Acessibilidade / Reportar erro

Talentos esportivos no judô e na natação

Resumo

Este artigo teve por objetivo verificar a existência de um sistema de desenvolvimento de judocas e nadadores brasileiros talentosos, assim como descrever como ocorre o mesmo na prática, segundo a opinião dos técnicos dessas modalidades. Foi realizada uma pesquisa exploratória e descritiva, por meio da realização de entrevistas com 18 técnicos de alto rendimento, sendo 11 de natação e sete de judô. Os técnicos participantes responderam a 10 perguntas semiestruturadas, relacionadas com o desenvolvimento de talento esportivo no Brasil. Os resultados foram analisados por meio do método do “Discurso do Sujeito Coletivo” DSC. Segundo 77% dos técnicos, não existe uma diretriz nacional para o desenvolvimento de talentos para as duas modalidades estudadas, e 66% dos entrevistados afirmaram que o desenvolvimento dos atletas ocorre por meio de cada entidade esportiva. De acordo com a opinião dos técnicos, conclui-se que as entidades nacionais de administração do esporte não elaboram diretrizes nacionais para o judô e a natação no Brasil, sendo as entidades de prática esportiva - tais como Clubes, Associações e Entidades Municipais de Prática Esportiva - as responsáveis pelo desenvolvimento dos atletas em ambas as modalidades.

Palavras-chave:
Atletas; Clubes; Alto rendimento; Identificação de talento

Abstract

This paper purported to establish the existence of a system for the development of talented Brazilian athletes judo and swimmers, as well as to describe how coaches in both sports see this process occurring in practical terms. An exploratory and descriptive research was conducted by means of interviews with 18 high-performance coaches (11 swimming coaches and 7 judo coaches). The participating coaches answered to 10 semi-structured questions concerning the development of sports talents in Brazil. The polled results were analyzed through the “Discourse of the Collective Subject” (DCS) method. According to 77% of those coaches, there is no established national guidelines for the development of talents in either one of these sports categories, and 66% of the interviewed stated that the development of the athletes falls entirely to each sporting association they belong with. The opinions of the interviewed coaches indicate that the government offi ces in charge of sports administration produce no comprehensible national guidelines for judo and swimming in Brazil, which leaves to institutions such as Sports Clubs, Associations and Municipal Sports Authorities the full responsibility for the development of athletes in both categories.

Key Words:
Athletes; Sports clubs; High-performance; Talent identification

Introdução

Conquistar medalhas em grandes eventos esportivos mundiais, como os Jogos Olímpicos, é o desejo de muitos atletas; e, para alcançar os melhores resultados nessas competições esportivas, é fundamental a interação eficiente de muitos fatores11. De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36., 22. Houlihan B, Green M. Comparative elite sport development: systems, structures and public policy. London: Elsevier; 2008.. Assim, nos últimos anos, houve um aumento de pesquisas científicas com o objetivo de compreender e destacar os fatores responsáveis pelo alcance do sucesso esportivo internacional33. Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50.88. Meira TB, Bastos FC, Böhme MTS. Análise da estrutura organizacional do esporte de rendimento no Brasil: um estudo preliminar. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26:251–62.. Um ponto comum considerado nessas pesquisas é a existência de um sistema para o desenvolvimento eficiente de atletas desde a iniciação até o alto rendimento.

Nos países que possuem sucesso esportivo internacional, como os Estados Unidos, China, Grã-Bretanha, Alemanha, Itália, Austrália e Rússia, é possível observar uma estrutura voltada para a implantação e controle das modalidades esportivas através de programas que visam desenvolver o esporte nas suas diferentes manifestações99. Meira TB, Mazzei LC, Böhme MTS. Programas de desenvolvimento de talentos esportivos nas pesquisas comparativas internacionais sobre esporte de alto rendimento e na realidade brasileira. Rev Min Educ Fis. 2012;20:37–72.. Apesar das diferenças políticas, econômicas, sociais e culturais, esses países possuem similaridades quanto ao desenvolvimento esportivo como objetivo da busca por melhores resultados nas principais competições esportivas internacionais22. Houlihan B, Green M. Comparative elite sport development: systems, structures and public policy. London: Elsevier; 2008.44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 1010. De Bosscher V, Bingham J, Shibli S. Sports policy factors leading to international sporting success. Aachen: Meyer & Meyer; 2008.1111. Green M. Changing policy priorities for sport in England: the emergence of elite sport development as a key policy concern. Leis Stud. 2004;23:365–85.. A existência de programas com processos de detecção, seleção e promoção de talentos esportivos favorece o surgimento e a permanência de atletas no esporte de alto rendimento no país, propiciando um desempenho esportivo consistente e de longo prazo1212. Rütten A, Ziemainz HO. Analisys of talent identification and development systems in different countries. III International Forum on Elite Sport; 9 Set-9 Nov 2003; Loughborough, UK. Barcelona: ASPC; 2003. Available from: http://sportperformancecentres.org/sites/default/files/11a_Looking_to_the_Future_Heiko_Ziemaiz-Alfred_Rutten.pdf.
http://sportperformancecentres.org/sites...
.

O Brasil tem sediado diversos eventos esportivos nos últimos 10 anos, e irá contemplar em seu território a realização dos Jogos Olímpicos de Verão em 20161313. Comitê Olímpico Brasileiro. Sobre o COB. Rio de Janeiro: COB; 2015 [citado 5 mar. 2015]. Disponível em: www.cob.org.br.
www.cob.org.br...
1414. Brasil. Ministério do Esporte. Brasília: ME; 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/.
http://www.esporte.gov.br/...
. Ao mesmo tempo, existe por parte deste país o desejo de conquistar melhores resultados esportivos, justificando assim a própria realização dos eventos e o aumento do interesse pelo esporte de alto rendimento no Brasil.

Na realidade brasileira existem dois sistemas de organização esportiva no nível nacional. Um sistema governamental, onde as ações no alto rendimento são realizadas pelo Ministério do Esporte, por meio da Secretaria Nacional de Alto Rendimento (SNEAR), e um sistema não governamental, onde as principais ações esportivas relacionadas com o esporte de alto rendimento são feitas pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e Confederações Olímpicas88. Meira TB, Bastos FC, Böhme MTS. Análise da estrutura organizacional do esporte de rendimento no Brasil: um estudo preliminar. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26:251–62.. Essas organizações, independentemente do sistema em que estão inseridas, podem contribuir para a formulação de diretrizes e ações para o esporte de alto rendimento no Brasil.

Apesar de o Brasil não estar entre as potências esportivas, atletas brasileiros de diferentes modalidades conquistam resultados esportivos expressivos, mesmo que este país não tenha um sistema constituído para o desenvolvimento de talentos esportivos1515. Meira TB, Bastos FC. Estruturas de organização e de promoção esportiva. In: Böhme MTS, organizadora. Esporte infanto juvenil: treinamento a longo prazo - talento esportivo. São Paulo: Phorte; 2011. p.219–40..

Entre as modalidades esportivas brasileiras com resultados expressivos no contexto mundial, destacam-se a natação e o judô. Em conjunto, as duas modalidades conquistaram 16 medalhas olímpicas, desde Sydney em 2000 até os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, o que representa cerca de 30% do total de 54 medalhas conquistadas pelo Brasil no período1616. Comitê Olímpico Brasileiro. Rio de Janeiro: COB; 2015 [citado 5 mar. 2015]. Disponível em: www.cob.org.br.
www.cob.org.br...
. Tal destaque credenciou essas modalidades a participar do programa de apoio especial chamado Plano Brasil Medalhas 20161414. Brasil. Ministério do Esporte. Brasília: ME; 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/.
http://www.esporte.gov.br/...
, destinado às modalidades com maior probabilidade de conquista de medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio. E, em comparação com as modalidades coletivas, nota-se que o judô e a natação também apresentam bons resultados em outros eventos internacionais.

De acordo com a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), até 2012 o judô brasileiro conquistou 19 medalhas em Jogos Olímpicos (três de ouro, três de prata e 13 de bronze) e 28 medalhas em campeonatos mundiais seniores (quatro de ouro, sete de prata e 17 de bronze)1717. Confederação Brasileira de Judô. Rio de Janeiro: CBJ; 2015 [citado 4 mar. 2015]. Disponível em: www.cbj.com.br.
www.cbj.com.br...
, com destaque para o Estado de São Paulo, onde se concentram os clubes e o maior número de atletas com medalhas Olímpicas nesta modalidade1818. Nunes AV. A influência da imigração japonesa no desenvolvimento do judô brasileiro: uma genealogia dos atletas brasileiros medalhistas em jogos olímpicos e campeonatos mundiais [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2011.. Entre os integrantes da seleção brasileira de judô que participaram dos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, cerca de 65% dos atletas pertenciam a instituições/clubes do Estado de São Paulo. Além disso, ao longo das nove edições do Grand Prix Interclubes (uma espécie de campeonato brasileiro entre os clubes de Judô) no gênero masculino, o Estado de São Paulo conquistou sete títulos, e nas sete edições para o gênero feminino, outros três títulos1717. Confederação Brasileira de Judô. Rio de Janeiro: CBJ; 2015 [citado 4 mar. 2015]. Disponível em: www.cbj.com.br.
www.cbj.com.br...
.

No caso da natação, nas últimas seis edições dos Jogos Olímpicos (1992 a 2012) e nos Jogos Pan-Americanos (2010/2007/2003/1999/1995) verificou-se que o desempenho dos nadadores brasileiros foi significativo se comparado às outras modalidades esportivas. Os atletas da natação conquistaram nesse período 13 medalhas em Jogos Olímpicos e 145 medalhas em Jogos Pan-americanos1616. Comitê Olímpico Brasileiro. Rio de Janeiro: COB; 2015 [citado 5 mar. 2015]. Disponível em: www.cob.org.br.
www.cob.org.br...
. Quanto aos resultados dos clubes esportivos que desenvolvem a natação, cinco entre os 10 primeiros clubes classificados no Brasil no ano de 2013 pertenciam ao Estado de São Paulo1919 Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. Boletim no 001/14 . 2014. Disponível em: http://www.cbdaweb.org.br/.
http://www.cbdaweb.org.br/...
.

Esses resultados demonstram a importância do Estado de São Paulo no cenário esportivo brasileiro destas modalidades. Devido aos resultados internacionais conquistados por atletas brasileiros de judô e da natação, e, a importância que programas com processos de detecção, seleção e promoção de talentos esportivos possuem com relação ao desenvolvimento de atletas, o objetivo deste artigo é verificar existência de um sistema de desenvolvimento de judocas e nadadores brasileiros talentosos, assim como descrever de que maneira ocorre o desenvolvimento dos mesmos na prática sob o ponto de vista dos técnicos.

Método

Trata-se de uma pesquisa descritiva com delineamento transversal do tipo “survey”2020. Thomas JR, Nelson JK, Silverman SJ. Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Artmed; 2002.. Os dados apresentados e analisados foram coletados no projeto de pesquisa “Análise da qualidade de programas de detecção, seleção e promoção de talentos esportivos na realidade brasileira”, que teve como um de seus objetivos verificar a existência ou não dos pontos relevantes para o desenvolvimento do esporte de elite no contexto internacional propostos pela literatura da área33. Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50.44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 66. De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36.77. Böhlke N, Robinson L. Benchmarking of elite sport systems. Manag Decis. 2009;47:67–84., sendo um desses pontos a análise do sistema de desenvolvimento de talentos.

Essa pesquisa foi desenvolvida em três etapas; porém, no presente artigo serão apresentados os resultados referentes a uma questão das 10 questões pesquisadas na segunda etapa da mesma. A escolha dessa questão refere-se à existência de um sistema nacional de desenvolvimento de atletas talentosos nestas duas modalidades, com bons resultados internacionais e com boas possibilidades de obtenção de medalhas nos Jogos Olímpicos de 2016 a serem realizados no Rio de Janeiro.

Amostra

Dado que em São Paulo encontram-se alguns dos principais clubes brasileiros em termos de resultados técnicos, em ambas as modalidades, a pesquisa foi delimitada a esse Estado. Desta forma, foram convidados técnicos de entidades esportivas do Estado de São Paulo (Clubes e Associações Municipais de Prática Esportiva) com os melhores resultados competitivos na categoria adulta nos campeonatos nacionais de natação e de judô no ano de 2010.

Justifica-se a participação de técnicos nesta pesquisa pela importância dos mesmos no processo de desenvolvimento de atletas, desde a iniciação ao esporte até o alto rendimento2121. Martindale RJJ, Collins D, Abraham A. Effective talent development: the elite coach perspective in UK sport. J Appl Sport Psychol. 2007;19:187–206.. Os técnicos são personagens fundamentais no processo de treinamento dos atletas, assim como na comunicação com a família e gestores esportivos.

A amostra contou com o total de 18 técnicos (11 técnicos de natação e sete técnicos de judô). Alguns clubes/associações tiveram mais de um técnico participando da pesquisa. Do total dos técnicos entrevistados, aproximadamente 60% pertencem aos clubes que obtiveram resultados expressivos nas principais competições nacionais no de 2010, como o Grand Prix Interclubes de Judô e o Troféu Brasil Maria Lenk, na natação.

A caracterização dos técnicos entrevistados é apresentada na TABELA 1.

TABELA 1
Caracterização da amostra: idade, tempo de atuação profissional como técnico e de anos de estudos formais dos técnicos entrevistados.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo sob o n. 2010/12 e todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Esclarecido, tendo sido assegurado seu anonimato.

Procedimentos

Os participantes da pesquisa foram contatados por meio telefônico e/ou eletrônico para o agendamento das entrevistas. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os técnicos, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. As questões foram fundamentadas nos 10 pontos relevantes para o desenvolvimento do esporte de elite no contexto internacional propostos pela literatura33. Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50.44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 66. De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36.77. Böhlke N, Robinson L. Benchmarking of elite sport systems. Manag Decis. 2009;47:67–84., a saber:

  1. Entendimento claro sobre o papel das diferentes agências envolvidas e uma comunicação efetiva na rede que mantém o sistema esportivo;

  2. Simplicidade de administração por meio de ações esportivas e políticas comuns;

  3. Sistema efetivo para a identificação estatística e monitoramento do progresso de atletas talentosos e de elite;

  4. Provimento de serviços na área esportiva para criar uma cultura de excelência na qual todos os membros envolvidos (atletas, treinadores, administradores, cientistas do esporte) possam interagir uns com os outros de maneira formal e informal;

  5. Programas competitivos bem estruturados com intercâmbio internacional;

  6. Instalações bem desenvolvidas e específicas, com prioridade de acesso para atletas de elite;

  7. Foco dos recursos disponíveis em um número relativamente pequeno de modalidades esportivas, com identificação daquelas com chances reais de sucesso em nível mundial;

  8. Planejamento claro e adequado para as necessidades de cada modalidade esportiva;

  9. Reconhecimento dos custos da excelência esportiva, com destinação de fundos para infraestrutura e pessoal;

  10. Suporte para a vida e preparação profissional do atleta após o término da carreira esportiva.

No presente artigo são apresentados os resultados das modalidades judô e natação, referentes ao item três da segunda etapa da pesquisa, “Sistema efetivo para a identificação estatística e monitorização do progresso de atletas talentosos e de elite”, o qual foi analisado por meio das questões: “Existe um sistema de desenvolvimento do talento esportivo no país da iniciação até o alto rendimento? Em caso positivo, como ocorre?

Análise dos dados

Para a análise das respostas obtidas foi utilizado o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), conforme proposto por Lefèvre e Lefèvre2222. Lefèvre F, Lefèvre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS; 2003.. Este método de análise se processa em três momentos, onde são identificados:

  1. Expressões-chave: pedaços ou trechos literais do discurso demarcados pelos pesquisadores (sublinhados) e que revelam a essência do depoimento;

  2. Ideias centrais: expressão linguística que descreve, de forma sintética, precisa e fidedigna, o sentido de cada um dos discursos analisados que darão origem, posteriormente, ao Discurso do Sujeito Coletivo;

  3. Discurso do Sujeito Coletivo: discurso síntese, redigido na primeira pessoa do singular e composto pelas expressões-chave que possuem a mesma ideia central.

Resultados

Na TABELA 2 são apresentados os resultados obtidos por meio do Discurso do Sujeito Coletivo.

TABELA 2
Caracterização das ideias centrais (ICs), número de ICs, frequências absoluta e relativa em relação ao número total de ICs, e em relação ao número de resposta dos técnicos de natação (11) e de judô (7) relativas à questão: “Existe um sistema de desenvolvimento do talento esportivo no país, da iniciação até o alto nível? Em caso positivo, como ocorre?”.

Considerando-se as duas modalidades conjuntamente, verificou-se um total de 34 ideias centrais, a partir das quais foram elaborados quatro discursos coletivos. A seguir são descritos os Discursos do Sujeito Coletivo (DSCs) elaborados para cada Ideia Central (IC), com base nas respostas dos técnicos das duas modalidades conjuntamente.

DSC 1 - (77% das respostas dos técnicos e 38,8% do total das ideias centrais) -Ideia central: “Não existe um sistema”

Na minha opinião, eu acho que não, que não existe um trabalho organizado, feito exatamente para isso, não existe. Em relação aos órgãos públicos, Governo, Comitê Olímpico, Confederação, Federação, não tem nada. Em relação a normas nacionais, não existe, eu nunca vi nada assim. Infelizmente não existe; deveria existir, mas na natação não existe. Mas que não que exista uma política explicada, definida ou pesquisada para que a gente possa descobrir talentos aí em quantidade real. Mesmo com a Olimpíada de 2016, que será daqui seis anos no Brasil, você não vê nada, pelo menos por enquanto.

DSC 2 - (66,6% das respostas dos técnicos e 35,2% do total das ideias centrais) -Ideia central: “Existe em cada entidade esportiva”

Em relação ao treinamento de crianças e jovens, cada entidade desenvolve seu programa, que já tão pensando lá na frente. Hoje eu acredito que os trabalhos quase e exclusivamente são dos clubes e algumas academias. Aqui dentro da entidade a gente trabalha em cima de uma metodologia: cada modalidade, em relação à faixa etária, em relação à parte fisiológica, em relação a várias coisas. Você nota assim que existem alguns projetos que pega essa garotada menor e acaba encaminhando até chegar em um alto nível, mas pela quantidade de atletas de judô que tem no Brasil, eu acho que isso é muito pouco. Em termos de pensamento de Confederação Brasileira e Federação Paulista, eles esperam que os clubes trabalhem para eles fazerem esse descobrimento do talento.

DSC 3 - (11,1% das respostas dos técnicos e 5,5% do total das ideias centrais) -Ideia central: “Por meio de resultados competitivos”

O que existe é esse processo de seleção natural diante de todos os praticantes. Aí vão aparecendo aqueles que são bons, mas isso não é organizado, não é sistematizado. Existe um calendário desde as categorias menores dos quais os atletas, no caso a garotada, participa destes eventos, acho que é desta forma que acontece a seleção natural dos talentos. Os atletas que vão ficando na modalidade, que vão se mantendo na modalidade, eles vão sendo encaminhados para a competição em que ele é mais capaz, se ele é mais talentoso, ele consegue índice e classificações para competições mais importantes. Se ele não é tão talentoso, ainda tem outras competições aonde ele vai poder expressar o seu talento.

DSC 4 - (27,76% das respostas dos técnicos e 13,8% do total das ideias centrais) -Ideia central: “De forma esporádica pelo órgão regulador da modalidade” -verificada somente para os técnicos de Natação

Eu sei que a Confederação promove muitas clínicas de incentivo, muitos movimentos de incentivos, mas não é nada que seja oficial, e nada que seja cíclico. A Federação Aquática Paulista também faz esse trabalho, em termos de seleções de categorias inferiores, mostrando para o atleta a disputa estadual. E no caso da natação competitiva, existem projetos que demandam pela Confederação Brasileira de caça de talentos, projetos de desenvolvimento de talentos, mas eles são muito esparsos, esporádicos, localizados, e não chegam ao desenvolvimento da massificação do esporte.

Discussão

Embora ambas as modalidades apresentem atletas com bons resultados esportivos internacionais, nas opiniões dos técnicos de natação e judô o desenvolvimento dos talentos destas modalidades não acontece por meio de um sistema formalmente estruturado. Desta forma, os técnicos afirmam que o surgimento de atletas que se destacam no cenário internacional nessas modalidades decorre de ações isoladas dos clubes e por meio de seus resultados em competições.

Do ponto de vista de 77% dos técnicos, não existe um sistema brasileiro de desenvolvimento de judocas e nadadores, como pode ser observado no trecho do DSC 1 “… Em relação a normas nacionais, não existe, eu nunca vi nada assim…”. Este dado corrobora com o relatório de auditoria do esporte de alto rendimento no país, produzido pelo Tribunal de Contas da União (TCU)2323. Brasil. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria Operacional: esporte de alto rendimento. Brasília: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo; 2011. p.85. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br
http://portal2.tcu.gov.br...
, que constatou a ausência de ações efetivas das entidades esportivas responsáveis pelo desenvolvimento dos atletas, desde a iniciação até o período pós-carreira esportiva.

A inexistência de um sistema nacional de desenvolvimento de atletas, citada pelos técnicos, pode ser explicada em razão do número reduzido de políticas públicas e de programas para o esporte e lazer no Brasil. Algumas iniciativas são elaboradas sobretudo para atender a interesses de clubes e atletas de alto rendimento na fase adulta, após a conquista de resultados esportivos expressivos2424. Linhales MA. São as políticas públicas para a educação física/esporte e lazer efetivamente políticas sociais? Motrivivência. 1998;11:71–82.. Desta maneira, o país possui poucas ações eficientes para as categorias de base, principalmente na identificação e no desenvolvimento de jovens atletas no país2525. Peres L, Lovisolo H. Formação esportiva: teoria e vises do atleta de elite no Brasil. Rev Educ Física/UEM. 2008; 17: 211–8.2727. Figuerôa KM, Mezzadri FM, Moraes M. Rio 2016: possibilidades e desafios para o esporte brasileiro. Motrivivência. 2013;41:140–54..

Em alguns dos países considerados como potências esportivas internacionais, existe uma estrutura organizacional esportiva baseada em um sistema nacional de desenvolvimento de talentos esportivos33. Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50., 44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 66. De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36., 1010. De Bosscher V, Bingham J, Shibli S. Sports policy factors leading to international sporting success. Aachen: Meyer & Meyer; 2008., 1212. Rütten A, Ziemainz HO. Analisys of talent identification and development systems in different countries. III International Forum on Elite Sport; 9 Set-9 Nov 2003; Loughborough, UK. Barcelona: ASPC; 2003. Available from: http://sportperformancecentres.org/sites/default/files/11a_Looking_to_the_Future_Heiko_Ziemaiz-Alfred_Rutten.pdf.
http://sportperformancecentres.org/sites...
, 2828. Digel H. The context of talent identification and promotion: a comparison of nations. New Stud Athl. 2002;17:13–26.3030. Rütten A, Ziemainz H, Röger U. Qualitätsgesichertes System der Talentsuche und auswahl: Theoretischer Ansatz, Methode erste Ergebnisse. In: Emrich E, Güllich A, Büch MP, editors. Beiträge zum Nachwuchsleistungssport. Schorndorf: Hofmann-Verlag; 2005.. Um sistema nacional para o desenvolvimento de talentos pode contribuir para determinar diretrizes e ações que irão nortear os processos de detecção, seleção e promoção de atletas e proporcionar uma estrutura consistente, com objetivos de longo prazo99. Meira TB, Mazzei LC, Böhme MTS. Programas de desenvolvimento de talentos esportivos nas pesquisas comparativas internacionais sobre esporte de alto rendimento e na realidade brasileira. Rev Min Educ Fis. 2012;20:37–72..

Neste âmbito, podem ser citados os programas nacionais para a detecção e seleção de talentos esportivos na China e na Austrália3131. Ziemainz H, Gulbin J. Talent selection,-identification and-development exemplified in the Australian Talent Search Programme. New Stud Athl. 2002;17:27–34.. No caso da China, o país possui um programa nacional sistematizado de seleção e promoção de talentos esportivos, no qual as crianças iniciam o treinamento a partir dos seis anos de idade, passando por um controlado sistema de seleção e promoção de talentos, até chegarem ao alto rendimento.

A Austrália possui uma proposta de formação esportiva desde a iniciação até a manutenção no alto rendimento denominado Foundations, Talent, Elite and Mastery (FTEM). Especificamente na detecção e seleção de talentos, a proposta prevê quatro etapas.

Na primeira etapa é observado algum “talento” físico, motor ou psicológico, normalmente com percentil acima de 90% dos seus pares, os quais serão confirmados na etapa seguinte. Na etapa dois, os jovens são imersos em um período experimental de observação dentro da especificidade do treinamento e ambiente competitivo para demonstrar suas capacidades e habilidade, e assim confirmar se as impressões iniciais de potencial podem ser sustentadas. Na etapa três, os atletas se comprometem a praticar e investir em altos volumes de treinamento específico, buscando a melhoria contínua de desempenho e mantendo o foco em um resultado de referência na etapa seguinte. Na etapa quatro, os atletas recebem apoio profissional para o desenvolvimento contínuo (por exemplo, uma bolsa de estudos em uma universidade, instituto ou academia de esporte), ou são incorporados em um time profissional ou equipe de treinamento de elite. Essa imersão contribui para o aumento da probabilidade de ser notado e apoiado pelo esporte e/ou pelo sistema de alto rendimento3232. Australia. FTEM Resource Repository. Pathways. Bruce: Australian Institute of Sport. 2013. Available from: http://www.ausport.gov.au/ais/pathways.
http://www.ausport.gov.au/ais/pathways...
.

De acordo com 66,6 % dos técnicos, a forma mais frequente de desenvolvimento de judocas e nadadores brasileiros advém de ações pontuais de cada entidade esportiva de prática, conforme observado no DSC 2 “… Hoje eu acredito que os trabalhos quase e exclusivamente são dos clubes e algumas academias…”. Tradicionalmente, o esporte de alto rendimento no Brasil ocorre nos clubes, em sua maioria privados e localizados no sul e sudeste do Brasil, o que permite a uma pequena parcela da população ter acesso à iniciação esportiva2323. Brasil. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria Operacional: esporte de alto rendimento. Brasília: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo; 2011. p.85. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br
http://portal2.tcu.gov.br...
. Além desse fato, muitos clubes têm sua missão e suas estruturas físicas direcionadas para o atendimento dos seus associados, e a prioridade não é o desenvolvimento do esporte3333. Ferreira R. Políticas para o esporte de alto rendimento: estudo comparativo de alguns sistemas esportivos nacionais visando um contributo para o Brasil [tese]. Porto (POR): Universidade do Porto, Faculdade de Desporto; 2007..

Desta forma, cada entidade esportiva segue sua própria linha de trabalho no sentido de desenvolver seus talentos esportivos, dada a ausência de uma diretriz nacional. Este dado está de acordo com o artigo 217 da Constituição Federal, que dá autonomia aos clubes, associações e organizações esportivas para atuar de acordo com suas próprias diretrizes de treinamento e desenvolvimento de atletas3434. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília; 1988.. No entanto, a centralização de diretrizes por meio de projetos nacionais é uma ação que poderia favorecer a comunicação e interação entre as entidades, e consequentemente contribuir para o desenvolvimento e a permanência de atletas de alto rendimento no país44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 1212. Rütten A, Ziemainz HO. Analisys of talent identification and development systems in different countries. III International Forum on Elite Sport; 9 Set-9 Nov 2003; Loughborough, UK. Barcelona: ASPC; 2003. Available from: http://sportperformancecentres.org/sites/default/files/11a_Looking_to_the_Future_Heiko_Ziemaiz-Alfred_Rutten.pdf.
http://sportperformancecentres.org/sites...
.

Ainda segundo o artigo 217 da Constituição brasileira, a prioridade do investimento público deve ser direcionada ao esporte educacional e, em casos específicos, ao esporte de alto rendimento3434. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília; 1988.. O investimento no contexto escolar favoreceria um número elevado de crianças e adolescentes - e, de acordo com a literatura, infância e adolescência são momentos oportunos para o desenvolvimento das habilidades e capacidades motoras e psicológicas do futuro atleta para o esporte de alto rendimento3535. Balyi I, Williams C. Coaching the young developing performer. Leeds: Coachwise; 2010.3838. Vaeyens R, Güllich A, Warr CR, Philippaerts R. Talent identification and promotion programmes of olympic athletes. J Sports Sci. 2009;27:1367–80.. Todavia, no Brasil, nota-se a inexistência de ações que aproximem a identificação e promoção de talentos esportivos no ambiente escolar2323. Brasil. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria Operacional: esporte de alto rendimento. Brasília: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo; 2011. p.85. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br
http://portal2.tcu.gov.br...
. Em alguns países com sucesso no setor esportivo, existe um envolvimento eficiente entre o esporte educacional e o esporte de alto rendimento2828. Digel H. The context of talent identification and promotion: a comparison of nations. New Stud Athl. 2002;17:13–26., 3333. Ferreira R. Políticas para o esporte de alto rendimento: estudo comparativo de alguns sistemas esportivos nacionais visando um contributo para o Brasil [tese]. Porto (POR): Universidade do Porto, Faculdade de Desporto; 2007..

No Brasil é possível observar a existência de algumas ações pontuais que aproximam o desenvolvimento do esporte com a escola, tais como o “Programa Segundo Tempo”, “Programa Atleta na Escola” e os “Jogos Escolares”, que são exemplos de ações elaboradas pelo Ministério do Esporte, Ministério da Educação e o COB1414. Brasil. Ministério do Esporte. Brasília: ME; 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/.
http://www.esporte.gov.br/...
. No entanto, a contribuição efetiva desses programas para o desenvolvimento de atletas para o alto rendimento carece de investigações.

Recentemente, foram promulgadas algumas leis para o desenvolvimento do esporte de alto rendimento brasileiro, como a Lei de Incentivo ao Esporte e o Programa Bolsa Atleta, assim como o Plano Brasil Medalhas - elaborado exclusivamente em função dos Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro1414. Brasil. Ministério do Esporte. Brasília: ME; 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/.
http://www.esporte.gov.br/...
. Apesar dessas iniciativas, não existe uma comunicação eficiente entre as entidades para elaboração e execução de ações que favoreçam o desenvolvimento do esporte e de atletas no país, pois ocorre uma sobreposição de projetos, sem que exista uma interação entre as instituições promotoras88. Meira TB, Bastos FC, Böhme MTS. Análise da estrutura organizacional do esporte de rendimento no Brasil: um estudo preliminar. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26:251–62.. Outra evidência que aponta uma fragilidade no esporte de base é observada pela quantidade de projetos aprovados pela Lei de Incentivo ao Esporte no período de 2007 a 2010, sendo apenas 19% dos projetos direcionados à formação esportiva2626. Bastidas MG, Bastos FC. A lei de incentivo fiscal para o desporto e a formação de atletas no Brasil. Rev Intercont Gestão Desportiva. 2011;1:111–21..

Outra forma de desenvolvimento de judocas e nadadores na realidade brasileira é por meio dos resultados em competições, mencionada por 11% dos técnicos no DSC 3 e presente no trecho: “… eles vão sendo encaminhados para a competição em que ele é mais capaz, se ele é mais talentoso, ele consegue índice e classificaçóes para competições mais importantes…”. Os técnicos afirmam que o sistema competitivo permite que os melhores atletas sejam selecionados para continuar nos níveis mais avançados de treinamento. Deste modo, as competições locais, regionais e escolares, entre outras, também podem ser consideradas como meios de detecção e seleção de talentos em ambas as modalidades.

A utilização das competições como meio de seleção de atletas também foi observada no estudo de Parra3939. Parra SA. Treinamento a longo prazo de nadadores [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2006., que verificou por meio de entrevistas com técnicos de natação de clubes brasileiros que o critério de seleção de nadadores em diferentes níveis é baseado no desempenho competitivo. Em concordância com esse autor, 89% dos técnicos entrevistados nesta pesquisa mencionam a carência de um sistema nacional com diretrizes para a identificação e promoção de talentos.

A existência de um sistema competitivo esportivo nacional organizado é um dos pontos-chave na estrutura organizacional esportiva de um país. Nesse contexto, as competições nacionais permitem ao atleta avaliar seu desempenho individual ou coletivo, e figuram como critérios para acesso aos sistemas competitivos internacionais, propiciando aos atletas a possibilidade de sucesso esportivo internacional44. Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67., 1010. De Bosscher V, Bingham J, Shibli S. Sports policy factors leading to international sporting success. Aachen: Meyer & Meyer; 2008..

Os Estados Unidos e a China são exemplos de nações cujos sistemas competitivos favorecem o sucesso esportivo internacional para diversas modalidades esportivas. Nesses países, os campeonatos periódicos de nível regional e nacional são mecanismos de detecção de talentos para as seleções nacionais de diferentes modalidades, e são etapas presentes no sistema de desenvolvimento de atletas22. Houlihan B, Green M. Comparative elite sport development: systems, structures and public policy. London: Elsevier; 2008.33. Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50., 2828. Digel H. The context of talent identification and promotion: a comparison of nations. New Stud Athl. 2002;17:13–26., 3333. Ferreira R. Políticas para o esporte de alto rendimento: estudo comparativo de alguns sistemas esportivos nacionais visando um contributo para o Brasil [tese]. Porto (POR): Universidade do Porto, Faculdade de Desporto; 2007., 4040. Almeida GO. O processo de identificação e desenvolvimento de talento nas grandes potências esportivas [monografia]. Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2006.. No Brasil, as competições esporádicas são as principais etapas para selecionar os atletas que continuarão no processo da promoção de atletas4141. Meira TB. Programas de desenvolvimento da natação de alto rendimento no estado de São Paulo [dissertação]. Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2011.4242. Silva Filho FJ, Luguetti CN, Paes FO, Böhme MTS. Critérios para detecção e seleção de jovens atletas de basquetebol na cidade de São Paulo. Rev Mackenzie Educ Fís Esporte. 2011;10:64–74.. Apesar da importância da competição ao longo do desenvolvimento dos atletas, este meio não deve ser a única forma para a seleção de jovens atletas, e sim ser acompanhado de outros fatores, como por exemplo, os aspectos físicos e psicológicos.

Outro meio para o desenvolvimento de jovens atletas foi citado no DSC 4, no qual 27,7% dos técnicos de natação mencionam que a CBDA promove, de maneira esporádica, programas que contribuem para o desenvolvimento do talento na modalidade. A CBDA é responsável, além da natação, pelas modalidades de polo aquático, nado sincronizado, maratonas aquáticas e salto ornamental. No período em que os técnicos de natação foram entrevistados, estava em prática um projeto denominado “Programa Brasil Natação”, que tinha como objetivo identificar possíveis talentos na natação por meio de medidas antropométricas, acompanhamento da evolução biológica e resultados em nível nacional e mundial na modalidade; no entanto, atualmente não existem informações sobre a continuidade do programa4343. Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: www.cbda.org.br.
www.cbda.org.br...
. Com relação a este programa, o DSC dos técnicos pesquisados revela que essas ações da Confederação “… são muito esparsas, esporádicas, localizadas, e não chegam ao desenvolvimento da massificação do esporte…”.

Embora nenhum dos técnicos de judô entrevistados tenha citado a existência de algum programa ou projeto desenvolvido pela CBJ, o web site dessa Confederação menciona um projeto social instituído em parceria com a Infraero, denominado “Avança Judô”, que visa atender a crianças carentes que residam próximas aos aeroportos administrados pela empresa, através da prática do judô1717. Confederação Brasileira de Judô. Rio de Janeiro: CBJ; 2015 [citado 4 mar. 2015]. Disponível em: www.cbj.com.br.
www.cbj.com.br...
. No entanto, tratando-se de um projeto para fins sociais, não há um objetivo prioritário de identificar e desenvolver atletas para o alto rendimento.

Os resultados obtidos nesta pesquisa demonstraram que, na visão dos técnicos brasileiros de judô e natação entrevistados, não existe um sistema nacional estruturado para o desenvolvimento de atletas talentosos destas modalidades no país, possivelmente devido à ausência de políticas públicas eficiente para o esporte.

As principais iniciativas para o desenvolvimento de atletas ocorrem por meio de ações esporádicas de clubes/academias esportivos. Os bons resultados obtidos nas principais competições também são determinantes para o sucesso na modalidade.

Neste sentido, cabe ao Ministério do Esporte, ao Comitê Olímpico Brasileiro e às Confederações, principais entidades responsáveis pela organização e estruturação do esporte no país, estabelecer uma comunicação eficiente para favorecer a integração de programas locais, estaduais e nacionais, bem como a elaboração de políticas públicas para o esporte, em especial o esporte de base.

O diálogo permanente entre as entidades de organização esportiva e as instituições acadêmicas, aproximando a pesquisa científica e o esporte, é uma proposta que pode contribuir para o desenvolvimento do esporte e dos atletas no país. Outra proposta para a identificação e desenvolvimento de jovens atletas é estreitar a relação entre ações do esporte educacional e o esporte de alto rendimento, o que pode aumentar o número de jovens praticantes de diversas modalidades esportivas, e consequentemente contribuir para a melhoria dos resultados esportivos do país.

Desta forma, sugere-se a realização de pesquisas que avaliem o impacto das leis e dos programas esportivos que foram implantados no período entre a realização da coleta de dados e o presente momento, e investigar a contribuição dessas iniciativas para o desenvolvimento do esporte no país.

Referências

  • 1
    De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36.
  • 2
    Houlihan B, Green M. Comparative elite sport development: systems, structures and public policy. London: Elsevier; 2008.
  • 3
    Digel H. A comparison of competitive sport systems. New Stud Athl. 2002;17:37–50.
  • 4
    Green M, Oakley B. Elite sport development systems and playing to win: uniformity and diversity in international approaches. Leis Stud. 2001;20:247–67.
  • 5
    Van Rossum JHA. Perceptions of determining factors in athletic achievement: an addendum to Hyllegard et al. Percept Mot Skills. 2003;98:81–5.
  • 6
    De Bosscher V, De Knop P, Van Bottenburg M, Shibli S, Bingham J. Explaining international sporting success: an international comparison of elite sport systems and policies in six countries. Sport Manag Rev. 2009;12:113–36.
  • 7
    Böhlke N, Robinson L. Benchmarking of elite sport systems. Manag Decis. 2009;47:67–84.
  • 8
    Meira TB, Bastos FC, Böhme MTS. Análise da estrutura organizacional do esporte de rendimento no Brasil: um estudo preliminar. Rev Bras Educ Fís Esporte. 2012;26:251–62.
  • 9
    Meira TB, Mazzei LC, Böhme MTS. Programas de desenvolvimento de talentos esportivos nas pesquisas comparativas internacionais sobre esporte de alto rendimento e na realidade brasileira. Rev Min Educ Fis. 2012;20:37–72.
  • 10
    De Bosscher V, Bingham J, Shibli S. Sports policy factors leading to international sporting success. Aachen: Meyer & Meyer; 2008.
  • 11
    Green M. Changing policy priorities for sport in England: the emergence of elite sport development as a key policy concern. Leis Stud. 2004;23:365–85.
  • 12
    Rütten A, Ziemainz HO. Analisys of talent identification and development systems in different countries. III International Forum on Elite Sport; 9 Set-9 Nov 2003; Loughborough, UK. Barcelona: ASPC; 2003. Available from: http://sportperformancecentres.org/sites/default/files/11a_Looking_to_the_Future_Heiko_Ziemaiz-Alfred_Rutten.pdf
    » http://sportperformancecentres.org/sites/default/files/11a_Looking_to_the_Future_Heiko_Ziemaiz-Alfred_Rutten.pdf
  • 13
    Comitê Olímpico Brasileiro. Sobre o COB. Rio de Janeiro: COB; 2015 [citado 5 mar. 2015]. Disponível em: www.cob.org.br
    » www.cob.org.br
  • 14
    Brasil. Ministério do Esporte. Brasília: ME; 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: http://www.esporte.gov.br/
    » http://www.esporte.gov.br/
  • 15
    Meira TB, Bastos FC. Estruturas de organização e de promoção esportiva. In: Böhme MTS, organizadora. Esporte infanto juvenil: treinamento a longo prazo - talento esportivo. São Paulo: Phorte; 2011. p.219–40.
  • 16
    Comitê Olímpico Brasileiro. Rio de Janeiro: COB; 2015 [citado 5 mar. 2015]. Disponível em: www.cob.org.br
    » www.cob.org.br
  • 17
    Confederação Brasileira de Judô. Rio de Janeiro: CBJ; 2015 [citado 4 mar. 2015]. Disponível em: www.cbj.com.br
    » www.cbj.com.br
  • 18
    Nunes AV. A influência da imigração japonesa no desenvolvimento do judô brasileiro: uma genealogia dos atletas brasileiros medalhistas em jogos olímpicos e campeonatos mundiais [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2011.
  • 19
    Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. Boletim no 001/14 . 2014. Disponível em: http://www.cbdaweb.org.br/
    » http://www.cbdaweb.org.br/
  • 20
    Thomas JR, Nelson JK, Silverman SJ. Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Artmed; 2002.
  • 21
    Martindale RJJ, Collins D, Abraham A. Effective talent development: the elite coach perspective in UK sport. J Appl Sport Psychol. 2007;19:187–206.
  • 22
    Lefèvre F, Lefèvre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: EDUCS; 2003.
  • 23
    Brasil. Tribunal de Contas da União. Relatório de Auditoria Operacional: esporte de alto rendimento. Brasília: Secretaria de Fiscalização e Avaliação de Programas de Governo; 2011. p.85. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br
    » http://portal2.tcu.gov.br
  • 24
    Linhales MA. São as políticas públicas para a educação física/esporte e lazer efetivamente políticas sociais? Motrivivência. 1998;11:71–82.
  • 25
    Peres L, Lovisolo H. Formação esportiva: teoria e vises do atleta de elite no Brasil. Rev Educ Física/UEM. 2008; 17: 211–8.
  • 26
    Bastidas MG, Bastos FC. A lei de incentivo fiscal para o desporto e a formação de atletas no Brasil. Rev Intercont Gestão Desportiva. 2011;1:111–21.
  • 27
    Figuerôa KM, Mezzadri FM, Moraes M. Rio 2016: possibilidades e desafios para o esporte brasileiro. Motrivivência. 2013;41:140–54.
  • 28
    Digel H. The context of talent identification and promotion: a comparison of nations. New Stud Athl. 2002;17:13–26.
  • 29
    De Bosscher V, Shibli S, Van Bottenburg M, De Knop P, Truyens J. Developing a method for comparing the elite sport systems and policies of nations: a mixed research methods approach. J Sport Manag. 2010;24:567–600.
  • 30
    Rütten A, Ziemainz H, Röger U. Qualitätsgesichertes System der Talentsuche und auswahl: Theoretischer Ansatz, Methode erste Ergebnisse. In: Emrich E, Güllich A, Büch MP, editors. Beiträge zum Nachwuchsleistungssport. Schorndorf: Hofmann-Verlag; 2005.
  • 31
    Ziemainz H, Gulbin J. Talent selection,-identification and-development exemplified in the Australian Talent Search Programme. New Stud Athl. 2002;17:27–34.
  • 32
    Australia. FTEM Resource Repository. Pathways. Bruce: Australian Institute of Sport. 2013. Available from: http://www.ausport.gov.au/ais/pathways
    » http://www.ausport.gov.au/ais/pathways
  • 33
    Ferreira R. Políticas para o esporte de alto rendimento: estudo comparativo de alguns sistemas esportivos nacionais visando um contributo para o Brasil [tese]. Porto (POR): Universidade do Porto, Faculdade de Desporto; 2007.
  • 34
    Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília; 1988.
  • 35
    Balyi I, Williams C. Coaching the young developing performer. Leeds: Coachwise; 2010.
  • 36
    Böhme MTS. O talento esportivo e o processo de treinamento a longo prazo: o esporte e a atividade física na infância. Porto Alegre: Artmed; 2001.
  • 37
    Böhme MTS. Detecção, seleção e promoção de talentos esportivos. In: Böhme MTS, organizadora. Esporte infanto juvenil: treinamento a longo prazo - talento esportivo. São Paulo: Phorte; 2011.
  • 38
    Vaeyens R, Güllich A, Warr CR, Philippaerts R. Talent identification and promotion programmes of olympic athletes. J Sports Sci. 2009;27:1367–80.
  • 39
    Parra SA. Treinamento a longo prazo de nadadores [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2006.
  • 40
    Almeida GO. O processo de identificação e desenvolvimento de talento nas grandes potências esportivas [monografia]. Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2006.
  • 41
    Meira TB. Programas de desenvolvimento da natação de alto rendimento no estado de São Paulo [dissertação]. Universidade de São Paulo, Escola de Educação Física e Esporte; 2011.
  • 42
    Silva Filho FJ, Luguetti CN, Paes FO, Böhme MTS. Critérios para detecção e seleção de jovens atletas de basquetebol na cidade de São Paulo. Rev Mackenzie Educ Fís Esporte. 2011;10:64–74.
  • 43
    Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. 2015 [citado 6 mar. 2015]. Disponível em: www.cbda.org.br
    » www.cbda.org.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2014
  • Revisado
    03 Dez 2014
  • Revisado
    29 Jan 2015
  • Revisado
    03 Abr 2015
  • Revisado
    03 Jul 2015
  • Aceito
    04 Ago 2015
Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 65, 05508-030 São Paulo SP/Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3091 3147 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reveefe@usp.br