A criptosporidiose é uma zoonose de ampla distribuição mundial causada por protozoários pertencentes ao gênero Cryptosporidium, que acomete várias espécies de vertebrados (Diaz De Ramirez et al., 2002; Fayer, 2010).
Embora as informações sobre a ocorrência de Cryptosporidium em algumas espécies animais sejam escassas, os estudos já existentes no Brasil demonstram que a criptosporidiose apresenta características clínicas e epidemiológicas semelhantes àquelas descritas em outros países, particularmente em relação aos ruminantes, cavalos, cães e gatos. As espécies e genótipos encontrados em aves e mamíferos (incluindo seres humanos) já foram descritos em outros países (Meireles, 2010).
Na literatura, os resultados dos inquéritos epidemiológicos são muito variáveis e a morbidade pode variar de 10 a 85%, com uma ocorrência média de 25% em bezerros (Kirkpatrick, 1985). A presença de Cryptosporidium em animais diarreicos é relatada por Dubey et al. (1992), que consideraram esse coccídeo como um dos mais importantes enteropatógenos de ruminantes domésticos. Oliveira Filho et al. (2007), no Brasil, apontaram esse agente como o segundo enteropatógeno mais frequentemente encontrado nos bezerros de corte apresentando diarreia.
Pesquisas demonstraram uma maior incidência de Cryptosporidium em fezes de búfalos com sinais clínicos de diarreia (Galiero et al., 1994). Contudo, outros estudos realizados para avaliar a etiologia e dinâmica da infecção por enteropatógenos causadores de diarreia em bezerros búfalos demonstraram maior ocorrência de C. parvum em animais sem diarreia, como no estudo de Ribeiro et al. (2000) que, ao descreveram 9,43% (10/106) de amostras positivas para o agente, observaram que 60% (6/10) dessas amostras eram de animais sem diarreia. Da mesma forma, Rinaldi et al. (2007) constataram que 24,44% (22/90) das fazendas pesquisadas tinham pelo menos um bezerro positivo para C. parvum, independentemente de apresentarem diarreia ou não. Ederli et al. (2004), estudando 211 amostras fecais de bezerros mestiços, 111 fêmeas e 100 machos, com idade variando de 4 dias a 12 meses, também não observaram correlação entre a ocorrência de diarreia e infecção por Cryptosporidium.
Dentre os bubalinos, a infecção por Cryptosporidium tem sido pesquisada em alguns países buscando determinar sua importância como agente etiológico da síndrome diarreica entre bubalinos jovens e imunossuprimidos. Apesar da vasta pesquisa e importância desse patógeno causador de grandes perdas econômicas, há uma carência de estudo em animais de produção na Amazônia Oriental.
Nesse sentido, objetivou-se pesquisar a ocorrência de Cryptosporidiumspp. em bezerros bubalinos no estado do Pará e correlacionar sua ocorrência com a faixa etária e a presença de sinais clínicos da diarreia nos animais estudados.
Amostras fecais foram coletadas de 253 bezerros com até 6 meses de idade com ou sem histórico de diarreia, provenientes de 7 propriedades rurais, localizadas nos municípios de SOURE (0°23'32.27"S, 48°38'11.57"O), na Mesorregião da Ilha de Marajó, Belém (1°26'38.74"S, 48°29'47.96"O), na Mesorregião Metropolitana de Belém, São Caetano de Odivelas (0°56'26.43"S, 48°01'13.70'O), Nova Timboteua (1°12'07.31"S, 47°24'32.00"O) e Mojú (1°53'01.14"S, 48°45'55.82"O), na Mesorregião do Nordeste Paraense, e Rondon do Pará (4°46'40.69"S, 48°04'02.8"O), na Mesorregião do Sudeste Paraense.
Os animais foram separados em três grupos de acordo com a idade: menos de dois meses, dois a quatro meses incompletos e quatro a seis meses. As fezes foram obtidas diretamente do reto, mediante estimulação manual. Em seguida, foram inspecionadas e classificadas como diarreicas ou não diarreicas, de acordo com a consistência e o aspecto. Foram consideradas como diarreicas as de consistência pastosa, aquosa e liquefeitas, e não diarreicas aquelas de consistência firme. Após a coleta foram acondicionadas em frascos tipo falcon, identificadas e transportadas em caixa isotérmica contendo gelo reciclável para processamento e análise no Laboratório de Parasitologia do Centro Nacional de Primatas (CENP) do Instituto Evandro Chagas, Ananindeua, estado do Pará.
No processamento laboratorial, as fezes frescas, sem conservantes, foram submetidas ao processo de concentração pelo formol-éter modificado. Cerca de 1 a 2 g de fezes foram homogeneizados em 10,0 mL de solução de formalina a 10% e filtradas em tamis de plástico descartável para facilitar a visualização dos oocistos. Uma parte equivalente a 4,0 mL desse filtrado foi colocada em tubos tipo falcon, acrescida de 2,0 mL de éter e centrifugada a 2000 G por 10 minutos. Com o sobrenadante descartado, duas gotas do sedimento foram utilizadas na confecção de esfregaços em lâmina de vidro e secos à temperatura ambiente.
Após a fixação em álcool metílico por 30 segundos, os esfregaços foram submetidos ao método de coloração pela fucsina carbólica (corante de Kinyoun) por 15 minutos, descoloração pelo álcool-ácido sulfúrico por 2 minutos, lavagem rápida com água destilada e contra-coloração pelo azul de metileno por 2 minutos. A observação dos oocistos de Cryptosporidium spp. foi realizada em microscópio óptico em objetivas de 40 e 100 x.
Para determinar a relação entre idade do animal e presença de Cryptosporidium spp. foi aplicada a estatística teste (G).
Das 253 amostras fecais de bezerros bubalinos analisadas, 2,37% (6/253) eram positivas para oocistos de Cryptosporidium (Tabela 1; Fig. 1). Índices aproximados foram descritos por Wade et al. (2000), que examinaram 2.943 amostras de fezes de bovinos leiteiros jovens e adultos e registraram uma prevalência de 2,4% (27/1.135) em bezerros com menos de 6 meses de idade para o C. parvum. Prevalências moderadas foram descritas por Amer et al. (2013), que observaram 9,5% (17/179) de animais positivos, e por Cacciò et al. (2007), que descreveram uma taxa de 14,0% (8/57) de bezerros búfalos italianos positivos. JÁ Bhat et al. (2012) e Feng et al. (2012) registraram taxas de infecção iguais a 38,3% (62/162) e 37,04% (30/81) em bezerros búfalos na Índia e Nepal. Essas discrepâncias nas taxas de infecção relatadas podem ser atribuídas a diferenças na idade e raça dos animais, época da coleta das amostras, condições edafoclimáticas e manejos e sistemas de criação dos animais (Amer et al., 2013). A falta de detecção de Cryptosporidium em bubalinos adultos está de acordo com resultados de estudos anteriores em outros países. De 616 e 525 búfalos examinados em Cuba e Egito, respectivamente, oocistos foram detectados apenas em bezerros (Abou-Eisha, 1994; Rodriguez Diego et al., 1991).
Tabela 1 Ocorrência de Cryptosporidium spp. em amostras de fezes de bezerros bubalinos de acordo com o grupo etário estudado, no estado do Pará.
Amostras | Grupos etárioc | Total | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
< 2 meces | 2 – 4 meses | 4 – 6 meses | ||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Positivas | 2 | 2,1 1 | 3 | 2,54 | 1 | 2,5 | 6 | 2,37 |
Negativas | 93 | 97,89 | 1 15 | 97,46 | 39 | 97,5 | 247 | 97,63 |
Total | 95 | 100 | 118 | 100 | 40 | 100 | 253 | 100 |
G = 0.0475; = 0.976.

Figura 1 Oocistos de Cryptosporidium spp. em amostras de fezes de bezerro bufalino (setas). Técnica de coloração de Kinyoun (aumento de 100 ×).
Das amostras estudadas, as positivas foram provenientes de animais sem sinais clínicos de diarreia, estando compatível com os resultados encontrados por Mota et al. (2000), que não encontraram oocistos de Cryptosporidium em nenhuma das 20 amostras diarreicas analisadas, e menores do que aqueles descritos por Ederli et al. (2004), que observaram 11,76% (2/17) dos animais com sinais clínicos de diarreia positivos na pesquisa de oocistos de Cryptosporidium, enquanto que naqueles assintomáticos, a infecção foi de 46,40% (90/194). Esses resultados diferem daqueles obtidos por Bhat et al. (2012), em que oocistos de Cryptosporidium foram diagnosticados em 49% (37/75) das amostras de animais diarreicos e 28,73% (25/87) dos animais assintomáticos.
Assim sendo, os dados do presente estudo corroboram a assertiva de Ribeiro et al. (2000) ao afirmarem que a ocorrência de agentes parasitários em ambos os bezerros com diarreia e assintomáticos, a despeito de não ter significância estatística nos animais com diarreia (p > 0,05), demonstra a importância de todos os bezerros como fonte potencial de infecção.
Na presente pesquisa a infecção ocorreu nas três faixas etárias, com índices aproximadamente iguais (em torno de 2%) (Tabela 1). Souza; Lopes (1995) também detectaram o Cryptosporidium spp. tanto em animais com menos 30 dias como naqueles com idade entre 30 e 90 dias. Em bezerros com até 30 dias de idade, a maior taxa de excreção (14,5%) foi observada nos animais com até 14 dias de idade e a menor nos animais mais velhos (22 a 30 dias) (Feitosa et al., 2004). Entretanto, Surumay-Vilchez; Sandoval (2000) encontraram animais positivos somente no grupo etário com mais de quatro semanas.
Essas divergências podem ser justificadas em função das distintas práticas de manejo adotadas na criação dos animais que, segundo Ortolani (1988), envolvem desde aspectos de densidade populacional, estratificação dos animais por idade, condições de higiene e virulência dos micro-organismos associados, que podem influenciar na ocorrência da infecção. Para o autor, a maior taxa de infecção em animais de até 30 dias de idade é atribuída à baixa imunidade em animais recém-nascidos e à facilidade de contaminação pelas mamadeiras ou baldes de alimentação. Ainda, quanto piores forem as condições sanitárias encontradas no ambiente, maior será o risco de contágio e aparecimento de doenças entre bezerros neonatos.
Das sete propriedades pesquisadas, três apresentaram animais positivos para oocistos de Cryptosporidium spp. com maior percentual naquela que utilizava o sistema de confinamento (15,38%; 2/13), estando em conformidade com o proposto por Ortolani (1988), que atribuiu um percentual mais elevado para a presença de Cryptosporidium spp. ao confinamento associado à condição sanitária precária e às práticas de manejo deficientes.
A infecção por Cryptosporidium spp. em bezerros bubalinos com até seis meses de idade no estado do Pará foi diagnosticada apenas em animais não diarreicos, com baixa ocorrência, independente da faixa etária.