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SOROPREVALÊNCIA DA LEPTOSPIROSE EM FÊMEAS BOVINAS EM IDADE REPRODUTIVA NO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

SEROPREVALENCE OF BOVINE LEPTOPIROSIS IN REPRODUCTIVE-AGE FEMALE BOVINES IN THE STATE OF SÃO PAULO, BRAZIL

RESUMO

O presente estudo teve como objetivo determinar a soroprevalência da leptospirose bovina em fêmeas em idade reprodutiva do Estado de São Paulo, estratificado em sete regiões produtoras. Foram utilizados o delineamento estatístico, as amostras sorológicas e as informações contidas nos questionários empregados no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCETB), instituído pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, considerando-se a utilização de fêmeas bovinas com idade ‡ a 24 meses (excluindo-se machos), diferentes tipos de produção, práticas de manejo, finalidades de reprodução, tamanho dos rebanhos e sistema de comercialização. Realizou-se a Soroaglutinação Microscópica (SAM) em 8.216 amostras sorológicas de animais provenientes de 1.021 propriedades. De acordo com os resultados obtidos, a infecção por Leptospira spp. ocorre em todo o Estado de São Paulo, com soroprevalência de 49,4% (IC 95% = 44,4%-54,4%) nas fêmeas bovinas em idade reprodutiva e em 718 (71,3%; IC 95% = 68,5%-74%) das propriedades analisadas. O sorovar Hardjo (46%) e sua associação com o sorovar Wolffi (21%) foram prevalentes entre o total de animais sororeagentes, seguidos pelos sorovares Shermani (8,9%), Autumnalis (4,4%) e Grippotyphosa (3,9%). Leptospira spp. está distribuída por todo estado e independe do tipo de exploração, manejo e das práticas de reprodução adotadas nos rebanhos.

PALAVRAS-CHAVE
Leptospira spp.; fêmeas bovinas; Soroaglutinação Microscópica (SAM); soroprevalência; Estado de São Paulo; Brasil

ABSTRACT

The objective of the present study was to determine the seroprevalence of bovine leptopirosis in São Paulo State, stratified in seven cattle production regions. It was based on the statistic delineation, serological samples and responses to the survey employed in the National Program for Control and Eradication of Brucelosis and Tuberculosis established by Ministry of Agriculture (2001). From the herds selected, serological analysis was only conducted on the cows ‡ 24 months old (excluding the males). The study took into consideration the herd size, the type of productive exploration, the reproductive handling, bovine practices and the commercialization system. The microscopic agglutination test (MAT) was applied on 8,216 serum samples from 1,021 different farms. The results showed that leptospirose infection occurs all over the seven regions of São Paulo State with 49.4% (CI 95% = 44.4–54.4%) animal seroprevalence and in 718 (71.3%; CI 95% = 68.5–74.0%) of the herds analyzed. Hardjo (46%) was the prevalent serovar for all the animals examined, followed by the Hardjo/Wolffi association (21%), Shermani (8.9%), Autumnalis (4.4%) and Grippotyphosa (3.9%). Leptospira spp. is present in all regions of the State of São Paulo and its occurrence is independent of the handling conditions and reproductive practices adopted in the herds.

KEY WORDS
Leptospira spp.; bovine females; microscopic agglutination test (MAT); seroprevalence; São Paulo State; Brazil

INTRODUÇÃO

A leptospirose é uma zoonose bacteriana causada por espiroquetas do gênero Leptospira (CÔRTES, 1993CÔRTES, J. A. Epidemiologia. Conceitos e princípios fundamentais. São Paulo: Varela, 1993. 227p.). Com vasta distribuição geográfica, é evidenciada em todo o mundo e particularmente prevalente em países de clima tropical e subtropical, principalmente nos períodos de altos níveis pluviométricos (ACHA; SZYFRES, 2001ACHA, P.N.; SZYFRES, B. Zoonosis y enfermidades transmissibles comunes al hombre y a los animals. Bacteriosis y micosis. 3. ed. Washington: OPS, 2001. v.1, 398 p.), devido à elevada sobrevivência da bactéria em ambientes úmidos, o que aumenta o risco de exposição e contaminação de animais susceptíveis e seres humanos.

Nos animais de produção, a doença está principalmente relacionada a problemas reprodutivos como nascimento de animais debilitados, ocorrência de natimortos e abortamentos (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2nd. ed. Melbourne: MediSci, 1999. 272p.). Nos bovinos, especificamente, as perdas econômicas causadas pela leptospirose estão direta ou indiretamente ligadas às falhas reprodutivas como infertilidade e abortamento, bem como à queda da produção de carne e leite, além de custos com despesas de assistência veterinária, vacinas e testes laboratoriais (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2nd. ed. Melbourne: MediSci, 1999. 272p.; VASCONCELLOS, 1996VASCONCELLOS, S.A. Leptospirose Animal. In: ENCONTRO NACIONAL EM LEPTOSPIROSE, 3., 1993, Rio de Janeiro. Anais. Rio de Janeiro: 1996. p.62-66.).

Os bovinos são infectados principalmente pelos sorovares Hardjo, Pomona, Grippotyphosa e Icterohaemorrhagiae. O sorovar Hardjo tem sido considerado como o mais adaptado à espécie bovina (COSTA et al., 1998COSTA, M.C.R.; MOREIRA, E.C.; LEITE, R.C.; MARTINS, N.R.S. Avaliação da imunidade cruzada entre Leptospira hardjo e L. wolffi. Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.50, n.1, p.11-17, 1998.). Uma vez introduzido em um rebanho, este sorovar estabelece níveis variáveis de infecção, podendo persistir por longos períodos (HATHAWAY et al., 1986HATHAWAY, S.C.; LITTLE, T.W.A.; PRITCHARD, D.G. Problems associated with the serological diagnosis of Leptospira interrogans serovar hardjo infection in bovine populations. Veterinary Record, v.119, p.84-86, 1986.). Dois genotipos do sorovar Hardjo são encontrados nos ruminantes, o Hardjobovis e o Hardjoprajitno. Hardjobovis ocorre com maior freqüência na Nova Zelândia, Austrália e Holanda (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2nd. ed. Melbourne: MediSci, 1999. 272p.), sendo eliminado em maiores quantidades pela urina, enquanto que o Hardjoprajitno tem sido relatado no Reino Unido, Nigéria, Índia, Malásia, Brasil, México e nos Estados Unidos da América (AGUIAR, 2004AGUIAR, D. M. Prevalência de anticorpos anti- neospora caninum, anti-brucella abortus e anti- leptospira spp. em bovinos da zona rural do município de monte negro, rondônia: estudo de possíveis fatores de risco. 2004. 120p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.).

Para prevenir a doença clínica, as perdas econômicas e minimizar o risco de infecção humana é necessário o controle da leptospirose.

Uma das formas de controle da leptospirose depende da diminuição da prevalência da infecção com sorovares mantidos na população e na diminuição do grau de associação ecológica das leptospiras mantidas por animais de vida livre (HATHAWAY, 1981HATHAWAY, S.C.; LITTLE, T.W.A.; PRITCHARD, D.G. Problems associated with the serological diagnosis of Leptospira interrogans serovar hardjo infection in bovine populations. Veterinary Record, v.119, p.84-86, 1986.). Na prática veterinária, baseia-se na vacinação sistemática do rebanho, tratamento de animais doentes com antibioticoterapia, controle dos roedores nas propriedades e eliminação de excesso de água do ambiente (DE NARDI, 2005DE NARDI, G. Perfil sorológico de anticorpos anti-Leptospira spp. em búfalas (Bubalus bubalis. vacinadas com tipos de vacinas comerciais anti-leptospirose (Bacterina e Membrana externa). 2005. Dissertação (Mestrado em Epidemiologia Experimental e Aplicada às Zoonoses) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.).

O emprego exclusivo da vacinação tem sido o método de escolha para rebanhos de corte. Muitas vacinas comerciais estão disponíveis no mercado nacional compostas por cinco a dez sorovares, que atendem as soroprevalências da maioria das regiões do país. Por não possuírem papel curativo, seu emprego estaria mais indicado na prevenção da infecção, principalmente de novilhas antes da entrada no serviço reprodutivo (GENOVEZ et al., 2001bGENOVEZ, M.E.; OLIVEIRA, J.C.; CASTRO, V.; FERRARI, C.I.L.; SACARCELLI, E.; CARDOSO, M.V.; G RASSO, L.M.P.S. Influência da vacinação na taxa de parição em rebanho Nelore com leptospirose endêmica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 28., 2001, Salvador, BA. Anais. Salvador, 2001.; GENOVEZ et al., 2002GENOVEZ, M.E.; OLIVEIRA, J.C.; CASTRO, V.; FERRARI, C.I.L.; SCARCELLI, E.; CARDOSO, M.V.; GRASSO, L.M.P.S.; LANÇA NETO, P. Serological profile of a nelore herd presenting endemic leptospirosis and submitted to vaccination. In: WORLD BUIATRIC CONGRESS, 12., 2002, Hannover. Anais. Hannover, 2002.; LITTLE, 1992LITTLE, T.W.A.; HATHAWAY, S.C.; BROUGHTON, E.S.; SEAWRITHT, D. Control of Leptospira Hardjo infection in beef cattle by whole – herd vaccination. Veterinary Record, v.131, p.90-92, 1992.; MARSHALL et al., 1979MARSHALL, R. B.; BROUGHTON, E. S.; HELLSTROM, J.S. Protection of cattle against natural challenge with Leptospira interrogans serovar Hardjo using a Hardjo Pomona vaccine. New Zealand Veterinary Journal, v.27, p.114-116, 1979.).

Alguns autores indicam uso de vacinas contra a leptospirose na redução da ocorrência de problemas reprodutivos causados pela variante sorológica Hardjo (BOLIN et al., 1989BOLIN, C.A.; THIERMANN, A.B.; HANDSAKER, A.L.; FOLEY, J.W. Effect of vaccination with a pentavalent leptospiral vaccine on Leptospira interrogans sorovar hardjo type hardjo-bovis infection of a pregnant cattle. American Journal of Veterinary Research, v.50, n.1, p.161-165, 1989.). Porém, o uso da vacinação é um entrave para o diagnóstico sorológico da leptospirose, já que os anticorpos pós-vacinais podem persistir por até seis meses, dificultando a diferenciação de títulos vacinais de reações oriundas de infecção (FREUDENSTEIN; HEIN, 1991FREUDENSTEIN, H.; HEIN, B. Potency of leptospiral vaccines and protection against chronic infection in golden hamsters. Comparative Immunology. Microbiology and Infectious Diseases, v.14, n.3, p.229-234, 1991.).

Vários trabalhos realizados no Brasil focaram estudos sorológicos para a leptospirose bovina, entretanto, não avaliaram a soroprevalência no Estado de São Paulo, pois a maioria limitou-se a dados ocasionais e regionais; e ainda mais raros foram aqueles que partiram do planejamento estatístico, considerando amostragem com critérios definidos sobre a população de bovinos. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho foi determinar a soroprevalência da leptospirose em fêmeas bovinas em idade reprodutiva no Estado de São Paulo.

MATERIAL E MÉTODOS

Delineamento amostral

Para o estudo da soroprevalência da leptospirose no Estado de São Paulo, foram utilizados o delineamento estatístico e as amostras sorológicas empregados no Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT), instituído pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2001BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Departamento de Defesa Animal. Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e Tuberculose (PNCEBT). Brasília, 2001. Disponível em: <http:// www.agricultura.gov.br/sda/dda/inicial.htm>. Acesso em: 12 nov. 2002.
http:// www.agricultura.gov.br/sda/dda/i...
).

Para o estudo da brucelose o Estado de São Paulo foi estratificado em sete circuitos produtores de bovinos, levando-se em consideração os diferentes tipos de produção, as práticas de manejo, as finalidades de reprodução, o tamanho dos rebanhos e o sistema de comercialização, baseando-se nas relações entre os sistemas de produção predominantes nas diferentes áreas geográficas e suas interdependências em relação ao comércio de animais e seus produtos e sub-produtos (Fig. 1). A amostragem foi delineada para a determinação da prevalência de propriedades positivas (focos) e de animais soropositivos para a brucelose bovina em cada estrato e foi realizada em duas etapas: (1) uma seleção aleatória de um número pré-estabelecido de propriedades (unidades primárias); (2) dentro das unidades primárias foi amostrado, aleatoriamente, um número pré-estabelecido de fêmeas bovinas com idade igual ou superior a 24 meses (unidades secundárias).

Fig. 1
Circuitos produtores de bovinos no Estado de São Paulo segundo o Levantamento das Unidades de Produção Agropecuária (LUPA). Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), 2001.

Para definir o número de propriedades a serem amostradas, utilizou-se o programa EpiInfo versão 6.04, tomando-se os seguintes parâmetros: (a) prevalência esperada de propriedades positivas de 20%; (b) nível de confiança de 95%; e (c) erro absoluto de 6% (THRUSFIELD, 1995THRUSFIELD, M. Veterinary epidemiology. 2. ed. Cambridge: Blackwell Science, 1995. 479p.).

O número de animais a serem testados para um rebanho ser classificado como positivo ou negativo foi calculado com base no valor de sensibilidade e especificidade agregadas (JORDAN, 1996JORDAN, D. Aggregate testing for the evaluation of Johne’s disease herd status. Australian Veterinary Journal, v.73, n.1, p.16-19, 1996.). Dessa forma, o cálculo do número de unidades secundárias foi realizado com o programa Herdacc versão 3, de modo a se obter um valor de sensibilidade e especificidade agregadas de pelo menos 90%, utilizando-se os parâmetros: (a) sensibilidade e especificidade dos testes sorológicos, aplicados em nível individual, de 95% e 99,5%, respectivamente; (b) prevalência esperada de 20%; e (c) ponto de corte 1 (um).

Como a técnica de soroaglutinação microscópica (SAM), empregada no diagnóstico da leptospirose, é a prova de referência pela Organização Mundial da Saúde (OMS)ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Current problems in leptospirosis research. Report of a WHO expert group. WHO. Technology Report Service, v.380, p.1-32, 1967. e apresenta sensibilidade e especificidade elevadas, o delineamento amostral foi extrapolado para a determinação da prevalência de propriedades positivas e animais soropositivos para a leptospirose.

No total, foram visitadas 1.021 propriedades no Estado de São Paulo, com amostragem final de 8.216 fêmeas bovinas com idade igual ou superior a 24 meses.

Diagnóstico sorológico da leptospirose

O diagnóstico sorológico da leptospirose foi realizado pela técnica de soroaglutinação microscópica (SAM), de acordo com GALTON et al. (1965)GALTON, M.M.; SULZER, C.R.; SANTA ROSA, C.A.; FIELDS, M.J. Application of a microtechnique to the agglutination test for leptospiral antibodies. Applied Microbiology, v.13, p.81-85, 1965. e COLO et al. (1973)COLE, J.R.; SULZER, C.R.; PULSSELY, P.R. Improved microtechnique for the leptospiral microscopic aglutination. Applied Microbiology, v.5, p.976-980, 1973., com uma coleção de antígenos vivos que incluiu os sorovares: Castellonis, Javanica, Tarassovi, Whitcombi, Australis, Autumnalis, Bataviae, Bratislava, Canicola, Copenhageni, Grippotyphosa, Hardjo, Hebdomadis, Pomona, Icterohaemorrhagiae, Sentot, Wolffi, Pyrogenes, Butembo, Cynopteri, Panama e Shermani. Os soros foram triados na diluição de 1:100, e aqueles que apresentaram 50% ou mais de aglutinação foram titulados pelo exame de uma série de diluições geométricas de razão dois. O título do soro foi a recíproca da maior diluição que apresentou resultado positivo. Os antígenos eram examinados ao microscópio de campo escuro, previamente aos testes, a fim de verificar a mobilidade e a presença de auto-aglutinação ou de contaminantes.

Cálculo da soroprevalência

No animal, o provável sorovar infectante foi o que apresentou o maior título. Na ocorrência de empate sorológico para dois ou mais sorovares, o animal foi desconsiderado da análise, com exceção da associação entre os sorovares Hardjo e Wolffi que, em função da reação cruzada entre eles por pertencerem ao mesmo sorogrupo, foram mantidos na análise.

Na propriedade, o provável sorovar infectante foi o que apresentou o maior título e o maior número de reações positivas. Uma propriedade foi considerada positiva quando nela foi encontrado pelo menos um animal sororeagente.

Foi calculada a prevalência de propriedades positivas e de animais soropositivos para qualquer sorovar e para os sorovares individuais, no Estado de São Paulo e por circuito produtor.

O delineamento amostral para o cálculo da prevalência de animais soropositivos para a leptospirose bovina no Estado de São Paulo empregou uma amostra de grupo estratificada em dois estágios, e em cada circuito produtor, uma amostra de grupo em dois estágios (THRUSFIELD, 1995THRUSFIELD, M. Veterinary epidemiology. 2. ed. Cambridge: Blackwell Science, 1995. 479p.), onde cada propriedade foi considerada um grupo. Os parâmetros utilizados foram: (a) condição do animal (soropositivo ou soronegativo); (b) região a qual pertencia o animal; (c) código do rebanho (para identificar cada grupo); e (d) peso estatístico. O peso estatístico foi calculado conforme fórmula abaixo* (DEAN, 1994DEAN, A.G. EpiInfo: a word-processing, database and statistic program for public health on IBM-compatible microcomputers. Atlanta: Center for Diseases Control and prevention, 1994. 601p.).

Para o cálculo da prevalência no Estado de São Paulo, o delineamento amostral empregou a amostra aleatória estratificada (THRUSFIELD, 1995THRUSFIELD, M. Veterinary epidemiology. 2. ed. Cambridge: Blackwell Science, 1995. 479p.). Os parâmetros necessários foram: (a) condição da propriedade (rebanho reagente ou não reagente); (b) região a qual pertencia a propriedade; e (c) peso estatístico. O peso estatístico foi determinado aplicando-se a seguinte fórmula (DEAN, 1994DEAN, A.G. EpiInfo: a word-processing, database and statistic program for public health on IBM-compatible microcomputers. Atlanta: Center for Diseases Control and prevention, 1994. 601p.):

P e s o   =   f ê m e a s     24   m e s e s   n a   r e g i ã o f ê m e a s     24   m e s e s   n a s   p r o p r i e d a d e s   a m o s t r a d a s × f ê m e a s     24   m e s e s   n a   p r o p r i e d a d e f ê m e a s     24   m e s e s   a m o s t r a d a s   n a   p r o p r i e d a d e

O cálculo da prevalência de leptospirose bovina por circuito produtor empregou o delineamento amostral de uma amostra aleatória simples, utilizando os parâmetros: (a) número de positivos; e (b) número de propriedades amostradas na região. Todos os cálculos foram realizados com o programa SPSS 13.0 for Windows.

RESULTADOS

Das 8.216 amostras sorológicas de fêmeas bovinas com idade ≥ a 24 meses, 3.338 (49,4%; IC 95% = 44,4% - 54,4%) foram reagentes na SAM para qualquer um dos 22 sorovares de Leptospira spp., com títulos variando entre 100 e 3.200. O circuito produtor 3 apresentou o maior número de animais reagentes e com títulos mais elevados (58%; IC 95% = 51,5% - 64,1%), seguida pelos circuitos produtores 7, 1, 4, 6, 2 e 5 (Tabela 1). Foram observadas diferenças significativas nas freqüências de fêmeas positivas para pelo menos um sorovar entre os seguintes circuitos produtores: 1 e 5 (p < 0,001), 2 e 3 (p = 0,001), 2 e 5 (p < 0,001), 3 e 5 (p < 0,001), 4 e 5 (p < 0,001), 5 e 6 (p < 0,001) e 5 e 7 (p < 0,001).

Tabela 1
Soroprevalência para qualquer sorovar de Leptospira spp. em fêmeas bovinas em sete regiões no Estado de São Paulo, durante o período de outubro a dezembro de 2001, São Paulo, 2006.

O sorovar Hardjo (46%) e sua associação com o sorovar Wolffi (21%) foram prevalentes entre o total de animais sororeagentes; enquanto os sorovares Shermani, Autumnalis e Grippothyphosa apareceram na seqüência, com 8,9%, 4,4% e 3,9%, respectivamente. A associação dos sorovares Hardjo e Wolffi praticamente ocorreu em todos os circuitos produtores do Estado, freqüentemente com títulos empatados ou com diferença de título correspondente a uma diluição acima ou abaixo. A freqüência do sorovar Wolffi isoladamente mostrou-se inferior a de Hardjo (Tabela 2).

Tabela 2
Sorovares de Leptospira spp. prevalentes nas amostras de fêmeas bovinas reagentes em relação ao total de animais positivos do Estado de São Paulo, durante o período de outubro a dezembro de 2001, São Paulo, 2006.

Dentre as 1.021 propriedades investigadas, 718 (71,3%; IC 95% = 68,5% – 74,0%) apresentaram pelo menos um animal reagente na SAM para qualquer sorovar (Tabela 3). A maior freqüência de rebanhos positivos ocorreu no circuito produtor 7 (85,4%; IC 95% = 76,4% - 91,4%), seguida dos circuitos produtores 2, 1, 4, 3, 6 e 5. Foram observadas diferenças significativas nas freqüências de propriedades positivas os circuitos produtores 1 e 3 (p = 0,009), 1 e 5 (p < 0,001), 1 e 6 (p = 0,005), 2 e 3 (p = 0,006), 2 e 5 (p < 0,001), 2 e 6 (p = 0,003), 3 e 5 (p < 0,001), 3 e 6 (p < 0,001), 3 e 7 (p = 0,003), 4 e 5 (p < 0,001), 5 e 6 (p < 0,001), 5 e 7 (p < 0,001) e 6 e 7 (p = 0,002).

Tabela 3
Freqüência de propriedades com pelo menos um animal reagente para qualquer sorovar de Leptospira spp. nas sete regiões no Estado de São Paulo, durante o período de outubro a dezembro de 2001, São Paulo, 2006.
Tabela 4
Sorovares de Leptospira spp. prevalentes nas propriedades reagentes em relação ao total de propriedades positivas do Estado de São Paulo, durante o período de outubro a dezembro de 2001, São Paulo, 2006.

Na Tabela 4 são apresentados os sorovares prevalentes no total de propriedades positivas do Estado de São Paulo, onde se observam o sorovar Hardjo com 55,18% (IC 95% = 51,42% - 58,88%), sua associação com o sorovar Wolffi com 20,18% (IC 95% = 17,31% - 23,41%), seguidos pelos sorovares Shermani e Grippothyphosa, respectivamente com 7,97% (IC 95% = 6,13% - 10,31%) e 4,41% (IC 95% = 3,05% - 6,32%).

DISCUSSÃO

As vacinas disponíveis no mercado são bacterinas inativadas baseadas na proteção dirigida ao antígeno LPS das leptospiras, ressaltando-se sua interferência na SAM por cerca de seis meses após a vacinação ( DENARDI, 2005; F REUDENSTEIN; HEIN, 1991), o que poderia em algum momento deste estudo ter sido considerada como resposta sorológica positiva, uma vez que a informação de vacinação contra leptospirose não foi investigada. Porém, de acordo com o Mercado Nacional de Vacinas, o comércio de vacinas anti-leptospira encontra-se estagnado há algum tempo e em 2005 foram vendidas 178.000 doses (MARCHIORI, comunicação pessoal). Para o contingente de bovinos do Estado de São Paulo, de aproximadamente 14.500.000 cabeças, significa cobertura de 1,3% de doses, provavelmente de baixo impacto sobre a soroprevalência neste estudo.

A aplicação da SAM para a detecção de anticorpos anti-Leptospira spp. em 8.216 soros de fêmeas bovinas em idade reprodutiva provenientes de 1.021 propriedades do Estado de São Paulo permitiu a visualização da abrangência e da disseminação da infecção por leptospiras pelo Estado e, principalmente, as sorovariedades prevalentes. A infecção por leptospiras está presente em todos os sete circuitos produtores em que o Estado de São Paulo foi dividido, em 49,4% das fêmeas bovinas com idade igual ou superior a 24 meses e em 71,3% das propriedades amostradas, o que mostra seu caráter endêmico.

Cada sorovar tem um ou mais hospedeiros em diferentes graus de adaptação. Com epidemiologia complexa, que envolve diferentes espécies suscetíveis, grande número de sorovariedades e a presença de fatores ambientais, a leptospirose deve ser estudada respeitando as diferenças regionais (ELLIS, 1984ELLIS, W.A. Bovine leptospirosis in the tropics: prevalence, pathogenesis and control. Preventive Veterinary Medicine, v.2, p.411-421, 1984.). Neste inquérito, 19 de 22 sorovares contidos na bateria antigênica foram detectados nas amostras sorológicas das fêmeas analisadas e 17 foram evidenciados nos sete circuitos produtores, sendo que o menor número de sorovares detectados nas propriedades ocorreu no circuito produtor 6 (6 sorovares) e o maior número (13 sorovares), no circuito produtor 5. Neste aspecto, fica clara a importância da abrangência de sorovariedades antigênicas utilizadas na SAM, pois somente desta forma podem ser percebidas as mudanças ou flutuações nos perfis sorológicos de uma população, região ou mesmo país e a correta instituição de vacinas protetoras sorovar-específicas, até que surjam no mercado vacinas recombinantes e gênero-específicas.

Leptospira spp. sorovar Hardjo foi o mais freqüente (46,0%) no total de 3.338 animais reatores, seguida por sua associação com o sorovar Wolffi (21,0%) e na seqüência pelos sorovares Shermani, Autumnalis e Grippotyphosa, com prevalências de 8,98%, 4,46% e 3,95%, respectivamente. Similarmente, nas 718 propriedades reagentes, o sorovar Hardjo (55,18%) foi o mais prevalente, seguido pela sua associação com o sorovar Wolffi (20,18%), e sorovares Shermani (7,97%), Grippotyphosa (4,41%) e Autumnalis (3,17%). A distribuição praticamente homogênea deste sorovar parece ser independente das diferentes condições de cada região, do tipo de exploração do rebanho e das práticas de reprodução, discordante do que referem PRESCOTT et al. (1988)PRESCOTT, J. F.; MILLER, R. B.; NICHOLSON, V. M.; MARTIN, S. W.; LESNICK, T. Seroprevalence and Association with abortion of leptospirosis in cattle in Ontário. Canadian Journal Veterinary Research, n.52 p.210-215, 1988., que apontam os rebanhos de exploração de corte como mais suscetíveis a este sorovar do que os rebanhos leiteiros, possivelmente relacionadas às diferenças de manejo.

FÁVERO (2000)FAVERO, A.C.M. Estudo retrospectivo dos exames sorológicos de leptospirose realizados pelo laboratório de zoonoses bacterianas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, no período de 1984 a 1997. 2000. 115f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000., GENOVEZ et al. (2004)GENOVEZ, M. E.; OLIVEIRA, J. C .F.; CASTRO, V.; FERRARI, C. I. L.; SCARCELLI, E.; CARDOSO, M.V.; PAULIN, L. M.; LANÇA NETO, P. Serological profile of a nelore herd presenting endemic leptospirosis and submited to vaccination. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.71, n.4, p.411-416, 2004., LANGONI et al. (1999)LANGONI, H.; SOUZA, L.C.; SILVA, A.V.; LUVIZOTTO, M.C.R.; PAES, A.C.; LUCHEIS, S.B. Incidence of leptospiral abortion in Brazilian dairy cattle. Preventive Veterinary Medicine, v.40, p.271-275, 1999. e VASCONCELLOS et al. (1997)VASCONCELLOS, S.A.; BARBARINI JUNIOR, O.; UMEHARA, O.; MORAIS, Z.M.; CORTEZ, A.; PINHEI-RO, S.R.; FERREIRA, F.; FAVERO, A.C.M.; FERREIRA NETO, J.S. Leptospirose bovina. Níveis de ocorrência e sorotipos predominantes em rebanhos dos Estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, período de janeiro a abril de 1996. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.7-15, 1997. verificaram a ocorrência de Leptospira spp. no Estado de São Paulo com a relevante presença do sorovar Hardjo. Nas demais regiões do país, a freqüência de anticorpos anti-Leptospira spp. também é assinalada pela significante presença do sorovar Hardjo em vários estados do Brasil, como verificaram MADRUGA et al. (1980)MADRUGA, C.R.; AYCARDI, E.; PUTT, N. Freqüência de aglutininas anti-leptospira em bovinos de corte da região sul de cerrado do Estado do Mato Grosso. Arquivos da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais, v.32, n.2, p.245, 249, 1980., no Mato Grosso do Sul, ARAUJO et al. (2005)ARAUJO, V.E.M.; MOREIRA, E.C.; NAVEDA, L.A.B.; SILVA, J.A; CONTRERAS, R.L. Freqüência de aglutininas anti-Leptospira interrogans em soros sanguíneos de bovinos em Minas Gerais, de 1980 a 2202. Arquivos Brasileiros de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.57, n.4, p.430-435, 2005., em Minas Gerais, BROD et al. (1994)BROD, C.S.; MARTINS, L.F.S.; NUSSBAUN, J.R.; FEHLBERG, M.F.B.; FURTADO, L.R.I.; ROSADO, R.L.I. Leptospirose bovina na região sul do estado do Rio Grande do Sul. Hora Veterinária, v.14, p.15-20, 1994., no Rio Grande do Sul, OLIVEIRA et al. (2001)OLIVEIRA, A.A; MOTA, R.A.; PEREIRA, G.C.; LANGONI, H.; SOUZA, M.I.; NAVEGANTES, W.A.; SA, M.E. Soroprevalence of bovine leptospirosis in Garanhuns municipal district, Pernambuco State, Brazil Onderstepoort Journal of Veterinary Research, v.68,n.4, p.275-279, 2001., no Estado de Pernambuco, HOMEM et al. (2001)HOMEM, V.S.F.; HEINEMANN, M.B.; MORAES, Z.M.; VASCONCELLOS, S.A.; FERREIRA, F.; FERREIRA NETO, J.S. Estudo epidemiológico da leptospirose bovina e humana na Amazônia oriental brasileira. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.34, n.2, p.173-180, 2001., na Amazônia Oriental, e LILEMBAUM; SOUZA (2003)LILENBAUM, W.; SOUZA, G.N. Factors associated with bovine leptospirosis in Rio de Janeiro, Brazil. Research in Veterinary Science, v.75, p.249-251, 2003., no Rio de Janeiro.

Causador de infecções entre bovinos de todo o mundo, o sorovar Hardjo é também relatado como prevalente em rebanhos de outros países. Na Austrália, MILNER et al. (1980)MILNER, A. R.; WILKS, C. R.; CALVERT, K. The prevalence of antibodies to members of Leptospira interrogans in cattle. Australian Veterinary Journal, v.56, p.327-330, 1980. determinaram o sorovar Hardjo como o prevalente em 24.8% da região metropolitana e 56,3% da região rural. Em Ontário, Canadá, PRESCOTT et al. (1988) verificaram a relação entre a leptospirose e abortamentos assinalando evidências de infecção pelo sorovar Hardjo em 44,2% dos animais de rebanho de corte e em 8,4% dos animais de rebanho leiteiro. Na Nigéria, EZEH et al. (1990)EZEH, A.O.; ADDO, P.B.; ADESIYUN, A.A.; BELLO, C.S.; MAKIND, A.A. Serological prevalence of bovine leptospirosis in Plateu State, Nigéria. Revue d’ Elevage et de Medecine Veterinaire des Pays Tropicau, v.42, n.4, p.505-508, 1990. analisaram mais de 1.500 soros de bovinos e obtiveram 14,4% de animais com anticorpos contra Leptospira spp., tendo o sorovar Hardjo (35,6%) como o mais prevalente. Recentemente, em 2005, ODONTSETSEG et al. (2005)ODONTSETSEG, N.; SAKODA, Y.; KIDA, H. Serological evidence of the persistence of infection with Leptospira interrogans serovar Hardjo in cattle in Mongólia. Microbiology e Immunology, v.49, n.9, p.865-869, 2005. estudaram a infecção por Leptospira spp. sorovar Hardjo em três regiões da Mongólia em animais de dupla aptidão e, concordantes com a literatura mundial, concluíram que o sorovar Hardjo apresenta elevada prevalência e que sua transmissão naquele país também ocorre entre bovinos. Em contrapartida, na Espanha, ALONSO-ANDICOBERRY et al. (2001)ALONSO-ANDICOBERRY, C.; GARCIA-PENA, F.J.; PEREIRA-BUENO, J.; COSTAS, E.; ORTEGA-MORA, L.M. Herd-level risk factors associated with Leptospira spp. Seroprevalence in dairy and beef cattle in Spain. Preventive Veterinary Medicine, v.52, p.109-117, 2001. verificaram maior prevalência do sorovar Bratislava, mas também seguida pelo sorovar Hardjo.

Por pertencerem ao mesmo sorogrupo e, portanto, possuírem afinidades antigênicas, os sorovares Hardjo e Wolffi podem ocorrer em associação (FAINE et al., 1999FAINE, S.; ADLER, B.; BOLIN, C.; PEROLAT, P. Leptospira and leptospirosis. 2nd. ed. Melbourne: MediSci, 1999. 272p.). Esta associação praticamente foi verificada em todas as regiões do Estado (20,18%), embora a ocorrência de Wolffi de forma isolada mostrou-se bastante inferior (0,99%) à de Hardjo (55,18%). O empate sorológico entre Hardjo e Wolffi não foi desconsiderado da análise com o intuito de se conhecer a freqüência de reações cruzadas entre eles e a importância da inclusão dos dois sorovares na bateria antigênica.

SANTA ROSA et al. (1969/1970)SANTA ROSA, C.A.; CASTRO,A.F.P.; SILVA, A.S.; TERUYA, J.M. Nove anos de leptospirose no Instituto Biológico. Revista Instituto Adolfo Lutz, v.29/30, p.19-27, 1969/1970. relataram, em nove anos de estudo sorológico da leptospirose no Instituto Biológico de São Paulo, elevada prevalência do sorovar Wolffi em amostras de bovinos e bubalinos oriundas de vários estados do Brasil. Da mesma forma, reunindo resultados de sete anos de leptospirose neste mesmo instituto, GIORGI et al. (1981)GIORGI, W.; TERUYA, J.M.; MACRUZ, R.; GENOVEZ, M.E.; SILVA, A.S.; BORGO, F. Leptospirose em eqüinos: inquérito sorológico e isolamento de Leptospira icterohaemorrhagiae de feto abortado. O Biologico, São Paulo, v.47, n.2, p.47-53, 1981. verificaram a prevalência do sorovar Wolffi em amostras sorológicas de bovinos; contudo, o sorovar Hardjo não constava da bateria antigênica de ambos os trabalhos.

Além da presença do sorovar Hardjo, cuja transmissão usualmente ocorre de bovino a bovino, em alguns rebanhos ou regiões poderia estar ocorrendo infecções incidentais pelos outros sorovares, cuja transmissão indireta está ligada ao contato com o meio ambiente contaminado por leptospiras de espécies silvestres ou outras espécies domésticas, principalmente em situações edafoclimáticas tropicais. Cervídeos, capivaras e outras espécies silvestres atuam como reservatórios de Leptospira spp. para os rebanhos ao encontrar o habitat satisfatório. Dentre os sorovares incidentais mais freqüentes destacam-se Icterohamorrhagiae, Pomona e Canicola, pela elevada patogenicidade, causando sintomas clínicos graves como icterícia, hemorragias e morte.

O sorovar Shermani, que aparece como o terceiro mais freqüente, vem reforçar a importância da ampla composição da bateria antigênica. Este sorovar foi isolado pela primeira vez de um roedor (Proechimys semispinosus) no Panamá (SULZER et al., 1982SULZER, K.; POPE, V.; ROGERS, F. New leptospiral serotypes (serovars) from the Western Hemisphere isolated during 1964 through 1970. Revista Latinoamericana de Microbiologia, v.24, p.15-17, 1982.). No Brasil, há relato de isolamento deste sorovar de roedores no Mato Grosso (LINS; SANTA ROSA, 1976LINS, Z.C.; SANTA ROSA, C.A. Investigações epidemiológicas preliminares sobre leptospiroses em Humboldt, Aripuanã, Mato Grosso. Acta Amazônica, v.6, n.4, p.46-53, 1976.). Em bovinos do Paraná (GIRALDI, 2003GIRALDI, N. Avaliação da infecção por leptospira em fêmeas bovinas enviadas ao abate no Norte do Paraná, através de diferentes técnicas diagnósticas. 2003. 75f. Tese (Doutorado em Epidemiologia Experimental e Aplicada às Zoonoses) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.) e em Rondônia (AGUIAR et al., 2006AGUIAR, D.M.; GENNARI, S.M.; CAVALCANTE, G.T.; LABRUNA, M.B.; VASCONCELLOS, S.A.; RODRIGUES, A.A.R.; MORAES, Z.M.; CAMARGO, L.M.A. Soroprevalence of Leptospira spp. in cattle from Monte Negro municipality, western Amazon. Pesquisa Veterinária Brasileira, v.26, n.2, p.102-104, 2006.), este sorovar foi apontado como o terceiro mais freqüente, precedido pelos sorovares Hardjo e Wollfi. HOMEM et al. (2000)HOMEM, V.SF.; HEINEMANN, M.B.; MORAES, Z.M.; VIANNA, M.C.B.; SILVA, S.M.; SAKAMOTO, S.M.; PINHEIRO, S.R.; VEIGA, J.B.; LAU, H.D.; QUANZ, D.; TOURRAND, J.F.; FERREIRA, F.; FERREIRA NETO, J.S. Leptospirose bovina em Uruará, Município da Amazônia Oriental. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.67, n.1, p.1-8, 2000., na Amazônia Oriental, também relataram o sorovar Shermani em bovinos seguido pelos sorvares Hardjo e Bratislava.

Em resumo, os levantamentos sorológicos realizados ao longo dos anos em cidades ou regiões do Estado de São Paulo e publicados por diversos autores evidenciaram a presença da Leptospira spp., no entanto, denota-se diferenças nos pontos de corte da SAM adotados e composição da bateria antigênica, os quais podem interferir na comparação dos dados. O sorovar Hardjo foi o mais prevalente em fêmeas em idade reprodutiva do Estado de São Paulo, bem como é o mais comumente implicado nos rebanhos bovinos brasileiros à semelhança do que ocorre mundialmente. Entretanto, ainda é necessário o empenho dos pesquisadores e veterinários no sentido de obtenção de isolados de bovinos para que sejam investigados os genótipos de estirpes deste sorovar circulantes nos rebanhos nacionais, enfocando-se a adaptação e interação com o meio ambiente nas condições brasileiras de clima e manejo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2008

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2007
  • Aceito
    13 Mar 2008
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