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Estimativa das contribuições dos sistemas anaeróbio lático e alático durante exercícios de cargas constantes em intensidades abaixo do VO2max

Estimation of contributions of the anaerobic lactic and alactic systems during constant-load exercises at intensities below the VO2max

Resumos

O objetivo do estudo foi estimar as contribuições do metabolismo anaeróbio lático (MAL) e alático (MAA) em intensidades abaixo do consumo máximo de oxigênio (VO2max). Dez homens (23 ± 4 anos, 176,4 ± 6,8 cm, 72,4 ± 8,2 kg, 12,0 ± 4,5 % de gordura corporal) realizaram um teste progressivo até a exaustão voluntária para identificação do VO2max, da potência correspondente ao VO2max (WVO2max) e do segundo limiar ventilatório (LV2). Na segunda e na terceira visita foram realizados seis testes de cargas constantes (três testes por sessão) com intensidades abaixo do VO2max. Houve uma predominância do MAL sobre o MAA durante os exercícios submáximos a partir da intensidade correspondente ao LV2, sendo significativamente maior em 90% VO2max (p < 0,05). Dessa forma, esses resultados podem auxiliar treinadores a aplicarem cargas de treinamento adequadas aos seus atletas, de acordo com a exigência metabólica da competição.

Exercícios sub-VO2max; Limiar ventilatório; Metabolismo anaeróbio alática; Metabolismo anaeróbio lática


The purpose this study was that estimated contributions of the anaerobic lactic (MAL) and alactic (MAA) metabolism during constant load exercises at intensities below the maximal oxygen capacity uptake (VO2max). Ten males (23 ± 4 years, 176.4 ± 6.8 cm, 72.4 ± 8.2 kg, 12.0 ± 4.5 % of fat body) performed in the first visit a progressive test until exhaustion to identification of VO2max, power output corresponding to the VO2max (WVO2max) and second ventilatory threshold (LV2). On the second and third visit, the participants performed six constant workload tests (3 per session) with intensities below VO2max. There was a predominance of MAL about MAA during the exercises sub-maximal from intensity corresponding to the LV2, being significantly higher at 90% VO2max (p < 0.05). Thus, these results may help coaches to implement training loads appropriate to their athletes, according to the metabolic demand of the competition.

Sub-VO2max work load; Ventilatory threshold; Anaerobic alactic metabolism; Anaerobic lactic


Estimativa das contribuições dos sistemas anaeróbio lático e alático durante exercícios de cargas constantes em intensidades abaixo do VO2max

Estimation of contributions of the anaerobic lactic and alactic systems during constant-load exercises at intensities below the VO2max

Marcos David Silva-CavalcanteI, II; Renata Gonçalves SilvaI; Rodrigo Poles UrsoI; Rogério Carvalho SilvaI; Carlos Rafaell Correia-OliveiraI, II; Victor Gustavo Ferreira SantosI, II; Adriano Eduardo Lima-SilvaII; Rômulo BertuzziI

IEscola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo

IIFaculdade de Nutrição, Universidade Federal de Alagoas

Endereço Endereço Marcos David Silva-Cavalcante Departamento de Esporte Escola de Educação Física e Esporte - USP Av. Prof. Mello Moraes, 65 05508-030 - São Paulo - SP - BRASIL e-mail: cavalcantemds@usp.br

RESUMO

O objetivo do estudo foi estimar as contribuições do metabolismo anaeróbio lático (MAL) e alático (MAA) em intensidades abaixo do consumo máximo de oxigênio (VO2max). Dez homens (23 ± 4 anos, 176,4 ± 6,8 cm, 72,4 ± 8,2 kg, 12,0 ± 4,5 % de gordura corporal) realizaram um teste progressivo até a exaustão voluntária para identificação do VO2max, da potência correspondente ao VO2max (WVO2max) e do segundo limiar ventilatório (LV2). Na segunda e na terceira visita foram realizados seis testes de cargas constantes (três testes por sessão) com intensidades abaixo do VO2max. Houve uma predominância do MAL sobre o MAA durante os exercícios submáximos a partir da intensidade correspondente ao LV2, sendo significativamente maior em 90% VO2max (p < 0,05). Dessa forma, esses resultados podem auxiliar treinadores a aplicarem cargas de treinamento adequadas aos seus atletas, de acordo com a exigência metabólica da competição.

Palavras-chave: Exercícios sub-VO2max; Limiar ventilatório; Metabolismo anaeróbio alática; Metabolismo anaeróbio lática.

ABSTRACT

The purpose this study was that estimated contributions of the anaerobic lactic (MAL) and alactic (MAA) metabolism during constant load exercises at intensities below the maximal oxygen capacity uptake (VO2max). Ten males (23 ± 4 years, 176.4 ± 6.8 cm, 72.4 ± 8.2 kg, 12.0 ± 4.5 % of fat body) performed in the first visit a progressive test until exhaustion to identification of VO2max, power output corresponding to the VO2max (WVO2max) and second ventilatory threshold (LV2). On the second and third visit, the participants performed six constant workload tests (3 per session) with intensities below VO2max. There was a predominance of MAL about MAA during the exercises sub-maximal from intensity corresponding to the LV2, being significantly higher at 90% VO2max (p < 0.05). Thus, these results may help coaches to implement training loads appropriate to their athletes, according to the metabolic demand of the competition.

Key words: Sub-VO2max work load; Ventilatory threshold; Anaerobic alactic metabolism; Anaerobic lactic metabolism.

Introdução

A determinação da contribuição do metabolismo anaeróbio pode fornecer informações adicionais para a aplicação adequada da carga de treinamento e para a avaliação do desempenho físico. Acredita-se que durante os esforços realizados em intensidades acima do segundo limiar ventilatório (LV2) uma parte da adenosina trifosfato (ATP) é ressintetizada pelo metabolismo anaeróbio alático (MAA) através da degradação da fosfocreatina (CP), e pelo metabolismo anaeróbio lático (MAL) por meio da degradação de glicogênio muscular, com subsequente formação de lactato1-2. Todavia, até o presente momento não existem relatos na literatura científica acerca da contribuição do MAA e MAL em intensidades abaixo do consumo máximo de oxigênio (O2max).

Estudos prévios têm demonstrado um aumento de aproximadamente 10% do déficit máximo acumulado de oxigênio após a suplementação com creatina monohidratada3 ou com cafeína4. Assumindo que o principal efeito ergogênico dessas substâncias está no acréscimo das concentrações de creatina e da atividade glicolítica intramuscular, é plausível pressupor que os valores do déficit máximo acumulado de oxigênio tenham sido modificados em razão do aumento da contribuição do MAA e MAL, respectivamente. Todavia, é importante destacar que esses estudos foram conduzidos em exercícios com alta intensidade, limitando a extrapolação desses achados para o exercício realizado em intensidades abaixo do O2max.

Acredita-se que a contribuição dos sistemas anaeróbios possa ser estabelecida com mais precisão pela análise direta dos intermediários desses metabolismos, os quais são obtidos por meio de biópsia muscular antes e após o exercício físico5. Em virtude da característica invasiva dessa técnica e da dificuldade em se estimar a massa muscular envolvida na tarefa, alguns estudos têm empregado o componente rápido do excesso do consumo de oxigênio após o exercício (EPOCrápido) e o equivalente de oxigênio para o acúmulo de lactato sanguíneo (E[LA]) na determinação da contribuição do MAA e MAL, respectivamente6-8. Esses métodos assumem que, durante a fase inicial do período de recuperação, o restabelecimento dos estoques da CP ocorre por processos metabólicos que dependem do consumo de oxigênio (O2)6-7,9-12. Além disso, ao observarem que as concentrações sanguíneas de lactato aumentavam de forma proporcional a potência metabólica, DI PRAMPERO E FERRETTI7 sugeriram que é possível expressar em equivalente de oxigênio (O2) a energia oriunda do acúmulo de lactato no sangue (E[LA]).

Nesse sentido, considerando que o conhecimento da contribuição dos metabolismos anaeróbios podem ajudar treinadores na prescrição do treinamento, e que não existem estudos apontando a contribuição desses sistemas em exercícios de intensidades abaixo do O2max, o objetivo do presente estudo foi estimar as contribuições do MAL e MAA em função da intensidade do exercício físico de carga constante em intensidades abaixo do O2max. Uma vez que existe um incremento exponencial na produção de lactato em intensidades acima do LV213, a nossa hipótese era que a contribuição do MAL para o total de energia produzida anaerobicamente seria maior em intensidades acima do LV2 em comparação ao MAA.

Método

Amostra

Dez indivíduos do sexo masculino (23 ± 4 anos, 176,4 ± 6,8 cm, 72,4 ± 8,2 kg, 12,0 ± 4,5 % de gordura corporal), fisicamente ativos, aparentemente saudáveis e já familiarizados com exercício exaustivo participaram voluntariamente desse estudo após a leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os sujeitos estavam isentos de tratamentos farmacológicos, não eram fumantes e estavam livres de qualquer tipo de distúrbio neuromuscular ou cardiovascular. Os procedimentos adotados no presente estudo foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo.

Desenho experimental

Todos os sujeitos foram submetidos a três sessões experimentais, as quais tiveram o intervalo mínimo de 72 horas e máximo de três semanas. Na primeira sessão, os sujeitos realizaram um teste progressivo até a exaustão voluntária em um cicloergômetro para a mensuração do O2max. Além disso, foi mensurada a potência externa correspondente ao LV2 (WLV2) e a potência correspondente ao O2max (W O2max). Na segunda e na terceira sessões os sujeitos foram submetidos a seis testes de cargas constantes (três testes por sessão) com intensidades abaixo do O2max. A ordem das sessões 2-3, bem como a dos testes sub-O2max dentro da sessão, foi estabelecida aleatoriamente. Os testes foram realizados com a temperatura ambiente semelhante (20-24 ºC) e duas horas após a última refeição. Os sujeitos foram solicitados a não praticarem exercícios físicos extenuantes e a não ingerirem álcool nas 48 horas que antecederam as coletas dos dados. No intuito de evitar possíveis influências ergogênicas4 e do ritmo cicardiano14, todos os testes foram realizados no mesmo período do dia e os sujeitos foram instruídos a não consumirem nas 48 horas que precediam os testes substâncias que possuíssem cafeína.

Determinação do consumo máximo de oxigênio e do limiar ventilatório

O teste incremental até a exaustão voluntária foi realizado em um cicloergômetro eletromagnético de membros inferiores (Godart-Holland, Lannoy). A altura do selim foi individualmente ajustada, tendo como referência a extensão quase total dos joelhos dos sujeitos em um ciclo completo do pedal. Antes do início do teste, os participantes permaneceram cinco minutos sentados no cicloergômetro para o estabelecimento da linha de base do O2 (O2LB), a qual foi determinada a partir da média aritmética do O2 nos 30 segundos finais desse período. Após o aquecimento de três minutos com apenas a resistência inercial do equipamento, os sujeitos se exercitaram com o ritmo em 60 rpm e com o incremento da intensidade de 30 W.min-1. O teste foi interrompido quando a cadência do pedal era menor que 50 rpm. Durante todo o teste as trocas gasosas e a frequência cardíaca (FC) foram mensuradas respiração a respiração e a cada batimento, respectivamente. Amostras de sangue foram coletas imediatamente após o teste, no segundo e no terceiro minutos da recuperação para mensuração das concentrações sanguíneas lactato de pico ([La-]pico), ao passo que a frequência cardíaca máxima (FCmax) foi estabelecida pelo maior valor medido ao final do teste. O O2max foi determinado a partir da obtenção de, pelo menos, três dos seguintes critérios: exaustão do sujeito, o aumento do O2 menor que 2,1 ml.kg-1.min-1 mediante o incremento da intensidade, a razão de trocas respiratórias maior que 1,10, concentração de lactato sanguíneo após o teste maior que 8,0 mmol.l-1, atingir a frequência cardíaca máxima (FCmax) predita pela idade (220-idade)15. A WO2max foi estabelecida como a potência externa máxima em que o O2max foi alcançado. O LV2 foi estabelecido visualmente mediante o segundo ponto de inflexão da curva da ventilação, com concomitante queda da pressão parcial de dióxido de carbono16.

Testes com cargas constantes

O cicloergômetro, o ajuste da altura do selim, o ritmo do pedal, o aquecimento, o critério de interrupção e a mensuração do O2 nos exercícios com cargas constantes foram idênticos aos empregados no teste progressivo até a exaustão. Os sujeitos se exercitaram por 10 minutos, ou até a exaustão voluntária, em seis testes de intensidades abaixo da WO2max (40-90% WO2max). O período de recuperação entre essas tarefas foi de aproximadamente 10 minutos, ou até atingir o valor individual do O2LB. A média do O2 no último minuto dessas tarefas foi utilizada para representar o valor de pico do O2 nessas tarefas. Além disso, amostras contendo 25 μl de sangue foram coletadas do lóbulo da orelha antes de cada teste ([La-]repouso), imediatamente após o término, no terceiro, no quinto e no sétimo minutos de recuperação para a mensuração das concentrações sanguíneas de lactato [La-]. O maior valor após o exercício foi utilizado para representar o lactato de pico.

Coleta dos dados fisiológicos

O O2 foi mensurado continuamente por meio de um analisador de gases portátil (K4b2 Cosmed, Roma, Itália), ao passo que a FC foi medida por um cardiofrequencímetro (Polar, Kempele, Finlândia) acoplado a esse equipamento. Uma máscara de silicone com baixa resistência que mantém o nariz e a boca cobertos (Hans Rudolph, Kansas City, USA) foi empregada na coleta do ar utilizado nas análises da ventilação, das frações do oxigênio e do dióxido de carbono. Antecedendo cada sessão de coleta de dados, o analisador de gases foi calibrado utilizando o ar ambiente e com um gás de composição conhecida (20,9% de O2 e 5% de CO2). A calibração do fluxo de ar foi realizada com uma seringa com volume de três litros (Quinton Instruments, Seattle, WH). A calibragem do tempo de atraso para a análise da amostra de ar expirada foi realizada de acordo com as especificações do fabricante (K4b2 instruction manual). Esse tempo de atraso é de aproximadamente 500 ms e automaticamente considerado nos cálculos das trocas gasosas. As [La-] foram determinadas por meio de um analisador automático de lactato (Yellow Springs 1500 Sport, Ohio, USA), o qual foi calibrado a cada 10 análises, tendo como referência a concentração de lactato de 5 mmol.l-1.

Cálculos

Em todos os testes de carga constante a contribuição do MAA foi assumida como sendo o EPOCrápido17-18. Conforme descrito previamente por Özyener et al.19, a análise da resposta cinética "off" do O2 nas intensidades abaixo do LV2 foi ajustada por um modelo monoexponencial (Equação 1), ao passo que nas intensidades acima do LV2 foi aplicado um modelo biexponencial (Equação 2) (Origin, Microcal, USA). Assim, a contribuição do sistema anaeróbio alático pode ser determinada pela integração da parte exponencial do componente rápido do excesso do consumo após o exercício (Equação 3).

Onde 1 e 2 denotam, respectivamente, o componente rápido e lento do excesso do consumo de oxigênio após o exercício; y0 = linha de base; A, τ e δ são referentes à amplitude em ml.min-1, à constante de tempo (s) e ao tempo de atraso (s), respectivamente.

A contribuição do MAL foi estimada assumindo que 1 mmol.l-1 dos Δ[La-] no exercício sub-O2max equivale ao valor fixo de 3 ml de O2.kg-1 de massa corporal7.

Análises estatísticas

Todas as análises foram feitas utilizando o "software" SPSS (versão 13.0, Chicago, USA). A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk e apresentaram distribuição normal. Os dados foram reportados como médias e desvios padrão. A análise de variância com medidas repetidas a um fator (intensidade) seguido pelo teste para comparações múltiplas de Bonferroni foi utilizada na comparação das variáveis mensuradas nos testes sub-O2max. Para comparar a contribuição do MAL e MAA em cada intensidade, foi empregado o teste t. A esfericidade dos dados foi verificada previamente pelo teste de Mauchly. O nível de significância adotado foi de 5% (p < 0,05).

Resultados

As variáveis analisadas no teste progressivo até a exaustão estão presentes na TABELA 1.

A FIGURA 1 apresenta um exemplo típico da resposta do O2 durante essas tarefas.


A TABELA 2 apresenta os valores do pico do O2, da FC e das [La-], bem como o tempo de duração dos testes sub-WO2max. A partir da intensidade de 50% O2max foi constatado o aumento significativo do O2 (F = 152,17; p < 0,001) e das [La-] (F = 53,81; p < 0,001), quando comparados à intensidade de 40% O2max. A FC teve o aumento significativo apenas a partir da intensidade de 60% WO2max (F = 52,12; p < 0,001), ao passo que a primeira intensidade em que um sujeito não conseguiu completar 10 minutos de exercício foi 70% WO2max.

A FIGURA 2 apresenta o comportamento das contribuições percentuais do MAL e MAA durante o exercício realizado abaixo da WO2max. A transição da predominância do MAA para o MAL na composição do metabolismo anaeróbio se inicia em, aproximadamente, 70% da WO2max. Essa carga corresponde à média do valor da intensidade do LV2 (TABELA 1).


Discussão

Acredita-se que a determinação das contribuições dos metabolismos energéticos pode fornecer informações importantes para aprimorar a carga de treinamento e para a avaliação do desempenho físico. Todavia, até o presente momento, os estudos prévios realizaram essas estimativas em intensidades acima da potência aeróbia máxima4,17. Para o melhor do nosso conhecimento, esse é o primeiro estudo a analisar as contribuições do MAA e do MAL durante exercícios com intensidades abaixo da potência aeróbia máxima. O principal achado do presente estudo foi que a predominância do MAL sobre o MAA durante os exercícios submáximos ocorreu a partir da intensidade correspondente ao LV2.

Evidências mais recentes têm indicado que a degradação da CP não ocorre apenas para a manutenção da oferta da ATP durante o exercício de alta intensidade e de curta duração20-21. Assim, o comportamento das contribuições do MAA e do MAL durante os exercícios de cargas constantes reforça as hipóteses que foram estabelecidas acerca da relação entre o MAA e o metabolismo oxidativo no início e durante o exercício físico de intensidade moderada. Alguns trabalhos realizados com o interesse de compreender a dinâmica da resposta cinética "on" do O2, mais especificamente a fase II (ou componente primordial), têm demonstrado que a ativação do metabolismo oxidativo é dependente da degradação da ATP e da CP na fase inicial do exercício físico22-23. Possivelmente, o aumento das concentrações de ADP, Pi e da creatina na forma livre seria um dos mecanismos responsáveis pela regulação da respiração mitocondrial21-22,24.

Isso é possível porque a CP tem a capacidade de atuar como um "transportador de energia" mediante o sistema de lançadeira de creatina ("creatine shuttle")20-21. Durante a contração muscular de baixa intensidade, a redução das concentrações da ATP é amenizada pela ativação da isoforma extramitocondrial da creatina quinase, a qual possibilita ressintetizar a ATP mediante a degradação da CP. Uma vez que a membrana externa da mitocôndria é permeável à creatina, o seu aumento no espaço entre as membranas mitocondriais resulta na produção de ADP com subsequente ressíntese de CP, graças ao aumento da atividade da isoforma mitocondrial da creatina quinase. Posteriormente, a CP pode ser deslocada para o citoplasma no intuito de ressintetizar a ATP sarcoplasmática25.

Embora a sua origem tenha sido objetivo de recentes discussões26, é incontestável que o aumento das concentrações citoplasmáticas de H+ deve-se direta ou indiretamente à ativação do MAL. Em um estudo realizado com músculos isolados de ratos, constatou-se que o aumento excessivo do Pi (20 mM) e a queda acentuada do pH (6.6) são capazes de reduzir a respiração mitocondrial24. Em outras palavras, demonstrou-se que pequenas mudanças nesses parâmetros podem ativar a fosforilação oxidativa, ao passo que grandes mudanças podem afetar a função mitocondrial. Teoricamente, isso se deve à ativação da isoforma extramitocondrial da creatina quinase ser gravemente prejudicada pelas elevadas concentrações de Pi e de H+ 24. Por sua vez, o conceito do limiar anaeróbio foi desenvolvido para estimar a intensidade do esforço na qual a energia fornecida pelo metabolismo aeróbio é complementada pelo MAL27. Logo, é atraente suspeitar que, devido ao aumento acentuado das concentrações de H+ nas intensidades acima do LV2, haveria uma redução da respiração mitocondrial em virtude da redução no funcionamento do sistema de lançadeira de creatina. Como consequência, ocorreria a transição da predominância da contribuição percentual do MAA para o MAL. Entretanto, essa inferência deve ser apreciada com cautela, pois em algumas circunstâncias, as [La-] antes do segundo e do terceiro testes de uma dada sessão experimental eram visualmente maiores que as [La-] de repouso. De certa forma, isso pode ter influenciado os cálculos da contribuição do MAL nessas tarefas.

O método utilizado no presente estudo para quantificar as contribuições dos sistemas anaeróbio apresenta limitações. Uma vez que o lactato plasmático não representa o total de lactato produzido pelos músculos durante o exercício. Dessa forma, os resultados do presente estudo obtidos por meio desse método representa uma estimativa da contribuição do sistema anaeróbio. No entanto, vale destacar que esse método é o único disponível até o presente momento capaz de distinguir a contribuição do MAL e do MAA28-29.

Em resumo, os dados do presente estudo indicam a existência de uma predominância da contribuição do MAL sobre o MAA em intensidades acima do limiar ventilatório. Nesse sentido, esses resultados podem auxiliar treinadores a aplicarem cargas de treinamento adequadas aos seus atletas, de acordo com a exigência metabólica da competição.

Recebido para publicação: 26/06/2012

Aceito: 14/01/2013

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  • Endereço

    Marcos David Silva-Cavalcante
    Departamento de Esporte
    Escola de Educação Física e Esporte - USP
    Av. Prof. Mello Moraes, 65
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Jun 2012
    • Aceito
      14 Jan 2013
    Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 65, 05508-030 São Paulo SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3091 3147 - São Paulo - SP - Brazil
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