Infecções bacterianas em peixes ornamentais são influenciadas por fatores de estresse que podem ser provenientes de má qualidade da água, alta densidade de estocagem, transporte, lesões traumáticas e alimentação inadequada (Musa et al., 2008), que normalmente desencadeiam supressão imunológica, fundamental na patogênese de doenças bacterianas em peixes. As bacterioses estão associadas à morbidade e mortalidade em peixes ornamentais, causadas por diferentes bactérias, especialmente as gram-negativas, que têm sido isoladas como agentes patogênicos em peixes infectados naturalmente em ambientes aquáticos (Roberts et al., 2009).
Alcaligenes faecalis são bastonetes gram-negativos curtos, de aproximadamente 1 μm de diâmetro por 2 a 3 μm de comprimento, dimórficos, móveis, flagelados, aeróbicos e pertencentes à família Achromobacter (Sachdeva; Bardhan, 1963). Essa bactéria é um micro-organismo saprófito, constituinte da microbiota fisiológica entérica de animais domésticos e humanos (Kahveci et al., 2011), considerada como emergente para enfermidades transmitidas através de alimentos (Silva Júnior, 2005). Este trabalho tem o objetivo de relatar os aspectos clínico, bacteriológico e histológico da infecção por A. faecalis em um peixe Betta splendens.
O animal com 6 anos de idade, fêmea, pesando 16 g, alimentado com ração comercial peletizada, era criado em um aquário doméstico. No histórico clínico, o proprietário relatou que o peixe ornamental, em intervalo de 30 dias aproximadamente, apresentou uma pequena lesão ulcerativa no tegumento, hiporexia, emagrecimento progressivo, letargia, dispneia e ataxia. Adicionalmente, o animal demonstrou despigmentação, perdas de escamas do epitélio e aumento de volume na região lateral esquerda.
Durante a necropsia constataram-se exoftalmia bilateral, opacidade de córnea, ascite e um abscesso. O abscesso tinha dimensão de 1,5 cm de diâmetro, revestido por uma membrana cística, amarelada, saliente e irregular, de consistência líquida, que provocava distensão da cavidade celomática. Havia, ainda, edema, hemorragia e congestos dos órgãos cavitários, necrose e exsudato com flocos brancos amarelados de fibrina, caracterizando uma peritonite fibrinosa difusa (Fig. 1A).

Figura 1 Abscesso subcutâneo em peixe Betta splendens, infiltrando na cavidade celomática. (A) Nota-se presença de tecido necrosado, edemaciado e exsudato fibrinoso difuso na cavidade celomática (seta). (B) Nota-se cavidade preenchida por heterófilos e detritos celulares em meio à deposição de fibrina, revestido por cápsula de tecido conjuntivo (seta), além de hemorragias no tecido muscular (cabeça de seta). HE, obj. 10 ×, barra = 240 μm.
Fragmentos de tecidos foram fixados em formol tamponado a 10%, incluídos em parafina, seccionados à espessura de 4 μm e corados com hematoxilina e eosina (HE). Para análises microbiológicas foram colhidas amostras assépticas do sangue via punção venosa, exsudato contido no abscesso subcutâneo e amostra da ração. Foram semeadas em ágar sangue de carneiro desfibrinado (5%) e ágar MacConkey, em estufa bacteriológica de atmosfera aeróbica, e temperatura de 37°C por 24 a 48h. A identificação foi baseada nas características macroscópicas, morfotintorial pela coloração do método de gram e a definição do perfil bioquímico (Macfaddin, 2000).
Histologicamente observou-se abscesso delimitado por cápsula fibrosa, preenchido com infiltrado inflamatório misto, constituído principalmente por heterófilos íntegros e degenerados, macrófagos, escassos linfócitos e agregados de bactérias, além de necrose e detritos celulares em meio à fibrina. Na derme e na musculatura esquelética foram evidenciadas áreas de hemorragia, com hemosiderina, e infiltrado inflamatório misto nas áreas que circunscrevem a lesão abscedativa (Fig. 1B).
No exame bacteriológico observou-se o crescimento de colônias com os seguintes aspectos morfológico: pequenas, convexas, amareladas, textura lisa e bordas irregulares. Essas características são relatadas nessa espécie conforme Koneman et al. (2001). Quando submetidas à coloração de gram foram observados bacilos negativos. Para identificação da espécie, os testes bioquímicos realizados foram catalase (+), citocromo oxidase (+), oxidação de glicose (-), motilidade (+), citrato (+), redução de nitrato (-), teste em ágar DNase (-), indol (-) Triple-Sugar-Iron (TSI) (-) e urease (-) (Macfaddin, 2000).
Clinicamente, o estado séptico desse peixe foi determinado pela observação dos sinais clínicos, sugestivos de bacterioses em peixes, associados ao isolamento bacteriológico no sangue. Esses sinais são frequentemente relatados em casos de septicemia em peixes, provocadas por outros agentes bacterianos (Lima et al., 2008).
A hipótese aventada para a causa morte desse peixe é que ocorreu provavelmente inapetência, septicemia e compressão dos órgãos da cavidade celomática pelo abscesso. Estudos raramente têm documentado a importância clínica do potencial patogênico de A. faecalis em causar sepse em humanos e em animais domésticos (Kahveci et al., 2011), geralmente relatam como agente etiológico oportunista decorrente de situações estressantes que resultam em supressão imunológica.
Neste caso clínico, a ração foi descartada como fonte de infecção do peixe, portanto, é sugestivo que a provável via de contaminação tenha sido a água do aquário. Pesquisas microbiológicas em águas de estabelecimentos comerciais especializados isolaram e tipificaram A. faecalis em 45 a 65% das amostras dos aquários analisadas (Trust; Bartlett, 1974).
As bacterioses podem envolver mais de um micro-organismo, ocorrendo algumas vezes de forma simultânea, no entanto, neste caso foi verificada uma infecção monomicrobiana. Todavia, a virulência e o papel patogênico da A. faecalis ainda não foram elucidados, necessitando de mais estudos direcionados aos aspectos de sanidade aquícola. Segundo Belém-Costa; Cyrino (2006), a maioria dos agentes etiológicos causadores de processos mórbidos em peixes ainda não foram identificados e nem estudado.
As lesões histológicas observadas foram: abscesso, infiltrado inflamatório e lesões necróticas marcantes no tecido subcutâneo, se prolongando no tecido muscular. Esses achados estão em consonância com as lesões teciduais promovidas por outras bactérias septicemiantes em peixes, capazes de induzir lesões de natureza inflamatória, caracterizadas por injúrias sistêmicas (Lima et al., 2008). As doenças infecciosas são observadas com maior frequência em peixes ornamentais do que em peixes selvagens, pois provavelmente na natureza a debilidade ocasionada pela condição mórbida facilita a predação sumária e o peixe é eliminado do sistema, dificultando o seu registro (Thatcher, 1981).
As bactérias da família Enterobacteriaceae já foram destacadas como importantes agentes patogênicos no ecossistema aquático, sendo sua presença detectada por meio de exames da pele, brânquias e intestinos de peixes, podendo estar envolvidas como agente etiológico primário, desencadeando epizootias na piscicultura, quando há um desequilíbrio no sistema bactéria-hospedeiro-ambiente (Huber et al., 2004). Neste caso sugere-se que a bactéria A. faecalis seja considerada agente patogênico para organismos aquáticos e que a sua presença em aquário seja acompanhada de modo experimental para confirmação de resultados e compreensão dos mecanismos etiopatogênicos.