INTRODUÇÃO
Os aspectos da epidemiologia da leptospirose em bovinos no Brasil merecem mais atenção por ser uma doença crônica, caracterizada principalmente por problemas reprodutivos (FAINE et al., 1999). A sorovariedade Hardjo aparece com elevada frequência (CASTROet al., 2008; MINEIRO et al., 2010; OLIVEIRAet al., 2010; MARTINSet al., 2012; SILVAet al., 2012), sendo que os genótipos Hardjobovis e Hardjoprajitno causam problemas reprodutivos em bovinos em todo o mundo (ELLIS, 1994; GROOMS, 2006; OLIVEIRA et al., 2010).
A infecção por Hardjobovis apresenta distribuição mundial, sendo caracterizada pela forma subclínica com sintomas de abortamento, enquanto que Hardjoprajitno, isolada em poucos países, é mais patogênica, levando à queda da produção do leite e a problemas reprodutivos (ELLIS, 1994; GIVENS; MARLEY, 2008).
O genótipo Hardjoprajitno pertence à espécie Leptospira interrogans, enquanto Hardjobovis pertence à espécie Leptospira borgpetersenii (PEROLATet al., 1994; MOREYet al., 2006), por isso, nas vacinas, eles não induzem imunidade cruzada (RAMADASet al., 1990). Desse modo, a elaboração de vacinas deve ser feita com o menor número possível de sorovariedades, com ênfase para aquelas presentes na região (BOLIN; ALT, 2001; ARAUJO et al., 2005). Nas vacinas antileptospira comercializadas no Brasil, são incluídos vários sorovares com baixa importância epidemiológica para a espécie bovina, o que pode levar a falhas na vacinação, além da elevação desnecessária dos custos e interferência no diagnóstico (RODRIGUESet al., 2011). Sabe-se que as vacinas comerciais são apenas parcialmente efetivas devido à natureza restrita dos sorovares presentes na sua formulação, e à potencial presença de sorovares locais diferentes daqueles contidos na vacina (ADLER; MOCTEZUMA, 2010).
A identificação das leptospiras que infectam um rebanho torna possível desenvolver uma vacina específica (FAINE et al., 1999; CHIARELI et al., 2012). Por sua vez, essas vacinas podem gerar reações cruzadas nos animais, induzindo resposta imunológica que não apresenta títulos uniformes para as diferentes sorovariedades (BOLIN;ALT, 2001; ARDUINOet al., 2009).
Este trabalho teve como objetivo avaliar a utilização de uma vacina experimental, elaborada após determinação sorológica das sorovariedades mais prevalentes em bovinos de leite de uma propriedade tipo empresarial, assim como acompanhar a resposta imune pela determinação dos níveis de anticorpos antileptospiras e seus reflexos sobre o controle da infecção.
MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo foi realizado em uma fazenda da bacia leiteira do município de Parnaíba, localizada no município de Buriti dos Lopes, região norte do estado do Piauí. O município está situado a 300 km de Teresina e apresenta como coordenadas geográficas 3°5´S e 40°41'W. O clima da região, segundo classificação climática de Koppen é Aw, tem estação seca bem definida (julho a dezembro). Na última década, a região apresentou médias anuais de umidade relativa de 74,9%, precipitação de 965 mm, concentrada no período de janeiro a junho (estação chuvosa,), temperatura média máxima do ar de 36°C, e mínima de 22°C (MEDEIROS, 2004).
A fazenda possuía 255 vacas (62,20% de vacas jovens), número de crias de 1 a 10 e peso ao primeiro parto de 480 kg. O sistema de criação era o de semiconfinamento, com duas ordenhas mecânicas por dia. Os currais eram lavados antes de cada ordenha, com mangueira de jato forte.
Em julho de 2004, observou-se em 85 vacas (33,3%) a ocorrência em forma de surto, até então não registrado, do aumento do número de abortamentos no terço final da gestação; da morte de 30 bezerros com icterícia, com menos de 14 dias de idade, e 18 vacas com hematúria. O médico veterinário suspeitou de leptospirose. O rebanho apresentava resultados negativos, em testes recentes de brucelose, para diarreia bovina a vírus, rinotraqueíte infecciosa e tuberculose. Para confirmação do diagnóstico clínico de leptospirose, procedeu-se à colheita de amostras de soro sanguíneo das 255 vacas e dos 2 touros.
As vacas foram submetidas a 12 colheitas de sangue para obtenção de soro e realização de testes sorológicos em intervalos de seis meses. Para a pesquisa de aglutininas antileptospiras, utilizou-se a prova de soroaglutinação microscópica (SAM), segundo as recomendações de GALTONet al. (1965) e COLE JR. et al. (1973), contra 11 sorovares patogênicos: Bratislava, Ballum, Canicola, Gripothyphosa, Icterohaemorragiae, Szwajizak, Mini, Pomona, Hardjoprajitno (OMS), Hardjoprajitno (Norma), Hardjo (hardjobovis). As leituras foram realizadas em microscópio de campo escuro, objetiva 10x. O critério adotado para o soro ser considerado como reagente foi de 50% de leptospiras aglutinadas por campo microscópico em aumento de 100 vezes. O sorovar registrado foi aquele que apresentou maior título, sendo as demais aglutinações consideradas reações cruzadas. As amostras positivas ao título inicial foram novamente diluídas sucessivamente, na razão dois, e testadas para o(s) sorovar(es) que reagiram anteriormente. O título final foi aquele que ainda apresentou 50% ou mais de aglutinação, sendo o ponto de corte da reação o título de 1:100.
A colheita de soro foi realizada a cada 180 dias por um período de 72 meses, em um total de 12 colheitas. Por ocasião da sexta colheita, 30 amostras de urina foram obtidas de forma asséptica, de animais positivos à sorologia (sorovar Hardjo) e com histórico de problemas reprodutivos. As amostras foram submetidas à microscopia de campo escuro e, em seguida, foram inoculadas em meio de cultura (EMJH modificado) para posterior isolamento.
Uma vacina experimental foi testada para o controle da leptospirose, produzida pelo Laboratório de Leptospirose da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (EV/UFMG), em Belo Horizonte, contendo os sorovares Hardjoprajitno, com os sorogrupos Norma e OMS e Hardjobovis cultivados em meio EMJH modificado, fração "V" de albumina bovina (ELLINGHAUSEN; MCCULLOUGH, 1965), por um período de 14 dias a 28°C. Foi feita a contagem aproximada de 2 x 108bactérias/mL, inativada com formalina na concentração final de 0,3%, dividida em três alíquotas de 1000 µL, emulsionada no adjuvante Emulsigen(r) a 20% e adsorvida em um homogeneizador circular por 24 horas, 96 g e padronizada em 1 x 108 células por mL (Escala Mcfarland). A dose utilizada em cada vaca foi de 5,0 mL, inoculada por via subcutânea na região do terço proximal do pescoço. A vacina foi avaliada previamente com relação à pureza, inocuidade e esterilidade, conforme procedimento recomendado (USDA, 1976).
A primeira vacinação do rebanho foi realizada apenas com os sorovares Hardjoprajitno Norma e OMS. Com o resultado da sorologia das seis primeiras colheitas, constatou-se a presença do sorovar Hardjobovis infectando o rebanho, o que levou à inclusão desse sorovar na formulação da vacina.
As 255 vacas foram vacinadas após o diagnóstico da infecção e revacinadas aos 45 dias e, a seguir, semestralmente. A utilização da vacinação associada à instituição de quimioterapia, à base de estreptomicina, na dosagem de 50 mg/kg de peso vivo, foram as medidas adotadas, mas também foram introduzidas outras medidas de manejo, como separação e isolamento dos animais com manifestações clínicas de hematúria; abortamentos; repetições de cio; intensificação da limpeza das instalações, especialmente dos depósitos de armazenamento de rações, para evitar a presença de roedores; separação do rebanho do convívio com outros animais domésticos, como cães; e precauções com as práticas de manejo dos animais pelos empregados da fazenda para evitar uma possível contaminação. Os animais com comprovação clínica e sorológica de infecção não foram comercializados, e novos animais não foram introduzidos no rebanho. O acompanhamento do rebanho vacinado foi realizado por meio da colheita de sangue para realização da técnica de SAM.
A organização da base de dados e a confecção de tabelas e gráficos foram realizadas em planilhas eletrônicas do programa Microsoft Excel, versão 2007. Na base de dados, cada amostra de soro sanguíneo era acompanhada pelos seguintes dados: data de colheita, sorovar utilizado na bateria de antígenos, resultado das reações à SAM e títulos. As diferenças observadas nos índices quando da primeira leitura foram realizadas pelo teste do qui-quadrado, com nível de significância de 5%.
Para avaliar a eficiência da vacina, considerando a inexistência de grupo controle e admitindo-se 50% de redução da prevalência devido ao acaso, aplicou-se a prova de confronto de taxas Odds Ratio (OR) para a = 0,05 (BioEstat(r), versão 3.0).
Este trabalho foi realizado conforme os princípios éticos da experimentação animal estabelecidos pelo Comitê de Ética em Experimentação com Animais, da Universidade do Piauí, conforme consta na declaração emitida em 11 de outubro de 2011 pela coordenadora do Comitê.
RESULTADOS
Na primeira colheita de material para a realização do teste de SAM, em 7 de julho de 2004, as frequências de aglutininas antileptospira apresentaram taxas elevadas de positividade para os sorovares diagnosticados: Hardjobovis (54,50%), Hardjo Norma (45,50%) e Hardjo OMS (56,50%).
Foi observada diferença estatística entre os sorovares com reação positiva, que consistiam de 3 sorovares diferentes e os outros 8 sorovares testados, perfazendo um total de 11 sorovares testados. No entanto, não houve diferença (p > 0,05) entre os sorovares Hardjobovis (54,50%) x Norma (45,50%) e Hardjobovis (54,50%) x OMS (56,50).
As 11 colheitas subsequentes foram semestrais e realizadas no período de 2004 a 2009. Elas revelaram queda gradativa na positividade (Tabela 1; Fig. 1). A partir do segundo ano da vacinação, já foi possível observar redução na ocorrência dos problemas reprodutivos existentes previamente, como abortamentos, em 30% (76/255); mamites, em 35% (90/255); mortes de bezerros, em 25% (64/255); e repetição de estro, em 30% (76/255). A incidência desses distúrbios foi reduzindo ano após ano, até não mais serem observados, a partir do quarto ano após a vacinação. Neste contexto, cabe destacar que houve queda expressiva de abortamento comparando o ano de 2004, quando ocorreu o surto da doença na propriedade, com o ano de 2009, quando a doença já estava controlada. Em todas as colheitas, até o desaparecimento de reagentes, houve predomínio de Hardjobovis sobre as demais sorovariedades. A tentativa de cultivo de leptospiras em 30 amostras de urina não revelou crescimento da bactéria. Na Tabela 2 e na Fig. 1, observa-se que a Odds Ratio (OR) indica queda real da prevalência atribuível à vacina, gradativa e crescente.

Figura 1 Positividade para diferentes sorovariedades de leptospiras em bovinos de leite, Buriti dos Lopes, Piauí, segundo colheitas semestrais, pós vacinação, 2004 - 2009.
Tabela 1 Reagentes para sorovares de Leptospira spp. em vacas leiteiras, município de Buriti dos Lopes, Piauí, Brasil, soroaglutinação microscópica, doze colheitas, 2004 - 2009.
Colheita | Hardjobovis | Hardjoprajitno (Norma) | Hardjoprajitno (OMS) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Positivo | Negativo | % | Positivo | Negativo | % | Positivo | Negativo | % | |
1 | 139 | 116 | 54,5 | 116 | 139 | 45,5 | 144 | 111 | 56,5 |
2 | 125 | 130 | 49 | 89 | 166 | 35 | 102 | 153 | 40 |
3 | 101 | 154 | 39,6 | 72 | 123 | 28,2 | 89 | 166 | 35 |
4 | 99 | 156 | 38,8 | 67 | 188 | 26 | 85 | 170 | 33,4 |
5 | 109 | 146 | 42,7 | 65 | 190 | 25,5 | 89 | 171 | 32,9 |
6 | 102 | 152 | 40,1 | 62 | 192 | 24,4 | 76 | 178 | 30 |
7 | 83 | 169 | 33 | 54 | 198 | 21,4 | 52 | 20 | 20,6 |
8 | 50 | 200 | 20 | 26 | 224 | 10,4 | 19 | 231 | 7,8 |
9 | 21 | 226 | 8,4 | 13 | 234 | 5,2 | 12 | 235 | 4,8 |
10 | 17 | 230 | 6,8 | 7 | 240 | 2,8 | 6 | 241 | 2,4 |
11 | 4 | 243 | 1,6 | 0 | 24 | 0 | 0 | 247 | 0 |
12 | 0 | 247 | 0 | 0 | 247 | 0 | 0 | 247 | 0 |
Hardjobovis (OR1=2,44 e IC95% 2,09 - 2,79; OR2=1,79 e IC95% 1,441 - 2,139; OR3=40,77 e IC95% 39,76 - 41,78) p < 0,0001; NORMA (OR1 = 2,58 e IC95% 2,204 - 2,956; OR2 = 11,07 e IC95% 10,27 - 11,87) p < 0,0001; OMS (OR1 = 3,00 e IC95% 2,703 -3,297; OR2 = 17,14 e IC95% 16,29 - 17,99) p < 0,0001.
Tabela 2 Reagentes para sorovares de Leptospira spp. em vacas leiteiras, município de Buriti dos Lopes, Piauí, Brasil, soroaglutinação microscópica, primeira colheita, 2004.
Sorovariedades | Amostras | ||
---|---|---|---|
Positivas | Negativas | % de Positivas | |
Hardjobov | 139 | 116 | 54,50 |
Hardjoprajitno (Norma) | 116 | 139 | 45,50 |
Hardjoprajitno (OMS) | 144 | 111 | 56,50 |
Mini | 0 | 255 | 0,00 |
Grippotyphosa | 0 | 255 | 0,00 |
Pomona | 0 | 255 | 0,00 |
Icterohaemorrhagiae | 0 | 255 | 0,00 |
Canicola | 0 | 255 | 0,00 |
Bratislava | 0 | 255 | 0,00 |
Canicola | 0 | 255 | 0,00 |
Ballum | 0 | 255 | 0,00 |
*Hardjobovis x demais sorovares ?2 = 261,83; NORMA x demais sorovares ?2 = 123,53; OMS x demais sorovares ?2 = 290,37; Hardjobovis x NORMA ?2 = 9,83; Hardjobovis x OMS ?2 = 1,03.
DISCUSSÃO
Os sorovares de leptospiras descritos infectando bovinos no Brasil são: Pomona, Icterohaemorrhagiae, Grippothyphosa, Bratislava, Canicola, Ballum, Szwajisak e Hardjo (ZACARIAS et al., 2008; MINEIRO et al., 2010; SILVA et al., 2012). No surto de abortamento no rebanho leiteiro deste estudo, observou-se a ocorrência do sorovar Hardjo, com as sorovariantes Hardjobovis, Norma e OMS, e uma resposta positiva frente à vacina experimental utilizada. O papel de Hardjo como a principal sorovariedade patogênica para bovinos é registrado universalmente (GROOMS, 2006; MINEIROet al., 2007; RYAN et al., 2012). É fato conhecido que o sorovar Hardjo produz infecção crônica em bovinos e reduz a produção animal, por comprometimento das funções reprodutivas (FAINE et al., 1999), como foi observado no rebanho objeto do presente estudo. Apesar da cepa Hardjobovis nunca ter sido isolada no Brasil, a existência de animais reagentes pelo teste de soroaglutinação microscópica é identificada quando Hardjobovis faz parte da coleção de antígenos utilizados no diagnóstico sorológico, como observado neste estudo. Na coleção de antígenos utilizada para o diagnóstico sorológico (coleção de antígenos do Laboratório de Leptospirose da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais), a cepa Hardjobovis é mantida em cultivo como parte da coleção, tendo sido obtida junto ao National Collaborating Center for Reference and Research on Leptospirosis, em Amsterdã, na Holanda.
Embora no decorrer do experimento tenha havido redução progressiva na frequência de aglutininas antileptospira no rebanho, não podemos associar esses resultados com a melhora na performance reprodutiva dos animais. Contudo, em trabalho realizado em vacas de corte com vacina monovalente de Leptospira borgpetersenii serovar Hardjo cepa Hardjobovis, associada à administração parenteral de oxitetraciclina, nenhuma melhora significante da performance reprodutiva foi observada (KASIMANICKAMet al., 2007).
O percentual de 54,5% de positivos na primeira colheita, associado à apresentação de histórico de abortamento e mastites, confirmou a existência da infecção no rebanho. Resultados com percentuais inferiores foram encontrados em rebanhos do estado do Maranhão (35,94%) (SILVAet al., 2012), enquanto no norte do estado do Piauí foi encontrado 52,86% de positividade, sendo 38,10% para Hardjo (MINEIRO et al., 2007); mas percentuais superiores (97%) foram registrados no estado da Paraíba (THOMPSON et al., 2006). Estes resultados mostram a gravidade e a distribuição da leptospirose no Brasil. Como doença que afeta os órgãos reprodutivos, é fácil perceber o potencial do rebanho bovino nacional se a leptospirose for controlada por medidas adequadas de controle, incluindo a vacinação, associadas à melhoria do manejo sanitário e à instituição de tratamento nos animais doentes. Tais medidas podem reduzir a taxa de infecção, como observado no presente estudo, protegendo contra a doença e evitando a excreção de leptospiras pela urina (ADLER;MOCTEZUMA, 2010). Observou-se que o uso de vacina contendo sorovares presentes no rebanho, associado a melhores práticas de manejo sanitário, levou a uma queda progressiva até o desaparecimento completo de animais reagentes, o que foi constatado também em estudo semelhante (CHIARELIet al., 2012). Desse modo, verifica-se a importância da identificação de variantes sorológicas de leptospiras em um rebanho, para que seja adotado o uso de vacinas polivalentes adequadas, tendo em vista que a imunidade é específica para cada sorovar, muito embora o antígeno de leptospira apresente baixa imunogenicidade, induzindo respostas imunológicas às vezes ineficientes (FAINEet al., 1999). Isto decorre, provavelmente, da deficiente ativação de linfócitos B pelos lipopolissacarídeos da superfície bacteriana (BULACH et al., 2006). É interessante assinalar, também, que a mastite clínica associada à infecção por leptospiras pode ser minimizada pela vacinação (GREENet al., 2007).
Neste contexto, sugerimos que esquemas adequados de vacinação sejam adotados para cada região e para cada rebanho, a depender dos sorovares diagnosticados. Mas cabe alertar que apesar de a vacinação reduzir a taxa de infecção, como observado no presente estudo, experimento realizado com a utilização de vacina monovalente contendo Leptospira interrogans sorovar Hardjobovis mostrou que tanto animais controles quanto vacinados, desafiados por instilação conjuntival de 1 x 105células de Hardjo bovis por três dias consecutivos, tornaram-se infectados e eliminaram o sorovar Hardjo bovis na urina (BOLINet al., 1991).
As variações na incidência da infecção nas diferentes regiões sugerem provável influência de alguns fatores, como densidade bovina, índice pluviométrico, tipo de solo, sistema de criação, proximidade de outras espécies animais, e acesso às aguadas por bovinos de propriedades diferentes (ELLIS, 1994; FAINE et al., 1999; TOMICH et al., 2007).
Os percentuais de positividade para cada sorovariedade detectados no rebanho sugerem que a infecção leptospírica se manteve, por meio da transmissão bovino/bovino, como sugerido também em outro estudo (FIGUEIREDOet al., 2009). No caso específico de Hardjo, considera-se que a transmissão direta de bovino para bovino seja o mecanismo mais importante para sua manutenção no plantel (ELLIS,1984).
Quanto à Hardjobovis observou-se entre a primeira e a sétima colheitas, quando a positividade tinha caído pela metade e ainda sem a aplicação do antígeno Hardjobovis (vacina), que aquela queda não ocorreu ao acaso (OR1 = 2,44; IC95% 2,09 - 2,79; p = 0,99), o que parece indicar alguma interferência favorável dos inóculos Norma e OMS sobre a infecção, visto que os mesmos tinham sido inoculados quando da segunda visita (dois anos antes).
No primeiro mês pós-vacinação (entre a 6ª e a 7ª leituras) por Hardjobovis houve acréscimo na proteção, mas embora OR tenha sido significante (OR2 = 1,79; IC95% 1,441 - 2,139; p = 0,99), é provável que parte dessa proteção seja residual à aplicação dos inóculos Norma + OMS; no entanto, a elevação de 38,8% para 42,7% entre a 4ª e a 5ª leituras permite supor que a proteção cruzada, se ocorreu, já não estava presente. Já quanto ao efeito propriamente dito de Hardjobovis, o confronto entre o momento da aplicação (6ª leitura) e a última leitura com pelo menos um positivo (11ª leitura) foi altamente significante (OR3 = 40,77; IC95% 39,76 - 41,78; p = 0,99).
Quanto à Norma, constatou-se que entre a primeira colheita e o momento em que a positividade caiu pela metade (6ª leitura, portanto, dois anos), a redução não se deveu ao acaso (OR1 = 2,58; IC 95% 2,204 - 2,956; p = 0,99) e entre esta e a última leitura com pelo menos um positivo (10ª leitura), o resultado foi altamente significante (OR2 = 11,07; IC95% 10,27 - 11,87; p = 0,99). O aumento das significâncias no período faz supor que a proteção realmente manteve-se ao longo do tempo.
Quanto à OMS, a redução de positividade entre a primeira leitura (antes da vacinação) e a sexta, quando a mesma caiu pela metade, não se deveu ao acaso (OR1 = 3,0; IC95% 2,703 - 3,297; p = 0,99), e entre esta e a última, em que havia pelo menos um positivo (décima), a queda foi ainda maior (OR2 = 17,14; IC95% 16,29 - 17,99; p = 0,99), o que sugere alto poder imunogênico do inóculo.
CONCLUSÕES
Os resultados mostraram que em bovinos leiteiros da bacia de Parnaíba (PI) ocorre leptospirose, sorovares Hardjobovis, Hardjoprajitno (Norma) e Hardjoprajitno (OMS), com predominância de Hardjobovis. A utilização de uma vacina contendo as sorovariedades mais prevalentes no rebanho, associada à intensificação de práticas de manejo sanitário, aplicada semestralmente, ao longo de cinco anos, foi importante para a redução dos títulos de anticorpos até o seu desaparecimento completo.