Agente etiológico
O agente etiológico da leptospirose pertence à ordem Spirochaetales, família Leptospiraceae e gênero Leptospira. Até 1988, esse gênero era dividido em duas espécies: Leptospira interrogans, que compreendia as estirpes patogênicas, e Leptospira biflexa, que englobava as cepas saprófitas do ambiente (LEVETT, 2001). Essa divisão baseava-se em critérios relacionados ao crescimento das bactérias em diferentes condições de cultivo (QUINN et al., 1994). Com base na variabilidade de antígenos presentes no envelope externo das leptospiras constituídos por lipopolissacarídeos, sua identificação foi possível pelas características fenotípicas (sorológicas) e de virulência, o que possibilitou a classificação em sorogrupos e sorovares. Estima-se a existência de aproximadamente 300 sorovares de leptospiras distribuídos em 25 sorogrupos (AHMED et al., 2006).
Com o advento das técnicas moleculares e a análise da homologia do DNA, as leptospiras foram reclassificadas em 19 genomespécies, não correspondendo mais às duas espécies anteriores, já que os sorovares patogênicos e não patogênicos podem ocorrer dentro de uma mesma espécie (SOTO et al., 2007). Dessa forma, atualmente, existem 13 espécies patogênicas: L. alexanderi, L. alstonii, L. borgpetersenii, L. inadai, L. Interrogans (senso estrito), L. fainei, L. kirschneri, L. licerasiae, L. noguchi, L. santarosai, L. terpstrae, L. weilii e L. wolffi, com mais de 260 sorovares. As espécies saprófitas incluem L. biflexa (senso estrito), L. meyeri, L. yanagawae, L. kmetyi, L. vanthielii e L. wolbachii, com mais de 60 sorovares (ADLER; MOCTEZUMA, 2010).
As leptospiras são bactérias espiraladas, muito delgadas (0,1 µm de diâmetro) e comprimento variando de 6 a 20 µm, tendo uma ou as duas extremidades em forma de gancho. São aeróbicas estritas, de multiplicação e crescimento lentos, com divisão celular em torno de 7 a 12 horas. Uma cultura em meio líquido leva de cinco a sete dias para atingir o nível de crescimento necessário para ser utilizada como antígeno (HAAKE, 2000). Devido ao seu diâmetro, só podem ser visualizadas em preparações a fresco, por microscopia de campo escuro ou contraste de fase. Não são tingidas pelos corantes à base de anilinas, apresentando afinidade pelos corantes à base de sais de prata (LEVETT, 2001).
As leptospiras são bastante sensíveis à luz solar direta, aos desinfetantes comuns e aos antissépticos. O período de sobrevida das leptospiras patogênicas na água varia segundo a temperatura, o pH, a salinidade e o grau de poluição. Sua multiplicação é ótima em pH compreendido entre 7,2 e 7,4. Já foi constatada, por meio de ensaios experimentais, a persistência de leptospiras viáveis em água por até 180 dias (LANGONI, 1999). No meio ambiente, sobrevivem bem em terrenos úmidos, pântanos, córregos, lagos e estábulos com excesso de umidade. São muito sensíveis ao pH ácido e à dessecação (FAINE et al., 1999).
Inquéritos sorológicos da leptospirose em caprinos e ovinos no Brasil
CARVALHO (2012) examinou 379 ovinos originários de 37 rebanhos do estado do Maranhão e encontrou 31,93% reagentes positivos para a leptospirose. Os sorovares reatores predominantes foram: Grippotyphosa (66,94%), associação Hardjo/Wollfi (9,09%), Bratislava (9,09%), Hardjo (4,96%), Icterohaemorrhagiae (4,96%), Pomona (2,48%), Castellonis (1,65%) e Copenhageni (0,83%).
HIGINO et al. (2012a)examinaram 975 caprinos de 110 propriedades localizadas na região do Cariri, estado da Paraíba. Foram encontrados 98 animais positivos (8,7%; IC95% = 5,7% - 12,9%). Os sorovares predominantes foram: Autumnalis (1,74%), Sentot (1,71%), Whitcombi (1,39%), Andamana (1,31%), Patoc (1,29%), Butembo (0,53%), Castellonis (0,05%), Bratislava (0,04%) e Pyrogenes (0,03%).
SANTOS et al. (2012)examinaram 230 caprinos oriundos de 11 propriedades localizadas no estado de Minas Gerais e encontraram 31,3% de animais reatores positivos. Os sorovares reatores foram: Autumnalis (30,3%), Tarassovi (19,2%), Pyrogenes (13,13%) e Icterohaemorrhagiae (11,1%).
ALVES et al. (2012)examinaram 1.275 ovinos procedentes de 117 rebanhos em 19 municípios da mesorregião do Sertão do estado da Paraíba e encontraram 5,41% de animais soropositivos. Os sorovares reatores foram Autumnalis (49,30%), Andamana (27,53%), Sentot (17,39%), Whitcombi (4,34%) e Australis (1,44%).
ARAÚJO NETO et al.(2010), em levantamento soroepidemiológico da leptospirose em caprinos do estado do Rio Grande do Norte, examinaram 366 cabras em idade reprodutiva de 12 rebanhos. Foram encontrados 53 animais positivos para pelo menos um sorovar de Leptospira spp., resultando na frequência de reatores de 14,5% (IC95% 11,0 - 18,5). Os sorovares reatores foram: Autumnalis (73,6%), r Australis (11,3%), Icterohaemorrhagiae (7,5%), Hardjo (3,8%) e Canicola (3,8%).
HIGINO et al. (2010)examinaram 80 ovinos oriundos de abatedouro localizado no estado da Paraíba. Seis animais (7,5%) foram soropositivos na SAM, e o sorovar Autumnalis foi o mais frequente (6,25%), seguido pelo Icterohaemorragiae (1,25%)
Lilenbaum et al. (2009) examinaram 248 caprinos e 292 ovinos distribuídos em 20 rebanhos localizados no estado do Rio de Janeiro, e encontraram 52 caprinos (20,9%) e 40 ovinos (13,7%) soropositivos. Em ambas as espécies, os dois sorovares mais comuns foram Hardjo (19 caprinos e 17 ovinos) e Shermani (16 caprinos e 11 ovinos), seguidos de Grippotyphosa (cinco caprinos e quatro ovinos), Autumnalis (três animais de cada espécie), Ballum (dois caprinos e um ovino) e Australis (dois caprinos).
LILENBAUM et al. (2007b)analisaram mil caprinos adultos distribuídos em 48 rebanhos localizados no estado do Rio de Janeiro, e encontraram 11,1% (IC95% 8,8 - 13,3) de positividade, sendo que todas as fazendas trabalhadas apresentaram pelo menos um animal positivo. O sorovar Hardjo foi o mais frequente (72,1%), seguido por Wolffi (21,6%), Bratislava (4,5%) e Grippotyphosa (1,8%).
SILVA et al. (2007)examinaram 44 ovinos abatidos em abatedouro frigorífico localizado no município de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, e encontraram 20,5% de positividade. Os sorovares reagentes foram Autumnalis (4,5%), Bataviae (4,5%), Hardjo (4,5%), Icterohaemorrhagiae (2,3%), Lai (2,3%) e Poi (2,3%).
HERRMANN et al. (2004)avaliaram 1.360 ovinos de 136 fazendas localizadas no estado do Rio Grande do Sul e encontraram 34,26% de animais reagentes. Os sorovares predominantes foram Hardjo (estirpe Hardjobovis) (28,4%), Sentot (16,8%), Hardjo (estirpe Hardjoprajitno) (14,5%), Fortbragg (6,3%), Wolffi (4,7%), Sejroe (2,2%), Pyrogenes (1,8%), Castellonis (1,8%), Australis (1,6%), Pomona (1,6%), Hebdomadis (1,3%), Grippotyphosa (0,7%), Canicola (0,6%), Tarassovi (0,6%), Icterohaemorrhagiae (0,5%), Bratislava (0,3%) e Autumnalis (0,2%).
FÁVERO et al. (2002) examinaram 284 ovinos e 1.941 caprinos de diversos estados brasileiros e encontraram 0,7% de soropositividade em ovinos e 9% em caprinos. Nos ovinos, o sorovar reator mais frequente foi o Icterohaemorrhagiae (40,0%), seguido de Butembo (20%), Castellonis (20%) e Hebdomadis (20%); já nos caprinos, as reações mais frequentes foram obtidas com os sorovares Pyrogenes (21%), Castellonis (15,7%) e Patoc (15,7%).
SCHIMIDT et al. (2002), ao examinarem 354 caprinos leiteiros de 15 municípios do estado do Rio Grande do Sul, encontraram 56 (3,4%) reagentes positivos. Nesta ocasião, as reações sorológicas foram obtidas com os sorovares Icterohaemorrhagiae (2,5%), Hardjo (0,6%) e Pomona (0,3%).
As diferenças observadas nos resultados obtidos nos diversos inquéritos sorológicos da leptospirose efetuados em caprinos e ovinos no Brasil podem ser atribuídas à variedade de fatores que influenciam a ocorrência da doença, tais como as espécies animais (domésticos, selvagens ou sinantrópicos) que possam compartilhar o ecossistema, as práticas de manejo adotadas nos rebanhos, os sorovares utilizados como antígenos na sorologia, as condições climáticas e ambientais e as oportunidades de infecção direta ou indireta (ALVES et al., 2000).
Isolamentos de Leptospira spp. em ovinos e caprinos no Brasil
No Brasil, até o presente momento, há um número restrito de investigações que tiveram êxito no isolamento de leptospiras em pequenos ruminantes.
LILENBAUM et al. (2007a)cultivaram amostras de urina de caprinos clinicamente saudáveis, originários de rebanhos localizados no estado do Rio de Janeiro, e efetuaram o primeiro isolamento de leptospiras em caprinos do pais. As duas estirpes isoladas apresentaram identidade com o sorogrupo Grippotyphosa.
SILVA et al. (2007)cultivaram amostras de sangue e fragmentos de rim de ovinos de rebanhos localizados no município de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, e isolaram uma estirpe de leptospira identificada como pertencente ao sorogrupo Noguchii, sorovar Autumnalis.
HIGINO et al. (2010) isolaram bactérias morfologicamente similares às leptospiras da placenta e ducto deferente de ovinos abatidos no estado da Paraíba, porém, a tipificação de tais isolados não pôde ser efetuada.
Fatores de risco para leptospirose em pequenos ruminantes
O perfil epidemiológico da leptospirose, estreitamente associado à paisagem, aponta para a história natural de uma doença de ocorrência endêmica restrita a focos naturais bem definidos e com picos epidêmicos em circunstâncias que envolvem alterações desordenadas do sistema ecológico. Essas alterações são provocadas pelo homem, que, ao avançar sobre novos ecossistemas, provoca profundas transformações na paisagem natural, permitindo a disseminação das leptospiras a novas áreas e a novos hospedeiros até atingir a população humana (MASCOLLI, 2001).
A persistência do agente no meio e o elevado potencial de infecção são assegurados por diversos fatores, tais como a diversidade de sorovares, a multiplicidade de espécies hospedeiras que podem albergá-los e o relativo grau de sobrevivência no ambiente sem parasitismo, desde que haja elevado grau de umidade, proteção contra raios solares, temperaturas adequadas (em torno de 20ºC) e valores de potencial hidrogeniônico (pH) neutro ou levemente alcalino, em torno de 7,2 a 7,4. Entretanto, as leptospiras patogênicas não se multiplicam fora do organismo dos hospedeiros (VASCONCELLOS, 1993).
A doença tem forte significado social, econômico e cultural. O crescimento desordenado dos grandes centros urbanos, assim como as migrações e as deficiências nas condições de saneamento básico, são fatores que contribuem para a difusão da infecção. Além disso, o acúmulo desordenado de lixo promove a expansão da população de roedores, o que levará à disseminação de sua urina pelas enchentes, favorecidas, entre outras coisas, pela obstrução dos cursos d'água e canais e pela impermeabilização das vias públicas (CÔRTES, 1993). Dessa forma, entende-se por que a doença assume grande importância em países subdesenvolvidos, onde são frequentemente encontradas condições precárias de trabalho e moradia que maximizam a oportunidade de transmissão da doença (CORRÊA et al., 1982).
Em pequenos ruminantes, poucos estudos foram conduzidos no Brasil com o objetivo de identificar fatores de risco associados à infecção. ALVES et al. (2012) examinaram 1.275 ovinos de 117 propriedades localizadas no estado da Paraíba. Neste experimento, verificou-se associação estatística entre o tamanho do rebanho > 48 animais (OR 2,26; IC95% 1,33 - 5,07; p = 0,021) e participação em exposi ções (OR 9,05; IC95% 0,96 - 85,71; p = 0,055). Estes fatores confirmam a assertiva de que as condições de aglomerações de animais favorecem a disseminação de doenças para os sus cetíveis dentro das populações, sendo as chances cada vez maiores na medida em que o número de animais e o tempo de exposição aumentam (THRUSFIELD, 2007).
HIGINO et al. (2012b)efetuaram um inquérito soroepidemiológico em 975 caprinos leiteiros de 110 propriedades da região semiárida do estado da Paraíba, e verificaram a associação entre a presença de roedores e o aumento da prevalência de propriedades com pelo menos um caprino soropositivo para leptospirose (OR 2,78; P = 0,015). De fato, os criatórios onde a presença de roedores não foi relatada apresentaram 35,9% de positividade para leptospirose, enquanto nos rebanhos com roedores a taxa observada foi de 54,3%, indicando que este fator pode ser importante na epidemiologia da leptospirose caprina na região. Também foi verificada associação entre histórico de infertilidade e prevalência de leptospirose (OR 14,74; P = 0,015) em rebanhos nos quais houve relato de infertilidade, apresentando prevalência de 77,8%; rebanhos sem histórico de infertilidade apresentaram prevalência de 40,6%.
SANTOS et al. (2012)examinaram 230 caprinos de 11 propriedades localizadas no estado de Minas Gerais e verificaram que a idade dos animais foi um fator de risco para leptospirose. O risco relativo associado a este fator foi de 3,1, indicando que os caprinos adultos tiveram três vezes mais chances de adquirir a infecção do que os animais jovens.
SILVA et al. (2012) avaliaram 182 ovinos de rebanhos localizados no estado de São Paulo e observaram que animais da raça Santa Inês apresentaram maior taxa de positividade para a leptospirose do que as outras raças.
RIZZO et al. (2011), investigando 294 ovinos com histórico de distúrbios reprodutivos distribuídos em 28 criatórios, localizados no estado de São Paulo, encontraram a existência de associação estatística entre a presença de felídeos e soropositividade para leptospirose (OR 2,15; IC95% 1,14 - 4,06).
LILENBAUM et al. (2008b)examinaram 248 caprinos adultos de 13 propriedades localizadas no estado do Rio de Janeiro e observaram que a baixa frequência de assistência veterinária nas propriedades, pastejo por mais de duas horas por dia e clima tropical foram identificados como fatores de risco para leptospirose.
Patogenia da leptospirose em pequenos ruminantes
As leptospiras penetram basicamente pela pele lesada e pela mucosa (SOTO et al., 2007). Após a penetração, as bactérias disseminam-se pela corrente circulatória e tem início o processo de multiplicação no sangue e em diversos órgãos, como fígado, baço e rins. Esta fase é chamada de leptospiremia, que tem duração de quatro a cinco dias, raramente superando os sete dias. Com o progredir da infecção, ocorre a reação imunitária do hospedeiro, que antagoniza o agente e faz com que o mesmo encontre refúgio em algumas áreas do organismo nas quais a imunidade humoral inexiste, ou é verificada em níveis baixos. Tais locais são a câmara anterior do globo ocular, a luz dos túbulos renais, o sistema nervoso central e o aparelho reprodutor. A localização renal caracteriza a fase de leptospirúria, que tem início entre o sétimo e o décimo dia da evolução da doença. Nesta fase, ocorre a formação de complexos imunes e reação inflamatória, o que leva vários órgãos a uma vasculite generalizada, principalmente no fígado, rins, coração, pulmões e sistema reprodutivo (VASCONCELLOS, 1987; FAINE et al., 1999).
Em casos de leptospirose aguda, as principais alterações macroscópicas incluem graus variáveis de icterícia, hemorragia e anemia, bem como a presença de sangue na urina. Assim como em outros animais, os rins podem estar aumentados e com hemorragias petequiais na superfície. Em infecções crônicas, pode haver a presença de manchas esbranquiçadas na superfície renal em decorrência da infiltração de células inflamatórias, com evidência de atrofia glomerular (FAINE et al., 1999). Também pode haver manguitos perivasculares e hemorragia no cérebro, assim como vacuolização de células endometriais no útero de ovelhas (MORSE et al., 1957; MORSE et al., 1958; MARSHALL, 1974; ANDREANI et al., 1983; ELLIS et al., 1984).
CARVALHO (2012) efetuou o exame histopatológico do rim, fígado e pulmão de 42 ovinos originários de rebanhos localizados no estado do Maranhão. Os pulmões apresentaram infiltrado inflamatório e espessamento do septo alveolar, o fígado infiltrado inflamatório focal em intensidade maior nos animais infectados, bem como hiperplasia das células de Kuppfer e dos ductos biliares; os rins apresentaram quadro de nefrite intersticial. Pela técnica de imunohistoquímica, antígenos de Leptospira spp. foram detectados em todos os tecidos examinados, e também foram encontradas leptospiras livres na luz dos túbulos renais.
CARVALHO et al. (2011)examinaram fragmentos de rins de 36 ovinos sororreagentes para leptospirose e de dez não reagentes. Em 33 animais foi observada nefrite intersticial; já em oito animais foram detectadas leptospiras no lúmen dos túbulos proximais dos rins. As lesões glomerulares foram discretas, mas a hipercelularidade e a lobulação do tufo glomerular chamaram a atenção. Devido à presença de macrófagos, linfócitos, plasmócitos e fibrose intersticial, o processo inflamatório renal observado foi classificado como crônico.
Aspectos clínicos da leptospirose em pequenos ruminantes
A infecção de ovinos e caprinos por leptospiras pode manifestar-se nas formas aguda, crônica ou inaparente (FAINE et al., 1999). Esta última é mais frequente e muito importante do ponto de vista epidemiológico, uma vez que a introdução de animais com infecção inaparente pode garantir a persistência do agente nos rebanhos acometidos (BLENDEN, 1976; TORTEN, 1979).
Na forma aguda, após período de incubação de quatro a cinco dias, os animais podem apresentar anorexia, depressão, dificuldade respiratória e febre. Também pode haver hemoglobinemia e hemoglobinúria (FAINE et al., 1999). Na forma crônica, abortamentos e natimortalidade são considerados como as manifestações mais frequentes (BROOM, 1953; DAVIDSON, 1971; MCCAUGHAN et al., 1980; ELLIS, et al., 1983; MOTIE, 1986; LEON-VIZCAINO, 1987; ELLIS, 1994; FAINE et al., 2000; CICCERONI et al., 2000; MARTINS, 2012). Em caprinos, também pode haver diminuição da produção de leite e agalactia (MCKEOWN; ELLIS, 1986).
Na Espanha, no período compreendido entre os anos de 1970 e 1985, LEON-VIZCAINO et al. (1987)investigaram a etiologia de 262 casos de abortamentos registrados em caprinos e 973 em ovinos. As leptospiras foram consideradas como responsáveis por 8 casos de caprinos e 17 em ovinos. O agente foi isolado em 6 dos 25 casos. Quatro isolamentos foram tipificados como sorovar Pomona, e dois como Icterohaemorrhagiae.
Diagnóstico
Devido à grande variedade de sinais clínicos, o diagnóstico da leptospirose pode ser confirmado por diferentes métodos laboratoriais baseados na detecção de anticorpos, ou por métodos que revelam a presença do micro-organismo ou do seu ácido nucleico (FAINE et al., 1999; LEVETT, 2001). Para a solicitação dos exames laboratoriais, é importante considerar que a doença apresenta comportamento bifásico. Na fase inicial, a septicêmica, as leptospiras podem ser encontradas no sangue, líquor e na maioria dos tecidos. Na fase crônica, devido ao aparecimento dos anticorpos séricos, a presença das leptospiras ficará restrita aos locais de privilégio imunológico, e as mesmas passarão a ter como via de eliminação a urina, o sêmen e as secreções vaginais.
A reação de soroaglutinação microscópica (SAM) é o teste sorológico, considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como padrão-ouro para o diagnóstico da leptospirose. Os anticorpos produzidos nos animais infectados são primordialmente dirigidos contra o sorovar específico; entretanto, existem reações cruzadas entre diferentes sorovares e, assim, o animal pode apresentar coaglutinações, com reações simultâneas para dois ou mais sorovares, o que dificulta a identificação do sorovar responsável pela infecção (HAGIWARA, 2003). De fato, a reação de SAM é considerada um procedimento sorogrupo específico (TURNER, 1968) Na coleção de antígenos empregados no teste SAM, é recomendada a inclusão de pelo menos um representante por sorogrupo. Um teste de ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) foi desenvolvido para a detecção de anticorpos das classes IgG e IgM em cães (HARTMAN et al., 1984). A IgM aumenta uma semana após a infecção, e o título máximo ocorre dentro de 14 dias, com subsequente diminuição.
O diagnóstico etiológico firmado pela demonstração da presença do micro-organismo em tecidos e humores pode ser efetuado durante a primeira semana ou até os primeiros dez dias da infecção (fase aguda). Especialmente de três a sete dias da infecção, as leptospiras podem ser vistas por microscopia de campo escuro em exames diretos de sangue, exudato peritoneal e pleural. As vantagens da observação direta são a rapidez na obtenção de espécimes viáveis e o curto período (três a sete dias pós-infecção) em que provavelmente encontra-se um resultado positivo; por outro lado, a interpretação subjetiva dos resultados é uma desvantagem, visto que coleções de fibrina e proteína em preparações a fresco podem ser confundidas com leptospiras (FAINE et al., 1999). Em alguns casos, a visualização direta das leptospiras por microscopia de campo escuro ou contraste de fase não é um método recomendado devido ao grande número de artefatos que podem ser confundidos com bactérias, resultando em diagnósticos falso-positivos (LEVETT, 2001).
O isolamento bacteriano é o diagnóstico definitivo da doença, porém, apresenta baixa sensibilidade, necessitando de amostras recém-colhidas que devem ser observadas por um período mínimo de 42 dias (SCARCELLI et al., 2004). FAINE et al. (1999) referiram que isolar leptospiras de animais assintomáticos não é fácil, tanto em decorrência de dificuldades inerentes ao crescimento da bactéria quanto pela possibilidade da contaminação das amostras de urina. Além disso, a excreção de bactérias viáveis pela urina é intermitente e ocorre somente durante um reduzido e incerto período após a contaminação. Estas são razões pelas quais a maioria dos estudos de leptospirose animal tem se apoiado apenas nos métodos sorológicos.
As leptospiras patogênicas causam doença aguda em animais de laboratório suscetível, que podem ser usados para o isolamento primário a partir de materiais clínicos. O hamster (Mesocricetus auratus) é a espécie mais sensível à ação das leptospiras, morrendo aproximadamente quatro dias após a inoculação (ENRIETTI, 2001), sendo, dessa forma, a espécie de eleição para o isolamento do micro-organismo (ALVES et al., 1992; OLIVA et al., 1994). A inoculação pela via intraperitonial é a mais eficiente para o estabelecimento e para a evolução de infecções experimentais pelos variados sorovares de leptospiras patogênicas para estes animais (MACEDO et al., 2004).
A detecção do DNA de Leptospira spp. pela reação em cadeia da polimerase (PCR) tem sido de grande utilidade e requer a seleção de primers específicos que permitam a amplificação de todas as espécies classificadas como patogênicas ou potencialmente patogênicas. A técnica permite amplificar quantidades mínimas de DNA do micro-organismo em diversos tipos de amostras biológicas, tais como soro, líquido cerebroespinhal, urina, fezes e tecidos (BAL et al., 1994). A PCR também é uma técnica alternativa para a identificação de leptospiras em materiais de difícil isolamento, tais como o sêmen nas centrais de inseminação artificial (GOTTI, 2006). Tendo em vista a dificuldade do isolamento, seu risco biológico e o longo período necessário para sua realização, a PCR tem se tornado um importante instrumento para o diagnóstico da leptospirose, bem como para diferenciar leptospiras saprófitas das patogênicas (KOSITANONT, 2007). Contudo, a reação de PCR não permite a caracterização do sorovar de leptospira presente no material examinado, pois é um teste gênero específico (Richtzenhain).
LILENBAUM et al. (2008a)ressaltaram a importância do emprego da técnica de PCR para o diagnóstico da leptospirose em caprinos e ovinos, lembrando que a mesma pode ser aplicada inclusive quando os micro-organismos já se encontram lisados, sem condições de serem isolados pelos métodos de cultivo. LILENBAUM et al. (2009)recomendaram o uso da soroaglutinação microscópica como teste de rotina, seguido da PCR de urina para a detecção direta do DNA de leptospiras, sendo esta metodologia adequada para a identificação de caprinos e ovinos portadores. Referiram ainda que esses dois métodos podem ser utilizados como valiosos instrumentos aplicados ao controle da leptospirose em pequenos ruminantes.
Controle e profilaxia
As medidas de controle destinadas a limitar a ocorrência da leptospirose são ações integradas, aplicadas aos pontos críticos da cadeia de transmissão da zoonose, e incluem: diagnóstico e tratamento das fontes de infecção representadas por animais de produção e companhia; combate aos reservatórios sinantrópicos; drenagem das áreas alagadiças; higiene das instalações e equipamentos; controle da inseminação artificial; e vacinação dos suscetíveis de modo a garantir um elevado nível de imunidade nos rebanhos (BADKE, 2001).
O trânsito de animais pode ser uma forma importante de introdução e de dispersão da leptospirose nos rebanhos. Assim, uma importante medida de controle é o bloqueio da introdução de animais portadores da bactéria nos rebanho, entretanto, em função de algumas características epidemiológicas da doença em caprinos e ovinos, essa tarefa torna-se bastante difícil. As medidas gerais, como limpeza do ambiente, são importantes para reduzir as chances de contaminação dos animais (HAGIWARA, 2003). Quando não se conhece a condição sorológica dos animais, estes devem ser mantidos em quarentena por quatro semanas e testados antes de serem introduzidos no rebanho.
As bacterinas antileptospirose estão disponibilizadas no comércio com indicação para bovídeos, suínos e cães. Contudo, ainda é muito limitada a informação disponível sobre o seu emprego nos pequenos ruminantes. Nas espécies animais em que se tem maior experiência com o emprego da imunoprofilaxia, tem sido observado que, de acordo com as características da vacina (concentração antigênica, estirpe de leptospira utilizada na produção, tipo de adjuvante e condições empregadas na inativação), a bacterina pode proteger os animais vacinados contra a doença, mas não contra a infecção. Animais vacinados, se infectados, poderão se tornar portadores de leptospiras, eliminando o agente pela urina, sêmen ou corrimentos vaginais (BEY; JOHNSON, 1983).
Portanto, o controle da leptospirose em caprinos e ovinos envolve a aplicação das seguintes medidas: identificação de fontes de infecção, controle de roedores, controle na aquisição de animais e imunização sistemática com vacinas inativadas que contenham sorovares de leptospiras regionais (FAINE et al., 1999). O uso combinado da SAM como teste de triagem e posterior exame da urina por PCR pode ser estratégia adequada para a identificação de animais portadores (CARDOSO et al., 2008).