por alguns autores17,18. Contudo, com os resultados encontrados na Tabela 1, o fluxo gerado através da agitação da substância irrigadora não foi capaz de eliminar, por si só, as bactérias existentes no interior dos canais radiculares da presente pesquisa.
Para equiparar o grau de instrumentação entre os dois sistemas, foram escolhidas limas com a ponta do instrumento e a conicidade parecidas: Protaper Next X2 (025.06) e WaveOne®Gold Primary (25.07). Contudo, para seguir as recomendações dos fabricantes, foi necessário incluir o uso da lima Protaper Next X1 (017.04) previamente à X2.
O canal radicular termina no forame, porém nem sempre está localizado na extremidade apical da raiz, podendo ter a distância de 0,2 a 3,8 mm19,20. A partir desse conhecimento, foram excluídas as unidades dentárias que possuíam o forame cementário localizado a mais de três milímetros do vértice apical, evitando-se, assim, grandes variações da localização do forame referente ao vértice apical.
A espécie bacteriana escolhida para contaminar os CP foi o Enterococcus faecalis, uma vez que a literatura científica demonstra que essa é a espécie mais comumente encontrada nos dentes tratados com a necessidade de reintervenção endodôntica21, além de ser consensual o seu uso em estudos in vitro, devido ao rápido crescimento e à fácil manipulação durante o experimento3,20.
Sabe-se que toda instrumentação produz debris, umas em maior quantidade outras em menor, mas o importante mesmo é saber que devem ser removidos durante o preparo químico mecânico. Para esta pesquisa, utilizou-se o EDTA 17% em todos os grupos experimentais, inclusive nos irrigados com NaCl 0,9%, para manter semelhança do protocolo de irrigação final, não interferindo nos resultados a serem encontrados.
Como apenas o cone de papel 20 poderia alcançar o forame apical nos grupos instrumentados aquém, ele foi utilizado para avaliação da presença de bactérias ao final do protocolo experimental. Os cones 40 e 55 não foram analisados, pois o maior interesse é avaliar a redução do número de bactérias do terço apical, local que não foi alcançado em sua totalidade por esses cones. Nos grupos em que a instrumentação foi realizada aquém do forame, o cone de papel 20 alcançou o forame, pois eles já estavam calibrados em 0,20 mm.
Os resultados encontrados no grupo controle positivo confirmaram a eficácia do protocolo de infecção dos CPs e a pureza das amostras. Já os resultados do grupo controle negativo demonstraram a eficácia dos processos de esterilização dos CPs, bem como a ausência de infecção secundária durante o período de incubação.
Após a análise do crescimento bacteriano nos tubos de ensaio, foram constatados alguns resultados negativos em diversos grupos de estudo desta pesquisa. Mesmo assim, foi feita a semeadura desses exemplares em placas de Petri com meio ágar, para comprovar os resultados encontrados, diferentemente de outra pesquisa3, que analisou apenas os grupos que obtiveram turvação do seu meio de cultura. Para esta pesquisa, foi confirmada a ausência de bactérias nos grupos irrigados com hipoclorito de sódio, mas, nos grupos irrigados com cloreto de sódio, as amostras, aparentemente negativas, possuíam, na realidade, um número de unidades formadoras de colônias por mililitro acima de cem mil.
Assim como no estudo de Ferrer-Luque et al.3, para manter e ratificar os resultados da presente pesquisa, foram feitas as avaliações da pureza das infecções dos corpos de prova, nas quais se pôde perceber que não houve contaminação secundária entre as amostras ou delas com o meio ambiente. Foi observada uma exceção desse fato, pois a terceira amostra do grupo 3 demonstrou estar infectada por outro tipo de bactéria e, portanto, não pôde ser incluída na análise final dos resultados.
Moreira et al.22 concluíram, em seus estudos, que o desbridamento foraminal não apresentou diferença significativa quanto à redução das colônias de E. faecalis, quando comparado ao do grupo em que não se realizou o desbridamento. Mesmo assim, durante o preparo dos grupos experimentais instrumentados desta pesquisa, foi realizada a manutenção da patência, como é indicado por Gulabivala et al.17, evitando-se o acúmulo de semear layer e facilitando o fluxo e o alcance da substância irrigadora ao forame, mas não desgastando suas paredes.
O insucesso de tratamentos endodônticos pode advir da presença de biofilme maduro, formado no periápice radicular, com origem em microrganismos procedentes do sistema de canais radiculares. Recentemente, várias pesquisas vêm apresentando resultados favoráveis a procedimentos que promovem a ampliação do forame radicular4,9,10. Segundo alguns autores23, preparos apicais mais amplos, independentemente do sistema de instrumentação empregado, parecem estar positivamente associados à maior desinfecção dos canais. Entretanto, na presente pesquisa, não foi constatada uma desinfecção significativa do terço apical, mesmo nos casos de sobreinstrumentação e consequente ampliação foraminal, pois os resultados demonstraram-se semelhantes para a redução do número de bactérias, independentemente do comprimento de trabalho utilizado, levando em consideração um mesmo irrigante.
Assim como Ferrer-Luque3, na presente pesquisa, constatou-se que a cinemática da lima (rotatório contínuo ou reciprocante) não interferiu de forma significativa na redução do número de bactérias existentes, pois, ao compararmos grupos instrumentados num mesmo comprimento de trabalho e com a mesma substância irrigadora, foram encontrados resultados semelhantes.
Levando-se em consideração os resultados desta pesquisa, em que não foram encontradas diferenças significativas entre os grupos instrumentados aquém, além ou no forame radicular, e baseado na literatura existente, na qual alguns autores defendem a instrumentação aquém do forame2,5,8 e outros defendem a ampliação do forame4,9, constata-se a necessidade da elaboração de mais pesquisas sobre este tema para estabelecer qual protocolo trará melhores resultados ou se realmente não há diferenças significativas na redução de bactérias entre esses diferentes protocolos de instrumentação.
CONCLUSÃO
Diante dos resultados obtidos no presente estudo, conclui-se que no momento imediato após o preparo químico-mecânico dos canais radiculares:
1 – A instrumentação do forame ou a sua ampliação não promoveram melhores resultados quando comparadas à instrumentação a um milímetro do forame com manutenção da patência, independentemente do tipo de movimento de instrumentação (rotatório contínuo ou reciprocante) para o mesmo tipo de substância irrigadora.
2 – A ação de instrumentos com movimento rotatório contínuo não apresentou resultados melhores quando comparada à ação em movimento reciprocante. Os dois tipos de movimento apresentaram resultados semelhantes quanto à presença de unidades formadoras de colônia por mililitro, após os protocolos experimentais, considerando-se a mesma substância irrigadora.
3 – A ação mecânica dos instrumentos endodônticos sem o uso de substância irrigadora com capacidade bactericida é ineficaz no processo de descontaminação apical de canal radicular.