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ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS DO LEITE UAT AO LONGO DE SEU PROCESSAMENTO* * Apoio financeiro: FAPESP.

STUDY OF MICROBIOLOGICAL CHARACTERISTCS OF UHT MILK ALONG ITS PROCESSING

RESUMO

Objetivando estudar as características microbiológicas do leite UAT (ultra alta temperatura) ao longo de sua industrialização, foram analisadas 60 amostras de leite cru, 60 de pasteurizado e 30 de UAT, colhidas em uma linha de produção. Verificou-se que as populações médias de microrganismos mesófilos, psicrotróficos e esporos diminuiram com o tratamento térmico, pois as contagens, respectivamente, da ordem de 108, 107 e 104 UFC/mL no leite cru, caíram para 104, 102 e 102 UFC/mL no pasteurizado e para inferior a 1,0, 10,0 e 1,0 UFC/mL no leite UAT. O mesmo foi verificado com a população de microrganismos termófilos, que no leite pasteurizado era da ordem de 103 UFC/mL e no UAT inferior a 1,0 UFC/mL. Os resultados permitem concluir que o processamento térmico aplicado à matéria-prima para a produção do leite UAT foi capaz de reduzir, mas não de eliminar a carga microbiana inicial.

PALAVRAS-CHAVE
Leite cru; leite pasteurizado; leite UAT; mesófilos; psicrotróficos; esporos

ABSTRACT

With the aim of studying microbiological characteristics of UHT milk (ultra high temperature) during the industrialization, the present study analysed 60 samples of raw milk, 60 of pasteurized and 30 of UHT process, collected ata a factory. It was seen that the population of mesophilic, psychrotrophic and sporulated microrganisms decreased with thermal threatment, because the number of microrganisms were 108, 107 and 104 CFU/mL in raw milk, and decreased to 104, 102 and 105 CFU/mL in pasteurized to less tham 1.0, 10.0 and 1.0 CFU/mL in UHT milk. The same was verified with the mesophilic population of thermophils, which, in the pasteurized milk were 103 CFU/mL and UHT 1.0 CFU/mL. The results allow for the conclusion that termal threatment applied to raw material in the production of UHT milk were able to reduce but not to eliminate the initial number of microrganisms.

KEY WORDS
Raw milk; pasteurized milk; UHT milk; mesophilic; psichrotrophic; spores

INTRODUÇÃO

A utilização de tratamento térmico na garantia da qualidade dos alimentos tem ocupado um espaço relevante na evolução da tecnologia alimentar. Dentro deste segmento o leite UAT (ultra alta temperatura) tornou-se um produto de destaque pela facilidade de comercialização e consumo, fatores estes atribuídos à sua tecnologia. As empresas produtoras de leite UAT conseguiram expressivas taxas de crescimento de vendas no período de 1991 a 2000. A participação do leite UAT no mercado de leite fluido subiu de 4,4% em 1990 para 68,8% em 2000 e, em 2005, já representa 74% do leite fluido consumido no Brasil (VIDAL-MARTINS et al., 2005VIDAL-MARTINS, A.M.C.; ROSSI JUNIOR, O.D.; REZENDE-LAGO, N.C.M. Microrganismos heterotróficos mesófilos e bactérias do grupo do Bacilluscereus em leite integral submetido a ultra alta temperatura. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.57, n.3, p.396-400, 2005.).

No Brasil, o leite (matéria-prima) utilizado para a obtenção do produto tratado por UAT era o tipo C, que até julho de 2005 não possuia um padrão microbiológico quantitativo, e geralmente era obtido, estocado e transportado em condições precárias, representando um dos principais problemas na garantia da qualidade do produto longa vida (COELHO et al., 2001COELHO, P.S.; BRESCIA, M.V.; SIQUEIRA, A.P. Avaliação da qualidade microbiológica do leite UAT integral comercializado em Belo Horizonte. Arquivo Brasileiro de Medicina Veerinária e Zootecnia, v.53, n.2, p.1-9, 2001.). Atualmente, com a substituição do leite cru tipo C pelo leite cru refrigerado, que tem um padrão quantitativo apenas para a população de microrganismos mesófilos de, no máximo, 106 UFC/mL, a preocupação passa a ser o grupo dos psicrotróficos que encontram condições adequadas para multiplicação durante o período de armazenamento na propriedade rural. Segundo KASTANAS et al. (1995)KASTANAS, P.; RAVANIS, S.; LEWIS, M.J.; GRANDESON, A.S. Effects of raw milk quality on fouling at UHT conditions. Journal of the Society of Dairy Technology, v.48, n.3, p.97-99, 1995., a eficiência do processamento térmico na produção do leite UAT pode se tornar limitada quando o leite cru contém esporos de microrganismos psicrotróficos, mesófilos, termófilos e termodúricos.

SANTOS & FONSECA (2002)SANTOS, M.V. & FONSECA, L.F. Bactérias psicrotróficas e qualidade do leite. CBQL em revista. São Paulo, v.1, n.1, p.12-15, 2002. enfatizam que o processo de modernização no setor leiteiro em algumas regiões do Brasil, com significativas mudanças nos sistemas de armazenamento e transporte do leite, como a adoção do resfriamento do leite na fazenda, logo após a ordenha, e a posterior coleta e transporte do produto em caminhões tanque isotérmicos, tem ocasionado danos à qualidade do produto por atuar de forma seletiva na presença de psicrotróficos. Além disso, algumas falhas higiênicas durante a produção podem ser mascaradas com essa prática, especialmente aquelas relacionadas à presença e desenvolvimento de microrganismos mesófilos (SOARES, 2004SOARES, P.V. Estimativa rápida da carga de microrganismos psicrotróficos em leite cru refrigerado. 2004. 68p. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2004.).

MCKINNON & PETTIPHER (1983)MCKINNON, C.H. & PETTIPHER, G.L. A survey of sources of heat-resistant bacteria in milk with particular reference to psychrotrophic spore-forming bacteria. Journal of Food Science Technology, v.50, n.2, p.163-170, 1983. verificaram elevadas contagens de esporos psicrotróficos em leite cru e atribuiram tal fato ao tempo em que o leite permanece refrigerado antes de ser processado.

Antes do tratamento por UAT, o leite cru deve passar por um tratamento térmico prévio, como forma de eliminar as bactérias psicrotróficas e as enzimas termosensíveis por elas produzidas. O processo mais adotado nesta fase é a pasteurização rápida (HTST – 73 a 75º C/15 segundos) (BASTOS, 1999BASTOS, M.S.R. Leite longa vida UHT: Aspectos do processamento e identificação dos pontos críticos de controle. Higiene Alimentar, v.13, n.66/67, p.32-36, 1999.).

Segundo PADILHA & FERNANDES (1999)PADILHA, M.R.F. & FERNANDES, Z.F. Avaliação da qualidade higiênico-sanitária do leite tipo C comercializado no Recife – PE.Higiene Alimentar, v.13, n.61, p.105-110, 1999. os principais fatores que afetam a qualidade do leite pasteurizado são: qualidade do leite cru, rigor no tratamento térmico, contaminação pós-pasteurização e temperatura de estocagem.

O leite UAT ou longa vida, é o leite homogeneizado que foi submetido, por 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130 e 150º C, mediante um processo térmico de fluxo contínuo, e imediatamente resfriado a temperatura inferior a 32º C e envasado sob condições assépticas em embalagens esterilizadas e herméticamente fechadas (BRASIL, 1996BRASIL. Ministério de Estado da Agricultura do Abastecimento e da Reforma Agrária. Portaria n.146, de 7 de março de 1996. Regulamentos técnicos de identidade e qualidade de produtos lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, n.48, 11 mar.1996. p.3977-3986.). Este processo permite a sua preservação sem a necessidade de refrigeração, enquanto fechado na embalagem original (PRATA, 1998PRATA, L.F. Leite UHT: solução ou problema? Uma análise da situação. Higiene Alimentar, v.12, n.54, p.10-15, 1998.). Basicamente, 2 grupos de bactérias esporuladas devem ser consideradas nesta fase: as termófilas e as mesófilas (FRANCO & LANDGRAF, 1996FRANCO, B.D.G.M. & LANDGRAF, M. Microbiologia dos alimentos. São Paulo: Atheneu, 1996, p.155-164.).

REZENDE et al. (2000)REZENDE, N.C.M.DE.; ROSSI JÚNIOR, O.D.; NADER FILHO, A.; AMARAL, L.A. DO. Ocorrência de microrganismos indicadores em leite UHT (ultra high temperature) integral. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v.7, n.1, p.58-60, 2000., ao analisarem amostras de quatro diferentes marcas de leite UAT, encontraram elevadas populações de microrganismos mesófilos em 30% das amostras, concluindo serem necessárias uma legislação clara e uma fiscalização rigorosa e eficiente quanto às características microbiológicas do produto. Em trabalho semelhante VIDAL-MARTINS et al. (2005)VIDAL-MARTINS, A.M.C.; ROSSI JUNIOR, O.D.; REZENDE-LAGO, N.C.M. Microrganismos heterotróficos mesófilos e bactérias do grupo do Bacilluscereus em leite integral submetido a ultra alta temperatura. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.57, n.3, p.396-400, 2005. encontraram 22,7% das amostras com populações de microrganismos mesófilos superiores ao estabelecido pela legislação brasileira.

Em função do exposto, idealizou-se o presente trabalho objetivando verificar, durante o fluxograma de produção do leite UAT, as características microbiológicas do produto em alguns pontos como: no silo de armazenagem do leite cru, do leite pasteurizado e do leite UAT recém envasado.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram analisadas 60 amostras de leite cru, 60 de leite pasteurizado e 30 de leite UAT, divididas em 6 colheitas (A, B, C, D, E e F) sendo cada uma composta por 10 amostras de leite cru (colhidas no início e final do enchimento do tanque), 10 de leite pasteurizado (colhidas no início e final do enchimento do tanque) e 5 de leite UAT (recém processado). As amostras foram colhidas em uma indústria situada no Estado de São Paulo, submetida ao Serviço de Inspeção Federal e com capacidade de produção de 450.000 L de leite UAT por dia.

As análises foram realizadas no Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Reprodução Animal da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Campus de Jaboticabal, Unesp.

Para contagem padrão em placas de microrganismos heterotróficos aeróbios ou facultativos, mesófilos, psicrotróficos e termófilos viáveis, primeiramente foram preparadas diluições decimais até 10-4, usando-se água peptonada a 0,1% esterilizada. De cada diluição foi depositado 1 mL no fundo de placas de Petri esterelizadas. Em seguida, foi adicionado o ágar padrão para contagem (APC) fundido e após a homogeneização e solidificação em temperatura ambiente, as placas foram incubadas a 30º C por 72h para contagem de microrganismos heterotróficos mesófilos (ASPERGER, 1991ASPERGER, H. (Coord.). Milk and milk products enumeration of microorganisms colony count technique at 30º C. Bulletin International Dairy Federation, n.100B, p.1-3, 1991.) e a 55º C por 48h para a contagem de microrganismos termófilos (APHA, 2001AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA). Committee on microbiological methods for foods. Compendium of methods for the microbiological examination of foods. 4.ed. Washington: American Public Health Association, 2001. 676p.). Para contagem de microrganismos psicrotróficos, foi utilizada a técnica da semeadura em superfície, adicionando-se à superfície do APC 0,1 mL de cada diluição. Após a distribuição do inóculo com alça de Drigalski as placas foram incubadas a 7º C por 10 dias (APHA, 2001AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA). Committee on microbiological methods for foods. Compendium of methods for the microbiological examination of foods. 4.ed. Washington: American Public Health Association, 2001. 676p.). Essas determinações foram realizadas em duplicata.

Para a contagem de esporos mesófilos aeróbios foi realizado choque térmico nas amostras antes da semeadura, visando provocar a destruição das células vegetativas e a esporulação das que têm esta capacidade. Para tal, 200 mL do leite foram colocados em frasco tipo Erlenmeyer esterilizado, com tampa, e este foi acomodado em banho-maria com agitação a 80º C por 10min, de forma que o nível da água ficasse acima do nível do leite. Posteriormente, o Erlenmeyer foi transferido para um banho de gelo. A semeadura foi realizada em profundidade em APC acrescido de 0,1% de amido solúvel. A incubação foi realizada a 32º C por 48h (FRANK et al., 1992FRANK, J.F.; CHRISTEN, G.L.; BULLERMAN, L.B. Tests for groups of microorganisms. In: MARSHALL, R.T. (Ed.). Standard methods for examination of dairy products. 16 ed. Washington: American Public Health Association, 1992. p.271-286.).

As contagens foram realizadas em contador de colônias, segundo técnica padrão, preferencialmente em placas com 25 a 250 unidades formadoras de colônias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 estão apresentados os números mínimo e máximo e as medianas das populações de microrganismos mesófilos, termófilos, psicrotróficos e esporos mesófilos em amostras de leite cru, pasteurizado e UAT das seis colheitas (A, B, C, D, E e F) realizadas durante o fluxograma de produção do leite UAT.

Tabela 1
Números mínimo, máximo e mediana das populações de microrganismos mesófilos, termófilos, psicrotróficos e esporos mesófilos em amostras de leite cru, pasteurizado e UAT colhidas durante o fluxograma de produção do leite UAT.

Verifica-se na tabela que a população de microrganismos mesófilos encontrada foi semelhante em todas as colheitas, apresentando números na ordem de 107 e 108 UFC/mL no leite cru, entre 103 e 105 UFC/mL no pasteurizado e entre < 100 e 101 UFC/mL no leite UAT. Com relação aos microrganismos termófilos presentes no leite pasteurizado, o número encontrado em todas as colheitas variou entre 102 e 103 UFC/mL, enquanto que para o leite UAT este número foi < 100 UFC/mL em todas elas.

Na contagem de microrganismos psicrotróficos das seis colheitas, como pode ser observado na Tabela 1, os números variaram de 104 a 108 UFC/mL no leite cru e de < 101 a 102 UFC/mL no leite pasteurizado e UAT. Quando realizada a contagem de esporos mesófilos verificou-se que no leite cru o número variou entre 102 e 105 UFC/mL, no pasteurizado de < 100 e 103 UFC/mL e para o leite UAT foi £ 100 UFC/mL. FRANKLIN et al. (1956)FRANKLIN, J.G.; WILLIANS, D.J.; CLEGG, L.F. A survey of the number and types of aerobic mesophilic spores in milk before and after commercial sterilization.Journal of Applied Bacteriology, v.19, n.1, p.46-53, 1956. analisaram amostras de leite cru e após o tratamento por UAT e verificaram números semelhantes aos encontrados no presente trabalho para a contagem de esporos mesófilos.

MCKINNON & PETTIPHER (1983)MCKINNON, C.H. & PETTIPHER, G.L. A survey of sources of heat-resistant bacteria in milk with particular reference to psychrotrophic spore-forming bacteria. Journal of Food Science Technology, v.50, n.2, p.163-170, 1983. realizaram contagens de esporos psicrotróficos e verificaram populações de 5,0 x 109 UFC/mL no leite cru e de 8,0 x 107 UFC/mL no pasteurizado, números estes muito superiores aos encontrados no presente estudo. Os autores citados atribuem os resultados encontrados ao tempo em que o leite permanecia refrigerado antes de ser processado.

O leite mais utilizado para produção do produto tratado por UAT tem sido o tipo C, que na maioria dos casos, no estado cru, não apresenta uma qualidade microbiológica satisfatória, em função da inobservância de medidas higiênico-sanitárias na obtenção, por não apresentar um padrão microbiológico regulamentar. Como pode-se observar na Tabela 1, o leite cru de todas as colheitas apresentou números elevados de microrganismos mesófilos e psicrotróficos.

A partir de julho de 2005 (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa 51, 18 de setembro de 2002, Revoga Portaria n.146, de 7 de março de 1996. Regulamentos técnicos de identidade e qualidade de produtos lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, 20 set. 2002.) é permitido que o leite cru tipo C apresente no máximo 106 UFC de microrganismos mesófilos por mililitro. A realidade encontrada muito difere dessa exigência, conforme apresentado na Tabela 1.

ANTUNES & OLIVEIRA (1986)ANTUNES, L.A.F. & OLIVEIRA, J.S. Qualidade microbiológica do leite cru. Revista do Instituto Cândido Tostes, v.41, p.20-24, 1986. verificaram que a média de microrganismos mesófilos no leite cru obtido por ordenha manual ou mecânica está em torno de 105 a 106 UFC/mL, números estes inferiores ao encontrado no presente trabalho, os quais apresentavam-se em torno de 107 e 108 UFC/mL. Muito embora CARVALHO et al. (2004)CARVALHO, M.G.X.; MEDEIROS, N.G.A.; ALVES, A.R.S.; SANTOS, M.G.O.; LIMA, S.C.P.; AZEVEDO, S.S. Análise microbiológica do leite in natura e pasteurizado tipo “C” proveniente de uma mini-usina da cidade de Patos, Paraíba. Higiene Alimentar, v.18, n.123, p.62-66, 2004. considerem que uma carga microbiana de mesófilos no leite cru de até 1,0 x 107 UFC/mL é satisfatória, COELHO et al. (2001)COELHO, P.S.; BRESCIA, M.V.; SIQUEIRA, A.P. Avaliação da qualidade microbiológica do leite UAT integral comercializado em Belo Horizonte. Arquivo Brasileiro de Medicina Veerinária e Zootecnia, v.53, n.2, p.1-9, 2001. afirmam que a qualidade da matéria-prima utilizada para produção do leite UAT e o tipo de processamento do produto devem ser levados em consideração na avaliação dos resultados, podendo-se associar a qualidade do leite UAT, com as condições higiênico-sanitárias da ordenha, já que são fatores que contribuem decisivamente para o estado microbiológico do leite cru.

O leite pasteurizado tipo C possui padrão microbiológico estabelecido e este regulamenta, no máximo, 3,0 x 105 UFC/mL na contagem padrão em placas de microrganismos mesófilos (BRASIL, 2002BRASIL. Ministério de Estado da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução normativa 51, 18 de setembro de 2002, Revoga Portaria n.146, de 7 de março de 1996. Regulamentos técnicos de identidade e qualidade de produtos lácteos. Diário Oficial da União, Brasília, 20 set. 2002.). Assim, o leite pasteurizado da grande maioria das colheitas realizadas no presente trabalho apresentou-se dentro do padrão. Tal resultado também foi verificado para o leite UAT, pois a legislação estabelece no máximo 1,0 x 102 UFC/mL de mesófilos e os números encontrados do grupo foram inferiores.

Segundo PADILHA & FERNANDES (1999)PADILHA, M.R.F. & FERNANDES, Z.F. Avaliação da qualidade higiênico-sanitária do leite tipo C comercializado no Recife – PE.Higiene Alimentar, v.13, n.61, p.105-110, 1999., os principais fatores que afetam a qualidade do leite pasteurizado são: qualidade do leite cru, rigor no tratamento térmico, contaminação pós-pasteurização e temperatura de estocagem. Informam ainda que a contaminação pós-pasteurização é considerada um fator que limita a vida comercial.

TESSARI & CARDOSO (2002)TESSARI, E.N.C. & CARDOSO, A.L.S.P. Qualidade microbiológica do leite tipo A pasteurizado, comercializado na cidade de Descalvado – SP. Higiene Alimentar, v.16, n.96, p.65-68, 2002. ao analisarem amostras de leite pasteurizado, verificaram que nenhuma encontrava-se em desacordo com os padrões microbiológicos oficiais e TIMM et al. (2003)TIMM, C.D.; GONZALES, H.L.; OLIVEIRA, D.S.; BÜCHLE, J.; ALEXIS, M.A.; COELHO, F.J.O.; PORTO, C. Avaliaçãodaqualidade microbiológica do leite pasteurizado integral, produzido em mini-usinas na região sul do Rio Grande do Sul. Higiene Alimentar, v.17, n.106, p.100-104, 2003. verificaram que apenas uma amostra apresentou valor acima do limite para microrganismos mesófilos, assemelhando-se assim ao presente trabalho. Porém, CORDEIRO et al. (2002)CORDEIRO, C.A.M.; CARLOS, L.A.; MARTINS, M.L.L. Qualidade microbiológica de leite pasteurizado tipo C, proveniente de micro-usinas de Campos dos Goytacazes, RJ. Higiene Alimentar, v.16, n.92/93, p.41-44, 2002. verificaram que 18,60% das amostras apresentaram populações de mesófilos superiores àquela fixada pela legislação, classificando tais amostras como "produto em condição higiênica insatisfatória".

MARTINS & ALBUQUERQUE (1999)MARTINS, S.C.S. & ALBUQUERQUE, L.M.B. Qualidade do leite pasteurizado tipo C comercializado no municipio de Fortaleza. Bactérias multiresistentes a antibióticos. Higiene Alimentar, v.13, n.59, p.39-42, 1999. analisando 20 amostras de leite pasteurizado verificaram populações de microganismos mesófilos entre 103 e 107 UFC/mL, sendo 5 amostras acima do padrão para o grupo microbiano. PADILHA & FERNANDES (1999)PADILHA, M.R.F. & FERNANDES, Z.F. Avaliação da qualidade higiênico-sanitária do leite tipo C comercializado no Recife – PE.Higiene Alimentar, v.13, n.61, p.105-110, 1999. analisando amostras do mesmo tipo de leite, verificaram que 12,4% estavam acima do estabelecido para mesófilos. Convém ressaltar que as populações foram consideradas bastante elevadas, num intervalo de 104 a 106 UFC/mL. Segundo os autores, o leite nestas condições apresenta conservação precária e sabor geralmente descrito como ácido, resultante de vários estágios de putrefação e rancificação.

Nas colheitas A, B, C e E (Tabela 1) a população de psicrotróficos no leite cru foi superior a 107 UFC/mL e segundo CROMIE (1992)CROMIE, R. Psychrotrophics and their enzyme residues in cheese milk. Australian Journal of Dairy Technology, v.47, n.2, p.96-100, 1992. quando o número de microrganismos psicrotróficos atinge 107 UFC/mL começa a haver alterações no leite.

A elevada população de microrganismos psicrotróficos presentes no leite cru torna-se um fato preocupante, pois muito embora a grande maioria seja destruída pela pasteurização (com exceção das bactérias termoresistentes), tal grupo possui a capacidade de produzir enzimas lipolíticas e proteolíticas termoresistentes, que mantém sua atividade após a pasteurização ou mesmo após o tratamento por UAT. Alguns problemas relacionados à qualidade dos produtos lácteos como: alteração de sabor e odor do leite, perda de consistência e gelatinização ao longo da vida comercial do leite UAT, podem estar associados à ação de proteases e lipases de origem bacteriana.

SILVA (2001)SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. analisou 30 amostras de leite cru (matéria-prima) e 30 de leite UAT, verificando valores medianos de mesófilos e psicrotróficos na ordem de 106 UFC/mL no leite cru. Os grupos microbianos não foram encontrados no leite UAT, demonstrando assim que o tratamento térmico foi eficiente na eliminação dos microrganismos, diferenciando-se do presente estudo, em que foi verificado números superiores de microrganismos mesófilos e psicrotróficos no leite cru, sendo os dois grupos também encontrados em algumas amostras de leite UAT.

SCHMITT et al. (2003)SCHMITT, A.; DÚR, J.W.; SOARES, J. Contagem de mesófilos e de psicrotróficos em leite cru de diferentes regiões do Rio Grande do Sul. In: CONGRESSO LATINOAMERICANOI DE HIGIENISTAS DE ALIMENTOS, 1.; CONGRESSO BRASILEIRO DE HIGIENISTAS DE ALIMENTOS, 7. 2003, Belo Horizonte, MG. Resumos. Belo Horizonte: 2003. p.181., analisando amostras de leite cru oriundas de caminhões tanques, verificaram que as menores populações de mesófilos e psicrotróficos foram da ordem de 105 UFC/mL, com a maioria das amostras apresentando contagens acima de 106 UFC/ mL, denotando níveis elevados de contaminação.

SANTOS et al. (2003)SANTOS, R.M.P.; CERQUEIRA, M.M.O.P.; DILVA, A.C.; SOUZA, M.R.; PENA, C.F.A.M.; LEITE, M.O. Enumeração da microbiota psicrotrófica, mesófila e proteolítica deteriorante do leite cru granelizado e pasteurizado na região da grande Belo Horizonte-MG. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HIGIENISTAS DE ALIMENTOS, 1.; CONGRESSO BRASILEIRO DE HIGIENISTAS DE ALIMENTOS, 7., 2003, Belo Horizonte, MG. Resumos. Belo Horizonte: 2003. p.175-176., analisando amostras de leite cru e pasteurizado tipo C, verificaram que, para o leite cru, as populações de microrganismos variaram de 104 a 107 UFC/mL para mesófilos e psicrotróficos, respectivamente, e no leite pasteurizado estas populações foram inferiores a 102 UFC/mL, evidenciando assim que a pasteurização foi capaz de reduzir a carga microbiana de mesófilos e psicrotróficos, assemelhando-se ao presente trabalho.

As amostras de leite cru analisadas no presente estudo podem ser consideradas de má qualidade no aspecto microbiológico, visto que apresentavam elevadas populações de microrganismos mesófilos, psicrotróficos e esporos mesófilos. Assim, recomenda-se, para obtenção de leite cru de qualidade, que a ordenha seja feita em vacas sabidamente sadias, após a limpeza e desinfecção dos tetos, em local limpo, atentando-se para qualidade da água utilizada em todo processamento. Não se pode ignorar a higiene de utensílios e equipamentos, principalmente no que diz respeito à prevenção de formação de biofilmes e a refrigeração imediata do leite cru em temperaturas ideais. Além do que já foi exposto, é importante ressaltar que a saúde do ordenhador, assim como a sua conscientização, podem influenciar diretamente na qualidade do leite.

Em relação ao leite pasteurizado e UAT, alguns cuidados podem ser tomados, sendo importante a utilização de leite cru de boa qualidade, a prevenção da formação de biofilmes nos equipamentos, através da correta higienização e, ainda, que o leite já envasado permaneça sempre em temperaturas ideais (pasteurizado – refrigerado; UAT – temperatura ambiente, porém protegido do calor). Ainda na indústria, a análise periódica da eficiência da desinfecção de equipamentos pode auxiliar na detecção de possíveis falhas, corrigindo o problema em tempo hábil.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que o processamento térmico aplicado ao leite UAT foi capaz de reduzir, mas não de eliminar a carga microbiana encontrada no leite cru (matéria-prima).

  • *
    Apoio financeiro: FAPESP.

REFERÊNCIAS

  • AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION (APHA). Committee on microbiological methods for foods. Compendium of methods for the microbiological examination of foods 4.ed. Washington: American Public Health Association, 2001. 676p.
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  • ASPERGER, H. (Coord.). Milk and milk products enumeration of microorganisms colony count technique at 30º C. Bulletin International Dairy Federation, n.100B, p.1-3, 1991.
  • BARANCELLI, G.V.; SARKIS, F.; GALLO, C.R. Avaliação de métodos para enumeração de microrganismos aeróbios mesófilos e coliformes em leite cru. Higiene Alimentar, v.18, n.120, p.70-84. 2004.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2006

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2005
  • Aceito
    16 Jan 2006
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