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Rendimento de cana-de-açúcar cultivada em Argissolo, utilizando lodo de esgoto como fonte de fósforo

Sugarcane yield in Ultisol, using sewage sludge as a phosphorus source

Resumos

O fornecimento de fósforo pelo lodo de esgoto (LE) para as culturas ainda não é um fenômeno bem conhecido. Com o objetivo de quantificar a resposta da cana-de-açúcar, variedade SP83-2847, à substituição da adubação fosfatada mineral pela aplicação de lodo de esgoto, foi instalado um experimento em um Argissolo Vermelho-Amarelo em Capivari, Estado de São Paulo. Os tratamentos, dispostos em blocos casualizados, com quatro repetições, constaram de: 1 - controle; 2 - Fertilização mineral (FM); 3 - LE+0P; 4 - LE+45P; 5 - LE+90P; 6 - LE+135P e 7 - LE+180P. A dose de LE, 8,2 t ha-1 (base seca), foi suficiente para fornecer 60 kg ha-1 de N, e as doses de P foram iguais a 0, 45, 90, 135 e 180 kg ha-1de P2O5. Não houve efeito dos tratamentos nos valores de pH, matéria orgânica do solo, P e condutividade elétrica do solo, na camada de 0-20 cm de profundidade. Houve aumento na disponibilidade de cobre, ferro e zinco no solo e da concentração de Mn e Zn nas folhas com o LE. A aplicação de LE+0P resultou numa produção de colmos de cerca de 71% da verificada no tratamento FM, e não houve alterações na quantidade de açúcar total recuperável (ATR) com a aplicação do resíduo.

biossólido; fertilidade do solo; produção de colmos


The objective of this work was to quantify the response of sugarcane to the replacement of phosphorus, applied as mineral fertilizer, by sewage sludge (SS). Sewage sludge was applied alone and in conjunction with mineral P fertilizer on a sugarcane crop in an Ultisol, SP83-2847 variety, distributed over seven treatments: 1 - control, without fertilization; 2 - mineral fertilization, based on the official recommendation; 3 - SS+0P; 4 - SS+45P; 5 - SS+90P; 6 - SS+135P; and 7 - SS+180P. Treatments 3, 4, 5, 6 and 7 received 8.2 t ha-1 of SS (dry weight), enough to supply 60 kg ha-1 N, and the P fertilizer rates were equal to 0, 45, 90, 135 and 180 kg ha-1 P2O5. Sewage sludge and SS+P did not increase pH, soil organic matter, available P and soil electrical conductivity. An increasing value of available soil Cu, Fe and Zn and foliar Mn and Zn content was observed with sewage application. The SS+0P treatment resulted in a stalk yield corresponding to 71% of that obtained with mineral fertilization, and there were no observed alterations in recoverable total sugar (RTS) amounts.

biosolid; soil fertility; stalk production


PRODUÇÃO VEGETAL

Rendimento de cana-de-açúcar cultivada em Argissolo, utilizando lodo de esgoto como fonte de fósforo

Sugarcane yield in Ultisol, using sewage sludge as a phosphorus source

Marcio Koiti ChibaI,* * Autor para correspondência. E-mail: mkchiba@iac.sp.gov.br ; Maria Emília MattiazzoII; Fernando Carvalho OliveiraII

ICentro de Solos e Recursos Ambientais, Instituto Agronômico, Av. Barão de Itapura, 1481, 13020-902, Campinas, São Paulo, Brasil

IIBiossolo Agricultura e Ambiente Ltda., Piracicaba, São Paulo, Brasil

RESUMO

O fornecimento de fósforo pelo lodo de esgoto (LE) para as culturas ainda não é um fenômeno bem conhecido. Com o objetivo de quantificar a resposta da cana-de-açúcar, variedade SP83-2847, à substituição da adubação fosfatada mineral pela aplicação de lodo de esgoto, foi instalado um experimento em um Argissolo Vermelho-Amarelo em Capivari, Estado de São Paulo. Os tratamentos, dispostos em blocos casualizados, com quatro repetições, constaram de: 1 - controle; 2 - Fertilização mineral (FM); 3 - LE+0P; 4 - LE+45P; 5 - LE+90P; 6 - LE+135P e 7 - LE+180P. A dose de LE, 8,2 t ha-1 (base seca), foi suficiente para fornecer 60 kg ha-1 de N, e as doses de P foram iguais a 0, 45, 90, 135 e 180 kg ha-1de P2O5. Não houve efeito dos tratamentos nos valores de pH, matéria orgânica do solo, P e condutividade elétrica do solo, na camada de 0-20 cm de profundidade. Houve aumento na disponibilidade de cobre, ferro e zinco no solo e da concentração de Mn e Zn nas folhas com o LE. A aplicação de LE+0P resultou numa produção de colmos de cerca de 71% da verificada no tratamento FM, e não houve alterações na quantidade de açúcar total recuperável (ATR) com a aplicação do resíduo.

Palavras-chave: biossólido, fertilidade do solo, produção de colmos.

ABSTRACT

The objective of this work was to quantify the response of sugarcane to the replacement of phosphorus, applied as mineral fertilizer, by sewage sludge (SS). Sewage sludge was applied alone and in conjunction with mineral P fertilizer on a sugarcane crop in an Ultisol, SP83-2847 variety, distributed over seven treatments: 1 - control, without fertilization; 2 - mineral fertilization, based on the official recommendation; 3 - SS+0P; 4 - SS+45P; 5 - SS+90P; 6 - SS+135P; and 7 - SS+180P. Treatments 3, 4, 5, 6 and 7 received 8.2 t ha-1 of SS (dry weight), enough to supply 60 kg ha-1 N, and the P fertilizer rates were equal to 0, 45, 90, 135 and 180 kg ha-1 P2O5. Sewage sludge and SS+P did not increase pH, soil organic matter, available P and soil electrical conductivity. An increasing value of available soil Cu, Fe and Zn and foliar Mn and Zn content was observed with sewage application. The SS+0P treatment resulted in a stalk yield corresponding to 71% of that obtained with mineral fertilization, and there were no observed alterations in recoverable total sugar (RTS) amounts.

Key words: biosolid, soil fertility, stalk production.

Introdução

A aplicação de lodo de esgoto (LE), em áreas agrícolas, tem apresentado efeitos positivos na fertilidade do solo, incrementando a disponibilidade de macro e micronutrientes (DA ROS et al., 1993; OLIVEIRA et al., 1995; BERTON et al., 1997; SIMONETE et al., 2003). A sua utilização no meio agrícola utiliza o solo como agente depurador da carga orgânica e recicla os nutrientes contidos no resíduo, os quais podem ser absorvidos pelas plantas (CORRÊA et al., 2005).

Essa prática, todavia, requer adequado acompanhamento técnico, segundo normas da legislação ambiental vigente. A aplicação do LE no solo deve seguir critérios estabelecidos tanto na Resolução CONAMA nº 375/06 (BRASIL, 2006), quanto na norma técnica P4.230 (CETESB, 1999). Dentre os critérios adotados para a aplicação do LE no solo, tem-se que a dose do resíduo deve resultar num aporte máximo de nitrogênio suficiente para atender à demanda da espécie vegetal. Contudo, em função da relação do teor de N e P no LE ser próxima de 1:4, nas doses estimadas em função do conteúdo de N, aplica-se P em quantidades que excedem a necessidade das plantas.

Isso seria benéfico para a maioria das situações edáficas brasileiras nas quais os solos bastante intemperizados apresentam elevada capacidade de adsorver P, tornando-o pouco disponível para as plantas (RAIJ, 1991). No entanto, não se sabe ao certo quanto do P presente no LE é efetivamente disponibilizado para as plantas, nem se há necessidade de aplicar parte da quantidade requerida do nutriente numa forma prontamente disponível, até que a mineralização da matriz orgânica do LE se tenha processado. Tendo em vista as interações do P com os componentes do solo (NOVAIS; SMYTH, 1999) e sua importância para o desenvolvimento da cana-de-açúcar (ORLANDO FILHO, 1983) estudos dessa natureza são cada vez mais necessários para viabilizar a reciclagem agrícola do lodo de esgoto.

Contudo, há indicações de que a natureza do LE, resultado do tipo de tratamento dispensado aos esgotos, impõem diferenças significativas nas formas do P. Neste contexto, cerca de 40 a 60% do P total em lodos produzidos no Brasil estaria na forma inorgânica, enquanto Sommers et al. (1976) e Sarkar e O'Connor (2004) relataram que o percentual seria de 90%.

Pela falta de informações acerca desse tema, o objetivo deste trabalho foi quantificar o rendimento da cana-de-açúcar cultivada em um Argissolo utilizando LE e doses de P.

Material e métodos

Este trabalho foi conduzido na área comercial de produção de cana-de-açúcar pertencente à Fazenda Boa Esperança, Capivari, Estado de São Paulo, num Argissolo Vermelho-Amarelo, que apresentava, na camada de 0-20 cm: pH CaCl2 - 4,5; Corgânico - 3 g kg-1; Presina - 4 mg dm-3; 0,3; 13; 5; 2; 18 e 36 mmolc dm-3 de K, Ca, Mg, Al, H+Al, SB e CTC, respectivamente, e 149; 255 e 596 g kg-1 de argila, silte e areia. Durante o período experimental, a precipitação pluviométrica acumulada foi de 1.318 mm (Figura 1).


O lodo de esgoto foi obtido na estação de tratamento da Companhia de Saneamento de Jundiaí (CSJ), Estado de São Paulo, a partir de um sistema conhecido com Lagoas Aeradas de Mistura Completa seguidas de Lagoas de Decantação, gerando material com 2% de sólidos e que, após desidratação e caracterização conforme protocolo analítico descrito por EPA (1986) apresentou as seguintes características: 65% de umidade (a 65ºC); pH H2O - 6,1; 265 g kg-1 de carbono oxidável; 26,1; 7,0; 1,4; 8,3; 1,5; 26,7; 23,7 e 20,5 g kg-1 de N, P, K, Ca, Mg, S, Fe e Al, respectivamente, e 10,1; 195; 44,6 e 191 mg kg-1 de Cd, Cr, Ni e Pb, respectivamente.

O solo, um Argissolo Vermelho-Amarelo distrófico, classificado conforme Embrapa (1999), foi preparado de maneira convencional, com uma aração e duas gradagens. A correção do solo foi realizada aplicando-se, em área total, 3 t ha-1 de calcário dolomítico com PRNT de 67%, cerca de 60 dias antes do plantio das mudas (variedade SP83-2847). As parcelas experimentais constaram de sete linhas de cana-de-açúcar com 10 m de comprimento x 1,4 m entre linhas e foram distribuídas seguindo delineamento em blocos casualizados, com quatro repetições. As três linhas laterais, de cada lado da parcela, mais 1 m em cada extremidade, no sentido do comprimento, foram consideradas como bordadura e desprezadas para efeito de amostragem de solo e planta.

No dia do plantio, em 27/3/2003, a área foi sulcada e o lodo de esgoto, os adubos e as mudas foram depositados no fundo do sulco. Os tratamentos constaram de: 1 - controle; 2 - fertilização mineral (FM); 3 - LE + 0P; 4 - LE + 45P; 5 - LE + 90P; 6 - LE + 135P; e 7 - LE + 180P. O tratamento FM recebeu 60 kg ha-1 de N (nitrato de amônio); 180 kg ha-1 de P2O5 (superfosfato triplo) e 150 kg ha-1 de K2O (cloreto de potássio), e o N foi parcelado em duas aplicações (50% no plantio e 50% após 60 dias). As doses de P corresponderam a 0, 25, 50, 75 e 100% da aplicada no tratamento FM.

O lodo de esgoto foi aplicado em dose equivalente a 8,2 t ha-1 (em base seca), quantidade suficiente para fornecer 60 kg ha-1 de N, considerando a taxa de mineralização do N igual a 28%. Este percentual foi obtido, em ensaio anterior, em laboratório, com amostras de LE de mesma procedência e solo retirado do local onde foi instalado o experimento.

As plantas foram cultivadas por 16,5 meses, caracterizando cana-de-ano-e-meio, e foram colhidas manualmente, sem queima da palha, em 5/8/2004. As amostras de solo foram constituídas por seis amostras simples por amostra composta, coletadas na camada de 0-20 cm de profundidade, retirando-se cinco amostras nas entre linhas e uma na linha de cultivo, secas, passadas em peneira de malha de 2 mm de diâmetro e analisadas para pH em solução de CaCl2, carbono orgânico, P-resina, Cu, Fe, Mn e Zn disponíveis por DTPA pH 7,3, conforme Raij et al. (2001), e condutividade elétrica numa suspensão solo:água 1:1 (v/v).

Cádmio, Cr, Ni e Pb no solo foram extraídos com solução de HNO3+HCl, 3:1 (v/v), em placa aquecedora em refluxo (Sastre et al., 1999). Os micronutrientes e os metais Cd, Cr, Ni e Pb foram quantificados por ICP-AES.

Para as análises foliares, coletaram-se 15 folhas TVD+1 (Clements, 1980), por parcela, retirando-se a nervura central. As folhas foram lavadas, secas em estufa de circulação forçada de ar a 65ºC, por 72h, moídas e analisadas, conforme Silva (1999).

A produção de colmos foi quantificada pesando-se os colmos produzidos na área útil de cada parcela com auxílio de dinamômetro. Após a pesagem, de cada parcela retiraram-se dez colmos que foram triturados, prensados hidraulicamente, e parte do caldo foi imediatamente encaminhada para as análises de Brix, Pol, Fibra, Pureza, Açúcares redutores (AR) e Açúcar total recuperável (ATR), conforme César e Silva (1993).

Outra porção do caldo foi acondicionada em frascos plásticos e armazenada a -20ºC até a realização de sua caracterização química, determinando-se: N por destilação diretamente no caldo diluído; P por colorimetria (MURPHY; RILEY, 1962) e Cu, Fe, Mn e Zn por ICP-AES, após incineração de 50 mL de caldo em mufla elétrica e dissolução das cinzas em HCl concentrado.

Os dados foram submetidos ao teste de normalidade dos resíduos e heterogeneidade de variâncias, respectivamente pelos testes de Kolmogorov-Smirnov e Levene. As transformações, quando necessárias, foram realizadas; a análise de variância e a comparação de médias, respectivamente pelo teste F e de Tukey, foram realizadas, em nível de 5% de probabilidade, utilizando-se o software SAS v.6.11 (SAS INSTITUTE, 1989).

Resultados e discussão

Considerando a aplicação de 8,2 t ha-1 de LE, numa camada de 0-20 cm de solo com densidade de 1,0 kg dm-3, houve o aporte de 214 kg ha-1 de N total, 57 kg ha-1 de P total e 2.174,6 kg ha-1 de carbono orgânico. Nestes termos, verifica-se que, especificamente para este tipo de lodo, a dose estimada, com base no aporte de N mineralizável, resultou na aplicação de uma quantidade de P2O5 (130 kg ha-1) abaixo da preconizada pela recomendação oficial de adubação para cana-de-açúcar no Estado de São Paulo que é de 180 kg ha-1. Apesar disso Galdos et al. (2004), fracionando as formas químicas do P no LE proveniente da CSJ, relatou que houve incremento nos teores de P disponível, extraídos com CaCl2 e NaHCO3, com a aplicação de lodo de esgoto. Outros autores, entretanto, também encontraram aumentos significativos nos teores de P associado aos óxidos de Fe e Al, que são tidos como moderadamente lábeis (SUI; THOMPSON, 2000; MAGUIRE et al., 2000).

Houve efeitos significativos dos tratamentos apenas nos teores de Cu, Fe e Zn do solo (Tabela 1). A ausência de efeitos sobre o pH já era esperada tendo em vista que o LE não apresentava caráter alcalino e, principalmente, porque foi realizada a calagem antes do plantio.

Entretanto, os resultados de carbono orgânico e P não eram esperados. O efeito não-significativo dos tratamentos sobre esses atributos pode ter ocorrido por três fatores: a) natureza dos compostos com P; b) esquema da amostragem de solo; c) tempo entre aplicação e amostragem. A permanência do lodo de esgoto produzido pela CSJ, em lagoas de decantação por períodos de até 12 meses antes da desidratação, pode ter contribuído para a produção de um resíduo com a fração orgânica bastante estabilizada, com predominância de compostos de fósforo com ferro, alumínio ou material orgânico recalcitrante. Nessas situações, diferentemente do que foi reportado por Sommers et al. (1976), apesar de se verificar a presença de quantidades totais apreciáveis de P, este seria pouco disponível às plantas e tampouco devidamente quantificado pelos métodos químicos de predição de disponibilidade do nutriente.

Esses resultados estão de acordo com a literatura que indica um aumento nos teores de P associado em compostos de Fe e Al de natureza oxídica (SUI; THOMPSON, 2000; MAGUIRE et al., 2000, GALDOS et al., 2004).

Melo et al. (1994) e Silva et al. (2001) também verificaram efeitos transitórios da aplicação do lodo de esgoto em atributos químicos do solo e atribuíram esse efeito à sua rápida degradação após a incorporação no solo.

Assim, para doses relativamente baixas, menores que 10 t ha-1 (base seca), e períodos de cultivo longos, de um ano ou mais, as alterações nos atributos do solo, se ocorreram, podem ter tido tempo suficiente para retornar aos estados originais. Isso está de acordo com Oliveira et al. (2002) que estimaram serem necessárias várias aplicações anuais de lodo de esgoto, em doses equivalentes a 7 t ha-1 de carbono (base seca), para alterar significativamente os teores de matéria orgânica de um Latossolo Vermelho.

Uma preocupação recorrente quando da utilização de LE em áreas agrícolas tem relação com o aporte de metais no solo, nutrientes de planta ou não. Neste estudo, foram verificadas alterações significativas nos teores disponíveis de Cu, Fe e Zn (Tabela 1).

Isso está de acordo com os resultados apresentados por outros autores que também relataram aumentos na disponibilidade desses elementos com a aplicação do LE (ANJOS; MATTIAZZO, 2001; MARTINS et al., 2003; NASCIMENTO et al., 2004).

Pigozzo et al. (2008) trabalhando com solo de textura média tratado com lodo de esgoto verificaram aumentos nos teores de Cu, Fe, Mn e Zn no solo e em plantas de milho com doses de até 80 t ha-1. Segundo Borges e Coutinho (2004), todavia, a aplicação de doses de lodo de esgoto também resultou na transferência do Zn e do Cu para frações menos disponíveis, como as associadas aos óxidos e à matéria orgânica, podendo resultar na redução da disponibilidade dos mesmos com o passar do tempo.

As variações observadas nos teores de Zn disponível no solo podem ser explicadas devido à aplicação de doses de fósforo, considerando a interação que ocorre entre esses elementos (MENGEL; KIRBY, 1987).

Cádmio, Cr, Ni e Pb não puderam ser adequadamente quantificados porque resultaram em teores muito próximos e mesmo inferiores a 0,1 mg kg-1, que é o limite de determinação da técnica analítica utilizada.

O efeito do LE, na nutrição da cana-de-açúcar, pode ser verificado observando os teores dos nutrientes nas folhas e no caldo (Tabela 2). Verifica-se que a aplicação de LE+0P, efeito isolado do lodo, resultou em teores similares de nutrientes nas folhas e no caldo, em comparação ao tratamento FM. Nas folhas, os teores de nutrientes estiveram dentro da faixa preconizada por Raij et al. (1997) como adequada para a cultura da cana-de-açúcar e correspondente a: 18-25; 1,5-3,0; 10-16; 2,0-8,0; 1,0-3,0 e 1,5-3,0 g kg-1 de N, P, K, Ca, Mg e S e 6-15; 40-250; 25-250 e 10-50 mg kg-1 de Cu, Fe, Mn e Zn, respectivamente.

A aplicação de P, na forma de adubo mineral, não alterou os teores foliares do mesmo; porém, no tratamento LE+0P, a quantidade do nutriente foi igual à verificada para o tratamento FM (Tabela 2) indicando que o LE disponibilizou P para a planta corroborando com os resultados apresentados por Sarkar e O'Connor (2004).

De maneira similar, Silva et al. (2001) também relataram que o LE foi eficiente em suprir a cana-de-açúcar com macro e micronutrientes, destacando que a suspensão da aplicação do resíduo, no ano seguinte à primeira aplicação, causou redução na absorção desses em virtude da redução dos teores disponíveis no solo.

Para a cultura do milho, Simonete et al. (2003) e Martins et al. (2003) igualmente verificaram que o lodo de esgoto se constituiu em fonte eficiente de macro e micronutrientes, concordando com as observações feitas por Silva et al. (1998) e por Pires e Mattiazzo (2003).

No caldo, observou-se aumento nos teores de P com a aplicação do nutriente via fertilização mineral (Tabela 2). Porém, no tratamento LE+0P, a concentração não diferiu do tratamento FM.

Em ambos os casos, o P apresentava-se em quantidades adequadas para o processamento da fermentação alcoólica que normalmente ocorre com teores entre 115 a 230 mg L-1 de P. A clarificação, outra etapa da produção do açúcar, também é favorecida por teores entre 120 a 260 mg L-1 de P no caldo.

A produção de colmos, em toneladas de colmos por hectare (TCH), e as demais características agroindustriais são apresentadas na Tabela 3.

As maiores produções de colmos foram verificadas nos tratamentos Fertilização Mineral, aplicação de LE + 135 kg ha-1 de P2O5 e LE+180 kg ha-1 de P2O5. Para auxiliar a análise da eficiência do lodo de esgoto no fornecimento de P foi utilizado um índice de eficiência (IELE) obtido dividindo-se a produção de colmos do tratamento com a aplicação do LE pela produção do tratamento FM.

Os tratamentos LE+0P, LE+45P e LE+90P apresentaram IELE iguais a 71, 69 e 68%, respectivamente. Os tratamentos LE+135P e LE+180P apresentaram produção de colmos equivalente a 84% da obtida com a aplicação de fertilização mineral. Esses dados permitem verificar que o lodo de esgoto respondeu por até 30% do P fornecido para a cana-de-açúcar.

Camilotti et al. (2006) e Tasso Junior et al. (2007) não observaram diferenças na produção de colmos de cana-de-açúcar com a aplicação de LE ou fertilizante mineral, tanto para a cana-planta quanto na soqueira subsequente. Chiba et al. (2008) também não verificaram diferenças entre os tratamentos com lodo e a fertilização mineral, que ao aplicar lodo de esgoto da CSJ, porém em soqueiras da variedade RB855536. Os resultados apresentados neste trabalho corroboram com os dados de literatura e desta forma, ao que tudo indica as diferenças nas respostas das plantas à utilização do lodo de esgoto como fonte de nutrientes são resultantes tanto do tipo de tratamento dispensado ao lodo e seus efeitos no solo, principalmente no pH, como também por atributos varietais.

Não se verificou resposta das variáveis agroindustriais com a substituição da fertilização mineral pela aplicação de LE (Tabela 3), o que permite inferir que a utilização do resíduo não causou efeitos deletérios na qualidade de matéria-prima produzida. Como a quantidade de açúcar total recuperável (ATR) não foi afetada pela aplicação do LE, as diferenças observadas na quantidade de açúcar produzida por hectare devem-se exclusivamente à produção de colmos (TCH).

Os metais pesados Cd, Cr, Ni e Pb no solo, nas folhas e no caldo estiveram em níveis abaixo do limite de determinação do método analítico utilizado (ICP-AES), o que não indica, contudo, que não estivessem presentes nas amostras. É um indicativo, todavia, de que a dose de lodo de esgoto aplicada não resultou num aporte desses metais em níveis suficientes para que fossem absorvidos pelas plantas e se acumulassem nas folhas e nos colmos, provocando efeitos deletérios no desenvolvimento vegetal e na qualidade do caldo. Bertoncini e Mattiazzo (1999), aplicando doses de LE equivalentes a até 388 t ha-1, não verificaram aumento nos teores disponíveis de metais pesados no solo, no lixiviado ou no tecido vegetal. Resultados similares também foram encontrados por Oliveira e Mattiazzo (2001) confirmando a reduzida transferência de metais pesados do lodo para a planta.

Conclusão

A aplicação do LE e de doses de P no plantio da cana-de-açúcar não alterou os teores de fósforo no solo, 16,5 meses após a aplicação, na camada de 0-20 cm de profundidade.

Não houve diferença estatística entre a aplicação de LE e de fertilizante mineral (FM) nos teores de macro e micronutrientes nas folhas e no caldo da cana-de-açúcar.

A aplicação do lodo de esgoto sem complementação de fertilizante mineral forneceu cerca de 30% do P requerido pela cana-de-açúcar.

Received on January 11, 2008.

Accepted on April 18, 2008.

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    Autor para correspondência. E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Recebido
      11 Jan 2008
    • Aceito
      18 Abr 2008
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