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CARACTERÍSTICAS MICROBIOLÓGICAS DE LEITE INTEGRAL E BEBIDA LÁCTEA PROCESSADOS POR UAT (ULTRA ALTA TEMPERATURA) AO LONGO DO PERÍODO DE VALIDADE

MICROBIOLOGICAL CHARACTERISTICS OF WHOLE MILK AND DAIRY DRINK PROCESSED BY UHT (ULTRA-HIGH TEMPERATURE) DURING ITS SHELF LIFE

RESUMO

O leite integral e a bebida láctea UAT são submetidos ao mesmo tratamento térmico, mas são produtos diferentes, já que na bebida láctea é permitida a adição de até 50% de soro lácteo. Neste estudo, objetivou-se avaliar as características microbiológicas destes produtos com relação à legislação vigente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e, ainda, da população psicrotrófica, ao longo do período de validade. Foram analisadas 150 amostras, 75 de cada produto, a partir de cinco diferentes marcas comerciais nacionais. As 15 amostras de cada marca foram subdivididas em três lotes: início, meio e final do período de validade, cada qual com cinco amostras do mesmo lote. Verificou-se para o leite que todas as amostras de leite UAT estavam de acordo com a legislação vigente. A população de psicrotróficos aumentou em 26,6% das amostras depois que foram abertas e mantidas sob refrigeração por 48 horas. Os resultados para a bebida láctea evidenciaram que 12% das amostras estavam em desacordo com o estabelecido pela legislação vigente. A população de psicrotróficos aumentou em 36% das amostras depois que foram abertas e mantidas sob refrigeração por 48 horas. Tais resultados devem servir de alerta para a necessidade de fiscalização mais rigorosa da bebida láctea UAT, pois parte das amostras não atenderam aos padrões microbiológicos estabelecidos pela legislação.

PALAVRAS-CHAVE
Leite UAT; bebida láctea UAT; microbiologia; micro-organismos mesófilos; micro-organismos psicrotróficos

ABSTRACT

UHT milk and dairy drinks are submitted to the same heat treatment, but they are different products, since the addition of up to 50% of whey is allowed in dairy drinks. The aim of this study was to evaluate the microbiological characteristics of these products in relation to current legislation, during the course of their shelf life. In the present study, 150 samples, 75 of each type of product, from 5 different national brands were analyzed. The 15 samples of each brand were separated into 3 lots containing 5 samples each, analyzed at the beginning, middle and end of the validity period. Upon microbiological analysis all UHT milk samples were in conformance with current legislation. After the samples were opened and chilled for 48 hours, 26.6% of them presented an increased psychrotrophic population. The dairy drink results showed that 12% of the samples were out of conformance with the current legislation. After the samples were opened and chilled for 48 hours, 36% of them presented an increased psychrotrophic population. These results should be considered as an alert in regard to the need for rigorous inspection of UHT milk and dairy drink products.

KEY WORDS
UHT milk; dairy drink; microbiological characteristics

Segundo Panetta (1999)PANETTA, J.C. Denuncias sobre a qualidade do leite são procedentes? Higiêne Alimentar, v.13, n.59, p.3-4, 1999., os processos de bene-ficiamento do leite têm se tornado cada vez mais necessários para livrar o produto de bactérias patogênicas e saprófitas. A utilização de tratamentos térmicos na garantia da qualidade dos alimentos tem ocupado um espaço relevante na evolução da tecnologia de alimentos (Bastos, 1999BASTOS, M.S.R. Leite longa vida UHT: Aspectos do processamento e identificação dos pontos críticos de controle. Higiêne Alimentar, v.13, n.66/67, p.32-6, 1999.). Esse fato continua impulsionando o aprimoramento de técnicas que possam garantir segurança, estabilidade e, também, qualidade (Silva, 2001SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.). Porém, Vidal-Martins (2005)VIDAL-MARTINS, A.M.C. Leite UAT: Estudo de características microbiológicas e físico-químicas e investigação epidemiológica do Bacillus cereus ao longo de sua produção e vida comercial. 2005. 130p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista. Jaboticabal, 2005. observou uma disparidade quando se compara a qualidade higiênico-sanitária da matéria-prima e o avanço tecnológico de sua transformação industrial.

O tratamento térmico é aplicado ao leite com os objetivos de destruir todas as bactérias e vírus que possam ser prejudiciais à saúde, eliminar outros micro-organismos, especialmente aqueles que podem causar deterioração do leite e produtos lácteos, inativar enzimas do próprio produto e enzimas produzidas por micro-organismos. Além disso, a inativação de enzimas permite que seja mantida a estabilidade de suas características físicas e químicas, o que o mantém em boas condições de consumo por períodos variados de tempo (Van Den Berg, 1988VAN DEN BERG, J.C.T. Heat treatment of milk and processing of liquid milk. In: Dairy technology in the tropics and subtropics. Wageningen: PUDOC, 1988. p.115-131.).

De acordo com a Portaria nº 370, de 4 de setembro de 1997, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), entende-se por leite UAT (ultra alta temperatura) ou UHT (ultra hight temperature) o “leite homogeneizado submetido, durante 2 a 4 segundos, a uma temperatura entre 130º C e 150º C, mediante processo térmico de fluxo continuo, imediatamente resfriado a uma temperatura inferior a 32º C e envasado sob condições assépticas em embalagens estéreis e hermeticamente fechada” (Brasil, 1997BRASIL, Ministério da Agricultura, do Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do leite UHT (UAT). Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade do Leite e Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília. p.117-120, 1997.). Sendo assim, o produto obtido pelo processo UAT tem sido erroneamente denominado leite esterilizado, pois muitas vezes é conveniente identificar esse tipo de produto com os termos “esterilização comercial” ou “comercialmente estéril”, como muitas empresas já fazem (Silva, 2001SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.).

Nesse contexto, cabe às indústrias o dever e a responsabilidade de zelar pela idoneidade, integridade e inocuidade dos alimentos industrializados, principalmente num mercado globalizado em que milhares de consumidores têm acesso simultâneo a esses alimentos. Mesmo com adoção de programas de boas práticas de fabricação ou análises de perigos e pontos críticos de controle não é possível transformar matéria-prima ruim e proporcionar um produto final processado de boa qualidade (Rabelo, 2003RABELO, R. N. Avaliação retroativa da qualidade microbiológica da matéria-prima utilizada em leites UAT comerciais. 2003. 75p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária Preventiva) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2003.).

A legislação brasileira do MAPA (Brasil, 1997BRASIL, Ministério da Agricultura, do Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do leite UHT (UAT). Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade do Leite e Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília. p.117-120, 1997.), que regulamenta a produção do leite tratado por UAT, estabelece que o produto não deve ter micro-organismos capazes de proliferar em condições normais de armazenamento e distribuição, após a incubação da embalagem fechada a 35-37º C durante 7 dias. Nenhuma amostra de cinco analisadas de uma mesma partida pode conter mais que 102 micro-organismos mesófilos/mL. Porém, o Ministério da Saúde, através da Resolução-RDC nº 12, de 2 de janeiro de 2001 (Brasil, 2001BRASIL, Ministério da Saúde. Resolução RDC nº 12, de 02 de janeiro de 2001. Regulamento técnico sobre os padrões microbiológicos para alimentos. Diário Oficial da União. Brasília, 10 de janeiro de 2001. Legislação Federal.), estabelece que o leite deve ser mantido em condições normais de armazenamento e, quando analisado após 7 dias de incubação da embalagem fechada a 35-37º C, não deve apresentar micro-organismos patogênicos e causadores de alterações físicas, químicas e organolépticas do produto.

Pereira et al. (2000)PEREIRA, A.I.B.; MARTINS, S.C.S.; ALBUQUERQUE, L.M.B. Bactérias extremofílicas termófilas, em leite comercial estéril. Higiêne Alimentar, v.14, n.77, p.40-44, 2000. e Silva (2001)SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. verificaram que nenhuma das amostras de leite UAT por eles analisadas ultrapassou a contagem de 102 UFC de mesófilos/mL, estando, portanto, de acordo com os critérios estabelecidos pela legislação brasileira do MAPA. Vidal-Martins (2005)VIDAL-MARTINS, A.M.C. Leite UAT: Estudo de características microbiológicas e físico-químicas e investigação epidemiológica do Bacillus cereus ao longo de sua produção e vida comercial. 2005. 130p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista. Jaboticabal, 2005., analisando a qualidade microbiológica do leite cru, pasteurizado e UAT, ao longo do fluxograma de produção do leite UAT, concluiu que o tratamento térmico por UAT aplicado ao leite foi capaz de reduzir, mas não eliminar, os micro-organismos mesófilos, psicrotróficos e esporos da matéria-prima (leite cru).

A presença de micro-organismos em leite submetido ao tratamento UAT pode ser atribuída à contaminação através da germinação de esporos de bactérias termorresistentes que estavam presentes no leite cru e/ou através de contaminação pós processo com possibilidade de penetração microbiana (Foschino et al., 1990FOSCHINO, R.; GALLI, A.; OTTOGALLI, G. Research on the microflora of UHT milk. Annals of Microbiology, v.40, n.1, p.47-59, 1990.).

A grande maioria das bactérias psicrotróficas é destruída pela pasteurização, com exceção das termodúricas. Este grupo de bactérias apresenta capacidade de produzir enzimas lipolíticas e proteolíticas termoresistentes que mantêm sua atividade enzimática após a pasteurização ou mesmo após o tratamento UAT, limitando a vida de prateleira dos produtos lácteos devido ao aparecimento de alterações no sabor e no odor, assim como na aparência desses produtos (Gomes, 1995GOMES, M. I. F. V. Contribuição ao estudo da atividade proteolítica residual sobre a estabilidade protéica do leite esterelizado (“longa vida”). 1995. 108p. Tese (Doutorado em Engenharia de Alimentos) - Faculdade de Engenharia de Alimentos. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1995.)

Segundo Patel et al. (1983)PATEL, T.R.; BARTLETT, F.M.; HAMID, J. Extracellular heatresistant proteases of psychrotrophic Pseudomonas. Journal of Food Protection, v.46, n.2, p.90-94, 1983., são encontrados números reduzidos de micro-organismos, principalmente psicrotróficos, sobreviventes em leite pasteurizados e UAT. É importante ressaltar que, de acordo com os resultados encontrados em trabalho realizado por Dufrenne et al. (1994)DUFRENNE, J.; SOENTORO, P.; TATINI, S.; DAY, T.; NOTERMANS, S. Characteristics of Bacillus cereus related to safe food production. International Journal of Food Microbiology, v.23, n.1, p.99-109, 1994., o tempo de geração de algumas cepas de psicrotróficos a 7º C foi de apenas oito horas. Dessa forma, permanecendo por 48 horas sob refrigeração, a população microbiana presente na amostra de leite UAT teve um incremento de 64 gerações.

O aproveitamento do soro tem sido estudado por vários pesquisadores que visam encontrar métodos capazes de minimizar os custos de produção e obter produtos com melhores características, composição química e com diversidade de uso (Jelen, 1979JELEN, P. Industrial whey processing technology. An overview. Journal of Agricultural and Food Chemistry, v.27, p.658-661, 1979.). Encontram-se no mercado produtos denominados bebidas lácteas, leite em pó modificado, contendo 55% de soro de leite desmineralizado, leite em pó semidesnatado com 10% de soro e composto alimentar desidratado sabor chocolate e morango.

No Brasil, as bebidas lácteas elaboradas com soro representavam, em 1997, 32,8% do mercado de iogurtes e bebidas lácteas, posição bastante satisfatória para um produto presente no mercado desde 1990. Para os laticínios, a conversão de soro líquido em bebidas, fermentadas ou não, é uma das mais atrativas opções para a utilização do soro para consumo humano, devido à simplicidade do processo, utilização de equipamentos comuns para o beneficiamento do leite, além das excelentes propriedades funcionais das proteínas do soro (Lima et al., 2002LIMA, S.M.C.G.; MADUREIRA, F. C. P.; PENNA, A.L.B. Bebidas Lácteas – nutritivas e refrescantes. Milkbizz Tecnologia Temático, v.1, n.3, p.4-11, 2002.).

A bebida láctea e o leite integral UAT são submetidos ao mesmo tratamento térmico, mas são produtos diferentes, já que na bebida láctea é permitida a adição de até 50% de soro lácteo. Segundo o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Bebidas Lácteas (Brasil, 2005BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n. 16, 23/08/2005. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Bebidas Lácteas. Diário Oficial da União, 24 de ago. 2005. Seção I, p.7.) entende-se por bebida láctea “o produto obtido a partir do leite ou leite reconstituído e/ou derivados do leite, reconstituídos ou não, fermentado ou não, com ou sem adição de outros ingredientes, onde a base láctea represente pelo menos 51% massa/massa (m/m) do total de ingredientes do produto. Bebida láctea não fermentada é o produto descrito acima, não adicionado de cultivos de micro-organismos ou de produtos lácteos fermentados, submetido a tratamento térmico adequado”. O mesmo regulamento estabelece que “o produto não deve ter micro-organismos capazes de proliferar em condições normais de armazenamento e distribuição, sendo após a incubação da embalagem fechada a 35-37º C durante 7 dias, nenhuma amostra de cinco analisadas de uma mesma partida possa conter mais que 102 micro-organismos mesófilos/mL”.

O presente trabalho teve como objetivo estudar as características microbiológicas do leite e da bebida láctea UAT, adquiridos no comércio, quanto aos padrões estabelecidos pelo MAPA e, ainda, a população psicrotrófica, ao longo do período de validade, no sentido de evidenciar e avaliar as diferenças entre eles.

As amostras foram adquiridas aleatoriamente em supermercado da região de Jaboticabal, SP, durante o ano de 2005, totalizando 150 amostras, sendo 75 de leite UAT integral e 75 de bebida láctea UAT. Foram analisadas cinco diferentes marcas comerciais nacionais de cada produto no início do período de validade, sendo cinco amostras de cada marca (Brasil, 1997BRASIL, Ministério da Agricultura, do Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do leite UHT (UAT). Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade do Leite e Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília. p.117-120, 1997.) com o mesmo lote e partida.

O início da vida de prateleira (período de validade) foi caracterizado como sendo até 30 dias da data de fabricação, o meio ao redor dos 60 dias e o final 30 dias antes do término do prazo, considerando que o consumidor possa adquirir grande quantidade deste produto devido a sua praticidade e que não faça o armazenamento por mais de 60 dias.

No laboratório, as embalagens fechadas foram incubadas a 35-37º C durante 7 dias, segundo a legislação vigente (Brasil, 1997BRASIL, Ministério da Agricultura, do Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do leite UHT (UAT). Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade do Leite e Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília. p.117-120, 1997.).

O pH foi determinado entre 20-22° C usando peagâmetro obtendo-se para o leite 6,7, 6,7 e 6,8 no início, meio e final do período de validade, respectivamente. Os valores para bebida láctea foram 6,8, 6,8 e 6,9 no início, meio e final do período.

Para a contagem padrão em placas de micro-organismos heterotróficos aeróbios ou facultativos mesófilos viáveis (Asperger, 1991ASPERGER, H. (Coord.). Milk and milk products enumeration of microorganisms colony count technique at 30ºC. Bulletil International Dairy Federation, n.100B, p.1-3, 1991.), foram preparadas diluições decimais, até 10-2, com água peptonada 0,1%, e depositadas no fundo de placas de Petri (pour plate) e, após adição do ágar (ágar padrão para contagem), fundido e resfriado a 45º C, homogeneização e solidificação,as placas foram incubadas a 30º C por 72 horas. As contagens foram realizadas em contador de colônias, nas placas cujas diluições apresentaram entre 10 e 300 unidade formadoras de colônias (UFC).

Para os micro-organismos heterotróficos aeróbios ou facultativos psicrotróficos viáveis (American..., 2001AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. Compendium of methods for the microbiological examination of foods. 4ed. Washington: APHA, 2001. 676p.), as amostras foram analisadas no momento da abertura (T0) das caixas de leite e bebida láctea UAT e após 24 (T24) e 48 horas (T48) depois que foram abertas, mantidas sob refrigeração (7° C) e acondicionadas nas embalagens originais. Para a determinação de tais micro-organismos, as amostras foram preparadas e diluídas como descrito anteriormente para a determinação da população de micro-organismos mesófilos viáveis às placas Petri foram adicionados entre 15 e 17 mL de ágar padrão para contagem, previamente fundido e resfriado a temperatura em torno de 45ºC. Após a solidificação do ágar em temperatura ambiente, foram adicionados e espalhados, com o auxílio de uma alça de Drigalski, 0,1 mL de cada diluição. Posteriormente, as placas foram invertidas e incubadas a 7º C por 10 dias. As contagens foram realizadas em contador de colônias, nas placas cujas diluições apresentaram entre 25 e 250 UFC.

Na Tabela 1 são apresentados os números mínimos e máximos das populações de micro-organismos mesófilos e psicrotróficos, em três diferentes tempos de análise, presentes em leite UAT de cinco marcas comerciais, ao longo do período de validade. Observa-se que a população de micro-organismos mesófilos em todas as marcas nos três momentos (início, meio e final) no T0 não ultrapassou 5,2 x 10 UFC/mL, estando todas de acordo com a legislação (102 UFC de mesófilos/mL) (Brasil, 1997BRASIL, Ministério da Agricultura, do Abastecimento. Secretaria da Defesa Agropecuária. Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Regulamento Técnico para fixação de Identidade e Qualidade do leite UHT (UAT). Regulamentos Técnicos de Identidade e Qualidade do Leite e Produtos Lácteos. Diário Oficial da União, Brasília. p.117-120, 1997.). Com relação à população de micro-organismos psicrotróficos no T0 o mínimo foi inferior a 1,0 x 10 UFC/mL e o máximo de 5,1 x 104 UFC/mL; após 24 horas de armazenamento sob refrigeração (T24) o mínimo foi inferior a 1,0 x 10 UFC/mL e o máximo de 2,2 x 105 UFC/mL, enquanto que após 48 horas foi igual ao T0 e T24 e o máximo de 2,5 x 105UFC/mL.

Tabela 1
Números mínimos e máximos de micro-organismos mesófi1os e psicrotróficos, em três diferentes tempos de análise, presentes em leite UAT de cinco marcas comerciais, ao longo do período de validade, Jaboticabal, SP, 2005.

Pereira et al. (2000)PEREIRA, A.I.B.; MARTINS, S.C.S.; ALBUQUERQUE, L.M.B. Bactérias extremofílicas termófilas, em leite comercial estéril. Higiêne Alimentar, v.14, n.77, p.40-44, 2000. verificaram que nenhuma das 43 amostras de leite UAT analisadas apresentaram-se fora dos padrões microbiológicos estabelecidos pela legislação brasileira, assemelhando-se assim ao presente estudo.

Tabela 2
Números mínimos e máximos de micro-organismos mesófilos e psicrotróficos, em três diferentes tempos de análise, presentes em bebida láctea UAT de cinco marcas comerciais, ao longo do período de validade, Jaboticabal, SP, 2005.

Os resultados encontrados no presente estudo, no que se refere aos micro-organismos mesófilos, diferem daqueles encontrados por Vidal (2001)VIDAL, A.M.C. Microrganismos heterotróficos mesófilos e bactérias do grupo Bacillus cereus em leite UAT (ultra alta temperatura. integral. 2001. 65p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária Preventiva) - Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2001. que, ao analisar 110 amostras de leite UAT de 11 diferentes marcas, quanto ao padrão microbiológico, verificou que 25 (22,7%) amostras de 9 (81,85%) marcas apresentaram populações de micro-organismos mesófilos que não atendiam a legislação, pois os resultados foram superiores a 1,0 x 105 UFC/mL. O autor concluiu que a elevada população de micro-organismos indicadores mesófilos sugere a necessidade de melhorias nas condições higiênico-sanitárias de todo o fluxograma de processamento do leite UAT. Da mesma forma, Rezende et al. (2000a)REZENDE, N.C.M.; ROSSI JÚNIOR, O.D.; NADER FILHO, A; AMARAL, L.A. do Ocorrência de microrganismos indicadores em leite UHT (ultra high temperature) integral. Revista Brasileira de Ciência Veterinária, v.7, n.1, p.58-60, 2000a. verificaram que, das 120 amostras de leite UAT analisadas, 36 (30,0%) não atenderam o padrão estabelecido pela legislação brasileira.

Das 75 amostras de leite UAT que se apresentaram dentro do estabelecido para mesófilos apenas 18 (24%) apresentaram contagem de tais micro-organismos. Da mesma forma, em trabalho semelhante D’Angelis et al. (2004)D’ANGELIS, C.E.M.; CHESCA, A.C.; OKURA, M.H.; SILVEIRA, M. Levantamento de Listeria monocytogenes em leite tipo UHT e tipo C. Higiêne Alimentar, v.18, n.120, p.45-49, 2004. verificaram que, de 100 amostras de leite UAT analisadas, 18,75% apresentaram contagens de micro-organismos mesófilos, dentro dos parâmetros estabelecidos pela legislação.

Silva (2001)SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. analisou 90 amostras de leite UAT, sendo 30 no início, 30 no meio e 30 no final da vida comercial, quanto à presença de micro-organismos mesófilos. O autor verificou que apenas duas amostras no início, seis amostras no meio e quatro amostras no final apresentaram contagens de mesófilos, abaixo do limite de 102. No presente estudo também foram encontradas populações de micro-organismos mesófilos nas amostras analisadas; porém, em números superiores aos verificados por Silva (2001)SILVA, E.O.T.R. Leite longa vida integral: avaliação de alguns parâmetros de qualidade dos leites cru e processado. 2001. 122p. Tese (Doutorado em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal) - Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001., pois, no início do período, três amostras apresentaram contagens de mesófilos, no meio nove amostras e 30 dias antes do final do período de validade seis amostras.

De acordo com Becker et al. (1994)BECKER, H.; SCHALLER, G.; WIESE, W. VON; TERPLAN, G. Bacillus cereus in infant foods and dried milk products. International Journal of Food Microbiology, v.23, n.1, p.1-15, 1994., populações de psicrotróficos de 1,0 x 103 UFC/mL em alimentos infantis e leite em pó são potencialmente capazes de causar toxinfecção alimentar. Assim, como demonstrado no presente estudo, 19 (25,3%) amostras apresentaram população de = 103 UFC/mL, demonstrando um potencial de risco. McKnight et al. (1990)McKNIGHT, I.C.S.; LEITÃO, M.F.F.; LEITÃO, R.F.F. Bacillus cereus em macarrões industrializados. II. Ocorrência em produtos comerciais e sua multiplicação no alimento preparado para consumo. Revista de Microbiologia, v.21, n. 3, p. 268-275, 1990. ressaltaram que a avaliação do risco potencial de um alimento não deve se limitar apenas ao estudo da sua contaminação inicial, mas também a uma estimativa da sua adequação para a multiplicação dos contaminantes.

Na Tabela 2 são apresentados os números mínimos e máximos da população de micro-organismos mesófilos e psicrotróficos, em três diferentes tempos de análise, presentes em bebida láctea UAT de cinco marcas comerciais, ao longo do período de validade. A população de micro-organismos mesófilos no T0 variou de inferior a 1,0 a 6,8 x 103 UFC/mL. No início as marcas F (4,0 x 10 UFC/mL) e J (1,1 x 10 UFC/mL) apresentaram contagens de micro-organismo mesófilos, no meio as marcas F (2,8 x 10 UFC/mL), I (1,0 x 10 UFC/mL) e J (2,0 x 10 UFC/mL), enquanto que no final as marcas apresentaram contagens de micro-organismos mesófilos variando de 1,4 x 10 a 6,8 x 103 UFC/mL. Já a população de micro-organismos psicrotróficos aumentou durante o período de armazenamento sob refrigeração. No início do período de validade as marcas F, G e J apresentaram contagens no T24 e 48 que variaram de 2,5 x 102 a 8,0 x 103 UFC/mL, porém, no meio deste período, no T24 apenas a marca G apresentou contagem (superior a 2,5 x 105 UFC/mL) e no T48 as marcas F, G e H apresentaram contagens variando 3,0 x102 a superior a 2,5 x 105 UFC/mL. No final do período de validade as marcas F e H apresentaram contagens no T0, T24 e T48 variando de 3,6 x 102 a 5,0 x 105 UFC/mL, e as marcas I e J apresentaram contagens apenas no T24 e 48 que variaram de 1,1 a 4,2 x 104 UFC/mL.como justificar que na amostra G (inicio e meio) em T0 a contagem foi < 10 e em T24 foi maior que 105. Ainda na Tabela 2 todas as amostras das cinco diferentes marcas analisadas no início e meio do período de validade encontraram-se dentro do padrão microbiológico estabelecido pelo MAPA, apresentando populações inferiores a 102 UFC de micro-organismos mesófilos/mL. No final do período de validade constatou-se, através da contagem de micro-organismos mesófilos, que três das cinco marcas analisadas apresentaram-se fora do estabelecido pela legislação, por apresentarem contagens em uma ou mais amostras, das 5 analisadas, superior a 102 UFC/mL

Assim sendo, pode-se observar na Tabela 2 que com relação à população de micro-organismos mesófilos o padrão foi ultrapassado no final do período de validade em três marcas; porém, quanto à população de micro-organismos psicrotróficos, da mesma forma que para o leite, não existe um padrão estabelecido pela legislação, mas verificou-se um número maior que dos micro-organismos mesófilos, que aumentou durante o tempo de armazenamento sob refrigeração do produto, demonstrando que o padrão estabelecido pela legislação não é capaz de assegurar a presença e multiplicação de outros micro-organismos. Da mesma forma que o leite, este fato torna-se preocupante, pois a indústria preconiza que, após aberto, o produto deve ser mantido sob refrigeração por até 48 horas. Observa-se também que a população desses micro-organismos aumentou durante o período de validade.

Pelas análises microbiológicas verificou-se que todas as amostras de leite UAT estavam de acordo com a legislação vigente e a população de micro-organismos psicrotróficos aumentou em 26,6% das amostras depois que foram abertas e mantidas sob refrigeração por 8 horas. Verificou-se também que 12% das amostras de bebida láctea UAT estavam em desacordo com os padrões legais vigentes e a população de psicrotróficos aumentou em 36% das amostras. Assim, o leite UAT apresentou qualidade microbiológica superior à bebida láctea. Nesse contexto, cabe às indústrias o dever e a responsabilidade de zelar pela idoneidade, integridade e inocuidade dos alimentos processados.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo auxílio financeiro do projeto (processo nº 04/16035-9) e a todos os profissionais envolvidos nele.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2011

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2008
  • Aceito
    28 Jan 2011
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