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Identificação das áreas susceptíveis aos processos erosivos em duas bacias do Sistema Cantareira por meio de diferentes cenários

Identifying susceptible areas to erosive processes in the Cantareira System, based on different scenarios

Resumos

Neste trabalho, com base em Geoprocessamento e pesquisas de campo, o objetivo é identificar áreas susceptíveis à erosão na cabeceira da bacia do rio Atibaia, ou seja, as bacias dos rios Cachoeira e Atibainha a montante das barragens do Sistema Cantareira. Em relação ao relevo, além das características de declive, as áreas saturadas de água também interferem no escoamento superficial das vertentes, sendo consideradas, portanto, áreas susceptíveis à erosão. Cruzaram-se informações de relevo (declividades e áreas saturadas), uso e ocupação das terras e seus respectivos procedimentos em dois cenários: os dos anos de 1986 e 2005. Os resultados indicaram que, em 1986 e 2005, o uso e ocupação são mata nativa, pastagem e silvicultura e que está ocorrendo uma transição: pastagem e mata nativa estão sendo substituídas por silvicultura. Na área estudada, predomina o relevo ondulado médio (20 a 32,5% de declive) e as áreas de acumulação de água consistem em 25% da área total. As áreas altamente susceptíveis à erosão evoluíram no intervalo de 19 anos e a bacia do Atibainha apresentou os maiores índices. A identificação das áreas susceptíveis à erosão, utilizando série histórica, disponibiliza material que auxilia no reconhecimento da realidade da região, apresentando caminhos para ações de planejamento agroambiental.

manejo de bacia hidrográfica; susceptibilidade à erosão hídrica; geoprocessamento


This research work presents, based on geoprocessing and field surveys, erosion-susceptible areas in the Atibaia headwater stream watershed: Cachoeira and Atibainha upstream Cantareira System dams. In addition to slope characteristics, water-saturated areas also intervene in the surface runoff process, being considered, therefore, erosion-susceptible areas. Thus, relief information such as slope and water-saturated areas, land use in two scenarios, in 1986 and 2005, and their respective procedures, were crossed. The results indicated that in 1986 and 2005, land use was represented by native forest, pasture and forestry, with a transition: pasture and native forest are being replaced by forestry. In the studied area, medium wavy relief is predominant, i. e., 20 to 32.5% slope, and water-saturated areas represent 25% of total area. The highly erosion-susceptible areas evolved during the 19-year interval, and the Atibainha watershed presented the highest indices. The identification of erosion-susceptible areas using historical series provides data useful in assisting the recognition of the region's reality, pointing ways for agriculture-environment planning.

watershed management; hydric erosion susceptibility; geoprocessing


SOLOS

Identificação das áreas susceptíveis aos processos erosivos em duas bacias do Sistema Cantareira por meio de diferentes cenários

Identifying susceptible areas to erosive processes in the Cantareira System, based on different scenarios

Vânia Rosa Pereira* * Autor para correspondência. E-mail: vaniarp@ige.unicamp.br ; José Teixeira Filho

Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Cx. Postal 6152, 13083970, Campinas, São Paulo, Brasil

RESUMO

Neste trabalho, com base em Geoprocessamento e pesquisas de campo, o objetivo é identificar áreas susceptíveis à erosão na cabeceira da bacia do rio Atibaia, ou seja, as bacias dos rios Cachoeira e Atibainha a montante das barragens do Sistema Cantareira. Em relação ao relevo, além das características de declive, as áreas saturadas de água também interferem no escoamento superficial das vertentes, sendo consideradas, portanto, áreas susceptíveis à erosão. Cruzaram-se informações de relevo (declividades e áreas saturadas), uso e ocupação das terras e seus respectivos procedimentos em dois cenários: os dos anos de 1986 e 2005. Os resultados indicaram que, em 1986 e 2005, o uso e ocupação são mata nativa, pastagem e silvicultura e que está ocorrendo uma transição: pastagem e mata nativa estão sendo substituídas por silvicultura. Na área estudada, predomina o relevo ondulado médio (20 a 32,5% de declive) e as áreas de acumulação de água consistem em 25% da área total. As áreas altamente susceptíveis à erosão evoluíram no intervalo de 19 anos e a bacia do Atibainha apresentou os maiores índices. A identificação das áreas susceptíveis à erosão, utilizando série histórica, disponibiliza material que auxilia no reconhecimento da realidade da região, apresentando caminhos para ações de planejamento agroambiental.

Palavras-chave: manejo de bacia hidrográfica, susceptibilidade à erosão hídrica, geoprocessamento.

ABSTRACT

This research work presents, based on geoprocessing and field surveys, erosion-susceptible areas in the Atibaia headwater stream watershed: Cachoeira and Atibainha upstream Cantareira System dams. In addition to slope characteristics, water-saturated areas also intervene in the surface runoff process, being considered, therefore, erosion-susceptible areas. Thus, relief information such as slope and water-saturated areas, land use in two scenarios, in 1986 and 2005, and their respective procedures, were crossed. The results indicated that in 1986 and 2005, land use was represented by native forest, pasture and forestry, with a transition: pasture and native forest are being replaced by forestry. In the studied area, medium wavy relief is predominant, i. e., 20 to 32.5% slope, and water-saturated areas represent 25% of total area. The highly erosion-susceptible areas evolved during the 19-year interval, and the Atibainha watershed presented the highest indices. The identification of erosion-susceptible areas using historical series provides data useful in assisting the recognition of the region's reality, pointing ways for agriculture-environment planning.

Key words: watershed management, hydric erosion susceptibility, geoprocessing.

Introdução

Os processos de erosão hídrica são fortemente afetados pelos materiais de superfície, topografia, sazonalidade das chuvas e cobertura vegetal e podem ser potencializados pelos distúrbios ocorridos no solo, tais como uso das terras, seus respectivos manejos e presença e/ou construção de estradas.

Em relação às características do meio físico, as áreas variáveis de afluência, também denominadas áreas saturadas, correspondem às áreas que preponderantemente apresentam acumulação de água no subsolo das bacias hidrográficas, podendo, assim, ser consideradas áreas bastante susceptíveis aos processos erosivos. As áreas saturadas são as primeiras a gerar o excesso de escoamento superficial em um evento de chuva, caso não estejam com sua cobertura vegetal original (EASTON et al., 2008).

Nas décadas de 1970 e 1980, inúmeros pesquisadores tentaram entender e quantificar as relações dos componentes da paisagem com os processos erosivos, já que a relação entre as variáveis formadoras do relevo estava estabelecida. No entanto, não se sabia o quanto cada variável contribuía para a modelagem das vertentes.

Dunne (1979) apresentou um dos primeiros trabalhos relacionando a produção de sedimentos com seus maiores agentes controladores em regiões de clima equatorial e examinando os efeitos nas relações regionais e globais. Análises da produção de sedimentos em 61 bacias hidrográficas no Quênia, realizadas pelo autor durante o período de 1958 a 1968 (intervalo de 20 anos), indicaram que o uso da terra, na escala regional, é o fator dominante, mas que, nos diferentes tipos de uso da terra, é possível reconhecer os efeitos das variáveis climáticas e topográficas. Assim, o fator procedimento agrícola de uso e ocupação das terras também é considerado de suma relevância nos processos erosivos.

Atualmente, nas áreas de silvicultura, no Estado de São Paulo, essas questões são de extrema importância. O procedimento agrícola das plantações florestais, por exemplo, envolve duas fases críticas de impactos hidrológicos: o preparo do solo e a colheita florestal. O preparo do solo se inicia com a retirada da cobertura vegetal e continua com a sistematização do terreno (aração e gradagem), procedimentos que além de expor totalmente o solo, associados, acentuam ainda mais sua fragilidade em relação às perdas de solo.

O procedimento efetuado na colheita florestal está associado à compactação do solo, à erosão e ao aumento do aporte de sedimentos e nutrientes para os cursos d'água. (LIMA et al., 2002).

Estudos relacionados à erosão hídrica, realizados no Estado de São Paulo na escala da bacia hidrográfica efetuados por Tavares et al. (2003) e Garcia e Espíndola (2001) utilizando Sistemas de Informação Geográfica (SIG) para identificar áreas de risco de degradação ambiental, obtiveram bons resultados na elaboração de materiais para serem utilizados no planejamento agroambiental.

Kirkby et al. (2000) também atingiram bons resultados no mapeamento das areas de riscos erosivos a partir de dados qualitativos para estimar a degradação dos solos na França com resolução espacial de 250 metros.

O dimensionamento e a operação dos reservatórios de regularização de água são fortemente afetados pelas intensificações dos processos erosivos quando os tipos de uso e ocupação das terras estão acima dos limites da aptidão das terras das bacias hidrográficas.

Assim, o objetivo deste trabalho foi identificar a evolução das áreas susceptíveis aos processos erosivos do ano de 1986 para o ano de 2005, com base no cruzamento de planos de informação considerados relevantes neste processo nas bacias do rio Atibainha e Cachoeira a montante do Sistema Cantareira, definida, segundo Lei Estadual nº 7.438, de 16 de julho de 1991 - São Paulo, Áreas de Proteção Ambiental (APA) pela sua importância em relação aos mananciais e a sua dupla função de abastecimento de água potável: os reservatórios integram o Sistema de Abastecimento Cantareira e foram construídos para abastecer Campinas e a região metropolitana de São Paulo (RMSP), uma das áreas mais populosas do país.

Material e métodos

As bacias dos rios Atibainha e do Cachoeira a montante dos reservatórios do Sistema Cantareira de Abastecimento de Água (Figura 1) localizam-se entre os paralelos 22º 50' 37.24" S e 23º 11' 43.65" S e os meridianos 46º 01' 56.20" W e 46º 17' 31.12 W, abrangendo uma área total de 447 km2.


A área de estudo é pertencente aos municípios de Camanducaia, Estado de Minas Gerais, Joanópolis, Estado de São Paulo, Piracaia, Estado de São Paulo e Nazaré Paulista, Estado de São Paulo e consiste na área de nascentes da bacia do rio Atibaia, sub-bacia do rio Piracicaba (localização da bacia no Estado de São Paulo).

Nessa região, o desmatamento ocorreu no século XIX para abrigar as plantações de café; posteriormente, pela crise cafeeira de meados do século XX, a atividade desenvolvida foi a pastagem, uma vez que as altas declividades não permitiam a agricultura mecanizada. A vegetação original pertencia ao bioma de mata atlântica, variando em Floresta Ombrófila densa e mista, e, atualmente, consiste em mata secundária.

O clima da região é subtropical de altitude, com temperatura média de 20ºC, média máxima de 23ºC e média mínima 14ºC, com verão de setembro a março e inverno de abril a agosto. Segundo a divisão internacional de Köeppen, está na faixa de ocorrência do subtipo Cwa - com inverno seco e verões quentes.

Na região, predominam as declividades de 20 a 45%, em área de relevo montanhoso, que, associadas à geologia local (rochas do complexo cristalino), apresentam solos susceptíveis aos processos erosivos. Assim, neste estudo, devido à escala da informação de solos disponível para a área (1: 500.000), foi considerado que, em relação aos solos, toda a área é susceptível à erosão hídrica.

Os materiais utilizados neste estudo foram:

- Imagens dos sensores Landsat TM e ETM nas datas 06/08/1986 e 11/09/2005, com as bandas 3, 4 e 5, cedidas gentilmente pelo Laboratório de Geoprocessamento da Faculdade de Engenharia Agrícola (LABGEO), Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) para classificação de uso das terras.

- Mosaico do Modelo Digital de Elevação (MDE) do sensor Aster (Advanced Spaceborne Thermal Emission and Reflection Radiometer) para o Estado de São Paulo e quadrículas do Estado de Minas Gerais, gentilmente cedido pelo Cepagri (Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura) com resolução espacial de 30 m para identificar a área variável de afluência (AVA) e as classes de declividade.

- Questionário socioeconômico-ambiental aplicado aos proprietários e/ou agricultores da área de estudos e a representantes de órgãos governamentais, como a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria da Agricultura e Abastecimento dos municípios inseridos na área das bacias de estudos.

- Ferramentas de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) Idrisi Kilimanjaro e Arcview 3.2 e Programa de Processamento de Imagens: ENVI 4.0.

- Rotina AVA do programa de simulação hidrológica (vazão) Top Model para identificação das áreas de acumulação de água (área variável de afluência).

O pré-processamento das imagens Landsat consistiu no georreferenciamento e ajuste no sistema de projeção UTM datum SAD 69 tendo como base uma imagem ortorretificada da área de estudos, disponibilizada pelo site da NASA (National Aeronautics and Space Administration). No georreferenciamento das imagens, considerou-se como critério um erro médio mínimo de deslocamento de 0,1 pixels e, no mínimo, 30 pontos para cada imagem.

A classificação de uso e ocupação das terras foi realizada por meio da composição colorida nas bandas 453 RGB do ano de 1986 e 2005. O processamento das imagens consistiu em três etapas: georreferenciamento, classificação supervisionada, confirmação com dados de campo e correção das falhas da classificação anterior ao campo.

O cálculo da AVA foi feito com base no MDE do sensor ASTER (índice topográfico) em uma rotina do Top Model e reclassificado para identificar as áreas de acumulação de água na área de estudos. As classes de declividades foram elaboradas por meio do mosaico do MDE do sensor Aster no software Idrisi Kilimanjaro, na função denominada "slope", e utilizou-se como base a legenda do mapa de solos do Estado de São Paulo, elaborado por Oliveira et al. (1999).

As classes de porcentagem de declividade de maior ocorrência na área de estudo foram verificadas e, posteriormente, os intervalos foram reclassificados, de forma a obter maior detalhamento nas classes predominantes na área de estudos.

Em relação aos processos erosivos, a identificação dos níveis de risco, nos dois cenários analisados, foi realizada com base no cruzamento dos mapas temáticos de declividade e áreas de acumulação de água, sendo que o resultado deste cruzamento foi novamente cruzado com os mapas de uso e ocupação das terras de 1986 e 2005 (associados às informações do procedimento agrícola adotado em cada cultura) no ambiente de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) conforme ilustração da Figura 2.


Os procedimentos agrícolas foram identificados por meio da aplicação de questionário socioambiental aos proprietários da área de estudo e a representantes de órgãos governamentais, como a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) da Secretaria da Agricultura e Abastecimento dos municípios que integram a área de estudo.

O foco do questionário foi identificar o ciclo da cultura, a existência/ausência de assistência técnica adequada, a utilização de agroquímicos e fertilizantes, a existência/ausência de períodos de preparo de solo e a finalidade da cultura.

Resultados e discussão

A classificação de uso e ocupação, com base em imagens Landsat TM e ETM, com resolução espacial de 30 m, resultou em um bom indicador das condições de evolução de ocupação na área de estudo. Os resultados da classificação temporal (Tabela 1) indicaram que os tipos de uso e ocupação nas bacias do rio Atibainha e Cachoeira, nos dois anos analisados (1986 e 2005), consistem em mata secundária/nativa, silvicultura, pastagem, capoeirão e estradas. No entanto, a distribuição das culturas nas bacias de estudo, ao longo dos 19 anos, sofreu alterações consideráveis.

A análise dos cenários de 1986 a 2005, quanto à evolução de uso e ocupação das terras na bacia do rio Cachoeira demonstra que houve desmatamento de 9% da área total da bacia e acréscimo da silvicultura de 14%, o que significa claramente que as áreas de mata nativa e pastagem estão sendo substituídas pela silvicultura.

Os cenários de evolução de uso e ocupação das terras na bacia do rio Atibainha, de 1986 a 2005, revelam que houve desmatamento de 17% da área total da bacia e um acréscimo da silvicultura de 20%. O processo de desmatamento na bacia do Atibainha é bastante similar ao que ocorreu na bacia do Cachoeira: as áreas de mata nativa estão sendo convertidas em silvicultura.

Portanto, percebe-se que houve uma modificação em relação às proporções de uso das terras e não na mudança de culturas agrícolas, demonstrando que a área de estudo caracteriza-se como área agrícola. A análise da dinâmica de uso e ocupação das terras na área de estudo já é um forte indicativo de que as áreas de risco e/ou susceptibilidade em relação aos processos erosivos têm tendência para evoluir ainda mais, tendo em vista o aumento gradativo dos desmatamentos que vem ocorrendo nesses 19 anos analisados.

Na medida em que crescem os índices de desmatamento em uma bacia hidrográfica, dependendo das condições de relevo e da nova cobertura vegetal, assim como de sua dinâmica e procedimentos agrícolas adotados, a tendência é aumentar os processos de erosão hídrica.

As classes de declividades identificadas, a partir do histograma e suas respectivas classificações de relevo, foram de 0 a 8% (Plano), 8 a 20% (Ondulado), 20 a 32,5% (Ondulado médio), 32,5 a 45% (Ondulado forte) e > 45% (Montanhoso).

O relevo do tipo ondulado, ondulado médio e ondulado forte são as classes que mais ocorrem na área. No entanto, a classe de declividade predominante em ambas as bacias é a de 20 a 32,5% de declive, ou seja, áreas de relevo ondulado médio. Na bacia do Cachoeira, 37% da área da bacia consiste em declividades entre 20 a 32,5%, e, na bacia do Atibainha, 39% da área possui essas declividades.

Assim, analisando hierarquicamente as bacias, em razão de suas características específicas, para classificar as áreas com susceptibilidade em relação aos processos erosivos, considerou-se que, até 8% de declive, a susceptibilidade é baixa, de 8 a 32,5%, é média e as áreas acima de 32,5% foram consideradas altamente susceptíveis.

As declividades observadas, associadas à realidade identificada na classificação de uso e ocupação das terras, indicam que as áreas com declividades acima de 32,5%, cuja cobertura vegetal não seja vegetação original ou secundária, consistem em áreas com alta potencialidade para escoamento superficial e, consequentemente, em áreas com alta susceptibilidade em relação aos processos erosivos, pela sua fragilidade em relação à erosão hídrica.

Com base no mesmo raciocínio exposto no parágrafo anterior, hierarquicamente, as áreas com declividade de até 8% em qualquer situação de uso e ocupação das terras existentes nas bacias de estudo consistem em áreas com baixa susceptibilidade em relação aos processos erosivos. Isso porque, mesmo nas condições de cobertura de pastagem e eucalipto, em declividades amenas de até 8%, apresentam condições para que a água das chuvas infiltre nos solos de forma a não causar grandes carreamentos de sedimentos.

No entanto, ainda em relação ao relevo, no processo de erosão das vertentes, além das declividades, é importante identificar as áreas saturadas de uma bacia hidrográfica. As áreas saturadas estão diretamente relecionadas à erosão hídrica, pois os fluxos de águas superficiais e subsuperficiais se acumulam nas proximidades da drenagem e, dependendo da cobertura vegetal dessas áreas, ocorre a intensificação do carreamento das partículas de solo.

As áreas de acumulação de água correspondem a 25% da área de estudo. Na bacia do Cachoeira, o valor registrado foi de 77 km2 e, na bacia do Atibainha, as áreas de acumulação de água são 35 km2 da área da bacia, ou seja, na Bacia do Cachoeira e na bacia do Atibainha, as áreas de acumulação representam 25% dessas bacias.

As áreas saturadas, associadas às classes de declividade da área de estudo são fortes indicadores para identificar as áreas susceptíveis aos processos erosivos. A identificação das áreas saturadas é um detalhe que enriquece a identificação de áreas susceptíveis, pois, muitas vezes, a declividade pode não ser identificada como área de alto risco, mas, se for também considerada área saturada, será, consequentemente, área com alta susceptibilidade.

As áreas saturadas, em qualquer declividade que não tenha cobertura vegetal original, serão, automaticamente, consideradas áreas com alta susceptibilidade em relação aos processos erosivos.

No entanto, essa relação entre cobertura vegetal e relevo não é suficiente para identificar a susceptibilidade à erosão. Outros fatores interferem de maneira direta no processo erosivo em bacias hidrográficas com características agrícolas: o fator procedimento agrícola é, em determinadas situações, um controlador ou um acelerador dos processos erosivos nas vertentes.

A relação entre relevo e cobertura vegetal e processos erosivos numa vertente é diretamente proporcional: quanto mais íngreme o terreno, e menos densa for sua cobertura vegetal, maior será a produção de sedimentos nessa vertente. No entanto, se o manejo de solos for adequado às condições da região, esse processo pode ser controlado, de forma a não ser um empecilho à implantação de determinada cultura.

As entrevistas demonstraram que a pastagem está sendo substituída pela silvicultura pelo baixo preço do leite no mercado. A silvicultura, nesta área, tem como finalidade os produtos de lenha e carvão vegetal, predominando a espécie de eucalipto "vermelho" (Eucalyptos urophylla) e o ciclo de corte das árvores é de quatro a cinco anos com utilização de fogo para facilitar a retirada da madeira e eliminar os galhos mais finos.

Nas respostas aos questionários, no que diz respeito às preferências da época de corte das florestas plantadas (período de chuva ou de seca), foi identificado que o critério da maioria dos silvicultores é o da demanda econômica.

No entanto, nas plantações, a preferência de 100% dos produtores entrevistados é plantar no "período das águas", ou seja, nos meses mais chuvosos, entre novembro e fevereiro, e 30% utilizam a aração com trator no preparo das terras.

Em relação à atividade de pastagens plantadas, segundo os resultados das entrevistas, o capim predominante na área de estudo é do tipo Brachiaria (Brachiaria decumbens). A finalidade da atividade é a criação de gado para leite (80%) e, em menor escala, para corte (20%).

A utilização de insumos agrícolas na atividade de pastagem é praticamente nula na área de estudo. Segundo a CATI, o manejo é realizado com roçada e fogo para limpar o pasto.

No entanto, na área de estudo, os proprietários entrevistados estão abandonando a atividade de pastagem, queixando-se de que o preço do leite é muito baixo, impedindo a continuação do produtor em tal atividade. As pastagens plantadas são substituídas por plantações de eucalipto, que, segundo os proprietários, é uma atividade mais lucrativa, que necessita de pouca manutenção, em comparação com as pastagens, que estão em estágio de degradação, com baixo potencial de forração.

Souza et al. (2008) estudaram a variabilidade espacial de atributos químicos em um Argissolo sob pastagem em estágio similar ao das bacias do Cachoeira e Atibainha. A área de estudo dos autores localiza-se na região sul do Espírito Santo, com declividades acentuadas e pastagens com baixo rendimento, consideradas áreas degradadas. A conclusão do estudo de Souza et al. (2008) é de que os atributos químicos, em razão do manejo adotado e do longo tempo sem aplicação de fertilizantes e corretivos, são de baixa fertilidade nas pastagens. Os estudos de Souza et al. (2008) parecem justificar o abandono das atividades de pastagem nas bacias do Atibainha e Cachoeira.

Poucos foram os proprietários entrevistados que afirmaram realizar apenas uma atividade. Nas duas bacias estudadas, as atividades de pastagem associadas à silvicultura estão em 80% das propriedades, sendo que, até as datas das entrevistas (outubro de 2006 e janeiro de 2007), a tendência do agricultor é desenvolver mais a silvicultura, devido ao retorno financeiro.

Tendo em vista os procedimentos agrícolas, tais como manejo, época de plantio, corte, tipos e tempo de corte dos eucaliptos, definiu-se que a silvicultura, na área de estudo, é a prática mais susceptível aos processos erosivos. Na relação hierárquica, a silvicultura e as estradas foram consideradas como de alto risco, a pastagem e o capoeirão de médio risco e as matas nativas e/ou secundárias de baixo risco.

O resultado do cruzamento dos planos para a identificação das áreas susceptíveis à erosão hídrica nos dois cenários analisados - 1986 e 2005 - (Tabela 2), na área de estudo, indicou que as áreas de alto risco obtiveram aumento significativo de 14%. No entanto, as bacias se comportaram de forma diferenciada: a bacia do rio Cachoeira apresentou acréscimo de 11% nas áreas de alto risco enquanto a bacia do Atibainha apresentou 19%.

A Figura 3 apresenta a classificação final das áreas susceptíveis aos processos erosivos na área de estudo e demonstra claramente a evolução das áreas de alta susceptibilidade ao longo dos 19 anos analisados. Observando-se espacialmente a distribuição dessas áreas, nota-se que elas aumentaram nas proximidades dos maiores fragmentos de matas nativas e nas proximidades dos reservatórios de abastecimento, nas porções a jusante de ambas as bacias.


O fato de as áreas altamente susceptíveis aos processos erosivos se localizarem próximas aos reservatórios de abastecimento resulta na identificação de mais um problema: a possível potencialização de degradação dos reservatórios de abastecimento de água.

Beschta et al. (2000), ao relacionar eventos de picos de cheia em bacias hidrográficas com silvicultura em região montanhosa no estado de Oregon , nos Estados Unidos (EUA), verificaram que os picos de cheia aumentam de 0,4 para 5 anos de recorrência em função dos cortes das toras e dos efeitos observados nas estradas na silvicultura em 1960.

Brown et al. (2007) utilizaram modelagem hidrológica para verificar os impactos das plantações de florestas na quantidade de água na Austrália. Os autores identificaram que, quando há uma grande porcentagem de plantações em uma bacia hidrográfica de pequeno porte, as médias anuais de vazões em períodos de estiagem tendem a decrescer 23%.

Germer et al. (2009) compararam a dinâmica hidrológica de duas bacias hidrográficas: uma com mata nativa e outra em área de desmatamento com pastagem estabelecida há 20 anos no estado de Rondonia, na Amazonia brasileira. Os resultados encontrados pelos autores indicaram que, mesmo após 20 anos da implementação das pastagens, as vazões nos períodos chuvosos são 17% maiores do que com cobertura de mata original. A pastagem também apresentou perdas de potássio (K+) e magnésio (Mg2+).

Em relação aos problemas de quantidade de água, Beschta et al. (2000), Costa et al. (2003), Siriwardena et al. (2006), Brown et al. (2007) e Germer et al. (2009) estudaram o comportamento hidrológico em bacias hidrográficas que passaram por conversão de uso das terras. Os estudos dos autores indicaram que existe uma relação direta entre conversão de mata nativa para pastagem e silvicultura e alterações no escoamento superficial das vertentes, acarretando mudanças significativas no regime hidrológico.

As alterações no regime hidrológico são também indicadoras dos processos erosivos, que estão associados. Nelson e Booth (2002) estudaram a produção de sedimentos decorrente do uso das terras em uma bacia hidrográfica de relevo montanhoso no sudoeste de Washington, EUA e constataram que o maior volume de sedimentos era oriundo das estradas de terra em regiões de florestas plantadas.

Navas et al. (2005)¸ com base em estudos de campo e leituras com césio 137, estudaram os processos de erosão dos solos em área montanhosa na região do mediterraneo e identificaram que essas áreas se concentram nos fundos de vale.

Assim, os resultados deste trabalho são coerentes com os encontrados na literatura e indicam que o aumento das áreas de alta susceptibilidade à erosão, neste intervalo de 19 anos, está diretamente relacionado à nova dinâmica de ocupação das terras e aos procedimentos agrícolas adotados, uma vez que as práticas agrícolas na silvicultura, que é a atividade em expansão, são inadequadas à realidade da região.

Conclusão

O trabalho mostrou que a incorporação e interrelação de informações georreferenciadas no banco de dados geográficos possibilitam a determinação das áreas susceptíveis aos processos erosivos. A identificação dessas áreas pode vir a ser refinada por meio da incorporação, no banco de dados, de outras informações relevantes, tais como sazonalidade e intensidade de chuvas, geologia, a densidade da malha viária.

A análise baseada em dados temporais, considerando diferentes cenários para a mesma região, é uma perspectiva enriquecedora para refinar informações que embasem as ações de planejamento conservacionista. Como foi demonstrado, na área de estudo, no intervalo de 19 anos, observou-se um acréscimo de 14% das áreas de alto risco. O acréscimo dessas áreas de alto risco está associado às novas dinâmicas de ocupação do território. As duas bacias estudadas apresentaram altos índices de desmatamento nesse período, reduzindo em torno 12% das áreas de mata nativa. Essas áreas desmatadas estão sendo substituídas em sua maior parte por silvicultura associada às técnicas rudimentares de procedimentos agrícolas. Assim, o histórico de uso e ocupação das terras é uma referência da dinâmica socioeconômica da região e consiste em um plano de análise esclarecedor dos problemas e limitações da região estudada, apresentando tendências e perspectivas que a análise imediata não disponibiliza.

Os resultados demonstram que os objetivos do estudo foram alcançados. O material que está sendo disponibilizado é resultante de um primeiro olhar para a área de estudo, mas oferece critérios para o direcionamento de ações de planejamento agroambiental, especialmente para a gestão dos recursos hídricos, em especial, nos reservatórios de regularização do Sistema de Cantareira.

Agradecimentos

À Capes, ao Instituto de Geociências (IG)/Unicamp, ao Laboratório de Geoprocessamento da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)/Unicamp, ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ao Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri)/Unicamp.

Received on September 14, 2007.

Accepted on March 17, 2008.

License information: This is an openaccess article distributed under the terms of the Creative Commons Attribution License, which permits unrestricted use, distribution, and reproduction in any medium, provided the original work is properly cited.

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    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2008
    • Recebido
      14 Set 2007
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