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INTOXICAÇÃO POR PIRRIXIU (BLUTAPARON PORTULACOIDES) EM OVINOS* * Projeto financiado com recursos do programa Institutos do Milênio do MCT/CNPq, projeto “Tecnologias aplicadas ao controle das intoxicações por plantas em herbívoros no Brasil e estudo das plantas tóxicas nas regiões norte, nordeste e centro-oeste”.

POISONING BY PIRRIXIU (BLUTAPARON PORTULACOIDES) IN SHEEP

RESUMO

Na região oeste do Rio Grande do Norte, diversos surtos de intoxicação em ovinos têm sido atribuídos ao consumo de Blutaparon portulacoides, conhecida como pirrixiu, bredo-de-praia e capotiraguá. No entanto, não há nenhum trabalho na literatura avaliando se realmente ocorre intoxicação por esta planta. Assim, o presente trabalho tem por objetivo determinar se o pirrixiu pode promover intoxicação nos ovinos. Foram utilizadas 3 ovelhas SRD, com aproximadamente 6 meses de idade, saudáveis pesando aproximadamente 15 kg. Elas receberam, como alimento exclusivo, fardos de pirrixiu por um período de 3 meses. A planta e a água foram ofertados ad libitum durante todo o período experimental. Os animais foram diariamente monitorados para determi nação de possíveis alterações clínicas. Após três meses da administração, as ovelhas foram abatidas, sendo coletados fragmentos de intestino grosso, intestino delgado, fígado, rins, rúmen, retículo, omaso e abomaso para análise histopatológica. Também foram coletadas partes aéreas de B. portulacoides para determinação das concentrações dos íons sódio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, cobre, zinco, ferro e manganês. Foi verificada que a alimentação exclusiva de ovinos com B. portulacoides é responsável por distúrbios no trato digestório, caracterizados por amole cimento das fezes e lesões no epitélio intestinal (desprendimento do epitélio das vilosidades intestinais, hiperplasia das células caliciformes, infiltrado inflamatório na submucosa e infiltrado de células mononucleares na lâmina própria). O possível mecanismo da intoxicação é o desequilíbrio osmótico no trato digestório promovido pela deficiência de sódio e excesso de magnésio, potássio e cálcio na planta.

PALAVRAS-CHAVE
Ovinos; plantas tóxicas; Blutaparon portulacoides

ABSTRACT

In the west region of Rio Grande do Norte State, Brazil, several outbreaks of poisoning in sheep have been attributed to consumption of Blutaparon portulacoides, known as “pirrixiu,” “bredo-de-praia” and “capotiraguá.” However, there is no work in the literature evaluating the occurrence of poisoning by this plant. Thus, the present study aimed to determine whether B. portulacoides could produce poisoning in sheep. The study involved three healthy female crossbred sheep, aged 6 months old, weighing approximately 15 kg. They were fed, as exclusive food, bales of B. portulacoides for 3 months. The plant and the water were offered ad libitum during all the experimental period. The animals were monitored daily for determination of possible clinical alterations. After three months of this administration, the sheep were sacrificed, for collection of fragments of intestines, liver, kidneys, rumen, reticule, omasum and abomasum for histopathological analysis. Aerial parts of B. portulacoides were also collected for determination of the concentrations of sodium, phosphorus, potassium, calcium, magnesium, cupper, zinc, iron and manganese ions. It was found that the exclusive feeding of sheep with B. portulacoides is responsible for disturbances in the gastrointestinal tract, characterized by the softening of feces and lesions in the intestinal epithelium (unfastening of the intestinal villous epithelium, hyperplasic caliciform cells, inflammatory infiltrate in the submucosa and infiltrate of mononuclear cells in the lamina propria). The possible mechanism of the poisoning is osmotic disequilibria in the gastrointestinal tract promoted by the deficiency of sodium and excess of magnesium, potassium and calcium in the plant.

KEY WORDS
Sheep; poisonous plants; Blutaparon portulacoides

Como as plantas são incapazes de se locomover para escapar dos herbívoros, elas tiveram de desenvolver técnicas para minimizar sua predação. Muitas plantas desenvolveram mecanismos mecânicos e morfológicos de proteção, tais como espinhos, cornos e pêlos, ou o desenvolvimento de revestimento impenetrável (CHEEKE, 1998CHEEKE, P.R. Natural toxicants in feeds, Forages, and Poisonous Plants. 2.ed. Danville: Interstate Publishers, 1998.). Além disto, diversas espécies sintetizam e armazenam, a partir do seu metabolismo secundário, substâncias químicas responsáveis por redução na predação por insetos e herbívoros. Essas substâncias podem promover quadros de intoxicação em animais que ingeriram estas plantas (CHEEKE, 1998CHEEKE, P.R. Natural toxicants in feeds, Forages, and Poisonous Plants. 2.ed. Danville: Interstate Publishers, 1998.; WINK, 2004WINK, M. Evolution of toxins and anti-nutritional factors in plants with emphasis on Leguminosae. In: ACAMOVIC, T.; STEWART, C.S.; PENNYCOTT, T.W. (Ed.). Poisonous plants and related toxins. Oxon: CAB Publishing, 2004. p.1-25.). No entanto, são classificadas como plantas tóxicas de interesse pecuário as espécies que promovam intoxicação nos animais, mas apenas sob condições naturais. Neste sentido, nem todas as plantas demonstradas experimentalmente como tóxicas devem ser consideradas plantas tóxicas de interesse pecuário por não produzirem quadros clínico-patológicos sob condições naturais (TOKARNIA et al., 2000TOKARNIA, C.H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 311p.).

Na região oeste do Rio Grande do Norte, diversos surtos de intoxicação em ovinos têm sido atribuídos ao consumo de Blutaparon portulacoides, conhecida como pirrixiu, bredo-de-praia e capotiraguá. Trata-se de uma planta pertencente à família Amaranthaceae, sendo uma espécie de vegetação gramíneo-herbácea de praias e dunas dissipadas. O nome anterior da espécie era Philoxerus portulacoides, e ainda pode ser encontrada com o nome cientifico de Iresine portulacoides. No entanto, não há nenhum trabalho na literatura avaliando se realmente ocorre intoxicação por esta planta. Assim, o presente trabalho tem por objetivo determinar se o pirrixiu pode promover intoxicação nos ovinos.

O material vegetal foi coletado às margens do Rio Mossoró, no Município de Mossoró, RN. A exsicata foi depositada no Herbáreo Dárdano de Andrade-Lima (MOSS), Departamento de Ciências Vegetais, Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), sob número de tombo 9525 e identificada como Blutaparon portulacoides (A. St.-Hil.) Mears, família Amaranthaceae, pela profa. Dra. Regina Célia de Oliveira e pela Srta. Caroline Gracielle Torres Ferreira. Foram utilizadas as partes aéreas de B. portulacoides (Fig.1), que foram oferecidas inteiras imediatamente após a colheita.

Fig.1
Parte aérea de Blutaparon portulacoides (pirrixiu).

Foram utilizadas três ovelhas SRD, com aproximadamente 6 meses de idade, saudáveis pesando aproximadamente 15 kg. Elas receberam, como alimento exclusivo, fardos de pirrixiu por um período de 3 meses. A planta e a água foram ofertados ad libitum durante todo o período experimental. Os animais foram diariamente monitorados para determinação de possíveis alterações clínicas. Após três meses da administração, as ovelhas foram abatidas, sendo coletados fragmentos de intestino grosso, intestino delgado, fígado, rins, rúmen, retículo, omaso e abomaso para análise histopatológica. Os fragmentos foram fixados em solução tamponada de formaldeido a 10%, desidratados lentamente em solução de álcool etílico com concentrações crescentes, posteriormente diafanizados em solução de xilol, impregnado em parafina a 56° C e inclusos. Os blocos foram cortados no micrótomo. Realizou-se a montagem e coloração das lâminas com hematoxilinaeosina, para posterior análise microscópica em microscópio de luz, objetivando verificar possível ocorrência de alterações microscópicas. Os procedimentos de conduta dos animais foram aprovados pela Comissão de Pesquisa Departamental da UFERSA.

Para avaliação química da planta, a .partes aéreas de B. portulacoides coletadas foram secas em estufa a 60o C. A quantidade de 100 g da planta seca foi submetida à digestão química com ácido sulfúrico para determinação das concentrações dos íons sódio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, cobre, zinco, ferro e manganês. Os níveis de sódio foram determinados por meio de fotometria de chama, enquanto os demais elementos foram mensurados por espectrometria de massas. As avaliações químicas da planta foram realizadas no Laboratório de Análise de Solo, Água e Planta da UFERSA.

A partir de 10 dias da administração experimental de B. portulacoides, as fezes dos três ovinos passaram a ter consistência pastosa, mas sem modificação na coloração e no odor; esta consistência pastosa permaneceu durante todo o período experimental. Após 40 dias do início do tratamento, a ovelha 1 começou a demonstrar fraqueza muscular quando submetida a esforço físico, porém não permanecia em decúbito; as ovelhas 2 e 3 também apresentaram esta fraqueza, mas apenas após 60 e 55 dias, respectivamente.

À necropsia, a ovelha 1 apresentou ascite (86 mL), sendo que este líquido apresentava 0,2 g/dL de proteínas totais e 64 células nucleadas/µL. Por estas características, o líquido é classificado como exsudato simples (COLES, 1987COLES, E.H. Veterinary clinical pathology. Philadelphia: Lea & Febiger, 1987. 421p.).

O estudo microscópico dos fragmentos coletados nas necropsias revelou, n o intestino delgado do animal 1 (Fig.2), desprendimento do epitélio das vilosidades intestinais, hiperplasia das células caliciformes, infiltrado inflamatório na submucosa e infiltrado de células mononucleares na lâmina própria. No animal 2, foram observadas áreas multifocais de desprendimento do epitélio das vilosidades intestinais acentuadas. No animal 3, houve desprendimento difuso acentuado do epitélio das vilosidades intestinais com infiltrado de células inflamatórias mononucleadas na lâmina própria. No fígado do animal 3, foi observado infiltrado de células mononucleadas no parênquima. Nos demais fragmentos observados dos órgãos citados anteriormente não foram encontradas nenhuma alteração histopatológica.

Fig.2
Intestino delgado de ovelha intoxicada experimentalmente por Blutaparon portulacoides (pirrixiu), apresentando hiperplasia das células caliciformes, desprendimento das vilosidades intestinais e infiltrado inflamatório por mononucleares na lâmina própria. HE, obj.40.

No Brasil, já foram descritas como plantas que atuam sobre o trato digestório Baccharis coridifolia, Baccharis megapatamica, Stryphnodendron coriaceum, Ricinus communis e Sisyrinchium platense (TOKARNIA et al., 2000TOKARNIA, C.H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 311p.). No entanto, os efeitos observados na intoxicação por B. portulacoides são distintos dos descritos nas outras plantas. Nas intoxicações por B. coridifolia e B. megapatamica há necrose do rúmen e retículo, enquanto nas intoxicações por S. coriaceum e R. communis a necrose ocorre no abomaso e intestino delgado, respectivamente. Por outro lado, não foram encontradas alterações significantes à necropsia e histopatologia em animais intoxicados por S. platense (TOKARNIA et al., 2000TOKARNIA, C.H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 311p.).

Considerando os dados disponíveis na literatura (UNDERWOOD; SUTTLE, 2001UNDERWOOD, E.J.; SUTTLE, N.F. The mineral nutrition of livestock. 3.ed. Oxon: CABI Publishing, 2001. 614p.), os níveis de sódio encontrados na planta são insuficientes para as necessidades nutricionais dos ovinos, enquanto os níveis de magnésio, potássio e cálcio estão elevados. Desta forma, é possível que o conjunto de distúrbios destes elementos seja o responsável pela toxicidez do B. portulacoides. Os níveis de fósforo são considerados insuficientes para os ovinos, mas esta deficiência não deve ter contribuído para a ocorrência dos distúrbios digestórios.

Concluindo, B. portulacoides pode ser considerada uma planta tóxica que afeta o sistema digestório de ovinos. Assim, futuros experimentos deverão ser realizados procurando avaliar quais condições promovem a intoxicação por B. portulacoides, e qual(is) princípio(s) tóxico(s) responsável(is) pela intoxicação.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos à profa. Dra. Regina Célia de Oliveira e à Srta. Caroline Gracielle Torres Ferreira pela identificação e tombamento da planta e ao prof. Dr. Gustavo Pereira Duda pelas análises químicas das amostras vegetais.

  • *
    Projeto financiado com recursos do programa Institutos do Milênio do MCT/CNPq, projeto “Tecnologias aplicadas ao controle das intoxicações por plantas em herbívoros no Brasil e estudo das plantas tóxicas nas regiões norte, nordeste e centro-oeste”.

REFERÊNCIAS

  • CHEEKE, P.R. Natural toxicants in feeds, Forages, and Poisonous Plants 2.ed. Danville: Interstate Publishers, 1998.
  • CHIJI, H.; ARAKAWA, Y.; UEDA, S.; KURODA, M.; IZAWA, M. 5,2-Dihydroxy-6,7-methylenedioxyisoflavone from seed balls of sugar beet. Phytochemistry, v.25, p.281-282, 1986.
  • COLES, E.H. Veterinary clinical pathology Philadelphia: Lea & Febiger, 1987. 421p.
  • FERREIRA, E.O.; DIAS, D.A. A methylenedioxyflavonol from aerial parts of Blutaparon portulacoides. Phytochemistry, v.53, p.145-147, 2000.
  • KOJIMA, H.; SATO, N.; HATANO, A.; OGURA, H. Sterol glucosides from Prunella vulgaris. Phytochemistry, v.29, n.7, p.2351-2355, 1990.
  • OLIVEIRA, D.B.; ALMEIDA, A.P.; SIMÕES, G.L.; AUVIN, C.; KAISER, C.R.; COSTA, S.S. First isolation of a symmetrical glycosylated methylene bisflavonoid. Planta Medica, v.69, n.4, p.382-384, 2003.
  • SAKUSHIMA, A.; COSKUN, M.; MAOKA, T. Hydroxybenzoic acids from Boreava orientalis. Phytochemistry, v.40, n.1, p.257-261, 1995.
  • TOKARNIA, C.H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P.V. Plantas tóxicas do Brasil Rio de Janeiro: Helianthus, 2000. 311p.
  • UNDERWOOD, E.J.; SUTTLE, N.F. The mineral nutrition of livestock 3.ed. Oxon: CABI Publishing, 2001. 614p.
  • WINK, M. Evolution of toxins and anti-nutritional factors in plants with emphasis on Leguminosae. In: ACAMOVIC, T.; STEWART, C.S.; PENNYCOTT, T.W. (Ed.). Poisonous plants and related toxins Oxon: CAB Publishing, 2004. p.1-25.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2008

Histórico

  • Recebido
    06 Jan 2007
  • Aceito
    25 Fev 2008
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