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O mito do herói: uma análise a partir do discurso da Folha de S.Paulo acerca do caso Ronaldo na Copa do Brasil de 2009

Resumo

O objetivo deste artigo consiste em analisar e discutir como o jornal Folha de S. Paulo retratou a imagem de Ronaldo nas matérias publicadas durante a disputa e após a conquista da Copa do Brasil de 2009. Metodologicamente, o presente estudo é caracterizado como uma pesquisa histórica, pautada pelos procedimentos da história do tempo presente e o material de análise foi constituído pelo caderno de esportes da Folha de S. Paulo. Notamos que o jornal elabora o discurso através de um protagonismo implícito no histórico de conquistas e fracassos do atleta, demonstrando Ronaldo como um sujeito consolidado no campo esportivo e associando sua imagem como modelo de representação social.

Palavras-chave:
Heroísmo; Imprensa; Futebol; Cultura nacional

Abstract

This article's purpose is to analyze and discuss how the newspaper Folha de S. Paulo portrayed Ronaldo's image in articles published during the contest and after winning 2009 Brazil's Cup. Methodologically, this study is characterized as a historical research guided by the procedures of the history of the present time. The analysis material was constituted by the Folha de S. Paulo newspaper's sports section. We note that the paper elaborates its discourse through a protagonist role implicit in the athlete's history of achievements and failures, demonstrating Ronaldo as an established subject in the sports field and associating his image to a model for social representation.

Key Words:
Heroism; Press; Football; National culture

Introdução

As constantes transformações que permeiam o futebol ao longo da história, o enquadram atualmente no contexto denominado de esporte espetáculo11. Proni MW. Esporte-espetáculo e futebol-empresa [tese]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física; 1998.. Sua referência como parte da identidade nacional, difundida durante anos como algo caracteristicamente brasileiro permitiu a consolidação do campo esportivo na relação com o campo econômico, político e social22. Gastaldo EL. “Os campeões do século”: notas sobre a definição da realidade no futebol-espetáculo. Rev Bras Ciênc Esporte. 2000;22:105-24..

Tais modificações estruturais na maneira de gerenciar o futebol reelaboraram a cultura esportiva, gerenciada por práticas mercadológicas que denominamos de indústria cultural de entretenimento33. Damo AS. Dom, amor e dinheiro no futebol espetáculo. Rev Bras Ciênc Soc. 2008;23:139-209.. A ideia identificatória construída historicamente a partir da ideologia saudosista de “país do futebol”, aparentemente é utilizada na atualidade como forma de atingir o imaginário do torcedor que é permeado pela paixão clubista44. Ribeiro LC. O futebol no campo afetivo da história. Movimento. 2004;10:99-111..

Nesse sentido, a imprensa esportiva constitui-se como a ligação entre os agentes presentes no efetivo exercício do futebol e o público que consome o esporte. É por meio dos veículos de comunicação que a informação é difundida e que, em conjunto com a ideologia implícita em cada sujeito, influencia na formação de opinião da sociedade a qual pertence55. Costa LM. Futebol folhetinizado: a imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia. Rev Logos. 2010;17:65-77. (Comunicação e Esporte; 33)..

Em uma perspectiva contemporânea, o futebol, como produto de uma reelaboração cultural, encontra no atleta um referencial de conduta que aproxima o torcedor de uma realidade na qual ele se identifica e passa a admirar66. Rubio K. O imaginário da derrota no esporte contemporâneo. Psicol Soc. 2006;18:86-91.. Isso decorre da trajetória que percorre o herói, superando obstáculos, vencendo desafios e conquistando objetivos77. Rubio K. O trabalho do atleta e a produção do espetáculo esportivo. Rev Eletrônica Geogr Ciênc Soc. 2002;6. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn119-95.htm.
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O herói esportivo moderno é, então, uma representação social enquadrada nas complexas relações que regem o futebol88. Helal R, Soares AJ, Lovisolo H. A invenção do país futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad; 2001.99. Rubio K. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicológo; 2001.. Permitindo com que discursos sejam elaborados (e reelaborados) a fim de afetar a formação de opinião do público que consome o esporte1010. Costa LM. Notícias esportivas: entre o jornalismo e a literatura. Anais do Silel. 2011;2:1-16. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/silel2011/1516.pdf.
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A partir de uma compreensão inicial do estabelecimento da relação entre heroísmo, mídia e futebol, definiu-se a seguinte problemática: como o jornal Folha de S. Paulo retratou a imagem de Ronaldo nas matérias publicadas durante a disputa e após a conquista da Copa do Brasil de 2009?

O futebol galgou também um papel importante enquanto fenômeno científico, sobretudo nacionalmente, apresentando inúmeras relações de poder e controle social, além de proporcionar representações sociais capazes de afetar variados grupos interligados ao campo esportivo77. Rubio K. O trabalho do atleta e a produção do espetáculo esportivo. Rev Eletrônica Geogr Ciênc Soc. 2002;6. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn119-95.htm.
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. Portanto, é consensual que o futebol colabora na interpretação da sociedade brasileira em um contexto mais amplo.

Tendo em vista a representação de Ronaldo no futebol mundial e sua trajetória permeada por conquistas e fracassos, o objetivo deste artigo consiste em analisar e discutir como o jornal Folha de S. Paulo retratou a imagem do até então atleta nas matérias publicadas durante a disputa e após a conquista da Copa do Brasil de 2009.

Método

Metodologicamente, o presente estudo é caracterizado como uma pesquisa histórica, pautada nos procedimentos da história do tempo presente, a qual se define como uma história inacabada, na qual o autor vive o tempo do seu próprio objeto1111. Ferreira MM, Amado J. Uso e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas; 1998..

O material de análise (fontes históricas) foi constituído pelo caderno de esportes de um jornal de repercussão nacional, a Folha de S. Paulo, considerada um dos veículos de comunicação impresso/online de maior circulação no Brasil. Este periódico está diariamente disponível nas bancas de jornal, também por meio de assinatura mensal e/ou na internet pelo portal UOL1212. Moreira TS, Marchi Junior W. Mídia impressa: construção de uma preferência nacional esportiva em questão. I Semi-nário Nacional Sociologia e Política; 2009; Curitiba, PR. Curitiba: UFPR; 2009..

A delimitação temporal consistiu entre o início do mês de maio quando o Sport Club Corinthians Paulista iniciou a fase de oitavas de final da competição frente ao Clube Atlético Paranaense e o início do mês de julho, logo após o clube paulista ter conquistado o campeonato, totalizando 10 matérias entre capas, reportagens e imagens. Tal escolha do período ocorreu devido à repercussão das atuações de Ronaldo na competição ter se intensificado nesse intervalo de tempo. Optamos por não abordar toda a competição devido à necessidade de uma análise aprofundada do material selecionado, tentando eliminar o risco de uma reflexão superficial. Por último reiteramos que a temática abordada diz respeito ao recorte de uma pesquisa maior, sendo subproduto da dissertação de mestrado que concluímos em 2013.

Balizando a análise das fontes históricas, utilizamos os pressupostos teóricos de Campbell1313. Campbell J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento; 1997. referentes à teoria do mito do herói, definido pelo autor como um ciclo no qual o candidato a herói passa pelo limiar da aventura, enfrentando desafios, superando obstáculos e retornando ao limiar, trazendo a seu povo o “elixir” da vitória. Subdividimos as análises em dois momentos, primeiramente analisando a competição entre as fases de oitavas de final até as semifinais e posteriormente as finais.

Resultados e discussão

A representação do protagonista: alguns apontamentos

Na notícia “Corinthians testa poder de reação” de 6 de maio de 2009, Paulo Galdieri1414. Galdieri P. Corinthians testa poder de reação. Folha de S. Paulo. 6 mai. 2009; Esporte; D4. da Folha de S. Paulo apresentou uma ilustração de Ronaldo, em encontro com o ator Hugh Jackman - Wolverine, em que ambos seguravam uma camiseta com os dizeres: “Eu sou indestrutível!”. O encontro ocorreu no período em que Ronaldo já havia superado as incertezas de sua “nova” recuperação como atleta, retratando-o então como a esperança corintiana na disputa das oitavas de final da Copa do Brasil contra o Clube Atlético Paranaense. Essa notícia, juntamente com a imagem, aborda implicitamente a representação de tal competição nacional para o calendário corintiano e a responsabilidade do esportista frente ao desafio, já que o periódico aparenta se pautar na figura de Ronaldo como a principal referência do clube na luta por esta conquista nacional.

FIGURA 1
Ronaldo e o ator Hugh Jackman.

No ideal dos Jogos Olímpicos helênicos, a vitória estava relacionada com a superação dos próprios limites, não com a derrota de um adversário. Porém, com o desenvolvimento do esporte moderno, passou-se a valorizar a performance pela conquista do primeiro lugar. Assim, superar o adversário tornou-se mais importante do que superar os próprios limites66. Rubio K. O imaginário da derrota no esporte contemporâneo. Psicol Soc. 2006;18:86-91..

A associação da imagem com o texto atribui ao esportista a responsabilidade pelo êxito1515. Capraro AM, Scheliga G, Cavicchioli F, Mezzadri, F. A imagem do atleta: publicidade em ano de Copa do Mundo de Futebol (Alemanha - 2006). Rev Bras Educ Fís Esporte. 2011;25:163-71.. Tal estratégia se justifica devido ao capital simbólico do atleta perante a mídia, a torcida e o campo esportivo em geral. A ilustração elabora o discurso através da correlação do herói “indestrutível” e suas próprias características, revelando não só a capacidade de vencer, mas também de não desistir e reerguer-se, construindo a identidade social via o sentimento de superação pelo esporte77. Rubio K. O trabalho do atleta e a produção do espetáculo esportivo. Rev Eletrônica Geogr Ciênc Soc. 2002;6. Disponível em: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn119-95.htm.
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Essa referência que o atleta se tornou, no contexto esportivo corintiano, pode ser um dos motivos que justificaria a escolha do jornal em usar Ronaldo como protagonista das notícias sobre o clube paulista. Entretanto, é necessário entender que a relação entre história e memória afeta a exposição da imagem de Ronaldo pelo jornal, já que sua figura influencia a noção de identidade nacional, construída1616. Helal R Santoro MA, Soares AJ. Futebol, imprensa e memória. Rev Front. 2004;6:61-78. por meio de uma cultura futebolística voltada ao consumo, ou seja, a veiculação da imagem do atleta tem por objetivo atingir o leitor que se identifica com o sujeito que supera obstáculos e que irá representar o clube em um desafio de relevância considerável22. Gastaldo EL. “Os campeões do século”: notas sobre a definição da realidade no futebol-espetáculo. Rev Bras Ciênc Esporte. 2000;22:105-24..

Na reportagem intitulada “Ronaldo marca 2 e classifica o Corinthians”, publicada pela Folha de S. Paulo em 7 de maio de 20091717. Galdieri P. Fenômeno se reapresenta ao Brasil: Ronaldo faz 2 no Atlético-PR e classifica Corinthians para as quartas de final da competião que é a sua prioridade para o ano. Folha de S. Paulo. 7 mai. 2009; Esporte; D1., o periódico destacava que, com a concretização da classificação corintiana frente ao Clube Atlético Paranaense, nas oitavas de final da Copa do Brasil, a responsabilidade principal da vitória coube ao atacante, pois este havia marcado dois gols e classificado o Corinthians para a fase seguinte da competição.

Na vitória o processo de mitificação do herói aparenta ser natural, já que a responsabilidade antes da concretização do feito já recaia sobre aquele no qual todos depositavam suas expectativas. O contexto no qual o fato se insere é explorado pelo jornal, no sentido de atribuir representação para o discurso1818. Da Costa FR, Ferreira Neto A, Soares AJG. Crônica esportiva brasileira: histórico, construção e cronista. Pensar Prát. 2007;10:15-31.. Isso resulta na elaboração da narrativa através do sentimentalismo que apresenta o futebol em um processo histórico, perpassado pela iniciação do jornalismo esportivo com as crônicas até o tempo presente, caracterizado pelo espetáculo esportivo contemporâneo88. Helal R, Soares AJ, Lovisolo H. A invenção do país futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad; 2001..

A tentativa de atribuir representação ao discurso constitui uma estratégia que, constantemente, utiliza a imagem de Ronaldo para elaborar o cenário da partida. No sucesso ou no fracasso, a figura do esportista consolidado no campo esportivo permeia as análises do jornal, devido ao interesse da cultura midiática em enquadrar-se nas práticas de consumo do esporte espetáculo1919. Costa LM. A trajetória da queda: as narrativas da derrota e os principais vilões da seleção brasileira em Copas do Mundo [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2008..

Paulo Galdieri1717. Galdieri P. Fenômeno se reapresenta ao Brasil: Ronaldo faz 2 no Atlético-PR e classifica Corinthians para as quartas de final da competião que é a sua prioridade para o ano. Folha de S. Paulo. 7 mai. 2009; Esporte; D1. destaca na notícia: “Fenômeno se reapresenta ao Brasil”, na Folha de S. Paulo de 7 de maio de 2009, que essa lógica confirma-se em outros exemplos, quando o periódico utiliza uma alcunha criada pela torcida em homenagem ao clube - “todo poderoso” -, para descrever o atleta. Retratado como o “fenômeno” que retornou ao Brasil, o esportista marcou os dois gols que classificaram o Corinthians paras as quartas de final da Copa do Brasil, prioridade da equipe no ano de 2009, demonstrando como a imagem do esportista pode ser utilizada a fim de beneficiar a comercialização do jornal a partir desse ideal de espetáculo esportivo, utilizando-se do esportista como protagonista dentro da indústria cultural de entretenimento.

As expressões utilizadas, para descrever a notícia, partem de uma estratégia que se interliga com a necessidade de manutenção dessa contextualização, da identidade futebolística brasileira pelo espetáculo. O jornal utiliza-se de termos que afetam o imaginário do torcedor através da paixão, sentimento exacerbado na identificação social, que o cenário heroico elaborado pela mídia gera ao elaborar o discurso.

Compreendemos que o periódico constrói a narrativa a partir do contexto e da ideologia implícitos na forma de elaborar o discurso. Tal análise possibilita entender que a transmissão de um fato pela mídia elabora-se de acordo com o interesse de cada instituição2020. Giglio S. Futebol: mitos, ídolos e heróis [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2007.. Devido a isso, o jornalismo esportivo caracteriza-se como um meio propício aos interesses ideológicos locais, apresentando o tema abordado em âmbitos diferentes55. Costa LM. Futebol folhetinizado: a imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia. Rev Logos. 2010;17:65-77. (Comunicação e Esporte; 33)..

A elaboração da narrativa, enaltecedora do feito heroico, é notória de acordo com as oportunidades apresentadas pela realidade social. A função do entretenimento é aproveitar-se do contexto, utilizando-se dos fatos para divulgar a informação por meio do sentimentalismo característico do futebol.

Afetar o cotidiano esportivo, estabelecido a partir da cultura de mídia, causa impactos na economia do futebol22. Gastaldo EL. “Os campeões do século”: notas sobre a definição da realidade no futebol-espetáculo. Rev Bras Ciênc Esporte. 2000;22:105-24.. Sendo este o interesse do jornal, a imagem de Ronaldo vai estar sempre atrelada aos fatos que cercam o clube. Quando não suficiente, os meios de comunicação se utilizam da privacidade do esportista para atingir a atenção dos leitores, através da figura identificatória do herói e, por vezes, do vilão2121. Helal R. A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro. Rev Alceu. 2003;7:19-36..

Ainda na notícia intitulada: “Fenômeno se reapresenta ao Brasil”, Paulo Galdieri1717. Galdieri P. Fenômeno se reapresenta ao Brasil: Ronaldo faz 2 no Atlético-PR e classifica Corinthians para as quartas de final da competião que é a sua prioridade para o ano. Folha de S. Paulo. 7 mai. 2009; Esporte; D1. afirmou na Folha de S. Paulo de 7 de maio de 2009, que Ronaldo salvou a equipe em mais uma partida ao marcar dois gols e eliminar o Atlético Paranaense da Copa do Brasil. Após a repercussão da vitória, o periódico definiu os possíveis adversários do clube paulista, na competição, como candidatos a parar o atleta e o Corinthians ou a tornarem-se vítimas do “fenômeno”, demonstrando, assim, a representatividade do esportista no processo competitivo no qual o clube se inseria.

Nas narrativas futebolísticas, as histórias se relacionam com o formato das disputas. Por exemplo, a Copa do Brasil é uma competição caracterizada por confrontos diretos, notabilizada pela representação de enfrentamento, batalha e desafio2222. Muller L. O herói: todos nascemos para ser heróis. São Paulo: Cultrix; 1987. - situações que permeiam o caminho heroico e facilitam a elaboração de um cenário mítico99. Rubio K. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicológo; 2001., que favoreça o discurso do jornal a partir do desenvolvimento dos fatos55. Costa LM. Futebol folhetinizado: a imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia. Rev Logos. 2010;17:65-77. (Comunicação e Esporte; 33)..

Além disso, o formato da competição permite que a construção das narrativas se realize, primariamente, a partir da superação ou do fracasso de uma disputa. Essa organização privilegia ainda mais a criação de um cenário no qual o protagonista da história é o herói1010. Costa LM. Notícias esportivas: entre o jornalismo e a literatura. Anais do Silel. 2011;2:1-16. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/silel2011/1516.pdf.
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. Entretanto, não devemos pensar a elaboração de estratégias discursivas enquadradas apenas pela caracterização do campeonato enquanto batalha direta, já que o heroísmo aparenta estar implícito também em outras formas nas narrativas expostas pelo jornal88. Helal R, Soares AJ, Lovisolo H. A invenção do país futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad; 2001..

Observamos a contínua elaboração de uma narrativa espetacularizada, que se constrói a partir do contexto, reforçando o enaltecimento pelos feitos do atleta. Paulo Galdieri2323. Galdieri P. Corinthians sente o peso do astro. Folha de S. Paulo. 13 mai. 2009; Esporte; D4., em notícia intitulada: “Corinthians sente peso do astro”, na Folha de S. Paulo de 13 de maio de 2009, afirmou que antes da partida pelas quartas de final da Copa do Brasil, contra o Fluminense, oito entre os 10 gols marcados por Ronaldo, no Corinthians, mudaram os resultados das partidas, aparentando novamente buscar razões que estabelecem o esportista como sujeito representativo na disputa.

O reconhecimento ao atleta, que tem o dom para jogar futebol, rememora a discussão do herói talentoso, que tem recursos técnicos para sair-se vitorioso nos desafios2020. Giglio S. Futebol: mitos, ídolos e heróis [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2007.. No entanto, emaranha-se também com características do heroísmo, no que tange a coragem em momentos decisivos, definindo-o também como superador de obstáculos intransponíveis1313. Campbell J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento; 1997..

A estratégia do periódico não é a de se apropriar de uma conceitualização cristalizada do herói, até porque tais características discursivas estão implícitas na maneira de narrar os fatos. Entretanto, a construção das notícias são elaboradas e reelaboradas de acordo com a ideologia que se aplica naquele determinado contexto, em que os fatos acontecem2424. Orlandi EP. Discurso, imaginário social e conhecimento. Em Aberto. 1994;14:53-9.2525. Orlandi EP. Exterioridade e ideologia. Cade Est Linguíst. 1996;30:27-33..

O periódico não se importa sobre como o heroísmo vai ser retratado na notícia e, portanto, não estabelece uma preferência conceitual acerca da teoria. Seu interesse está pautado no enaltecimento aos feitos de Ronaldo, procurando atingir o público de forma que a indústria cultural33. Damo AS. Dom, amor e dinheiro no futebol espetáculo. Rev Bras Ciênc Soc. 2008;23:139-209. supra as necessidades comerciais do campo esportivo, a partir da identificação dos sujeitos que se envolvem pela paixão futebolística55. Costa LM. Futebol folhetinizado: a imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia. Rev Logos. 2010;17:65-77. (Comunicação e Esporte; 33)..

É nesse sentido que entendemos porque a construção da notícia não é elaborada exclusivamente a partir dos níveis de competitividade de uma disputa. A necessidade comercial, estabelecida pelo desenvolvimento do futebol espetáculo, exige que o jornal crie mecanismos que envolvam o torcedor no consumismo que rege as práticas esportivas contemporâneas. Nesse sentido, o atleta como destaque individual, colabora na identificação dos sujeitos apaixonados pelo clube2626. Gastaldo EL. “O país do futebol” mediatizado: mídia e Copa do Mundo no Brasil. Sociologias. 2009;11:352-69..

Reforçar a imagem positiva de Ronaldo não significava apenas comparar seus feitos naquele momento com os realizados no passado; mas, também, entender a singularidade que cada fato possui para essa lógica neoliberal, imposta pela mercadorização do esporte, que se aproveita das oportunidades que o campo esportivo apresenta para elaborar suas narrativas.

Após a primeira partida pelas quartas de final da Copa do Brasil, frente ao Fluminense, Paulo Galdieri2727. Galdieri P. Rebaixados dão triunfo ao Corinthians: Felipe segura o ataque Fluminense e Dentinho assinala o gol da vitória em que Ronaldo passa em branco. Folha de S. Paulo. 14 mai. 2009; Esporte; D1. na Folha de S. Paulo de 14 de maio de 2009, afirmou: “Na competição mais relevante para a equipe no ano da volta à elite e quando Ronaldo passou uma rara noite em branco”.

O capital simbólico e a representação no cenário nacional permeiam uma narrativa diferenciada, na elaboração de notícias acerca do atleta1919. Costa LM. A trajetória da queda: as narrativas da derrota e os principais vilões da seleção brasileira em Copas do Mundo [tese]. Rio de Janeiro (RJ): Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2008.. Ao amenizar as derrotas e enfatizar as vitórias, o discurso do jornal está amarrado a questões políticas, implícitas nos interesses do campo esportivo e da cultura de mídia88. Helal R, Soares AJ, Lovisolo H. A invenção do país futebol: mídia, raça e idolatria. Rio de Janeiro: Mauad; 2001..

Para o jornal, a manutenção da imagem positiva do atleta perante o campo esportivo é válida, haja vista o fato de seu capital simbólico assegurar que sua representatividade no cenário esportivo não seria afetada pela análise do desempenho de uma partida.

O esportista tem representação consolidada no futebol, ao passo que o jornal necessita de figuras cristalizadas no cenário esportivo contemporâneo, para que haja interesse dos leitores nas narrativas expostas pelos meios de comunicação. O desempenho é importante no sentido do enaltecimento, porém, não se identifica como a única estratégia discursiva do periódico, no uso da imagem do esportista na construção das notícias2828. Cavalcanti EA, Capraro AM, Souza DL. “Cai o pano”: uma análise do encerramento da carreira de Ronaldo “fenômeno”a partir de duas mídias digitais esportivas. Movimento. 2011;17:175-92..

Compreendemos que, no futebol, a manutenção de um desempenho regular colabora para um contexto positivo, em que o esportista é protagonista. No entanto, como atleta reconhecido historicamente, Ronaldo é retratado até mesmo quando não atuou. A Folha de S. Paulo destacou na notícia: “Sem ter Ronaldo, Corinthians troca qualidade por força” em 27 de maio de 20092929. Galdieri P, Rangel S. Sem ter Ronaldo, Corinthians troca qualidade por força. Folha de S. Paulo. 27 mai. 2009; Es-porte; D2., que a ausência do atacante na primeira partida da semifinal, devido a uma lesão na panturrilha, representou um desfalque que surpreendeu a própria comissão técnica do Corinthians e que, consequentemente, mudou até mesmo a forma da equipe atuar, trocando a ideia de um futebol “técnico” para um estilo mais “bruto”.

Após a partida no estádio do Maracanã, Paulo Galdieri e Sérgio Rangel3030. Galdieri P, Rangel S. Sem Ronaldo, Corinthians erra o alvo e empata. Folha de S. Paulo. 28 mai. 2009; Esporte; D3. trataram novamente da ausência do atleta em uma reportagem intitulada: “Sem Ronaldo, Corinthians erra o alvo e empata” na Folha de S. Paulo de 28 de maio de 2009, na qual afirmam que, sem a presença do atacante, o Corinthians desperdiçou chances e empatou no primeiro confronto contra o Clube de Regatas Vasco da Gama. O relato retratava, ainda, que a equipe paulista foi para o Rio de Janeiro, tentando provar seu poder decisivo sem Ronaldo, mas fracassou.

A impossibilidade de Ronaldo jogar somada ao fato de, mesmo assim, o jogador ter sua imagem retratada nas notícias, revela como o jornal é capaz de alternar estratégias discursivas na elaboração das narrativas. A construção do cenário, explanando a ideia de uma correlação entre o fato do Corinthians ter falhado no setor ofensivo e a ausência do atleta, demonstram a intenção de aproximar o esportista do torcedor, tendo em vista a justificativa de que faltou o herói para que o rumo da partida fosse diferente.

A narrativa relaciona-se, mais uma vez, à questão do dom para a prática futebolística2020. Giglio S. Futebol: mitos, ídolos e heróis [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Estadual de Campinas; 2007.. Ao retratar que faltou efetividade ao Corinthians, na ausência de Ronaldo, percebemos que, ao atacante, foi atribuído o talento necessário para que a equipe tivesse êxito nas jogadas ofensivas. O herói, como responsável pela condução à vitória1313. Campbell J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento; 1997., também pode ser identificado na matéria em questão, já que, segundo o jornal, o clube paulista não conseguiu ser decisivo na ausência do esportista, gerando dúvida quanto a um possível rendimento da equipe quando Ronaldo não estivesse em campo.

Essa lógica comparativa e equiparativa permite-nos entender como o jornal tenta justificar o resultado, por meio da construção de uma narrativa que consolida o herói perante o público e o campo esportivo1515. Capraro AM, Scheliga G, Cavicchioli F, Mezzadri, F. A imagem do atleta: publicidade em ano de Copa do Mundo de Futebol (Alemanha - 2006). Rev Bras Educ Fís Esporte. 2011;25:163-71.. Tal contexto demonstra a constante busca por recursos que reelaboram as estratégias discursivas e mantêm o processo de formação da notícia, por meio da imagem de esportistas reconhecidos pela sociedade contemporânea1010. Costa LM. Notícias esportivas: entre o jornalismo e a literatura. Anais do Silel. 2011;2:1-16. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/silel2011/1516.pdf.
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Heroísmo e mitificação: a consolidação pela conquista

Segundo Muller2222. Muller L. O herói: todos nascemos para ser heróis. São Paulo: Cultrix; 1987. essa capacidade do herói, em apresentar soluções definitivas, norteia a confiança imposta pelos sujeitos que o cercam. Assim, a suposta dependência do Corinthians em relação ao atleta, não aparenta ser estritamente técnica, mas se relaciona, também, à representação edificada pela trajetória esportiva de Ronaldo.

Carolina Araújo e Paulo Galdieri3131. Araújo C, Galdieri P. Ronaldo supera gripe, brilha na hora agá e decide. Folha de S. Paulo. 18 jun. 2009; Esporte; D2. destacam na reportagem: “Ronaldo supera gripe, brilha na hora agá e decide” na Folha de S. Paulo de 18 de junho de 2009, que após recuperar-se da lesão na panturrilha e superar as fracas atuações nas quartas de final e no segundo confronto da semifinal, o atleta voltou a ser elogiado pelo jornal ao marcar um gol na primeira partida da final contra o Sport Club Internacional, demonstrando assim, como as narrativas permeiam-se pela emergência em que os fatos ocorrem.

Sendo o jornal considerado um terreno propício para a elaboração de um cenário mítico - que afeta o imaginário do torcedor via a identificação com a vitória, com o sentimento de luta, dedicação e coragem99. Rubio K. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicológo; 2001. -, fica cristalizada a possibilidade de fazer uso das oportunidades que o contexto apresenta. Essa narrativa estabelece um discurso baseado no enaltecimento à superação dos obstáculos, diferenciando-se de outras formas de abordagem, segundo as quais é necessária uma reelaboração discursiva, de acordo com o momento em foco55. Costa LM. Futebol folhetinizado: a imprensa esportiva e os recursos narrativos usados na construção da notícia. Rev Logos. 2010;17:65-77. (Comunicação e Esporte; 33)..

Assim, o jornal segue a lógica de se utilizar do simbolismo do mito para afetar a sociedade contemporânea, usando de narrativas que equiparam a vitória esportiva à realidade social dos sujeitos. Dessa forma, há uma continuidade do processo, em que o campo esportivo torna-se dependente da cultura midiática, a qual, por meio da difusão da imagem dos protagonistas, beneficia outros setores da economia nacional, fortalecendo a lógica do espetáculo esportivo embasado pelo consumismo3232. Pieper MA. O retorno do herói: Ronaldo fenômeno no cerne da constituição mítica e do comportamento midiático [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes; 2010..

Na mesma notícia, Carolina Araújo e Paulo Galdieri3131. Araújo C, Galdieri P. Ronaldo supera gripe, brilha na hora agá e decide. Folha de S. Paulo. 18 jun. 2009; Esporte; D2. afirmaram, também, que o atleta não fez uma partida brilhante, sendo pouco participativo, sem demonstrar lances geniais. No entanto, ainda de acordo com o periódico, Ronaldo foi decisivo e deixou o Corinthians mais próximo do título da Copa do Brasil.

A narrativa expõe o heroísmo, permeado pelo potencial decisivo do atleta. Nesse caso, não importa a qualidade técnica, o talento nem o dom para a prática esportiva. Interessa, sim, o viés da superação, da coragem, da persistência1313. Campbell J. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento; 1997., 2222. Muller L. O herói: todos nascemos para ser heróis. São Paulo: Cultrix; 1987., já que tais características apresentavam-se compatíveis com a imagem de Ronaldo, a ser retratada, naquele momento, pelo próprio periódico.

Tal análise corrobora com o que havíamos refletido anteriormente. As estratégias para elaboração da notícia interligam-se ao contexto apresentado pela situação, bem como à ideologia da cultura de mídia. Tais características, funcionalmente, correlacionam-se aos interesses comerciais implícitos na lógica da indústria de entretenimento3333. Gurgel A. Desafios do jornalismo na era dos megaeventos esportivos. Motrivivência. 2009;21:193-210..

Na notícia: “Ronaldo tenta preencher lacuna em seu currículo”, publicada na Folha de S. Paulo de 1° de Julho de 2009, Paulo Galdieri3434. Galdieri P. Ronaldo tenta preencher lacuna em seu currículo. Folha de S. Paulo. 1 jul. 2009; Esporte; D1. reflete acerca da possibilidade de Ronaldo vencer o primeiro campeonato nacional no Brasil, afirmando que o atleta tentaria seu primeiro título em sua terra natal, conquistando algo inédito em sua carreira futebolística. Essa chamada do jornal demonstra o caráter mítico que uma possível conquista impactaria na imagem do atleta, consolidando-o ainda mais no cenário esportivo brasileiro.

A trajetória heroica é permeada por desafios que objetivam provar se o candidato ao posto pode mesmo exercê-lo. Tais batalhas consistiriam em demonstrar se o esportista está à altura da tarefa, se poderá suportar os perigos e se terá conhecimento, coragem e capacidade para transpor o desconhecido, tornando a jornada parte importante da vida99. Rubio K. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicológo; 2001..

A notícia apresenta a significação simbólica para uma possível conquista do atleta. Expressões como: “buscar”, “conquistar” e “tentar”, são termos que possibilitam uma análise a partir da utilização da imagem do jogador como protagonista na construção do cenário jornalístico1010. Costa LM. Notícias esportivas: entre o jornalismo e a literatura. Anais do Silel. 2011;2:1-16. Disponível em: http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/silel2011/1516.pdf.
http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/...
.

A narrativa foi elaborada a partir da oportunidade de utilizar o fato de o atleta não ter vencido uma competição nacional, para consagrar a figura do herói pela realização de um feito então inédito. Tal estratégia proporcionaria uma identificação ainda maior do público com o esportista, atingindo os objetivos comerciais propostos pela cultura midiática3232. Pieper MA. O retorno do herói: Ronaldo fenômeno no cerne da constituição mítica e do comportamento midiático [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes; 2010..

O herói personifica, portanto, a figura com a qual muitos sujeitos se identificam, sendo considerado o ideal de ser humano, que não só é tomado, por exemplo, para uma maioria, como também aparece enquanto defensor da nossa própria causa. Solidarizamos com as suas batalhas, os seus medos e sofrimentos; com as suas vitórias e derrotas; enfim, com a sua luta pela sobrevivência2222. Muller L. O herói: todos nascemos para ser heróis. São Paulo: Cultrix; 1987..

Segundo a Folha de S. Paulo3535. Folha Online. Ronaldo “preenche currículo” e obtém primeiro título nacional no Brasil. Folha de S. Paulo. 1 jul. 2009; Esporte. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2009/07/589215-ronaldo-preenche-curriculo-e-obtem-primeiro-titulo-nacional-no-brasil.shtml.
http://www1.folha.uol.com.br/esporte/200...
, em notícia intitulada: “Ronaldo “preenche currículo' e obtém primeiro título nacional no Brasil”, publicada em 1° de julho de 2009, após a conquista da Copa do Brasil, o atleta preencheu o currículo com um título inédito na sua carreira, confirmando a hipótese lançada na notícia do dia anterior.

A imagem do atleta atrelada à figura heroica, que venceu os desafios pessoais e retornou ao futebol em nível competitivo, é a típica narrativa utilizada pelos meios de comunicação a fim de enaltecer e consolidar um esportista2828. Cavalcanti EA, Capraro AM, Souza DL. “Cai o pano”: uma análise do encerramento da carreira de Ronaldo “fenômeno”a partir de duas mídias digitais esportivas. Movimento. 2011;17:175-92.. Manter a figura mítica em evidência, diante de um momento que celebra a vitória, tornou-se a estratégia discursiva tradicional, que permeia a difusão da informação, combinando-se aos interesses da mídia em consonância com o campo esportivo1515. Capraro AM, Scheliga G, Cavicchioli F, Mezzadri, F. A imagem do atleta: publicidade em ano de Copa do Mundo de Futebol (Alemanha - 2006). Rev Bras Educ Fís Esporte. 2011;25:163-71..

A vitória é considerada, então, um componente importante na construção de histórias que se centralizam em um cenário heroico. Sentimentos, como o sofrimento e a paixão, conduzem à identificação dos torcedores com atletas consagrados por trajetórias consolidadas no futebol espetáculo, o qual se pauta na prática de consumo da indústria cultural de entretenimento.

De acordo com o objetivo inicial de analisar e discutir como a Folha de S. Paulo retratou Ronaldo no período de disputa e após a conquista da Copa do Brasil, notamos que devido à representação do esportista no cenário esportivo mundial o jornal elabora o discurso de um protagonismo implícito no histórico de conquistas e fracassos do atleta.

Na tentativa de embasar as notícias expostas, utilizam a imagem do esportista para construir a narrativa das partidas. Demonstrando que Ronaldo caracteriza-se como um sujeito consolidado no campo esportivo devido sua trajetória apresentar características heroicas, rememorando as vitórias, derrotas, a superação de momentos adversos e o retorno às conquistas.

Tais características enquadradas no perfil do atleta permitem ao jornal associar sua imagem como modelo de representação social de um indivíduo que não desiste dos desafios, supera os próprios limites e vence as batalhas no esporte e na vida. Essa identificação aproxima o herói da realidade de outros sujeitos, que passam a admirá-lo pela compreensão simbólica de que transcendem o mesmo ciclo de lutas, dificuldades, conquistas e fracassos, ou seja, pela empatia.

É possível notar que a construção da notícia permite uma análise a partir das vitórias e derrotas da batalha heroica, porém, essa relação dos fatos com o ciclo mítico não ocorre de maneira intencional. O atleta tem sua imagem atrelada aos fatos interligados ao clube, tornando-se protagonista devido ao seu capital simbólico permitir que o discurso seja direcionado.

Compreendemos que o jornal enaltece os feitos do atleta durante e após a conquista da competição, utilizando sua identificação social como forma de afetar o público leitor. Entretanto, esse discurso vai sendo construído de acordo com o imediato, ou seja, ora enaltece, ora critica Ronaldo, porém, sempre que possível descreve os fatos utilizando-se desta representatividade do esportista.

Por último, ressaltamos que a elaboração das narrativas está interligada a questões políticas, como na formação ideológica do jornal e de quem escreve por ele. O relato dos fatos ocorre de acordo com o que a subjetividade do autor permite revelar ao leitor, influenciando na formação de opinião e construindo narrativas caracteristicamente interligadas ao contexto histórico da indústria cultural de entretenimento.

Agradecimentos

O presente trabalho contou com apoio financeiro da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2014
  • Revisado
    17 Nov 2014
  • Revisado
    04 Dez 2014
  • Aceito
    23 Jun 2015
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