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A imagem do atleta: publicidade em ano de Copa do Mundo de Futebol (Alemanha - 2006)

The athlete's image: advertising in World Cup's year (Germany - 2006)

Resumos

Tendo em vista o conciso vínculo entre economia e esporte, a imagem dos atletas de alto rendimento é uma referência para venda de marcas e produtos por meio de campanhas publicitárias. Dotados de talento e carisma, tais atletas exercem fascínio nos telespectadores. A mitificação do atleta é criada e sustentada pela mídia visando principalmente movimentar o mercado esportivo. Assim, a publicidade aumenta significativamente a venda/compra de produtos, tornando o espetáculo do futebol uma indústria que transforma hábitos e culturas. Este artigo visa analisar como tal processo ocorreu durante o período de realização da Copa do Mundo da Alemanha (2006).

Futebol; Atleta; Mídia


Knowing the concise bond between economy and sport, the image of players is a reference for selling brands and products through advertising campaigns. Endowed with charisma and talent, these athletes exert allure on the viewers. The act of turning the athlete into a myth is something created and supported by the media, which aims mainly to put the sports market into motion. Thus, the advertising increases significantly the sale/purchase of products, turning the soccer's spectacle into an industry that transforms habits and cultures. This article intends to analyze how this process occurred during the World Cup in Germany (2006).

Soccer; Athlete; Media


A imagem do atleta: publicidade em ano de Copa do Mundo de Futebol (Alemanha - 2006)

The athlete's image: advertising in World Cup's year (Germany - 2006)

André Mendes Capraro; Grasielli Scheliga; Fernando Cavicchioli; Fernando Mezzadri

Universidade Federal do Paraná

Endereço Endereço: André Mendes Capraro Departamento de Educação Física Universidade Federal do Paraná R. Coração de Maria, 92 80215-370 - Curitiba - PR - BRASIL e-mail: andrecapraro@onda.com.br

RESUMO

Tendo em vista o conciso vínculo entre economia e esporte, a imagem dos atletas de alto rendimento é uma referência para venda de marcas e produtos por meio de campanhas publicitárias. Dotados de talento e carisma, tais atletas exercem fascínio nos telespectadores. A mitificação do atleta é criada e sustentada pela mídia visando principalmente movimentar o mercado esportivo. Assim, a publicidade aumenta significativamente a venda/compra de produtos, tornando o espetáculo do futebol uma indústria que transforma hábitos e culturas. Este artigo visa analisar como tal processo ocorreu durante o período de realização da Copa do Mundo da Alemanha (2006).

Unitermos: Futebol; Atleta; Mídia.

ABSTRACT

Knowing the concise bond between economy and sport, the image of players is a reference for selling brands and products through advertising campaigns. Endowed with charisma and talent, these athletes exert allure on the viewers. The act of turning the athlete into a myth is something created and supported by the media, which aims mainly to put the sports market into motion. Thus, the advertising increases significantly the sale/purchase of products, turning the soccer's spectacle into an industry that transforms habits and cultures. This article intends to analyze how this process occurred during the World Cup in Germany (2006).

Uniterms: Soccer; Athlete; Media.

Introdução

A prática do futebol, como elemento da cultura globalizada, gradativamente está se transformando em espetáculo (RIBEIRO, 2007), fenômeno amplo que não se restringe somente à prática competitiva, mas também a mudanças no espaço físico, marketing, e associação com os meios de comunicação em massa, como o rádio, os jornais, revistas e principalmente a televisão (PRONI, 2000).

A Copa do Mundo é considerada o evento de futebol mais importante do mundo. Este evento atrai o mercado gerando investimentos de grande porte, surgindo assim, inúmeras atividades paralelas. Como afirmado na reportagem da Revista Veja (A ALEMANHA..., 2006, p.39) "Os alemães podem comemorar não só a organização impecável do mais importante evento de futebol do planeta como também a reinserção do país no principal cenário da política e economia globais".

Tendo em vista a economia favorável na época, conforme cita a Folha de S.Paulo, a "[...] Copa do Mundo virou sinônimo de maior consumo, e os principais beneficiados são os setores de eletroeletrônicos, tintas, bebidas, plásticos, turismo e publicidade" (LAJE, 2006, p.B13). O fenômeno mercadológico investe, sobretudo, na compra da imagem pessoal dos atletas, principalmente os que são no momento considerados os heróis - conceito defendido por Kátia RUBIO (2001), como a soma de fatores intrínsecos e extrínsecos que contribuem para criação de personagens. Os principais fatores são: as conquistas, a convocação regular em selecionados, a popularidade, a presença na mídia, entre outros que variam menos ou mais de acordo com a modalidade.

Relacionadas à imagem do atleta ou das equipes, as campanhas publicitárias tornam-se um negócio vantajoso. Por exemplo, na edição da Alemanha (2006), era previsto: "[...] os gastos das principais empresas do mundo com comerciais de televisão, anúncios impressos e "outdoors" devem quebrar, pela primeira vez em uma Copa, a barreira de um bilhão de dólares" (O FUTEBOL..., 2006, p.16).

Verificando que os heróis contribuem diretamente no crescimento da economia durante a Copa do Mundo, evidencia-se a seguinte questão: qual o perfil dos atletas/heróis inserido nas campanhas publicitárias associadas à Copa do Mundo de 2006? Objetiva-se, assim, analisar como ocorreu o processo de uso da imagem de alguns atletas por parte da publicidade durante o período de realização da Copa do Mundo da Alemanha (2006). Para tanto, conjuga-se a análise de alguns materiais empíricos, sobretudo campanhas de publicidade estática dos principais anunciantes no período da Copa e uma revisão literária pautada em alguns pesquisadores do fenômeno, como Kátia RUBIO (2001), Édison GASTALDO (2002, 2007) e Ronaldo HELAL (2001, 2003). Nesse sentido, a metodologia adotada, segundo MARCONI e LAKATOS (1995) consiste na qualitativa-descritiva, híbrido dos modelos de revisão bibliográfica - já que se apóia e discute com as principais teorias acerca do objeto - e de pesquisa histórica - tendo em vista a utilização de material de época (as fontes). Para análise de fontes históricas, pautou-se no sentido investigativo da teoria do "paradigma indiciário" (GINZBURG, 1989).

Na tentativa de se obter a resposta, parte-se da premissa de que os meios de comunicação, comprometidos em informar ao público sobre o espetáculo esportivo, são responsáveis pela formulação da imagem comercial, especialmente em se tratando do futebol. Tal modalidade tornou-se, sobretudo, produto de consumo, sendo o atleta/herói o principal protagonista da indústria esportiva. Corrobora-se, assim, a afirmativa direta de que... "Uma equação foi produzida: espetáculo esportivo mais mídia é igual a lucros milionários" (PILATTI & VLASTUIN, 2004).

Atleta: herói mitológico

Diante da transformação do futebol em espetáculo global, com o amalgamento cada vez mais sólido com a mídia, a chamada cultura popular (GASTALDO, 2002) concebe o atleta como mito (GASTALDO & GUEDES, 2006). O conceito de mito, conforme apresenta RUBIO, "[...] se configura com um relato que dispõe em cena personagens, situações, cenários geralmente não naturais, segmentável em reduzidas unidades semânticas nas quais, de modo necessário, está investida uma crença" (2001, p.79). No caso do esporte, constrói-se um personagem fictício, transformando-o em referencial para o telespectador. "Este processo de articulação de significados torna o discurso midiático um importante elemento de produção e reprodução de cultura em nossa sociedade" (GASTALDO, 2007).

Na FIGURA 1, anúncio publicitário da Pepsi, campanha "Dare for more" (Arrisque mais), lançada pela agência BBDO, o jogador Roberto Carlos com vestimenta de um gladiador apresenta um semblante propositalmente sério. Desta forma, a fotografia gera a representação de força e coragem, "[...] que mesmo tendo enfrentado as mais duras provas e os piores inimigos [assim como um gladiador] traz consigo a marca da vitória" (RUBIO, 2001, p.77).


Na FIGURA 2, da mesma produtora e campanha, os atletas Roberto Carlos (Brasil), Toti (Itália), David Beckham (Inglaterra), Ronaldinho Gaúcho (Brasil) e Raul (Espanha), representam um grupo de gladiadores, pois usam roupas simbolizando os heróis do passado, consagrados pela força e coragem, ao menos no imaginário atual acerca dos mesmos (VIEGAS, 2009). De forma explícita a ideia era associar os atletas de futebol aos gladiadores que lutavam com bravura nos anfiteatros espalhados por todos os domínios do império romano, para o entretenimento do público (GARRAFFONI, 2005). Gladiadores se tornavam mitos, pois competiam com o risco eminente de morte na busca pela glória, que vinha sempre com o reconhecimento do público. Conforme apresenta HELAL (2001, p. 154) "A narrativa clássica em torno da figura do herói fala de luta, superação de obstáculos aparentemente intransponíveis e de retenção e glória de um povo". E era exatamente essa figura mitológica da história clássica que a campanha visava associar ao ofício do atleta de futebol.


O herói (com grande potencial para se transformar em mito) - ainda mais em um período caracterizado pela exigência do comportamento politicamente correto - pode ser representado por um personagem idealizado pela sociedade, que busca transpor obstáculos sem medir as dificuldades, retornando à sua pátria com a meta alcançada e proporcionando benefícios positivos para a comunidade (GASTALDO & GUEDES, 2006). Portanto, o caráter distintivo do atleta/herói pode ser pautado em aspectos simples, como a sobriedade e a segurança pessoal (HELAL, 2003). Condizendo com a FIGURA 3, na qual Kaká foi contratado para representar um banco, no caso o Santander, instituição que de modo geral precisa passar segurança aos seus clientes.


A análise da FIGURA 4 têm o título Magia. Lançada pela agência DDB Paris, cujo anunciante era a empresa de material esportivo Nike, apresenta os jogadores Roberto Carlos (Brasil), Edgar Davids (Holanda), Thierry Henry (França), Ronaldo (Brasil) e Figo (Portugal) representando atletas que, já consagrados mundialmente, poderiam ser os futuros heróis-mitos no Mundial que iria ocorrer alguns aos depois. Os atletas, figuras vivas, representantes de nações reconhecidas potências futebolísticas, nas imagens demonstram força, habilidade e garra. Os recursos tornam as imagens estilizadas. A sensação é de que os atletas foram imortalizados, ou seja, são mitos vivos no imaginário do torcedor/consumidor. "O herói enquanto figura mítica vem representar o mortal, que transcendendo essa sua condição aproxima-se dos deuses em razão de um grande feito" (RUBIO, 2001, p.99).


A campanha da marca Adidas criada pela agência 180/TBWA e adaptada pela TBWABR para o Brasil foi exibida pelas seguintes emissoras: Rede Globo de Televisão, ESPN Brasil, Sportv, MTV e nos cinemas das principais capitais. A campanha impressa foi veiculada nas revistas Veja, Playboy, Vip e Trip. Na peça publicitária acima - FIGURA 5 - encontram-se vários atletas que atuavam em diferentes equipes europeias de renome na época do Mundial. O jogador alemão Michael Ballack (Chelsea/ING), o inglês Jermain Defoe (Tottenham/ING), o brasileiro Kaká (Milan/ITA), o inglês David Beckham (Real Madrid/ESP), o espanhol Raul (Real Madrid/ESP) e o argentino Javier Saviola (Barcelona/ESP).


A campanha dá mostras de que, mesmo investindo em atletas renomados, o sucesso destes em eventos esportivos podem ser bastante diversos: o primeiro atleta, da esquerda para direita, Michael Ballack, representou a Alemanha e foi considerado o terceiro principal jogador da Copa do Mundo. Já Jermain Defoe foi convocado para reserva do time da Inglaterra, mas acabou nem participando da Copa, pois o jogador titular conseguiu se recuperar da contusão. O jogador representante do Brasil, Kaká, teve uma discreta participação, ou seja, não correspondeu a grande expectativa gerada acerca da sua performance. David Beckham foi titular da Inglaterra, mas o atleta de maior alcance midiático presente no Mundial, não conseguiu um bom desempenho técnico. O jogador Raúl González Blanco que defendeu a seleção da Espanha começou no banco de reservas e teve a oportunidade de ser titular somente no terceiro jogo, contra a Arábia Saudita e nas oitavas de finais, contra a França. O futebolista Javier Saviola é argentino naturalizado espanhol. Prática cada vez mais comum, pois com a obtenção da dupla cidadania o atleta consegue romper com o trâmite burocrático facilitando a sua inserção no mercado europeu (RIBEIRO, 2007). Sendo assim, não se cria um sentimento de pertencimento suficiente para que o atleta opte por atuar pelo país europeu que o concedeu a dupla cidadania; assim, a concepção de nacionalidade continua vinculada ao país de nascimento. Não fugindo à regra, Saviola representou a Argentina no Mundial da Alemanha, atuando também de forma discreta.

No anúncio consta a seguinte frase: "Impossible Field, Impossible is nothing". A qual visivelmente reforça a condição de que nada é impossível no campo esportivo quando se usa a marca Adidas. Tais atletas - jovens, talentosos, famosos e ricos -mesmo com a incerteza de desempenho que é típica do futebol, são facilmente mitificados, geralmente como exemplos de heroísmo e bravura. Assim, como afirma RUBIO:

Não é por acaso que os mitos representados no esporte são sobretudo de natureza heróica. Os feitos realizados por atletas, considerados quase sobre-humanos para grande parcela da população, somados ao tipo de vida regrada a que são submetidos contribui para que essa imagem se sedimente (2001, p.99).

Aos meios de comunicação e as diversas mídias cabe primeiramente especular quais seriam os novos heróis mitificados para depois enaltecê-los (PRONI, 2000). Como no exemplo que se segue... "A Copa do Mundo tem o poder de transformar homens em mitos. Escolheram os cinco brasileiros com maior chance de chegar lá" (PADILHA, 2006, p.45), referindo-se aos jogadores que aparecem na FIGURA 6; respectivamente Ronaldo "Fenômeno", Ronaldinho Gaúcho, Adriano, Robinho e Dida. A imagem de tais atletas é simbolizada como miniaturas de taça do Mundo, ou seja, em movimentos plásticos de rara beleza congelados, em ouro, os possíveis heróis brasileiros seriam eternizados. "Entram em campo 22 jogadores. O herói da jornada pode ser o artilheiro que faz o gol decisivo. Mas também o goleiro que defende o pênalti" (PADILHA, 2006, p.44), justificando assim, a possibilidade da mitificação do Dida em um cenário que consagra mais facilmente por atletas de linha. O esporte passa, então, a condição de arte: "Duas particularidades tornam o futebol ainda mais dramático que a mais dramática das peças. Ninguém sabe o final de antemão. E, mais que isso, ninguém sabe quem será o protagonista" (PADILHA, 2006, p.44).No plano técnico, a posição de goleiro poderia ser considerada a antítese da beleza estética desse esporte, pois o ofício dos atletas que atuam nessa posição consiste exatamente no antijogo, ou seja, evitar que os pontos (gols) sejam marcados (GUEDES, 1998). Porém a plástica de suas defesas, feitas a partir da exceção, a utilização das mãos, também passaram a ser valorizadas (DAMO, 2001), como demonstra o exemplo a seguir.


No gigantesco "outdoor", FIGURA 7, criado pela agência 180/TBWA de Amsterdã e instalado na rodovia de acesso ao aeroporto de Munique, durante o período da Copa 2006, observa-se o enaltecimento do atleta Oliver Kahn, goleiro reserva da seleção da Alemanha, também consagrado como mito, após a excelente atuação na Copa de 2002, no Japão/Coréia, inclusive eleito como o melhor atleta da competição (FIFA, 2002).


Seleções nacionais: "exércitos" de heróis

De modo geral, nas últimas décadas, o favoritismo da Seleção Brasileira na Copa do Mundo desperta interesse na economia global, "[...] porque a paixão dos torcedores pelos clubes e pela seleção é a alma do espetáculo, é o que dá sustentação aos negócios em torno da modalidade" (PRONI, 2000, p.265).

É isto que o vídeo com "slogan" "Joga Bonito" sustenta (NIKE, 2007). Criadas especialmente para a Copa do Mundo da Alemanha, a campanha da Nike, foi criada por Wieden e Kennedy e adaptada localmente pela agência F/NAZCA. O vídeo inicia com a mensagem do interlocutor ao público: "Meus amigos! Quando se joga futebol a gente faz parte de uma equipe. Sozinho você é um elo. Mas juntos formamos uma corrente. A torcida é pelo seu time. Isso é jogar bonito". Ao iniciar a frase dizendo "Meus amigos", o interlocutor Eric Cantona - renomado e polêmico ex-atleta francês - visa causar uma aproximação com o público receptor (ORLANDI, 1999), na sequência, ele faz menção ao espírito de equipe que é fundamental para conquistar vitórias. É a lembrança de que o mito também necessita do coletivo, ou seja, metaforicamente, do seu valoroso exército (FÉLIX & EMIR, 1998).

Pode-se lembrar neste momento do constante emparelhamento entre as nações e os respectivos selecionados nacionais (AGOSTINO, 2002). Fenômeno que ocorre, sobretudo, na época das Copas do Mundo. A modo de exemplo, cita-se a música "Pra Frente Brasil", composta por Miguel Gustavo a partir de um esboço da letra criada próprio General Médici, então Presidente da República. Canção que exaltava a importância da "corrente para frente" para obtenção da conquista do Mundial de 1970. Lógico que após vitória, a música foi reconhecida com aquela que teve o mérito de consagrar a equipe considerada por muitos a melhor de toda a história do futebol mundial. Assim, a composição ainda é na atualidade a mais associada ao selecionado brasileiro de futebol.

Nesse sentido, encontram-se elementos em comum entre a campanha política/ideológica durante a Copa de 1970 e a campanha publicitária da marca de material esportivo Nike. Acentuando a inevitável semelhança quando o interlocutor finaliza a sentença, dizendo: "A torcida é pelo seu time. Isso é jogar bonito". Subentende-se que o torcedor motiva o time, participa em massa dos jogos, canta, grita, emite opiniões e muitas vezes xingamentos, chora e se manifesta com euforia para incentivar os atletas a conquistar a vitória, isso faz com o time "jogue bonito" - com garra, determinação, objetividade e sem violência. O vídeo do joga bonito é, portanto, uma exaltação ao coletivo no sentido mais amplo, aquele que engloba até os próprios torcedores.

A montagem destaca uma coletânea de breves cenas de jogos da seleção brasileira. Rapidamente a câmera foca em Ronaldinho Gaúcho que recebe de braços abertos os colegas para comemorar um gol. Os jogadores seguem unidos comemorando vários gols, sempre num fraternal abraço, significando a união do grupo. Na sequência, a imagem mostra torcedores vibrando com o gol da seleção, uma multidão colorindo o estádio de verde e amarelo. Demonstra-se, assim, a presença em massa da população nos jogos e a euforia que os ídolos brasileiros provocavam. Logo após, é registrada uma bela jogada: de Adriano para Kaká, que rapidamente passa para Ronaldo, que num toque de primeira deixa Robinho em condições de concluir a jogada... e o inevitável gol! Logo após, os jogadores comemoram com uma dança típica brasileira, e ao fundo, pode-se observar os torcedores vibrando. Segundo Cantona, o ex-atleta e apresentador de comerciais da Nike, isto é "Joga Bonito".

Logo no início do vídeo, o cenário no qual se encontra o interlocutor francês tem como plano de fundo a armação de uma bola vazada, representando o símbolo do futebol. Elementos instalados no cenário destacam-se: do lado esquerdo um painel com algumas camisas e uma bola de futebol. Entre as camisas, uma em especial se sobressaiu: a de número 10 da seleção brasileira, rememorando atletas como Zico, Rivelino e, sobretudo, aquele eleito como o "rei do futebol", Pelé. Assim, o cenário, propositalmente, acentua a condição de relíquia da camisa, pois esta foi usava por muitos e muitos "heróis" do esporte. Não era, então, ocasional que a Nike, as vésperas da Copa do Mundo de 2006, tivesse exatamente como um dos seus maiores destaques o camisa 10 do selecionado brasileiro, o atleta Ronaldinho Gaúcho.

Ronaldinho Gaúcho, considerado pela mídia o melhor atleta naquele momento, foi comparado a Pelé, e "[...] não teria alcançado este feito se não fossem os meios de comunicação" (RUBIO, 2001, p.104). Conforme apresenta a reportagem na Revista Época, (PADILHA, 2006, p.92) "Melhor que Pelé?" confirmando a tendência de comparar o mito do passado ao herói da atualidade, como citado na reportagem: "Um é o melhor jogador do momento. O outro é o maior de todos os tempos. Será que o Ronaldinho Gaúcho vai superar o mito?". Buscam-se, na tentativa de comparação, parâmetros: "[...] 199 é o número de gols que o Ronaldinho Gaúcho marcou até hoje [...]" e "[...] 750 é o número de gols que Pelé tinha marcado com a idade de Ronaldinho [...]" (PADILHA, 2006, p.96).

Desta forma, é possível perceber que as comparações buscam tanto no caso do ex-atleta quanto do atleta o enaltecimento e a consolidação do mito. Via de regra, os meios de comunicação de massa buscam...

[...] taxonomia para identificá-lo, apontando como elementos constitutivos desse "personagem" a capacidade de vencer e de satisfazer as necessidades do grupo, performances extraordinárias, aceitação social e espírito de independência (RUBIO, 2001, p.100).

A mitificação do atleta Ronaldinho Gaúcho refletiu de forma direta em... "12 campanhas publicitárias a 40 dias do início da Copa da Alemanha" (O FUTEBOL..., 2006, p.15). O principal gerador desses contratos é a atuação profissional, mas também seu comportamento extrovertido e a preocupação em preservar a sua vida particular, não sendo envolvido em escândalos até aquele momento. Assim, o jogador conquistou o carisma do telespectador (consumidor do futebol), tornado-se alvo fácil para as campanhas publicitárias. Corrobora-se, nesse sentido, com a seguinte afirmativa: "A boa imagem das estrelas dos esportes e dos famosos é fundamental para a publicidade, pois remete a imagem das marcas e aos produtos, portanto, deve ser preservada" (SEBRENSKI, 2006, p. 138).

Os anúncios publicitários que o jogador Ronaldinho costumava fazer eram os mais diversificados, visando o público de diferentes idades. Com sua alegria espontânea e habilidade com a bola, atingia facilmente o público infantil. Outrossim, a representação de "herói" é o espelho para as crianças: "[...] a imagem que as crianças têm dele é de líder bom de bola, de alguém que tem um sorriso camarada e é bem comportado" (O FUTEBOL..., 2006, p.18).

Reforçando a condição de mito, Ronaldinho Gaúcho ganhou mais uma forma de expor a sua imagem, através do álbum de figurinhas da Turma da Mônica (FIGURA 7a). No qual é o segundo jogador desenhado por Maurício de Sousa - "Na década de 80, para homenagear o maior jogador de todos os tempos, Mauricio de Sousa criou o Pelezinho (FIGURA 7b), que teve revista própria e fez bastante sucesso na época [...] (SOUSA, 2007).


Considerações finais

Os atletas-heróis são personagens criados e sustentados pela mídia, que através da projeção em anúncios publicitários, sustentam a venda de produtos e movimentam o mercado. Este papel "fictício" que o ídolo desempenha faz parte do processo "[...] da globalização, [portanto] o mundo do esporte-espetáculo ficou enfim aberto à modernidade das leis do mercado livre, da produção cultural industrializada, da iniciativa privada em busca de ganhos econômicos" (PRONI, 2000, p.255).

Tratando-se de um esporte-espetáculo, tendo a mídia como fator preponderante para este fenômeno, o futebol transforma os seus principais "atores", os atletas, em mitos que, pela carga simbólica, ajudam a promover diversas campanhas publicitárias. A imagem pessoal desses atletas é um investimento lucrativo, pois, devido ao talento dentro de campo e do carisma, agradam aos telespectadores, desta forma, proporcionam a venda de produtos principalmente durante o maior evento futebolístico do planeta.

As campanhas publicitárias durante o período da Copa do Mundo de Futebol movimentam o mercado, dando ênfase a criação e (re)criação de novos ídolos. Estes novos ídolos, por sua vez, são protagonistas de novos anúncios de marcas e produtos, tornando o futebol um negócio regularmente vantajoso a cada evento. Conforme justifica GASTALDO (2006):

O interesse social pelo futebol no Brasil durante a Copa é apropriada pela mídia, que, em princípios, atende a uma "demanda social" pré-existente, produzindo peças de comunicação e criando um circuito de produção e consumo motivado pelo evento em curso [...].

O favoritismo de determinadas seleções na Copa do Mundo - como a brasileira em 2006, por exemplo - serve de base de sustentação da imagem do atleta-herói, um "[...] "modelo de "personalidade", ser querido, respeitado e utilizado como referencial de projeção, que mesmo tendo enfrentado as mais duras provas e os piores inimigos traz consigo a marca da vitória" (RUBIO, 2001, p.77).

Recebido para publicação: 27/07/2009

Revisado: 18/02/2010

Aceito: 08/11/2010

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Aceito
      08 Nov 2010
    • Revisado
      18 Fev 2010
    • Recebido
      27 Jul 2009
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