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Pós-graduação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Quo vadis?

EDITORIAL

Pós-graduação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Quo vadis?

Riad N. YounesI, II; Daniel DeheinzelinII; Dario BiroliniI

IHospital das Clínicas, Faculty of Medicine, University of São Paulo

IIHospital do Câncer AC Camargo - São Paulo/SP, Brazil. E-mail: rnyounes@yahoo.com

As metas da pós-graduação sensu strictu, de acordo com os prospectos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), são de formar pesquisadores com ampla visão de suas áreas de conhecimento, e, ao mesmo tempo, de servir como um sistema que gere conhecimento nestas áreas. Nobres objetivos, sem dúvida, e também coerentes com os alicerces das universidades em geral, e da Universidade de São Paulo em particular, universidades fundamentadas na procura contínua pelo conhecimento científico, e na tarefa de disseminar os resultados da pesquisa para o público em geral. A comunicação do conhecimento e da ciência é parte essencial deste processo. A boa notícia é que, como um todo, o número de autores e publicações brasileiros na literatura científica internacional tem aumentado substancialmente1. O Brasil se encontra atualmente na 25ª colocação entre os maiores produtores científicos no mundo (ISI Web of Science).

Nesse cenário, torna-se claro que o processo de pós-graduação não pode terminar na apresentação da respectiva tese. Esta deve ser seguida pela publicação dos resultados alcançados no estudo objeto da tese. Além do mais, se de fato os objetivos forem alcançados, um quantum de conhecimento foi gerado e, conseqüentemente, um sistema foi estabelecido naquela área. Uma série de trabalhos deste mesmo autor deveria publicada.

Seria este o caso na FMUSP? Avaliamos o destino de 1181 teses de doutorado, defendidas nesta instituição entre 1990 e 2000. Com o intuito de determinar se houve publicações derivadas dos autores das teses nos anos que seguiram ao da defesa da tese, bancos de dados de publicações nacionais e internacionais (Medline, LILACS) foram pesquisados utilizando o campo de autores para cada banco de dados pesquisado.

O número total de teses saltou de 61 em 1990, para 158 em 2000, com um pico de 198 em 1999. A figura 1 mostra o número de doutores que continuavam sem nenhuma publicação, tanto nacional quanto internacional, anos após a defesa. Podemos observar, claramente que, na melhor hipótese, as publicações começam dois anos após a defesa da tese. Um estudo semelhante foi conduzido recentemente na França, levando em consideração as teses apresentadas ao término do internato, que equivalem às teses necessárias para a obtenção de título de doutor. Os dados revelam situação muito diferente. Vinte e sete por cento das teses foram publicadas no primeiro ano, e aproximadamente 50% em dois anos2. Estes resultados mostram uma gravíssima deficiência de nosso sistema ou, no mínimo, a perda de uma janela de oportunidade. Nosso estudo mostrou que, em cinco anos, mais de 50% dos pós-graduados não tinham publicado nenhum trabalho, nem sequer um artigo de revisão.


Uma taxa de publicação tão baixa poderia ser explicada pelo fato das revistas nacionais serem pouco representadas no Journal of Citation Reports, e que a maioria dos doutores poderiam estar publicando em revistas locais. Recentemente, estudos têm mostrado que o número de pesquisas brasileiras publicadas em revistas internacionais indexadas aumentou significativamente3. Mais ainda, acrescentando os artigos publicados em revistas indexadas no SciELO, uma iniciativa nacional que permite a localização e a consulta de muitos artigos, os números seriam 30% mais elevados. No entanto, a produção bibliográfica registrada pelo diretório de pesquisa da CNPq é três vezes maior3. Em outras palavras, o que encontramos na FMUSP parece acontecer em todo o país, independente do tipo de revista pesquisada. Nunca é demais insistir que a intenção por trás das publicações em medicina é de disseminar o conhecimento. Como tal, o valor de publicar em revistas que não podem ser consultadas seria questionável.

Podemos especular sobre possíveis explicações. É possível que, como a tese seria parte de uma linha de pesquisa, os autores, especialmente o orientador, estariam aguardando mais resultados para transmitir uma mensagem mais convincente. Na realidade, o que ocorre seria exatamente o oposto. Como a avaliação dos pesquisadores se baseia no número de suas publicações, a tendência é submeter artigos o mais precocemente possível, com medo de perder seu impacto4. Tal pressa em publicar certamente ameaça a qualidade. Mas, definitivamente, este não parece o caso em nossa Faculdade, em relação ao tema em discussão.

A falta de apoio institucional poderia ser um fator responsável pelos resultados observados em nosso estudo. Esta possibilidade foi avaliada na Croácia, onde 34% das teses de PhD resultaram em artigos em MEDLINE. Os autores encontraram uma diferença significativa entre duas universidades, sugerindo enfoques institucionais diferentes quanto à publicação5.

Podemos argumentar que as teses seriam apresentadas em simpósios ou congressos internacionais, e subseqüentemente não aceitas para publicação. A probabilidade de publicação para artigos originados em resumos de congresso correlaciona-se à apresentações orais, em pequenas reuniões, ou em congressos nos EUA. Resumos de pesquisa básica bem como trabalhos que apresentam resultados positivos associam-se melhor com publicação final6. No caso da Faculdade de Medicina, mesmo trabalhos apresentados em congressos não resultaram em maior número de publicações. Esta conclusão é indireta e baseia-se no plateau das taxas de publicação observado quatro anos após a defesa da tese. Seria possível que a maioria das teses de doutorado avaliadas em nossa Faculdade tivesse apresentado um padrão exatamente oposto ao descrita acima?

Na Alemanha, mais de 90% de todos os médicos obtiveram titulo de doutor7. Três razões principais explicam estas observações: primeiro, existe uma crença generalizada que o doutorado ajuda a conseguir melhores empregos; segundo, a maioria dos médicos acredita que o doutorado os ajuda a se manterem atualizados; finalmente, o doutorado abre oportunidade para o médico familiarizar-se com novos métodos experimentais, ou até com a especialização em alguma área específica da medicina. No entanto, nem todas as teses médicas resultam em publicações. Um estudo realizado em Heidelberg8 demonstrou que a publicação foi influenciada por três fatores: um resultado significativamente positivo, a atividade acadêmica e as publicações do orientador e a qualidade da análise estatística.

Estes dados sugerem que as baixas taxas de publicação encontradas na FMUSP poderiam se beneficiar pelas lições contidas nestes dados. A qualidade da análise estatística poderia ser facilmente melhorada, mas acreditamos que a atividade acadêmica e as publicações dos orientadores seriam os pontos que mereceriam a maior atenção. A avaliação dos programas de pós-graduação, realizada pela Coordenadoria de Aprimoramento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) se baseia, em parte, no número de artigos publicados pelos orientadores, e, mais ainda, no número de artigos publicados em conjunto com os estudantes. Apesar de ainda haver heterogeneidade nos números relatados em recente relatório da instituição9, parece não haver dúvidas quanto à necessidade e à importância de tais critérios. Os números observados neste estudo poderiam explicar porque a maioria dos programas de pós-graduação de nossa Faculdade não alcançou as notas mais elevadas naquela avaliação. Claramente, existe uma outra janela de oportunidades para ser explorada pela FMUSP.

Finalmente, a explicação mais provável para a deficiência aqui apontada está no sistema da pós-graduação per se. O sistema inteiro continua a funcionar como uma extensão da graduação médica. O conceito da pós-graduação como iniciação para pesquisadores, apesar de teoricamente aceita, não tem sido praticada. Pior, isso não é nenhuma novidade10.

Apesar de desejável, ninguém espera que todos ou doutorados produzam pesquisa realmente inovadora. A necessidade de pesquisadores capazes de entender e se atualizar nos desenvolvimentos mais recentes é essencial para qualquer país, e deveria ser um dos objetivos do sistema de graduação. Infelizmente, se estes pesquisadores "médios" não participarem no sistema de publicações, não poderemos nos assegurar que tal objetivo seja algum dia alcançado. Certamente, a falta de publicações compromete a qualidade de nossos médicos como um todo11.

REFERÊNCIAS

1. de Meis L, Velloso A, D Lannes, Carmo de Meis C. The growing competition in Brazilian science: rites of passage, stress and burnout. Braz J Med Biol Res 2003;36(9):1135-1141.

2. Salmi LR, Gana S, Mouillet E. Publication pattern of medical thesis, France, 1993-98. Med Educ. 2001;35(1):18-21.

3. Coura JR, Willcox Lde C. Impact factor, scientific production and quality of Brazilian medical journals. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2003;98(3):293-7.

4. Lawrence PA. The politics of publication. Nature. 2003; 422(6929):259-61.

5. Frkovic V, Skender T, Dojcinovic B, Bilic-Zulle L. Publishing scientific papers based on Master's and Ph.D. theses from a small scientific community: case study of Croatian medical schools. Croat Med J. 2003;44(1):107-11.

6. von Elm E, Costanza MC, Walder B, Tramer MR. More insight into the fate of biomedical meeting abstracts: a systematic review. BMC Med Res Methodol. 2003;3(1):12.

7. Diez C, Arkenau C, Meyer-Wentrup F. The German medical dissertation—time to change? Acad Med. 2000;75(8):861-3.

8. Vogel U, Windeler J. Factors modifying frequency of publications of clinical research results exemplified by medical dissertations. Dtsch Med Wochenschr. 2000;125(5):110-3.

9. Marchini JS, Leite JP, Velasco IT. Avaliação da Pós Graduação da Capes: homogenia ou heterogenia. Infocapes 2001; 9:7-16

10. Borges DR. Postgraduate studies in the medical field. Rev Assoc Med Bras. 1994;40(4):271-5.

11. Does research make for better doctors? Lancet.1993;342:1063-64.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2005
  • Data do Fascículo
    Fev 2005
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