INTRODUÇÃO
Cotesia glomerata L. (Hymenoptera: Braconidae) é o principal agente natural de controle do curuquerê-da-couve Ascia monuste orseis Godart (Lepidoptera: Pieridae), considerada uma das principais pragas desfolhadoras de Brassicacea (Santana, 2008). Esse endoparasitoide gregário está associado a muitas espécies de hospedeiros pertencentes à família Pieridae (Mattiacci; Dicke, 1995).
Os parasitoides são extremamente especializados nas relações com seus hospedeiros e, considerando que seus descendentes se desenvolvem sobre um único hospedeiro, estando restritos aos nutrientes deste, as fêmeas apresentam elevada capacidade de avaliar a adequabilidade do hospedeiro, uma vez que esse fator pode afetar profundamente o desempenho da sua prole (Harvey, 2005; Harvey et al., 2012). Essa avaliação permite ao parasitoide se defender do sistema imunológico e de toxinas deletérias do hospedeiro, competir com outros parasitoides e avaliar a adequabilidade nutricional do hospedeiro (Vinson; Iwantsch, 1980; Lavine; Strand, 2002).
Contudo, em condições nas quais as fêmeas ovipositam em hospedeiros considerados não adequados, os parasitoides adotam estratégias que otimizam o desenvolvimento, tais como alocar ovos que originarão machos, reduzir o número de descendentes ou acelerar seu desenvolvimento larval (Hu et al., 1986; Doetzer; Forester, 1999; Cônsoli; Vison, 2009). Um dos primeiros fatores avaliados pela fêmea para definir a adequabilidade do hospedeiro é a fase de desenvolvimento em que este se encontra.
Hospedeiros, quando estão nos últimos ínstares, apresentam maior disponibilidade de nutrientes aos parasitoides (Murillo et al., 2013); contudo, apresentam maior capacidade de encapsulação, como observado para lagartas de Pieres rapae L. (Lepidoptera: Pieridae), P. brassicae L. (Lepidoptera: Pieridae) e P. napi L. (Lepidoptera: Pieridae) parasitadas por C. glomerata , sendo significativamente maior em lagartas de 2o e 3o ínstares de P. rapae (Hu et al., 1986; Brodeur; Vet, 1995; Mattiacci; Dicke, 1995; Strand; Pech, 1995; Doetzer; Foerster, 1999). Por outro lado, embora lagartas nos primeiros ínstares apresentem menor disponibilidade de alimento, os parasitoides se defendem com maior facilidade do processo de encapsulação realizado pela lagarta hospedeira (Strand; Pech, 1995).
Para se defenderem da encapsulação, os parasitoides utilizam teratócitos, sendo que nas lagartas mais desenvolvidas a utilização dessas células será maior, para defesa, e, consequentemente, a disponibilidade para a nutrição será menor (Dover et al., 1995; Mattiacci; Dicke, 1995; Firlej et al., 2007), comprometendo, assim, a viabilidade do parasitoide, o que pode levar a uma preferência por parasitar lagartas em ínstares iniciais. Em trabalhos com C. glomerata em lagartas de P . brassicae, o parasitoide completou seu desenvolvimento em todos os cinco ínstares do hospedeiro, com preferência por lagartas de 1o e início de 2o ínstares (Laing; Levin, 1982; Mattiacci; Dicke, 1995). Já Apanteles ayerza Brethes (Hymenoptera: Braconidae) em lagartas de A. monuste orseis apresentou maior percentual de parasitismo em lagartas de 2o e 3o ínstares e não parasitou lagartas de 4o e 5o ínstares (Gobbi; Cunha, 1983).
Os parasitoides também tendem a alterar o comportamento alimentar dos hospedeiros, adequando-o as suas necessidades. Lagartas de A. monuste orseis parasitadas por C. glomerata apresentaram maior consumo alimentar em relação as não parasitadas (Gobbi et al., 1989; Hasan; Ansari, 2012). Scaglia et al. (2003) observaram também a redução da quantidade de proteínas na hemolinfa e o alongamento do ciclo da lagarta.
Apesar da importância do parasitismo natural de C. glomerata sobre lagartas de A. monuste orseis , estudos que abordem detalhes dessa interação são escassos no Brasil. Portanto, o objetivo deste trabalho foi adequar o ínstar do hospedeiro de Ascia monuste orseis ao parasitismo de Cotesia glomerata e avaliar o desempenho do parasitoide.
MATERIAL E MÉTODOS
Para realização do experimento e alimentação do hospedeiro, foram plantadas mudas de couve-manteiga (Brassica oleracea var. acephala L.) em vasos de 4 L com substrato à base de solo classificado como Latossolo Vermelho Eutroférrico de textura argilosa (Embrapa, 2006), composto orgânico e areia, na proporção de 2:1, 5:0,5, respectivamente, e mantidas em casa de vegetação. A criação de A. monuste orseis iniciou-se a partir de lagartas coletadas no campo e em laboratório; os adultos foram alimentados com solução aquosa de mel 10%, e as lagartas, com folhas de couve-manteiga. A criação do parasitoide C. glomerata teve início a partir de lagartas parasitadas coletadas em propriedades com sistema de produção agroecológico e que foram mantidas em laboratório sobre lagartas de A. monuste orseis oriundas da criação.
O experimento foi realizado em câmara climatizada tipo BOD (26 ± 2ºC e fotofase de 14 h). Lagartas de 2o, 3o, 4o e 5o ínstares, oriundas da criação massal, foram individualizadas em copos plásticos com capacidade de 80 mL, fechados com tecido tipo voile , preso por elástico, e alimentadas com uma seção foliar de 4 × 5 cm de couve-manteiga. Em cada copo foi liberada uma fêmea do parasitoide, com menos de 24 h de emergência, alimentada com mel e copulada, permitindo o parasitismo por um período de 2 h. Como testemunha, foram mantidas lagartas dos diferentes ínstares sem o parasitismo. Diariamente, foram realizados: a troca do alimento, a limpeza dos copos e o acompanhamento do desenvolvimento das lagartas e dos parasitoides.
Os parâmetros avaliados do hospedeiro e do parasitoide foram adaptados de Murillo et al. (2013). Para o hospedeiro, foram avaliados: a duração de cada ínstar das lagartas submetidas e não submetidas ao parasitismo, o peso de pupas com quatro dias de idade, a porcentagem de lagartas parasitadas, de empupação e da mortalidade corrigida, calculada pela fórmula de Abbott (1925). Para este experimento foram consideradas lagartas parasitadas somente aquelas nas quais houve saída de lagartas do parasitoide e testemunhas as que não tiveram contato com as fêmeas do parasitoide.
Em relação ao parasitoide, foram avaliados a porcentagem de emergência, a razão sexual (RS), o peso médio de pupa (PMPP), determinada pela fórmula
(onde PTMP = peso da massa de pupa e NPM = número de pupas da massa), o número de parasitoides por lagarta, o período ovo-pupa (POP), o período pupal (PP) e o período ovo-adulto (POA).
O delineamento experimental utilizado foi inteiramente casualizado com 3 repetições para cada ínstar, tanto para lagartas parasitadas como para não parasitadas (testemunha), sendo que cada repetição consistiu de 12 copos com uma lagarta por copo.
Para análise de desenvolvimento das lagartas, utilizou-se análise da variância (ANOVA) para medidas repetidas; para tempo total de cada ínstar, utilizou-se ANOVA fatorial, em que os fatores de análise foram o ínstar de parasitismo e os estados da lagarta (não parasitadas, parasitadas e testemunha), utilizando-se o software Statistica 7 (Statsoft Inc., 2006). Em relação aos demais parâmetros avaliados, realizou-se ANOVA, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey (p < 0,05), utilizando-se o software Assistat (Silva; Azevedo, 2009).
RESULTADOS
Observou-se aumento no tempo de desenvolvimento do hospedeiro quando o parasitoide conseguiu se desenvolver e as lagartas foram parasitadas no 2o, 3o e 4o ínstares (Figs. 1A, 1B, 1C e 2).

Figura 1: Duração média ( ± IC) de ínstares de Ascia monuste orseis submetidas ao parasitismo de Cotesia glomerata em diferentes ínstares: 2 o (A), 3 o (B), 4o (C) e 5o (D).

Figura 2: Duração total (dias ± EP) da fase larval de Ascia monuste orseis após o parasitismo, nos diferentes ínstares, por Cotesia glomerata.
Analisando o desenvolvimento dos ínstares em lagartas parasitadas, não parasitadas e testemunha, notou-se que houve padrão de comportamento do hospedeiro em relação ao seu desenvolvimento, independentemente do ínstar em que ocorreu o parasitismo.
Quando as lagartas foram oferecidas aos parasitoides no 2o ínstar, não houve diferença na duração do 3o ínstar entre parasitadas (2 + 0,07 dias) e não parasitadas (1,9 + 0,08 dias), porém ambas diferiram da testemunha (1,4 + 0,09 dias) (Fig. 1A). No 4o ínstar, lagartas parasitadas (2,5 + 0,17 dias) diferiram estatisticamente da testemunha (1,9 + 0,97 dias) e não diferiram das lagartas não parasitadas (2 + 0,12 dias). Quando no 5o ínstar, lagartas parasitadas (8,3 + 0,30 dias) diferiram da testemunha (4,4 + 0,09 dias) e das não parasitadas (4,5 + 0,18 dias), que, por sua vez, não diferiram entre si. Com isso, notou-se que quando as lagartas foram parasitadas no 2º ínstar, houve acréscimo significativo no tempo de duração do 4o e 5o ínstares.
Quando as lagartas foram submetidas ao parasitismo no 3o ínstar (Fig. 1B), observou-se que não houve diferença no desenvolvimento de lagartas parasitadas, não parasitadas e testemunha para o 4o ínstar; entretanto, no 5o ínstar lagartas parasitadas (7 + 0,21 dias) apresentaram diferença significativa em relação à testemunha (5,1 + 0,15 dias), não diferindo das não parasitadas, que, por sua vez, não diferiram da testemunha.
Lagartas submetidas ao parasitismo no 4o ínstar (Fig. 1C) não apresentaram diferença significativa entre parasitadas, não parasitadas e testemunha nesse ínstar. Contudo, no 5o ínstar observou-se que as lagartas parasitadas (10 + 0,21 dias) diferiram das não parasitadas (4,6 + 0,30 dias) e da testemunha (4,3 + 0,15 dias); no entanto, essas duas últimas não diferiram entre si. Quando expostas ao parasitoide no 5o ínstar (Fig. 1D), não foram obtidas lagartas parasitadas, sendo que lagartas não parasitadas (3,8 + 0,05 dias) e testemunha (3,7 + 0,07 dias) não apresentaram diferença entre si.
Considerando a duração total da fase de larval após o parasitismo (Fig. 2), observou-se que, quando as lagartas foram parasitadas no 2o ínstar, houve alongamento no desenvolvimento, com duração média de 13 ± 0,16 dias, diferindo da testemunha (8,6 ± 0,16 dias) e das lagartas não parasitadas (8,5 ± 0,16 dias). Quando as lagartas foram submetidas ao parasitismo no 3o ínstar, esse alongamento de ciclo não ocorreu, não havendo diferença significativa entre lagartas parasitadas (8 ± 0,21 dias), não parasitadas (8,1 ± 0,64 dias) e testemunha (6,9 ± 0,18 dias). Lagartas submetidas ao parasitismo no 4o ínstar aumentaram significativamente seu tempo de desenvolvimento (12,6 ± 0,21 dias), quando comparadas às lagartas não parasitadas (7,7 ± 0,34 dias) e à testemunha (6,8 ± 0,14 dias), sendo que essas duas últimas não diferiram entre si. Para lagartas parasitadas em 5º ínstar, não se observou diferença significativa entre testemunha (3,7 ± 0,07 dias) e não parasitada (3,8 ± 0,05 dias) na duração média do ínstar (Fig. 2).
Em relação ao peso das pupas provenientes de lagartas não parasitadas e testemunhas, houve diferença significativa apenas quando a lagarta foi oferecida ao parasitoide no 4o ínstar (Tabela 1), sendo que o peso da pupa dessas lagartas também diferiu significativamente das ofertadas aos parasitoides no 2o e 5o ínstares, indicando que quando o parasitismo ocorreu nesse ínstar, provavelmente tenha havido maior gasto energético para eliminar o parasitoide.
Tabela 1: Peso (mg) de pupas de Ascia monuste orseis oriundas do insucesso do parasitismo por Cotesia glomerata nos diferentes ínstares.

Médias ( ± EP) seguidas pela mesma letra minúscula na coluna e maiúscula na linha não diferem entre si pelo teste de Tukey (p < 0,05). *Pupas oriundas de lagartas submetidas ao parasitismo, onde não ocorreu desenvolvimento do parasitoide.
Para os parâmetros do parasitoide, de modo geral, houve variação nos resultados dependendo do ínstar de parasitismo. A porcentagem de parasitismo diminuiu com o aumento do ínstar e, consequentemente, do tamanho da lagarta oferecida ao parasitoide, sendo similar entre o 2o e 3o ínstares e diferente entre o 2o e 4o ínstares, indicando uma maior adequabilidade do hospedeiro no 2o ínstar. Contudo, não houve diferença significativa para a porcentagem de mortalidade do hospedeiro e de lagartas que empuparam (Tabela 2).
Tabela 2: Desempenho de Cotesia glomerata parasitando diferentes ínstares de Ascia monuste orseis.

Médias ( ± EP) seguidas pela mesma letra minúscula na linha não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro. PMP: peso médio da pupa; NMPL: número médio de pupa por lagarta; POP: período ovo-pupa; PP: período pupal; POA: período ovo-adulto.
Quanto ao número de parasitoides por hospedeiro, novamente tem-se a melhor adequabilidade das lagartas de 2o ínstar, uma vez que o número de parasitoide por hospedeiro foi significativamente maior quando o parasitismo ocorreu nesse ínstar, diferindo daqueles em que o parasitismo ocorreu em lagartas de 3o e 4o ínstares. Contudo, independentemente do ínstar em que ocorreu o parasitismo, a porcentagem de emergência dos parasitoides foi semelhante (Tabela 2).
A razão sexual dos parasitoides diferiu significativamente entre o 3o e 4o ínstares, porém nenhum dos dois diferiu do 2o ínstar (Tabela 2). A maior proporção de machos nos parasitoides oriundos de lagarta parasitadas no 4o ínstar levou a um menor peso médio de pupa, sendo significativamente inferior para as pupas de C. glomerata originárias de lagartas parasitadas no 3o ínstar. Não se observou diferença do 3o e 4o ínstares para as pupas de parasitoide oriundos de lagartas parasitadas no 2o ínstar (Tabela 2).
Quanto às fases de desenvolvimento do parasitoide, no geral não houve diferença entre os parasitoides oriundos de lagartas parasitadas no 2o, 3o ou 4o ínstares, havendo diferença significativa apenas para duração do PP entre o 2o e 4o ínstares (Tabela 2).
DISCUSSÃO
Os resultados deste trabalho indicaram que ocorreu impacto do parasitismo sobre o hospedeiro, uma vez que houve aumento no tempo de desenvolvimento das lagartas quando estas foram parasitadas, variando esse aumento de 1,5 vezes em lagartas parasitadas no 2o ínstar a 1,6 vezes para lagartas parasitadas no 4o ínstar (Fig. 2). Esses resultados corroboram os obtidos por Scaglia et al. (2003), que observaram um acréscimo de um dia no desenvolvimento de A. monuste orseis quando parasitada por C. glomerata . Notou-se, pelos resultados apresentados, que a alteração no desenvolvimento do hospedeiro não ocorreu no ínstar em que houve o parasitismo, isso provavelmente ocorreu pelo fato de o parasitoide estar na fase de ovo e no primeiro ínstar, não sendo capaz de afetar o hospedeiro nessa fase (Gobbi et al., 1989; Hasan; Ansari, 2012).
Os parasitoides conhecidos como coinobiontes, como C. glomerata , têm como uma das estratégias de sobrevivência alterar o desenvolvimento de seu hospedeiro, no intuito de finalizar seu ciclo, aumentando o tempo em que a lagarta fica se alimentando e, consequentemente, tendo um maior tempo para se alimentar e obter os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento (Hu et al., 1986; Doetzer; Forester, 1999; Scaglia et al., 2003; Cônsoli; Vison, 2009).
Outro fator que pode ter levado ao aumento na duração dos ínstares das lagartas submetidas ao parasitismo, observado neste trabalho (Figs. 1 e 2), é o gasto energético utilizado pelo hospedeiro em seu processo de defesa, a fim de eliminar o parasitoide, utilizando como principal meio para isso a encapsulação (Mattiacci; Dicke, 1995). Strand; Pech (1995) definiram três fases para o encapsulamento do parasitoide, sendo que em todas há exigência de maior consumo energético por parte do hospedeiro. Esse processo de resposta imunológica torna-se mais eficiente à medida que a lagarta vai se desenvolvendo, sendo que lagartas hospedeiras dos últimos ínstares apresentam maior capacidade de encapsulação (Hu et al., 1986; Brodeur; Vet, 1995).
A baixa capacidade de encapsulação dos hospedeiros nas fases iniciais e, consequentemente, a maior adequabilidade de lagartas de 2o e 3o ínstares, como a observada neste trabalho (Tabela 2), assemelham-se aos resultados observados por Geervliet et al. (1993) e por Mattiacci; Dicke (1995) com essa espécie de parasitoide utilizando como hospedeiro lagartas de P. brassicae , P. rapae e P. rapi , havendo preferência do parasitoide por hospedeiros nos ínstares iniciais. Em lagartas de A. monuste orseis , Gobbi; Cunha (1983) também observaram preferência para o parasitismo de A. yerzia nos 3 primeiros ínstares; contudo, esses autores obtiveram uma maior porcentagem de parasitismo (50%), quando comparada com os resultados do parasitismo médio deste trabalho (26,8%).
Assim, em relação ao desenvolvimento do hospedeiro, pode-se observar que o impacto do parasitismo foi manifestado pelo alongamento na duração dos ínstares subsequentes ao parasitismo, sendo maior quando o parasitismo ocorreu no 4o ínstar em que, embora tenha havido aumento na duração do ínstar, o peso final da pupa foi inferior ao oriundo de lagarta não parasitada, indicando perda energética na eliminação do parasitoide.