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Transições no processo de desenvolvimento de atletas do basquetebol feminino

Resumo

O objetivo deste estudo foi investigar as transições presentes no desenvolvimento de atletas de basquetebol feminino. Participaram do estudo 31 atletas e dois treinadores pertencentes a um clube de destaque na formação do basquetebol do estado de Santa Catarina/Brasil. A coleta das informações ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas e os dados analisados por meio da técnica de análise de conteúdo, com auxílio do software NVivo 9.2. Os resultados revelaram a importância e os desafios em torno da vivência simultânea de transições esportivas e não esportivas, destacando-se que as atletas vivenciaram a transição da iniciação para a especialização ao mesmo tempo em que experienciaram a transição da infância para a adolescência. As atletas que vivenciaram transições para o treinamento especializado mais intenso também experienciaram transições psicossociais importantes, sobretudo relacionadas ao convívio social (amizades) e ao estudo (passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio). Por fim, ao transitarem das categorias de base para a adulta, as jogadoras passaram por transições tanto nos relacionamentos interpessoais (namoro) quanto na passagem do Ensino Médio para o Ensino Superior. As evidências encontradas permitem concluir sobre a importância de compreender com profundidade as transições vivenciadas e o quanto afetam o desenvolvimento esportivo de atletas de basquetebol feminino, bem como identificar os recursos e as estratégias intrínsecas e extrínsecas utilizadas para a superação bem-sucedida destas diferentes transições.

Atletas; Esporte; Formação; Carreira

Abstract

The aim of this study was to investigate the transitions present in the process of female basketball players’ development. Thirty-one athletes and two coaches from a top-rated development basketball club of Santa Catarina/Brazil participated on the study. Data collection occurred through semi-structured interviews and were analyzed by the technique of content analysis, with the support of NVivo 9.2 software. Results revealed the importance and the challenges around the simultaneous experiences of sporting and non-sporting transitions, highlighting that athletes experienced the transition from initiation to specialization in basketball at the same time that they experienced the transition from childhood to adolescence. The athletes who experienced transitions to more intense specialized training also experienced significant psychosocial transitions, especially related to social life (friendships), leisure and study (transition from Elementary School to High School). Finally, while transiting from the young categories to the adult one, players have gone through transitions both in interpersonal relationships (dating) and from high school to college. The evidence found allow us to conclude about the importance of deepen the understanding of the lived transitions and how they affect the development of female basketball athletes, as well as to identify the intrinsic and extrinsic features and strategies used to the successful overcoming of these different transitions.

Athletes; Sport; Training; Career

Introdução

Os estudos sobre o desenvolvimento e as transições da carreira esportiva começaram a aparecer na década de 60 e vêm demonstrando aumento substancial tanto em sua quantidade quanto em sua qualidade, especialmente a partir do fim da década de 80, período em que começaram a se manifestar determinadas mudanças nos focos de pesquisa, nos quadros teóricos e na atenção aos fatores contextuais que caracterizam a evolução do tema11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.. No campo da Psicologia do Esporte, o conceito de transição na carreira esportiva foi introduzido com interesse especial no estudo de como (ex)atletas enfrentavam a aposentadoria do esporte competitivo22. Wylleman P, Alfermann D, Lavallee D. Career transitions in sport: European perspectives. Psychol Sport Exerc. 2004;5:7-20..

A primeira mudança observável na compreensão do termo transição como um fenômeno refletiu-se no aumento da quantidade de referenciais teóricos relacionados ao seu estudo, que deixou de ser exclusivamente associada a um evento de vida negativo ou traumático. A segunda mudança importante ocorreu a partir da década de 90, com a saída do foco quase exclusivo na aposentadoria esportiva para o estudo de transições ocorridas ao longo do desenvolvimento atlético. A terceira mudança, por sua vez, buscou aprofundar o estudo das transições manifestas em outras esferas da vida, em detrimento da abordagem que se preocupava em compreender as transições ocorridas exclusivamente no âmbito esportivo. Finalmente, a quarta mudança relevante implicou em se considerar, também, o papel de fatores macrossociais (sistemas de esporte e cultura) nesse processo11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.-22. Wylleman P, Alfermann D, Lavallee D. Career transitions in sport: European perspectives. Psychol Sport Exerc. 2004;5:7-20..

Sob essa perspectiva, compreende-se que a carreira esportiva - composta por sucessivas fases com transições marcantes entre elas - é acompanhada por concomitantes mudanças nas características psicológicas e sociais do atleta, bem como pela necessidade de ele usufruir de recursos e estratégias para lidar de forma mais eficaz com cada uma delas33. Agresta MC, Brandão MRF, Barros Neto TL. Causas e conseqüências físicas e emocionais do término de carreira esportiva. Rev Bras Med Esporte. 2008;14:504-8.. Ressalta-se que o domínio esportivo abrange a parte do ambiente que está diretamente relacionada ao esporte, enquanto o domínio não-esportivo contempla todas as outras esferas da vida dos atletas44. Henriksen K, Stambulova N, Roessler KK. Holistic approach to athletic talent development environments: a successful sailing milieu. Psychol Sport Exerc. 2010;11:212-22..

As transições correspondem às mudanças ocorridas durante o processo de desenvolvimento da carreira esportiva do atleta, podendo ser caracterizadas como normativas ou não normativas. As transições normativas são relativamente previsíveis e possibilitam a ocorrência de oportunidades que preparam os atletas para lidarem com elas com antecedência e maior facilidade, pois são geralmente de natureza mais estrutural e organizacional. As transições não normativas, por sua vez, são menos previsíveis, pois ocorrem de forma inesperada e, consequentemente, caracterizam-se como as mais difíceis de se lidar11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.,55. Wylleman P, Lavallee D, Alfermann D, editors. Career transitions in competitive sports. Biel: FEPSAC; 1999.-66. Alfermann D, Stambulova N. Career transitions and career termination. In: Tenenbaum G, Eklund RC, organizers. Handbook of sport psychology. Hoboken: John Wiley; 2007. p.712-33..

No domínio esportivo, enquanto que as transições não normativas correspondem às transições causadas por fatores como lesão, “overtraining”, mudança de equipes, clubes, treinadores ou companheiros de equipe11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.,66. Alfermann D, Stambulova N. Career transitions and career termination. In: Tenenbaum G, Eklund RC, organizers. Handbook of sport psychology. Hoboken: John Wiley; 2007. p.712-33., as transições normativas incluem as transições para o início da especialização esportiva, para o treinamento intensivo, das categorias de base para a categoria adulta ou, ainda, do esporte amador para o profissional e da carreira ativa para a aposentadoria esportiva, as quais apresentam características próprias que exigem algum tipo de ajustamento dos esportistas11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.,33. Agresta MC, Brandão MRF, Barros Neto TL. Causas e conseqüências físicas e emocionais do término de carreira esportiva. Rev Bras Med Esporte. 2008;14:504-8.,66. Alfermann D, Stambulova N. Career transitions and career termination. In: Tenenbaum G, Eklund RC, organizers. Handbook of sport psychology. Hoboken: John Wiley; 2007. p.712-33.

7. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.
-88. Brandão MRF, Akel MC, Andrade SA, Guiselini MAN, Martini LA, Nastás MA. Causas e conseqüências da transição de carreira esportiva: uma revisão de literatura. Rev Bras Cienc Mov. 2000;8:49-58.. As transições não esportivas, por sua vez, exigem que os atletas aprendam a lidar com mudanças em nível psicológico (passagem da infância para adolescência; da adolescência para idade adulta), psicossocial (mudanças significativas nos agentes sociais à medida que eles amadurecem) acadêmico ou profissional (mudanças educacionais e vocacionais)22. Wylleman P, Alfermann D, Lavallee D. Career transitions in sport: European perspectives. Psychol Sport Exerc. 2004;5:7-20.,77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.,99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47..

Ao participar de uma transição para níveis mais elevados no domínio esportivo, o atleta pode, ao mesmo tempo, experienciar uma transição psicológica da adolescência para a idade adulta, bem como do Ensino Médio para o Ensino Superior. Tais transições múltiplas podem criar situações difíceis para a vida desse atleta, o que demanda maior apoio e suporte por parte de sua rede social99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47.. Além disso, acredita-se que uma transição será mais bem sucedida quando o atleta for capaz de desenvolver e utilizar eficazmente todos os recursos necessários para superar as barreiras no decorrer do processo de enfrentamento, o que resulta em sentimento geral de ajuste e em aumento de satisfação com o esporte e com a vida. Entretanto, o período de transição pode se transformar em crise caso o atleta não seja capaz de gerenciar as demandas de sua transição, fato que pode suscitar auxílio ou intervenção psicológica11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412..

A análise das investigações em torno das transições presentes no desenvolvimento atlético demonstrou a recente iniciativa de autores em abordar esta temática na realidade nacional33. Agresta MC, Brandão MRF, Barros Neto TL. Causas e conseqüências físicas e emocionais do término de carreira esportiva. Rev Bras Med Esporte. 2008;14:504-8.,1010. Marques MP, Samulski DM. Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2009;23:103-19. o que reforça a literatura socializada por estudos internacionais realizados nas últimas duas décadas77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.,1111. Salmela JH. Stages and transitions across sports careers. In: Hackfort D, editor. Psycho-social issues and interventions in elite sports. Frankfurt: Lang; 1994. p.11-28.

12. Wuerth S, Lee MJ, Alfermann D. Parental involvement and athletes’ career in youth sport. Psychol Sport Exerc. 2004;5:21-33.

13. Lorenzo A, Bórras PJ, Sánchez JM, Jiménez S, Sampedro J. Career transition from junior to senior in basketball players. Rev Psicol Deporte. 2009;18(Suppl):309-12.

14. Samuel RD, Tenenbaum G. How do athletes perceive and respond to change-events: an exploratory measurement tool. Psychol Sport Exerc. 2011;12:392-406.

15. Debois N, Ledon A, Argiolas C, Rosnet E. A lifespan perspective on transitions during a top sports career: a case of an elite female fencer. Psychol Sport Exerc. 2012;13:660-8.
-1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95. e indica a pertinência do fenômeno estudado para a compreensão do processo de desenvolvimento esportivo. Nesse sentido, este estudo se propõe a investigar as transições presentes no desenvolvimento de atletas pertencentes a um clube de destaque na formação de atletas de basquetebol feminino, com o intuito de compreender o fenômeno e contribuir com a ampliação dos estudos sobre a temática.

Método

Participaram do estudo 31 atletas do sexo feminino, com idades entre 11 e 18 anos, pertencentes a um clube de basquetebol de destaque no desenvolvimento de atletas de categorias de base no Estado de Santa Catarina. Para facilitar a apresentação do conteúdo das narrativas e manter o anonimato das jogadoras investigadas, as atletas foram organizadas da seguinte maneira:

  • Atletas juvenis (17 e 18 anos): A, B, C, D, E, F, G, H;

  • Atletas infanto-juvenis (15 e 16 anos): A, B, C, D, E, F, G, H, I;

  • Atletas infantis (14 anos): A, B;

  • Atletas mirins (11 a 13 anos): A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L.

Com a intenção de ampliar as informações em torno das transições vivenciadas pelas atletas de basquetebol, contribuíram com o estudo os dois treinadores que dirigiam as equipes do clube no momento da coleta de dados: o treinador das categorias mirim, infantil e infanto-juvenil (treinador A) e a treinadora da categoria juvenil (treinadora B).

O clube de basquetebol investigado foi selecionado devido a seu histórico no processo de formação de atletas dos escalões de base nesta realidade, considerando que este possui 23 títulos estaduais em 49 participações em competições promovidas pela Federação Catarinense de Basketball, desde sua primeira participação no ano de 1994. Destaca-se que, nestas 49 competições disputadas, o clube conquistou medalhas em 36 oportunidades (1º, 2º e 3º lugar), com índice de vitórias de 73% nos jogos disputados. Além disso, os registros oficiais do clube revelaram que 31 atletas já foram selecionadas para representarem o estado de Santa Catarina em Campeonatos Brasileiros de Base promovidos pela Confederação Brasileira de Basketball, sendo 17 mais de uma vez. Em relação à seleção nacional, o clube já teve sete atletas pré-convocadas, mas nenhuma ficou entre as 12 que foram para as competições representar o país.

A coleta das informações com as atletas e com os treinadores ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas nos locais de treinamento (ginásio, academia) ou no departamento de esportes, antes ou após as sessões de treino. As entrevistas com as atletas tiveram duração de 45 minutos a uma hora e 30 minutos, enquanto as entrevistas com os treinadores tiveram duração aproximada de uma hora cada. Tais entrevistas tiveram como enfoques principais os seguintes temas geradores: transições normativas; transições não normativas vivenciadas pelas atletas. No domínio esportivo, predominaram os seguintes temas geradores: processo de iniciação (prática esportiva de outras modalidades, idade de início e tempo de prática de outras modalidades, idade de início e tempo de prática do basquetebol, motivos de aderência ao basquetebol); especialização (idade da primeira competição, idade da primeira participação em competições estaduais/nacionais, motivos de abandono de outras modalidades); investimento esportivo (competições importantes disputadas, convocação para seleção estadual e nacional, premiação em competição, carga de treinamento e competição, abdicação de outras esferas da vida em função do esporte); motivos de interrupção temporária, desejo de abandono e motivos prováveis de abandono definitivo do basquetebol (tempo de duração, fatores geradores, recursos e estratégias para enfrentá-los); obstáculos enfrentados no esporte (fatores geradores, recursos e estratégias). No domínio não esportivo, os temas geradores apresentaram relação com: contexto familiar (apoio financeiro, emocional e informativo dos membros da família); contexto escolar (nível de ensino, desempenho escolar, bolsa de estudos, relação entre estudo e esporte); contexto social (atividades realizadas no tempo livre, rede de amizade, relação entre convívio social e esporte). Todas as entrevistas foram realizadas individualmente, gravadas e transcritas na íntegra, com posterior leitura de prova pelos participantes do estudo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o parecer 1170/2010. A participação na investigação foi viabilizada a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido pelos treinadores, pelas atletas maiores de 18 anos e pelos pais ou responsáveis pelas atletas menores de idade.

As informações coletadas foram analisadas com o auxílio do software QSR Nvivo (versão 9.2), por meio da técnica de análise de conteúdo do tipo categorial1717. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.. As categorias de análise, elaboradas a partir de modelos teóricos contemplados na literatura consultada22. Wylleman P, Alfermann D, Lavallee D. Career transitions in sport: European perspectives. Psychol Sport Exerc. 2004;5:7-20.,66. Alfermann D, Stambulova N. Career transitions and career termination. In: Tenenbaum G, Eklund RC, organizers. Handbook of sport psychology. Hoboken: John Wiley; 2007. p.712-33.-77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.,99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47., compreenderam as transições esportivas normativas (iniciação para especialização, treinamento especializado intenso, categorias de base para equipe adulta) e não normativas (lesões, mudanças, não seleção esportiva ), bem como as transições não esportivas normativas (acadêmicas e profissionais, psicossociais, psicológicas) e não normativas (acadêmicas e profissionais, psicossociais, psicológicas).

A análise das transições buscou apresentar as barreiras, as consequências e os recursos utilizados pelas atletas investigadas para superar as transições não normativas, bem como os desafios e as formas de superação das transições normativas. Além da validez das declarações das participantes, a validez das análises realizadas foi assegurada a partir de análises complementares de duas investigadoras com experiência acumulada em estudos desta natureza.

Resultados

Transições esportivas não normativas

As transições esportivas não normativas vivenciadas pelas atletas de basquetebol compreenderam as lesões, as mudanças e a não seleção esportiva. As lesões causadas pela prática esportiva foram apontadas como as principais barreiras vivenciadas pelas atletas em seu processo de formação esportiva.

Os recursos e as estratégias utilizadas pelas atletas investigadas para superarem a adversidade relacionada às lesões esportivas foram os programas de fisioterapia e o apoio emocional de colegas e treinadores, como pode ser visualizado na narrativa abaixo:

Só quando eu fiz cirurgia no joelho. Eu ia ficar só um mês parada, mas precisei ficar três. Na fisioterapia que eu fazia, eles não faziam os exercícios certos para eu melhorar e isso foi demorando, não melhorava, não melhorava. Depois de ter mudado de clínica, fiquei 10 dias só e já voltei. Quando eu fiz a cirurgia, eu fiquei tanto tempo parada que já não sentia mais tanta falta do basquete. Eu acho que eu não parei por causa do incentivo das meninas mesmo... das meninas e da treinadora (Atleta infanto G).

As mudanças de cidade, de clube e de treinador também foram mencionadas como transições não normativas importantes que aconteceram no desenvolvimento da carreira das atletas. Algumas mudanças de cidade foram provocadas por decisões familiares, que levaram as atletas a se afastarem temporariamente desse esporte até conseguirem contato com a Secretaria de Esportes para a obtenção de informações sobre as escolinhas e as equipes competitivas presentes na nova cidade.

Algumas atletas citaram a mudança de treinadores de uma temporada para outra, assim como o afastamento de um dos treinadores do clube, como barreiras em seus percursos. Os relatos seguintes revelam a importância da manutenção do trabalho e da cumplicidade entre treinador e atleta ao longo do desenvolvimento das carreiras esportivas das atletas:

Estava desanimada, cansada. Desanimada porque toda a hora estava trocando, vinha um treinador, era de um jeito, outro treinador, era de outro. Acabava que modificava tudo e nós estávamos com a cabeça em dois lugares, um lá e outro aqui (Atleta juvenil C).

Eu parei porque a nossa treinadora tinha ido embora. Eu achei que ela não fosse mais voltar e nós temos muita afinidade com ela. Nós até estávamos com outro treinador, ele era muito bom e tal, mas eu não conseguia, parecia que meu jogo não andava, que eu não fluía (Atleta juvenil D).

[...] eu consegui ficar comandando uma equipe desde mirim até os dias de hoje (juvenil). O clube fez essa mudança em função de um pedido meu. Porque geralmente o treinador ficava naquela categoria, quando as atletas saiam daquela categoria, elas eram passadas para outro treinador. Eu vim com a visão de que, se está dando certo, você não tem que mudar. Se você está com um grupo de atletas na sua mão e você passar para outro treinador, vai ter toda aquela fase de adaptação novamente, mudanças de perfil de treinador e muitas vezes não rende o que rendia com o outro treinador e felizmente esta ideia foi aprovada pela diretoria do clube, pela Secretaria de Esportes e a gente conseguiu dar continuidade (Treinadora C).

A não seleção esportiva se caracterizou como uma das principais barreiras enfrentadas pelas atletas. Este processo compreendeu, por exemplo, a não entrada das atletas durante as partidas em que eram reservas, a não convocação para a disputa de alguns jogos ou competições e o corte de seleções estaduais que iriam disputar campeonatos brasileiros de base. Para os treinadores, o corte dentro das equipes é muitas vezes cruel, embora necessário - uma vez que, para cada partida, só pode ser selecionado um número específico de atletas, pois o processo seletivo depende das regras esportivas que regem o basquetebol. O relato do treinador B expressa a realidade da não seleção esportiva:

Para ingresso nas equipes competitivas, também depende da demanda, oferta e procura. Se tem bastante, nós temos que dar corte, porque chega um momento que infelizmente a equipe é composta por 12 atletas, só cabem 12 na súmula que podem jogar. Então se você tem 25, você acaba tendo que cortar 13. Não tem como você colocar para jogar [...] O processo seletivo acaba automático pela própria regra do esporte (Treinador B).

Os recursos e as estratégias utilizadas pelas atletas para superarem tais barreiras e avançarem em suas carreiras esportivas estiveram fortemente pautados nas influências sociais, especialmente no apoio emocional de colegas, treinadores e familiares. A narrativa a seguir exemplifica a importância das relações interpessoais para a superação dessa transição esportiva não normativa:

Eu peguei seleção catarinense, fui cortada e parei de jogar porque me desmotivei. [...] Eu não estava mais indo treinar e as meninas tentavam fazer minha cabeça para eu voltar: ‘..., volta a treinar, ..., volta a treinar’. As meninas estavam sempre me chamando para voltar. Minha mãe também pegava muito no meu pé para eu voltar, porque eu só ficava em casa (Atleta infanto C).

Transições esportivas normativas

As transições esportivas normativas visualizadas no desenvolvimento das atletas corresponderam à transição da iniciação para a especialização, à transição para o treinamento especializado intenso e à transição das categorias de base para a equipe adulta.

Os desafios vivenciados pelas atletas de basquetebol em sua primeira transição esportiva normativa (da iniciação para a especialização) destacaram que a escolha da modalidade a se especializar esteve fortemente relacionada com as adaptações às novas exigências de treinamento, à exigência do grupo de colegas e à vinculação do esporte com outras esferas de vida, especialmente os estudos. Os motivos indicados para o abandono dos demais esportes envolveram o comportamento inadequado do treinador, a estatura não adequada para a modalidade, a percepção de falta de habilidade em tal esporte e, especialmente, o interesse e/ou a preferência pessoal pelo basquetebol.

Desisti da ginástica porque, já no segundo ano, eu percebi que não estava conseguindo evoluir como as outras meninas, então eu fui para o vôlei. Do vôlei eu saí porque eu conheci o basquete e preferi o basquete ao vôlei (Atleta mirim L).

Porque coincidiram competições, tinham os JASC e o brasileiro em 2007. Eu tive que optar. Como eu fazia parte do conjunto, eu tive que deixar a minha treinadora na mão, mas eu tive que optar. Eu treinava, ginástica e basquete, nos mesmos dias (Atleta juvenil A).

A superação do desafio da adaptação às exigências de treinamento e do grupo de atletas foi conquistada com o convívio cotidiano, com a motivação fornecida por parte dos treinadores e com a dedicação e o esforço pessoal para enfrentar essas barreiras, como pode ser observado nos seguintes relatos:

Porque tinham muitas brigas nos treinos. Agora parou um pouco, mas antes... quando a gente começou a treinar com as grandes, as maiores, ficou uma richa. Porque elas queriam mostrar que eram melhores, mas daí agora que nós estamos treinando desde o início do ano, a gente está se acostumando (Atleta mirim A).

No começo, quando saímos da escolinha para treinar com as mais velhas, eu fui meio contra, porque a gente, as mais novas, tínhamos implicância, porque elas são mais velhas e acham que mandam na gente. Mas depois eu achei melhor porque a gente ficou com mais ritmo de jogo. Achei melhor o treino com elas. Com algumas a gente ainda fica meio brava, porque se a gente erra alguma coisa, elas ainda cobram [...] (Atleta mirim L).

No que se refere ao desafio de conciliar o esporte com os estudos, percebe-se que a estratégia utilizada pelas atletas na transição da iniciação para a especialização foi a de colocar as exigências escolares em predominância em relação às demandas esportivas, pois existia forte cobrança por parte dos familiares para que apresentassem bom rendimento escolar. Nesse sentido, a maioria procurava faltar a treinos para estudar para provas ou fazer trabalhos escolares, com a devida compreensão e apoio dos treinadores. Apenas uma jogadora indicou que, nessa transição, já procurava melhor organizar seus horários de estudo, para não prejudicar a prática esportiva.

Quando é preciso conversar, porque eu estou faltando muito treino, eu chamo o treinador e a gente conversa. Um dia eu estava meio mal emocionalmente por causa da escola, era muita pressão. O treinador conversa comigo sobre isso, é bem tranquilo (Atleta mirim C).

Os meus pais me cobravam e cobram bastante no estudo. Minha mãe fala assim: ‘se você gosta do basquete, você tem que gostar dos estudos também, o mesmo esforço que você faz no basquete, você tem que fazer nos estudos’. Então, eu sempre tentei colocar os dois no mesmo nível, separar um do outro, mas é difícil, porque o basquete exige muito, o tempo inteiro é basquete, basquete (Atleta infanto B).

Além disso, algumas atletas revelaram a importância da compreensão da administração escolar e dos professores com relação ao comprometimento delas com a prática esportiva, como pode ser observado nos trechos a seguir:

Tem vezes que eu falto aula, mas eu falto aula por um bom motivo, que é pelo basquete. Na minha escola eles até compreendem, porque eles querem ver a gente treinando, principalmente a diretora. Eu converso bastante com ela, eu me abro para ela. Eu falo para ela do basquete e ela autoriza a minha saída até para vir treinar de vez em quando (Atleta mirim J).

Você se torna responsável com o tempo. Pela tua idade, você tem que ter um pouco de maturidade. Eu faço assim, como eu tenho escola, tenho o basquete e faço outras coisas, faço outros cursos, eu também tento conciliar tudo. Eu estipulo horários para mim, estudar, treinar. [...] Se você é organizada, se você tem responsabilidade, porque tem trabalho também para fazer, tem prova, você consegue (Atleta infanto C).

Quando eu volto das competições, eu sempre converso com os professores, sempre dou um jeito de conseguir, também, a justificativa. Em todos os colégios que eu estudei, todos me entendiam, todos respeitavam (Atleta juvenil E).

As informações encontradas nesta investigação revelaram que a segunda transição esportiva normativa vivenciada pelas jogadoras de basquetebol correspondeu ao início do treinamento especializado intenso, a partir do momento em que as atletas passaram, principalmente, a sentir o aumento da competitividade e a expectativa em torno de bons resultados, além de maior demanda de cargas físicas e psicológicas nos treinamentos e competições e de maior dificuldade em conciliar o esporte com outras esferas da vida (estudo, convívio social,...). Além disso, as necessidades de assumir a responsabilidade pelo desempenho da equipe em alguns jogos, de manter os resultados anteriores da equipe e do clube e de não temer o fracasso nas competições também se destacaram como desafios experienciados nessa transição esportiva.

No que se refere ao aumento das cobranças em torno de rendimento individual e coletivo, os recursos e as estratégias utilizadas pelas atletas para superação dessa transição estão relacionados aos fatores intrínsecos, tais como a percepção da necessidade de maior seriedade nos treinamentos, a motivação pessoal nos treinamentos, a busca pessoal para evoluir no esporte e atingir o nível de desempenho das colegas mais experientes, além de fatores extrínsecos como a possibilidade de treinar com atletas mais experientes, o apoio informativo e emocional das colegas e treinadores e o apoio emocional dos familiares.

É bom porque, como elas são mais velhas, elas ajudam. Nós, que temos essa oportunidade de jogar com as do infanto, elas ensinam, elas incentivam a gente. Como elas jogam bem, nosso time de ... a gente sempre ganha. Então, a gente se inspira nelas para continuar o que elas deixaram conquistado. Elas sempre ... nosso time é sempre o que mais ganha aqui na região, então, a gente, para não quebrar o que elas fizeram, a gente se inspira nelas e tenta jogar melhor (Atleta mirim A).

[...] além de você pegar ritmo de jogo, você vai aprendendo mais com elas. Conforme você treina e joga com as mais velhas, elas vão te ensinando e quando a gente vai jogar com as meninas da nossa categoria, a gente já marca melhor, já pressiona, já vai para a cesta mais firme [...]. Eu prefiro treinar com elas do que com as mais novas, porque com as mais novas você vai diminuindo, não vai crescer e quando chega na hora do jogo, você está mole, está cansada. Com elas não, é aquela correria o tempo inteiro, tem que correr, está cansada, está sentindo dor, mas tem que correr. Chega na hora do jogo, a gente vai pegar menina da nossa categoria e já estará acostumada (Atleta infantil B).

Quando a gente viu no brasileiro ano passado que a gente precisava evoluir, que nós vimos que tinham times melhores do que o nosso, porque aqui em Santa Catarina o nosso time é o melhor, quando a gente chegou lá e a gente viu que a gente tinha que melhorar, tinha que se esforçar mais para ter um time em nível brasileiro, foi uma coisa que mexeu bastante conosco. Tinham bastante equipes boas, foi um dos momentos que mais deu medo de chegar lá e não conseguir ir até o final. Então a gente viu que, para ser atleta, temos que nos esforçar muito mais (Atleta juvenil I).

Na transição para um treinamento mais especializado e intenso, as atletas de basquetebol investigadas passaram a sentir nova dificuldade em suas carreiras: a de conciliar as demandas da prática esportiva com as características da juventude - período em que as adolescentes buscam estreitar suas relações pessoais e passam a almejar maior tempo de lazer para o convívio com os amigos. No entanto, ao perceberem a importância da dedicação ao esporte para o seu crescimento, passaram a interpretar a troca do estreitamento dessas relações e dos momentos de divertimento pela carreira esportiva como algo natural.

Eu queria ter uma vida normal como as minhas amigas, de poder sair à tarde com elas e não dá, porque eu treino com o sub16 e com o sub18, de tarde lá, de noite aqui. Então não tem como conciliar. É complicado. O fato de eu treinar de tarde e a noite limita um pouco, porque eu não posso fazer o que eu queria fazer a tarde com as minhas amigas e não tem como faltar treino para fazer outra coisa... não tem lógica. Então é um pouco chato, mas você acaba se acostumando, não tem o que fazer. Então eu deixo para os finais de semana quando não tem competição e, ultimamente, está complicado não ter competição, porque são duas categorias (Atleta infanto F).

As evidências encontradas acerca da terceira e última transição esportiva presente no desenvolvimento das atletas de basquetebol revelaram a transição das categorias de base para a equipe adulta, na qual o ápice da carreira esportiva começou a ser vislumbrado pelas atletas, o que implicou que as metas esportivas se tornassem o principal objetivo de suas vidas. O desafio de vincular o esporte com outras esferas da vida não foi tão percebido ou enfatizado, mas interiorizado como consequência de suas escolhas e objetivos profissionais.

Para superar as dificuldades dessa transição, as atletas mencionaram as seguintes estratégias e acontecimentos: aquisição de experiências esportivas e maturidade pessoal para lidar com elas; estilo de vida subordinado às demandas do esporte; percepção de ganho de prestígio no cenário esportivo, por meio do recebimento de convites para atuar em outros clubes, de salários (auxílio financeiro) e de bolsas de estudo no Ensino Superior. Essas modalidades de auxílio passaram a ser interpretadas como fortes estratégias para minimizar a transferência das atletas (na categoria adulta) para outras cidades e para evitar o abandono do esporte por aquelas que necessitassem trabalhar para auxiliar nas despesas da casa e na continuidade dos estudos.

Porque antigamente era mais por brincadeira, agora está se tornando mais do que uma profissão. O basquete, para mim, agora é praticamente tudo, é o que eu gosto de fazer. Na minha vida é o basquete, a família, os amigos, meus estudos. É uma das coisas que eu não consigo ficar sem fazer. [...] Para mim é praticamente tudo, como a minha família. Uma profissão que eu gosto de ter (Atleta juvenil A).

O basquete foi e é muito importante para a minha vida porque conheci vários lugares, várias pessoas diferentes, pessoas que eu vou levar para a vida toda. Eu acho que não tem como explicar. É tudo. É minha vida, porque minha vida toda foi o basquete, o basquete foi e é a minha vida, porque tudo é movido ao redor do basquete, as pessoas, a escola, tudo está ligado ao basquete (Atleta juvenil C).

Às vezes, porém, eu tenho que por em primeiro lugar os meus treinos que são o meu trabalho, o meu sustento e foi o que eu vim fazer aqui. Então eu acho que tem que atrapalhar mesmo. É o mais importante, se atrapalhar, não é que atrapalha, mas limita porque você, naquele horário, todos os dias você vai estar treinando. Poderia estar fazendo outras coisas, mas eu acho que se atrapalha ou não, tem que atrapalhar mesmo, porque é o meu trabalho, é o meu sustento (Atleta juvenil G).

Transições não esportivas

No presente estudo, as transições não esportivas do processo de formação esportiva das atletas de basquetebol relacionaram-se às transições acadêmicas e profissionais, psicossociais e psicológicas.

A transição acadêmica e profissional citada por uma atleta correspondeu à reprovação escolar no Ensino Fundamental, devido à mudança constante de cidade de moradia pela família. Para os treinadores, essa transição implica, sobretudo, na dificuldade de as atletas conciliarem demandas esportivas e escolares, o que faz com que muitas delas diminuam a dedicação aos treinamentos para recuperar-se do baixo rendimento escolar apresentado. Além disso, os treinadores citam a transição normativa do Ensino Fundamental para o Ensino Médio e deste para o Ensino Superior como cruciais nesse processo.

Para a treinadora investigada, a transição do Ensino Fundamental para o Ensino Médio tem sido negativa nos últimos anos, não só para as atletas, mas também para o clube, uma vez que gerou a perda de disputa de novos títulos estaduais, nacionais e internacionais conquistados em anos anteriores. Nos últimos anos, enquanto as atletas estavam no Ensino Fundamental, quase todas recebiam bolsa de estudo em uma instituição privada que representavam em competições de nível escolar. Todavia, como a escola não possuía o Ensino Médio, as atletas perderam o auxílio ao concluírem o 9º ano, e algumas delas foram para o ensino público ou para escolas particulares do município, o que contribuiu para a dispersão do grupo anterior de atletas.

Então, até elas terminarem o Ensino Fundamental, elas ficaram todas juntas e conseguiram um dos resultados mais específicos da equipe que foi uma competição Sulamericana. Então, valeu a pena para elas e valeu a pena para a escola. Na realidade, o patrocínio não acabou, a questão é que a escola só tinha o Ensino Fundamental, depois houve algumas negociações com uma escola de Ensino Médio. No primeiro ano deu certo, o problema volta, como a gente comentou antes, tinham algumas meninas que estavam no Fundamental ainda, outras no Médio, aí começaram os problemas pela escola não ter os dois níveis de ensino (Treinadora B).

No que tange à transição normativa do Ensino Médio para o Ensino Superior, os treinadores reforçam que, atualmente, ela tem sido facilitada pela bolsa de estudos proporcionada mediante convênio com uma Instituição de Ensino Superior privada, possibilitando que as atletas não necessitem interromper sua carreira esportiva para trabalhar e auxiliar nas despesas domésticas ou mesmo no pagamento do curso superior, ao mesmo tempo que se torna um fator determinante de motivação para a continuidade e o comprometimento das jogadoras com a carreira esportiva.

As transições psicossociais não normativas envolveram a saída de casa por parte de uma mãe, o que afetou o desempenho em quadra de uma atleta. A doença de um membro da família, por sua vez, causou o afastamento temporário da prática da modalidade por parte de outra atleta, ao passo que a morte de um familiar, embora tenha provocado desânimo inicial de uma terceira atleta frente às atividades diárias, também levou ao estreitamento dos laços dos demais familiares desta com sua participação esportiva.

É até bom eles estarem me acompanhando, é mais uma motivação para eu jogar. Como eu perdi meu pai em 2008, eu agora gosto que eles vão me assistir nos treinos e jogos porque vai saber até quando eles vão estar comigo, até quando eles vão poder assistir a um jogo meu. Porque eu sei que eles sempre gostaram de fazer isso. Então eles vão assistir porque eu gosto agora (Atleta juvenil F).

Eu tinha acabado de ir embora do Rio porque meu pai estava com câncer. Eu tinha acabado de voltar a treinar para me reabilitar no basquete, para continuar a jogar bem. Porque quando eu fui embora do Rio, eu estava no meu ápice do basquete, estava jogando muito bem. Só que rolou isso com meu pai, eu fui para casa e parei de treinar, ganhei alguns quilos [...] (Atleta juvenil G).

A transição psicossocial normativa enfatizada pela treinadora B foi o conjunto de relacionamentos estáveis ou instáveis que afetam o rendimento ou mesmo afastam muitas atletas de suas carreiras esportivas. No entanto, poucas atletas citaram a dificuldade de conciliar o esporte com esses relacionamentos, pois, segundo elas, seus namorados compreendem a importância do basquete em suas vidas e elas conseguem, assim, conciliar ambos de maneira satisfatória.

Tem a questão dos namorados, porque é uma época que começa os namoros. Muitas atletas pararam de jogar por causa de namorado, muitas, muitas, não foram poucas. Tenho uma relação enorme de meninas que jogavam bem e começaram a namorar e se desmotivavaram, porque cada vez que iam viajar o namorado aprontava ou o namorado brigava porque ela ia viajar e ficava com ciúmes, não sabia o que acontecia nos jogos. Achava que a menina ia ficar com outros meninos: ‘Ou eu ou o basquete?!’ e acabavam desistindo (Treinadora B).

Limitar não, mas algumas vezes, já teve várias vezes que eu deixei de fazer alguma coisa com o meu namorado para viajar ou para treinar (Atleta juvenil D).

Outra transição psicossocial importante citada pelos treinadores se refere ao fato de as atletas demonstrarem dificuldades em conciliar o esporte com outras demandas e informações cotidianas, que acabam tirando a atenção e a concentração das jogadoras durante treinamentos e competições.

Hoje têm muitas coisas que eu vejo, na parte psicológica das meninas, da atenção, do foco, que está muito disperso. Porque a criação delas é assim, elas possuem muita informação o dia inteiro. Então elas não prestam muita atenção, porque já está vindo outra, outra, outra. Eu peço as coisas hoje, amanhã elas já esqueceram porque elas já tiveram mais 20 informações antes de chegar de manhã. Então esse é um fator que eu vejo que ... mas eu não vejo que seja um contexto só da minha equipe, é com essa geração que está acontecendo isso. Elas são menos dedicadas ao basquete do que era antigamente. [...] Hoje tem muitos elementos, muitas coisas que chamam a atenção delas (Treinadora B).

Discussão

A transição não normativa causada pelas lesões no esporte resulta em afastamento temporário da modalidade para recuperação ou evitar o risco de disputar partidas importantes sob os efeitos de contusão, o que agravava o problema. As lesões esportivas acabam ocorrendo com muita frequência e, portanto, são mais previsíveis no desenvolvimento atlético do que o esperado de uma transição não normativa.

Similarmente às evidências encontradas neste estudo, investigação realizada com atletas russos de atletismo e ginástica11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412. constatou que todos os atletas entrevistados haviam sofrido com lesões esportivas em algum período de suas carreiras, fazendo com que a maioria, ao avançar nos níveis competitivos, sentisse as consequências desses traumatismos. A presença de lesões também foi constatada no desenvolvimento de atletas brasileiros1414. Samuel RD, Tenenbaum G. How do athletes perceive and respond to change-events: an exploratory measurement tool. Psychol Sport Exerc. 2011;12:392-406., norte-americanos1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95. e suecos1818. Costa VT, Ferreira RM, Penna EM, Costa IT, Paiva TNS, Samulski DM. Fases de transição da carreira esportiva: perspectiva de ex-atletas profissionais do futebol brasileiro. Conexões. 2010;8:84-103., de modalidades coletivas e individuais, demonstrando que lesões são frequentes no cenário esportivo, sejam elas de maior ou menor gravidade.

Muitos atletas têm suas carreiras promissoras marcadas ou até mesmo encerradas por problemas com lesões graves, o que torna difícil mensurar o impacto dessas lesões na vida cotidiana dos atletas devido à complexidade das variáveis situacionais, interpessoais e intrapsíquicas que são afetadas por elas1919. Pearson RE, Petitpas AJ. Transitions of athletes: developmental and preventive perspectives. J Couns Dev. 1990; 69:7-10.. No entanto, apesar de essas transições marcarem o desenvolvimento e a continuidade da carreira esportiva, o ambiente físico e social onde elas ocorrem também exerce importante efeito sobre o processo de desenvolvimento do atleta. Desse modo, os recursos materiais e humanos, assim como as características do contexto social, podem influenciar expressivamente o grau de dificuldade que uma transição representa1919. Pearson RE, Petitpas AJ. Transitions of athletes: developmental and preventive perspectives. J Couns Dev. 1990; 69:7-10..

As mudanças de cidade para atuar em outros clubes tiveram como consequências a dificuldade de adaptação a novas culturas, relações interpessoais e demandas de treinamento, que foram superadas por meio do gosto pela prática esportiva, do estreitamento das relações e do desejo de superar as dificuldades encontradas. Estudos em países como Espanha1313. Lorenzo A, Bórras PJ, Sánchez JM, Jiménez S, Sampedro J. Career transition from junior to senior in basketball players. Rev Psicol Deporte. 2009;18(Suppl):309-12., Estados Unidos1414. Samuel RD, Tenenbaum G. How do athletes perceive and respond to change-events: an exploratory measurement tool. Psychol Sport Exerc. 2011;12:392-406. e França1515. Debois N, Ledon A, Argiolas C, Rosnet E. A lifespan perspective on transitions during a top sports career: a case of an elite female fencer. Psychol Sport Exerc. 2012;13:660-8. também diagnosticaram a mudança de cidade ou de clube como transições marcantes na carreira esportiva de atletas de diferentes modalidades e níveis competitivos.

Apesar de gerarem dificuldades de adaptação, as mudanças de cidade e, principalmente, de clube, acabam sendo desejadas por muitos atletas que buscam crescer no esporte e renovar suas expectativas de melhores condições de treinamento e competição, bem como de ascensão na carreira esportiva. Todavia, a troca de treinadores representou uma transição que levou algumas atletas a pensarem em abandonar o esporte - e uma delas, inclusive, a abandonar a prática do basquetebol temporariamente, até que a treinadora retornasse. Além do retorno da treinadora citada, essa transição não normativa foi superada devido à adoção posterior de nova estratégia pela diretoria do clube: manter o mesmo treinador para cada grupo de atletas, desde a categoria mirim até a juvenil, fator que propicia a manutenção e o aprimoramento do trabalho desenvolvido com as equipes em longo prazo.

Outra transição que afeta o desenvolvimento da carreira esportiva é a intenção de convocação para as seleções estaduais, que quando não concretizada, acaba por desestimular as atletas, principalmente aquelas que se dedicam o ano inteiro e não são selecionadas pelos treinadores. Neste contexto, destaca-se que a ocorrência generalizada de transição não normativa de um jogador está nos resultados do sistema de seleção das equipes esportivas, e as consequências desse processo de seleção deixam marcas profundas sobre a autoestima, as relações interpessoais e as opções de vida dos ‘sobreviventes’ e dos ‘cortados’1919. Pearson RE, Petitpas AJ. Transitions of athletes: developmental and preventive perspectives. J Couns Dev. 1990; 69:7-10..

As transições relacionadas à mudança de cidade, de clube, de treinadores, bem como não fazer parte de um grupo selecionado, apresentaram como consequências o desejo de abandonar a modalidade, assim como o abandono temporário da prática esportiva, em alguns casos. Para superar a instabilidade causada pelas diferentes transições esportivas, os atletas frequentemente buscam apoio nas relações sociais estabelecidas ao longo da vida. Apesar do estresse gerado pelas transições ser fortemente influenciador em uma carreira esportiva, o suporte social fornecido aos atletas, seja em termos de apoio emocional ou conselhos sobre questões esportivas, tem sido reconhecido como fundamental para que eles enfrentem as barreiras do cotidiano atlético99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47.,1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95.. Além disso, o apoio emocional positivo advindo principalmente dos pais parece ter forte influência nesse processo, pois aumenta as chances de os atletas evoluírem para fases mais elevadas de suas carreiras1212. Wuerth S, Lee MJ, Alfermann D. Parental involvement and athletes’ career in youth sport. Psychol Sport Exerc. 2004;5:21-33..

Os primeiros passos de um atleta jovem no mundo do esporte organizado podem obrigá-lo a se adaptar às exigências de uma atividade esportiva e da especificidade da modalidade escolhida para especialização. Naturalmente, os efeitos de tais experiências são neutralizados pelo interesse e entusiasmo com a prática esportiva, bem como pela qualidade do apoio prestado por pais, treinadores e companheiros de equipe55. Wylleman P, Lavallee D, Alfermann D, editors. Career transitions in competitive sports. Biel: FEPSAC; 1999.. A decepção em torno das expectativas ou a falta de correspondência entre as ideias sobre os esportes, as especificidades da modalidade esportiva e o processo de treinamento se apresentam, consequentemente, como importantes barreiras na transição para a especialização esportiva77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37..

A superação dos desafios decorrentes da escolha do basquetebol enquanto modalidade a se especializar - como, por exemplo, os choques de horários entre os treinamentos e dias de competição do basquetebol com os de outras modalidades, ou a excessiva demanda exigida para o desenvolvimento de suas carreiras em outras modalidades - levou as atletas a optarem por abandonar as outras modalidades e se especializarem no basquetebol. As informações encontradas no presente estudo se relacionam com afirmações presentes na literatura consultada, em que uma das principais razões para adolescentes escolherem se especializar em uma atividade, em detrimento de outras, reside no valor positivo associado com a experiência vivenciada2020. Côté J. The influence of the family in the development of talent in sport. Sport Psychol. 1999;13:395-417.. Portanto, a qualidade geral da experiência esportiva inicial deve ser positiva para garantir que esses jovens permaneçam envolvidos com determinado esporte.

A adaptação às exigências no ambiente esportivo representa uma transição importante no que diz respeito ao conhecimento de novas rotinas de treinamento e grupo de atletas. Na literatura consultada, há a recomendação de que o fornecimento de informações aos jovens atletas sobre as especificidades do treinamento e o incentivo, independentemente do sucesso ou do fracasso competitivo, pode criar atmosfera confortável de apoio, tanto dentro quanto em torno do grupo esportivo55. Wylleman P, Lavallee D, Alfermann D, editors. Career transitions in competitive sports. Biel: FEPSAC; 1999..

As informações obtidas revelaram que as atletas de basquetebol, apesar de se dedicarem e serem disciplinadas com a prática esportiva, não abriam mão de sua formação escolar. Neste sentido, observou-se que as jogadoras buscavam organizar sua rotina ou, até mesmo, priorizar os estudos em relação à prática esportiva, a fim de não ficarem defasadas em suas formações acadêmicas. Resultados diferentes foram encontrados em investigação realizada com jovens atletas de futebol, a qual verificou que a maioria destes se encontrava atrasada em relação à série correspondente à sua idade ou, ainda, que alguns atletas interromperam os estudos em prol do esporte1010. Marques MP, Samulski DM. Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2009;23:103-19.. Contudo, faz-se importante destacar que tal diferença pode estar fortemente atrelada às perspectivas de futuro financeiro vislumbradas para cada modalidade, uma vez que os atletas de futebol podem idealizar que o esforço dedicado ao esporte pode lhes conferir benefícios futuros em suas carreiras. As atletas de basquetebol, diante da realidade esportiva nacional da modalidade, possuem determinada compreensão de que, se suas carreiras não evoluírem ou não forem bem recompensadas, deverão estar preparadas para atuar em outras áreas do mercado de trabalho.

Contrariamente a algumas informações obtidas durante as entrevistas, estudo realizado no contexto inglês detectou ausência de apoio por parte da escola e falta de compreensão dos professores em relação à necessidade de que os atletas se ausentassem de algumas aulas para se dedicarem a determinados compromissos esportivos99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47.. Desta forma, observaram-se impacto negativo da participação esportiva sobre o desempenho escolar (dificuldade em se preparar devido às épocas de exame corresponderem à temporada de eventos esportivos) e, ao mesmo tempo, impacto negativo da escola sobre a participação esportiva (exames escolares que impediam a participação em algumas competições importantes).

A transição para uma formação esportiva intensiva gera nos atletas a necessidade de se esforçarem cada vez mais para obterem níveis mais elevados de realização esportiva, o que implica em participar de treinamentos mais intensos (carga horária, física e psíquica) e em aprender a lidar com as exigências crescentes dos níveis competitivos maiores. Na transição para um treinamento intenso, o atleta passa a ser considerado um ‘futuro talento’, pois são acrescentadas novas e mais difíceis metas esportivas a seu cotidiano de preparação, além de maiores níveis de concorrência, com predominância de preparação mais intensificada que passa a exigir crescentes níveis de cargas físicas e psicológicas77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.. A literatura consultada tem indicado que os atletas que conseguem superar as crises vinculadas ao início da especialização esportiva conseguem evoluir para uma formação mais intensificada no esporte escolhido, ao passo que aqueles que não conseguem lidar com essas barreiras continuam no mesmo nível, progridem mais lentamente ou simplesmente abandonam a participação esportiva competitiva77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.

8. Brandão MRF, Akel MC, Andrade SA, Guiselini MAN, Martini LA, Nastás MA. Causas e conseqüências da transição de carreira esportiva: uma revisão de literatura. Rev Bras Cienc Mov. 2000;8:49-58.

9. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47.

10. Marques MP, Samulski DM. Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2009;23:103-19.
-1111. Salmela JH. Stages and transitions across sports careers. In: Hackfort D, editor. Psycho-social issues and interventions in elite sports. Frankfurt: Lang; 1994. p.11-28..

Assim como nas demais transições, a rede de apoio psicológico (treinador, família, colegas) deve fornecer atenção especial ao desenvolvimento gradual da carreira e de outras esferas da vida, além de oferecer maior apoio aos atletas para que progridam para um nível esportivo mais elevado55. Wylleman P, Lavallee D, Alfermann D, editors. Career transitions in competitive sports. Biel: FEPSAC; 1999.. Similar aos relatos encontrados na presente investigação, um estudo realizado com atletas russos de alto nível diagnosticou que o apoio emocional em situações difíceis de suas carreiras esportivas, advindo de treinadores, pais e amigos, além de psicólogos, médicos, massagistas e, mais raramente, administradores, foi fundamental para que conseguissem superar as barreiras enfrentadas e avançar no desenvolvimento de suas carreiras77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37..

Se na transição anterior o desafio de vincular a prática esportiva com o estudo era superado com a ausência nos treinamentos, na transição para o treinamento especializado intenso a estratégia utilizada pelas atletas para superar o vínculo entre o esporte e outras esferas da vida foi a de reorganizar os horários de estudo e buscar recuperar o conteúdo das aulas com os colegas.

A transição para níveis mais elevados da carreira esportiva exigiu muito trabalho e determinação das atletas investigadas para a obtenção de resultados, assim como maior dedicação de tempo ao esporte e consequente redução de tempo dedicado ao lazer, o que corrobora os achados de alguns estudos realizados com atletas ingleses de hipismo99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47., espanhóis de basquete1313. Lorenzo A, Bórras PJ, Sánchez JM, Jiménez S, Sampedro J. Career transition from junior to senior in basketball players. Rev Psicol Deporte. 2009;18(Suppl):309-12. e brasileiros de futsal1010. Marques MP, Samulski DM. Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Rev Bras Educ Fis Esporte. 2009;23:103-19.. As transições enfrentadas pelos atletas ao longo de suas carreiras esportivas revelam, cada vez mais, a importância de se conseguir combinar as demandas da vida social, do estilo de vida e dos estudos com as demandas cada vez mais exigentes do contexto esportivo1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95..

Nesta perspectiva, tem-se acreditado que a tarefa de conciliar esporte e outras demandas importantes da vida se torna fundamental para que os atletas progridam (ou não) em direção a novas transições em suas carreiras77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37.,1111. Salmela JH. Stages and transitions across sports careers. In: Hackfort D, editor. Psycho-social issues and interventions in elite sports. Frankfurt: Lang; 1994. p.11-28.. Neste caso, os atletas que adotam novo conjunto de comportamentos, crenças e atitudes, bem como que alcançam grande sucesso em competições nesse momento, conseguem mais facilmente superar essas transições. Por outro lado, os atletas que não conseguem superá-las abandonam o esporte, com argumento principal de que necessitam concentrar maiores esforços em outros problemas importantes da vida.

Os níveis de exigência física, técnico-tática e psicológica tendem a aumentar progressivamente no decorrer do desenvolvimento da carreira esportiva do atleta. A transição para o nível mais alto do esporte competitivo (categoria adulta) requer que os atletas executem de forma consistente o máximo de suas habilidades, durante o maior período de tempo possível. Para que isto se concretize, entretanto, se faz necessário dedicar um período quase que exclusivo da vida para a preparação e participação em competições, bem como receber suporte e apoio da família e orientação do treinador e de outros especialistas55. Wylleman P, Lavallee D, Alfermann D, editors. Career transitions in competitive sports. Biel: FEPSAC; 1999..

Tendo em vista que a transição da categoria juvenil para a adulta é fundamental para os atletas que almejam chegar ao nível de elite, é importante reconhecer que esta transição particular não se refere apenas ao contexto esportivo, pois também inclui novos desafios e demandas em níveis psicológico, psicossocial e acadêmico-profissional11. Stambulova N, Alfermann D, Statler T, Côté J. Career development and transitions of athletes. Int J Sport Exerc Psychol. 2009; :395-412.. Quando os atletas iniciam sua participação em competições adultas ou passam a treinar com colegas dessa categoria, entram em uma fase que exige correspondência com uma série de novas exigências, a fim de permanecer com êxito no esporte1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95..

Em investigação que estudou as transições da carreira esportiva de atletas suecos praticantes de modalidades individuais também foi revelado que os recursos pessoais, como processo de enfrentamento, motivação, autoexpectativas e competências pessoais, tornam-se fundamentais para superar as transições negativas1616. Stambulova N, Franck A, Weibull F. Assessment of the transition from junior-to-senior sports in Swedish athletes. International Journal of Sport and Exercise Psychology. 2012;10:79-95.. Além disso, destaca-se que, após a superação dessa transição esportiva, os objetivos esportivos se tornam os principais objetivos de vida, bem como os estilos de vida se tornam subordinados ao esporte, o que exige aquisição de maiores experiências esportivas, maturidade pessoal e ampliação da personalidade atlética77. Stambulova NB. Developmental sports career investigations in Russia: a post-perestroika analysis. Sport Psychol. 1994;8:221-37..

Considerando que o desenvolvimento de atletas tem sido tradicionalmente centrado no desenvolvimento do jogador em nível esportivo, a abordagem integral da pessoa, tendência presente na literatura atual, examina a carreira esportiva como uma interação recíproca entre o desenvolvimento no domínio atlético e o desenvolvimento em outras áreas da vida2121. Henriksen K. The ecology of talent development in sport: a multiple case study of successful athletic talent development environments in Scandinavia [thesis]. Odense (DK): University of Southern Denmark, Faculty of Health Sciences; 2010.. É importante ressaltar que os estudos de transições não devem destacar apenas a natureza interativa de transições em diferentes domínios da vida esportiva dos atletas, mas também as transições não esportivas que podem afetar o desenvolvimento da carreira destes22. Wylleman P, Alfermann D, Lavallee D. Career transitions in sport: European perspectives. Psychol Sport Exerc. 2004;5:7-20..

Os fatos que acontecem em torno do atleta, relacionados às suas interações sociais, podem afetar intensamente o desempenho esportivo. Problemas como doenças, brigas e perda de entes queridos influenciam negativamente, mesmo que temporariamente, a evolução específica no cenário esportivo. Assim como no presente estudo, o falecimento de membro da família também foi identificado, em estudo realizado com atletas paranaenses de atletismo, como evento não normativo ocorrido na trajetória esportiva - o qual, por sua vez, também afetou a percepção e o envolvimento desses indivíduos com o esporte competitivo2222. Vieira JLL. O processo de abandono de talentos do atletismo do Estado do Paraná: um estudo orientado pela teoria dos sistemas ecológicos [tese]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Educação Física e Esportes; 1999..

No que se refere às transições psicológicas normativas, os treinadores informaram que, na transição entre a infância e a adolescência, as atletas têm apresentado queda nos níveis de coordenação, além de diversas mudanças físicas que necessitam de acompanhamento minucioso para que se consiga manter e, até mesmo, melhorar seus desempenhos, mesmo com as transformações ocorridas durante o processo de transição. Além disso, atletas e treinadores reforçam que, na transição da adolescência para a vida adulta, existem muitas cobranças, principalmente dos familiares, acerca da preparação para o ingresso no Ensino Superior e da necessidade de auxílio nas despesas domésticas. Soma-se a isso, também, a necessidade dos próprios atletas terem vida social mais ativa. As transições vivenciadas no final da adolescência reforçam que esta última está fortemente atrelada às transições acadêmicas e psicossocias vivenciadas pelas atletas, bem como às transições entre as categorias de base e adulta.

A literatura consultada reforça que, quando um atleta experiencia uma transição do domínio esportivo para níveis mais elevados de exigências de rendimento, ele frequentemente experimenta a transição psicológica relacionada ao início da idade adulta e a transição acadêmica que diz respeito ao ingresso no Ensino Superior, o que contribui para a criação de múltiplas situações difíceis na vida do jogador99. Pummell B, Harwood C, Lavallee D. Jumping to the next level: a qualitative examination of within-career transition in adolescent event riders. Psychol Sport Exerc. 2008;9:427-47..

Os resultados referentes às transições esportivas e não esportivas vivenciadas pelas atletas de basquetebol investigadas revelaram evidências importantes acerca das barreiras ou desafios, das consequências e dos recursos de enfrentamento utilizados pelas jogadoras de categorias de formação para evoluir na carreira esportiva.

As transições esportivas não normativas vivenciadas corresponderam às lesões, às mudanças e à não seleção esportiva, ao passo que as normativas relacionaram-se ao início da especialização esportiva, ao treinamento especializado intenso e ao início de participação na categoria adulta. As transições não esportivas, por sua vez, atrelaram-se às transições acadêmicas e profissionais, psicossociais e psicológicas.

As evidências encontradas destacaram o enfrentamento de desafios em torno da vivência simultânea de transições esportivas e não esportivas. Ao mesmo tempo que vivenciavam a transição da iniciação para a especialização, as atletas passavam por transições da infância para a adolescência. Além disso, ao vivenciarem transições para o treinamento especializado mais intenso, as atletas investigadas experienciaram importantes transições psicossociais (referentes ao convívio social e lazer), bem como acadêmicas (passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio). De modo similar, ao transitarem das categorias de base para a adulta, as jogadoras passaram por transições nos relacionamentos afetivos (namoro) e no âmbito acadêmico (passagem do Ensino Médio para o Ensino Superior).

A relação entre as transições esportivas normativas e as transições acadêmicas e profissionais foi crucial para o desenvolvimento das atletas no clube de basquetebol investigado, considerando que as transições nos níveis educacionais possibilitou, para esse grupo, a continuidade de participação em importantes competições escolares ou o ingresso em competições universitárias, bem como o recebimento de bolsas de estudos que se caracterizam como importante incentivo para a manutenção da prática esportiva e para a dedicação ao basquetebol.

Os resultados demonstraram, ainda, que as transições vivenciadas nos diferentes domínios desencadearam o interesse de abandono ou o afastamento temporário da modalidade, bem como a necessidade de adaptação a novas culturas, relações interpessoais, demandas de treinamento e cargas físicas e psicológicas. Considerando a vinculação do esporte com outras esferas de vida, foi exigido às atletas que, a cada transição, as metas esportivas correspondessem progressivamente a seus objetivos de vida.

Os principais recursos disponibilizados, independente da transição vivenciada, corresponderam a fatores intrínsecos (maior seriedade, motivação e maturidade pessoal) e extrínsecos (possibilidade de treinar com atletas mais experientes, recebimento de auxílio financeiro e de bolsas de estudo, apoio informativo e emocional de colegas, treinadores e familiares). Observou-se, também, que a manutenção do acompanhamento dos treinadores em relação cada grupo de atletas nas diferentes categorias possibilitou às atletas superarem a barreira referente às mudanças constantes de treinadores e à exigência de adaptação ao trabalho destes.

Diante da carência de investigações relacionadas às transições nos domínios esportivos e não esportivos na realidade nacional, sugere-se a ampliação de investigações com atletas em formação ou profissionais, de diferentes regiões brasileiras ou de seleções de categorias de base e adulta. Além de avançarem na compreensão das consequências dessas transições para a carreira esportiva, tais estudos podem auxiliar na identificação dos recursos e das estratégias mais utilizadas para superá-las.

Por fim, destaca-se que o estudo apresentou como limitação a falta de acompanhamento longitudinal das transições esportivas e não esportivas das atletas ao longo de suas trajetórias, haja vista ter sido realizado apenas um recorte temporal, em que as atletas recordaram aspectos específicos de suas experiências, por meio da memória de vivências que se apresentaram mais significativas. Além disso, ao considerar que a coleta de dados se concentrou em apenas um único clube esportivo (estudo de caso), recomenda-se cautela na generalização, para outros contextos, das evidências encontradas.

Agradecimentos

Os pesquisadores agradecem aos membros do clube de basquetebol (dirigentes, treinadores, atletas) pela colaboração no presente estudo, bem como as agências de financiamento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelas bolsas de estudo de demanda social fornecida aos pesquisadores pós-graduandos e pelo financiamento para a realização do presente estudo, respectivamente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Abr 2014
  • Revisado
    19 Jan 2015
  • Aceito
    05 Maio 2015
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