INTRODUÇÃO
O gênero de moscas-das-frutas Anastrepha Schiner, 1868 (Diptera: Tephritidae), originário da América do Sul (ALUJA, 1994), é o de maior importância econômica no Brasil (NAVA; BOTTON, 2010; MENEZES-NETTO et al., 2016). Das 64 espécies de moscas-das-frutas registradas em Santa Catarina (GARCIA et al., 2002), 25 são do gênero Anastrepha (ZUCCHI, 2008).
Nas principais regiões produtoras de maçã do sul do Brasil, a mosca-das-frutas sul-americana, Anastrepha fraterculus (Wiedemann, 1830), é considerada a principal praga da cultura (SANTOS; WAMSER, 2006), sendo a espécie de maior distribuição e abundância nos pomares de macieira catarinenses - representa mais de 90% das moscas capturadas (NORA et al., 2000).
A flutuação populacional de A. fraterculus modifica-se entre anos, pomares e regiões (NORA et al., 2000; GARCIA et al., 2003a; SOUZA-FILHO et al., 2009), bem como em função das variáveis meteorológicas (GARCIA et al., 2003a; ARAUJO et al., 2008, CALORE et al., 2013) e da disponibilidade de frutos hospedeiros (GARCIA et al., 2003a; RONCHI-TELES; SILVA, 2005; ARAUJO et al., 2008; SOUZA-FILHO et al., 2009; CALORE et al., 2013).
A temperatura é um dos principais fatores que interferem no ciclo biológico de A. fraterculus (MACHADO et al., 1995; SALLES, 2000; TAUFER et al., 2000), cuja faixa ótima para o desenvolvimento está entre 15,3 e 26,8ºC, sendo necessárias 430,6 horas (constante térmica expressa em graus/dias) com temperaturas acima de 10,72ºC (temperatura base) para que o ciclo biológico se complete (MACHADO et al., 1995). Em Pelotas, Rio Grande do Sul, podem ocorrer até seis gerações/ano (MACHADO et al., 1995), e em Chapecó, Santa Catarina, em torno de 11 gerações/ano (GARCIA et al., 2003a).
Em pomares de macieira em Santa Catarina, as moscas podem ser capturadas de setembro a abril, e o tamanho da população varia em função da frutificação de hospedeiros multiplicadores presentes em cada região (NORA et al., 2000). HICKEL; DUCROQUET (1993) registraram, de outubro a março, com pico populacional em dezembro, a ocorrência de A. fraterculus em ameixeiras e pessegueiros na região meio-oeste de Santa Catarina. Já em goiabeira-serrana, HICKEL; DUCROQUET (1994) observaram que A. fraterculus ocorreu de janeiro a março, com picos populacionais nos meses de fevereiro e março. No oeste do Estado, verificou-se maior densidade de A. fraterculus em pessegueiros, em dezembro e janeiro (GARCIA et al., 2003a).
Informações sobre a flutuação populacional de moscas-das-frutas e a sua relação com os fatores bióticos e abióticos devem ser obtidas e interpretadas adequadamente, para que seja realizado o controle regionalizado (ALUJA et al., 2012). Dessa maneira, este estudo teve como objetivos registrar a flutuação populacional, avaliar a influência das variáveis meteorológicas nas oscilações populacionais e calcular o número de gerações/ano de A. fraterculus em Caçador, Santa Catarina.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi conduzido em pomar de macieira (26º49’47”S, 50º58’36”O e altitude de 972 m) cultivado no sistema orgânico, localizado em Caçador, Santa Catarina. O pomar, de aproximadamente 0,6 ha, implantado havia 12 anos, era composto de 10 genótipos de macieira, com plantas distribuídas em espaçamento de 4,5 m entre as linhas e 1,5 m entre as plantas, todas sobre porta-enxerto Marubakaido com filtro de M-9. Os genótipos eram: Royal Gala, M-2/01 e Monalisa, de maturação semiprecoce, com colheita no início de fevereiro; M-9/00 e M-11/00, de maturação intermediária, com colheita a partir de meados de fevereiro; Fuji Suprema, Catarina, M-13/00, MR-11/90 e MRC-21/97, de maturação tardia, com colheita de meados de março a início de abril.
Não foram realizados tratamentos fitossanitários para o controle de insetos. Para as doenças, utilizaram-se caldas sulfocálcica e bordalesa, pulverizadas a intervalos quinzenais, de outubro a abril de cada ano.
Próximo ao pomar de estudo há uma área de mata de aproximadamente 20 ha onde estão presentes as seguintes espécies referidas como hospedeiras de mosca-das-frutas e com períodos de frutificação que antecedem ou coincidem com os da macieira: cerejeira-do-Rio-Grande (Eugenia involucrata), pitangueira (Eugenia uniflora), guabirobeira (Campomanesia xanthocarpa), goiabeira-serrana (Acca sellowiana), capoteira ou sete-capotes (Campomanesia guazumifolia), araçazeiro (Psidium spp.), uvaieira (Eugenia pyriformis), guabijeiro (Myrcianthes pungens) (Myrtaceae), ingazeiro (Inga spp.) (Fabaceae) e araticunzeiro (Annona cacans) (Annonaceae).
O número de mosca-das-frutas foi aferido com quatro armadilhas do tipo McPhail, iscadas com Torula® (diluída na proporção de três tabletes/400 mL de água), instaladas 1,5 m acima do nível do solo, na parte interna da copa das plantas. O monitoramento ocorreu de outubro de 2009 a abril de 2012, abrangendo as safras 2009/2010, 2010/2011 e 2011/2012. O atrativo foi substituído semanalmente, registrando-se o número de adultos capturados. Após a obtenção dos dados das coletas semanais, calculou-se o índice moscas/armadilha/dia (MAD) pela fórmula:
Em que:
M |
= número de moscas capturadas (machos e fêmeas); |
A |
= número de armadilhas; |
D |
= número de dias de exposição das armadilhas. |
Os espécimes coletados foram armazenados em frascos contendo álcool 70% e, posteriormente, procedeu-se à identificação específica com o auxílio de chave dicotômica de ZUCCHI (2000).
Os registros diários referentes às temperaturas máxima, mínima e média (ºC), à precipitação pluviométrica (mm) e à umidade relativa do ar (%) foram obtidos de uma estação meteorológica distante 2 km do pomar de macieira.
A associação entre o número médio de moscas capturadas e as variáveis meteorológicas foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Pearson (p < 0,05). Em função do ciclo biológico de A. fraterculus, os valores utilizados nessas análises foram relativos às médias diárias registradas aos 7, 15 e 30 dias que antecederam cada ocasião de amostragem. Os valores médios diários das temperaturas mínima, média e máxima (ºC), da umidade relativa do ar (%) e da precipitação pluviométrica (mm) para o período de entressafra (maio a setembro) foram testados quanto à normalidade e submetidos aos testes F ou de Kruskal-Wallis (p < 0,05). As análises foram feitas com o auxílio do programa estatístico BioEstat 5.0. O número de gerações/ano foi estimado para o município de Caçador, Santa Catarina, utilizando-se os dados de temperatura mínima de 2009, 2010, 2011 e 2012, com base na constante térmica e na temperatura basal, estabelecidos para A. fraterculus, conforme MACHADO et al. (1995).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na safra 2009/2010, foram registrados 77 adultos de A. fraterculus; na safra 2010/2011, o total capturado foi de 429; e na safra 2011/2012, de 345. A razão sexual nesses períodos foi de 0,31; 0,55 e 0,8, respectivamente. No estado de Santa Catarina, a maior abundância de A. fraterculus, entre os tefritídeos, também já havia sido registrada em: ameixeira (HICKEL; DUCROQUET, 1993; GARCIA et al., 2003b; GARCIA; NORRBOM, 2011), goiabeira-serrana (HICKEL; DUCROQUET, 1994; GARCIA; NORRBOM, 2011), macieira (NORA et al., 2000), citros (GARCIA et al., 2003b; GARCIA; LARA, 2006), pessegueiro (HICKEL; DUCROQUET, 1993; GARCIA et al., 2003b; ALBERTI et al., 2009; GARCIA; NORRBOM, 2011) e maracujazeiro (ALBERTI et al., 2009).
Na safra 2009/2010, os primeiros adultos foram capturados no início de dezembro de 2009, e o pico populacional foi verificado em fevereiro de 2010 (índice MAD = 0,68). Em março de 2010, os frutos de todos os genótipos de macieira já haviam sido colhidos, mas as moscas continuaram sendo capturadas até o fim de abril. De maio a outubro, não foram capturados adultos de moscas-das-frutas nas armadilhas; eles voltaram a ser registrados no início de novembro de 2010. Na safra 2010/2011, o pico populacional também foi constatado em fevereiro (índice MAD = 3,0), e as capturas cessaram no começo de abril do mesmo período. Somente no início de dezembro de 2011 houve nova captura de adultos. Na safra 2011/2012, o pico populacional ocorreu no mês de janeiro de 2012 (índice MAD = 5,0), e em março se registraram as últimas moscas em armadilhas (Fig.1). Os picos populacionais de A. fraterculus em janeiro e fevereiro observados neste trabalho foram semelhantes aos obtidos por BRANCO et al. (1999) em Caçador. Esses autores atribuíram a maior ocorrência de insetos nessa época à migração de adultos de hospedeiros silvestres localizados em áreas de mata, atraídos pelos frutos das cultivares precoces de macieira Pome 3, Duquesa e Sansa, que já se encontravam próximos da maturação.

Figura 1: Média acumulada registrada na quinzena anterior a cada data de amostragem de mosca-das-frutas: temperaturas máxima, média e mínima (A); precipitação pluviométrica acumulada e umidade relativa do ar (B); e flutuação populacional de Anastrepha fraterculus (C) de outubro de 2009 a abril de 2012 (Caçador, Santa Catarina).
Nas três safras, as maiores capturas de A. fraterculus ocorreram em janeiro ou fevereiro, quando as temperaturas oscilaram entre 17º e 27ºC (Fig. 1A) e a umidade relativa do ar estava acima de 80% (Fig. 1B), coincidindo com o início da maturação dos genótipos precoces. A faixa ótima para o desenvolvimento de A. fraterculus está entre 15,3º e 26,8ºC, ocorrendo aumento populacional em razão da qualidade e da abundância de hospedeiros (MACHADO et al., 1995; SALLES, 2000).
Neste estudo, a maior densidade de A. fraterculus em janeiro ou fevereiro (Fig. 1C), pode estar relacionada ao início da maturação dos genótipos precoces Royal Gala, M-2/01 e Monalisa e dos intermediários M-9/00 e M-11/00, sendo corroborado por NORA et al. (2000), que associaram a alta incidência de A. fraterculus em macieiras, em Caçador, à maturação dos cultivares Gala e Fuji. Pesquisas realizadas na região oeste de Santa Catarina mostraram que a maior incidência de A. fraterculus também ocorreu na época de maturação dos frutos em pessegueiros (GARCIA et al., 2003a) e laranjeiras (GARCIA; LARA, 2006). Da mesma forma, em goiabeiras, nespereiras e pessegueiros, SOUZA-FILHO et al. (2009) observaram picos populacionais de A. fraterculus durante o período de maturação dos frutos.
Somente na safra 2010/2011, observou-se correlação entre o número médio de moscas capturadas e as temperaturas máxima, média e mínima, registradas aos 7, 15 e 30 dias anteriores às amostragens (Tabela 1). A temperatura, outros fatores ecológicos e, principalmente, a disponibilidade de frutos hospedeiros são importantes na flutuação populacional de várias espécies de moscas-das-frutas, como relatado em outros estudos (KOVALESKI et al., 1999; RONCHI-TELES; SILVA, 2005; HICKEL et al., 2007; ARAUJO et al., 2008).
Tabela 1: Correlação entre o número médio de Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae) e as variáveis meteorológicas, registradas aos 7, 15 e 30 dias anteriores às amostragens, no período de safra da macieira (outubro a abril) de 2009 a 2012 (Caçador, Santa Catarina).
*Coeficiente de correlação de Pearson.
As últimas capturas de A. fraterculus em armadilhas ocorreram entre março e abril, com ausência de moscas de maio a outubro (Fig. 1C). Esses resultados corroboram os encontrados por NORA et al. (2000), em pessegueiros e macieiras na região de Caçador, os quais atribuíram esse fato à ausência de frutos nos pomares. Além disso, as temperaturas na região diminuem a partir de maio, podendo a média ficar abaixo dos 13ºC até agosto (Fig. 1A). Temperaturas inferiores a 10ºC são limitantes para o desenvolvimento de todas as fases do ciclo biológico de A. fraterculus, pois impossibilitam o amadurecimento ovariano (TAUFER et al., 2000; SALLES, 2000), podendo ser esse outro fator responsável pela ausência de moscas nas armadilhas.
No presente estudo não foram observadas diferenças significativas entre as variáveis meteorológicas nas três safras avaliadas que justificassem a maior abundância de A. fraterculus na safra 2011/2012 (Tabela 2).
Tabela 2: Valores médios diários das temperaturas mínima, média e máxima (ºC), da umidade relativa do ar (%) e da precipitação pluviométrica (mm), no período de entressafra da macieira (maio a setembro) de 2009 a 2011 (Caçador, Santa Catarina).
*Médias na linha não diferiram significativamente entre as safras, pelos testes F1 ou Kruskal-Wallis2.
Com base nos valores de temperatura registrados no município de Caçador, onde a média anual ficou em torno de 16ºC (Fig. 1A), estimou-se o número de gerações por ano de A. fraterculus: 8,3/2009; 7,7/2010; 7,8/2011; e 8,7/2012. Considerando-se exclusivamente a temperatura, a região de Chapecó, onde a média anual é mais elevada (19ºC), teve as seguintes condições de desenvolver gerações de A. fraterculus: 11,27/1998; 10,75/1999; e 11,57/2000 (GARCIA et al., 2003a).
Há vários fatores que podem interferir na dinâmica populacional de A. fraterculus, tais como: a presença de hospedeiros alternativos nas matas do entorno; a heterogeneidade entre cultivares com ciclos fenológicos distintos; as variáveis meteorológicas; a presença/ausência de inimigos naturais. Assim, as diferenças registradas na abundância da mosca-das-frutas sul-americana entre as safras estão relacionadas à interação entre os fatores descritos.
Constatou-se que o pomar em estudo não se caracterizou como hospedeiro multiplicador de A. fraterculus, pois no período de entressafra não foi registrada captura nas armadilhas, podendo a macieira ser um hospedeiro alternativo dessa espécie, conforme reportado por SALLES (1995). Entretanto, pelo fato de as moscas-das-frutas ocasionarem injúrias em maçãs ainda imaturas (SUGAYAMA et al., 1997; SANTOS et al., 2015) e pela elevada incidência dessas espécies no período de maturação das cultivares precoces, em janeiro ou fevereiro, é recomendável que o monitoramento populacional seja iniciado logo após a floração e mantido até a colheita de todos os frutos do pomar, viabilizando, assim, a tomada de decisão de controle.
CONCLUSÕES
Em Caçador, Santa Catarina, a mosca-das-frutas sul-americana, A. fraterculus, ocorre em pomar de macieiras no período de novembro a abril, com pico populacional em janeiro ou fevereiro. Estima-se que A. fraterculus tenha condições de desenvolver aproximadamente oito gerações/ano na região.