Acessibilidade / Reportar erro

Espondilodiscite atípica

Espondilodiscitis atípica

Resumos

As infecções por Staphylococcus coagulase-negativo correspondem a uma pequena percentagem do total das espondilodiscites piogênicas, estando associados a estados imunocomprometidos. Apresentamos o caso clínico de um homem de 58 anos, com uma espondilodiscite L1-L2, por um micro-organismo bastante atípico, o S. hominis. A resolução da patologia só foi possível após duas cirurgias e terapia com antibióticos específicos.

Staphylococcus; Staphylococcus hominis; Discite


Las infecciones por Staphylococcus coagulasa-negativa corresponden a un pequeño porcentaje del total de las espondilodiscitis piogénicas, estando vinculadas a estados inmunocomprometidos. Presentamos el caso clínico de un hombre, de 58 años de edad, con una espondilodiscitis L1-L2, por un microorganismo muy atípico, el S. hominis. La solución de la patología fue posible solamente después de dos cirugías y de terapia con antibióticos específicos.

Staphylococcus; Staphylococcus hominis; Discitis


Infections with coagulase-negative Staphylococcus correspond to a small percentage of the total pyogenic spondylodiscitis and are associated with immunocompromised conditions. We present a case of a 58 year old male with a L1-L2 spondylodiscitis by a very atypical microorganism, the S. hominis. Only after two surgeries and specific antibiotic therapy it was possible to eliminate the disease.

Staphylococcus; Staphylococcus hominis; Discitis


RELATO DE CASO CASE REPORT RELATO DE CASO

Espondilodiscite atípica

Espondilodiscitis atípica

Pedro Miguel Dantas Costa Marques; António Félix; Bruno Alpoim; Maria Elisa Rodrigues; Pedro Sá; Paulo Gonçalves; Carlos Alves; António Rodrigues

Serviço de Ortopedia e Traumatologia na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal

Correspondência Correspondência: Rua Manuel da Silva nº 19 4900-780. Viana do Castelo, Portugal. spotmarques@gmail.com

RESUMO

As infecções por Staphylococcus coagulase-negativo correspondem a uma pequena percentagem do total das espondilodiscites piogênicas, estando associados a estados imunocomprometidos. Apresentamos o caso clínico de um homem de 58 anos, com uma espondilodiscite L1-L2, por um micro-organismo bastante atípico, o S. hominis. A resolução da patologia só foi possível após duas cirurgias e terapia com antibióticos específicos.

Descritores:Staphylococcus; Staphylococcus hominis; Discite.

RESUMEN

Las infecciones por Staphylococcus coagulasa-negativa corresponden a un pequeño porcentaje del total de las espondilodiscitis piogénicas, estando vinculadas a estados inmunocomprometidos. Presentamos el caso clínico de un hombre, de 58 años de edad, con una espondilodiscitis L1-L2, por un microorganismo muy atípico, el S. hominis. La solución de la patología fue posible solamente después de dos cirugías y de terapia con antibióticos específicos.

Descriptores:Staphylococcus; Staphylococcus hominis; Discitis.

INTRODUÇÃO

Na espondilodiscite a principal via de infecção é hematogénea. A sintomatologia, essencialmente, consiste em dor na coluna vertebral, de carácter inflamatório, estando associada ou não a febre.1 Pode surgir de uma forma espontânea (mais frequente em casos pediátricos), mas é, significativamente, mais comum surgir acompanhada de outras infecções, patologia maligna ou colagenoses. A espondilodiscite ocorre frequentemente como complicação de sépsis, infecção do tracto urinário, infecção do aparelho respiratório, patologia gastrointestinal e, até mesmo, após amigdalectomia.2-7 O quadro clínico completa-se analiticamente com leucocitose (com neutrofilia) e velocidade de sedimentação (VS) e proteína-c-reativa (PCR) aumentadas. Em nível imagiológico o raio-x (Rx) fornece algumas informações, mas é com a complementação por tomografia axial computorizada (TAC) e, principalmente, por ressonância magnética (RMN) que nos permite efectuar um diagnóstico. De referir que o agente patogénico mais frequente o St. aureus e a coluna lombar a região mais frequentemente atingida.

CASO

Paciente, sexo masculino, 58 anos, com antecedentes de tuberculose pulmonar e (DPOC) doença pulmonar obstrutiva crônica tratada com corticoterapia, recorre ao serviço de urgência (SU) por quadro de lombalgia progressiva, sem irradiação ou factor desencadeante aparente e refractária à medicação. Após exame físico verificou-se apenas dor à palpação lombar, sem alterações neurológicas ou sistémicas associadas. Analiticamente apresentava aumento de PCR e VS, e imagiologicamente verifica-se presença de lesão lítica L1-L2 ao Rx. (Figuras 1 e 2) Posteriormente efetuou-se uma TAC da coluna lombar (Figura 3), seguido de RMN (Figura 4A-B), tendo-se verificado alterações compatíveis com espondilodiscite a nível do disco intervertebral L1-L2, com presença de fleimão paravertebral anterior ao mesmo nível. Perante o quadro clínico procedeu-se ao internamento do doente, para efectuar antibioterapia e proceder a colheitas para hemocultura.





Devido a tentativa de drenagem guiada por TAC infrutífera (Figura 5) e agravamento clinico (com febre 38º C) e analítico progressivo, realizou-se em 1º tempo costotomia, drenagem cirúrgica do abcesso paravertebral anterior, discectomia L1-L2 e colocação de enxerto intersomático por via anterior, cerca de 3 semanas após a vinda ao SU. Duas semanas depois, e após termos confirmação de bacteriológico negativo e exame anatomo-patológico do material excisado verificando apenas inflamação inespecífica, procedeu-se à instrumentação pedicular posterior de D12-L3. (Figura 6 A-B) Efetuou-se colheita, novamente para bacteriológico e anatomo-patológico, e só nesta última intervenção é que foi isolado um St.hominis, resistente à penicilina e seus derivados.



O doente, efetuou antibioterapia dirigida no restante do internamento, tendo-se, durante o mesmo, verificado uma melhoria clínica e analítica do quadro. O doente teve alta hospitalar ao fim de 2 meses após o episódio inicial, tendo mantido a antibioterapia específica (clindamicina + levofloxacina) no domicílio.

Ao fim de 3 meses pós-operatório o doente encontra-se sem queixas álgicas ou alterações neurológicas e apirético, mantendo vigilância em regime de consulta externa.

DISCUSSÃO

Na espondilodiscite, assim como nas artrites infecciosas, a principal via de infecção é a hematogénica, sendo a etiologia principal a infecção por estafilococos em 40-60% dos casos, destacando-se entre todas as espécies o Staphylococcus aureus, por produzir a enzima coagulase. No passado raramente os estafilococos coagulase negativos provocavam infecções de relevância clínica, mas com o uso contínuo de cateteres e de próteses, articulares ou cardíacas, levou-se a um aumento da sua capacidade patogénica, sobretudo nos pacientes imunocomprometidos. Actualmente os estafilococos coagulase-negativos são responsáveis por cerca de 3-18% dos casos de espondilodiscites infecciosas,8-12 sendo que esta percentagem aumenta para 25-30% nos casos pós-cirurgia.13,14 A subespécie coagulase negativa mais frequente é o St. epidermidis (72%) seguido do St. lugdunensis (7%).8-30

A espondilodiscite por St. hominis consiste numa entidade clínica rara, existindo poucos casos descritos na literatura,31 sendo um microorganismo resistente às penicilinas e seus derivados. Encontra-se associada a estados imunocomprometidos ou a procedimentos invasivos, mas pode surgir como resultado de contaminação do exame microbiológico.

Embora os antecedentes de tuberculose pulmonar deste doente fizessem supor uma infecção por Mycobacterium tuberculosis, este diagnóstico não se confirmou.

Conclui-se que a infecção por St. hominis é muito pouco frequente, sendo fundamental a necessidade de efectuar antibioterapia dirigida.

Recebido em 19/05/2013, aceito em 20/08/2013.

Trabalho produzido no serviço de Ortopedia e Traumatologia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal.

Todos os autores declaram não haver nenhum potencial conflito de interesses referente a este artigo.

  • 1. Grammatico L, Besnier JM. Infectious spondylodiscitis Rev Prat. 2007;57(9):970-8.
  • 2. Tomic D, Stokic E, Turkolov V, Ivkovic-Lazar T. Fever of unknown origin-a case report of brucellar discitis. Med Pregl. 2007;60(1-2):77-9.
  • 3. Abdelmoula MS, Abdelmalek R, Chleyfa K, Bejaoui M, Tebib N, Ben Turkia H, et al. Pulmonary aspergillosis in a child with granulomatous disease. Tunis Med. 2003;81(10):815-920.
  • 4. Ribeiro MA, Barouni AS, Augusto CJ, Augusto MV, Lopes MT, Salas CE. PCR identification of Mycobacterium tuberculosis complex in a clinical sample from a  patient with symptoms of tuberculous spondylodiscitis. Braz J Med Biol Res. 2007;40(1):1-4.
  • 5. Kowalski TJ, Layton KF, Berbari EF, Steckelberg JM, Huddleston PM, Wald JT, et al. Follow-up MR imaging in patients with pyogenic spine infections: lack of correlation with clinical features. Amer J Neuroradiol. 2007;73(5):670-3.
  • 6. Alpantaki K, Papoutsidakis A, Katonis P, Hadjipavlou A. Vertebral osteomyelitis, epidural and psoas abscess after epidural catheter use. Acta Orthop Belg. 2007;28 (4):670-3.
  • 7. Curry JM, Cognetti DM, Harrop J, Boon MS, Spiegel JR. Cervical discitis and epidural abscess after tonsillectomy. Laryngoscope. 2007;117(12):2093-6.
  • 8. Belzunegui J, Del Val N, Intxausti JJ, De Dios JR, Queiro R, González C, et al. Vertebral osteomyelitis in northern Spain. Report of 62 cases. Clin Exp Rheumatol. 1999;17(4):447-52.
  • 9. Stefanovski N, Van Voris LP. Pyogenic vertebral osteomyelitis: report of a series of 23 patients. Contemp Orthop. 1995;31(3):159-64.
  • 10. Nolla JM, Ariza J, Gómez-Vaquero C, Fiter J, Bermejo J, Valverde J, et al. Spontaneous pyogenic vertebral osteomyelitis in nondrug users. Semin Arthritis Rheum. 2002;31(4):271-8.
  • 11. Patzakis MJ, Rao S, Wilkins J, Moore TM, Harvey PJ. Analysis of 61 cases of vertebral osteomyelitis. Clin Orthop Relat Res. 1991;(264):178-83.
  • 12. Carragee EJ. Pyogenic vertebral osteomyelitis. J Bone Joint Surg Am. 1997;79(6):874-80.
  • 13. Jiménez-Mejías ME, de Dios Colmenero J, Sánchez-Lora FJ, Palomino-Nicás J, Reguera JM, García de la Heras J, et al. Postoperative spondylodiskitis: etiology, clinical findings, prognosis, and comparison with nonoperative pyogenic spondylodiskitis. Clin Infect Dis. 1999;29(2):339-45.
  • 14. Dufour V, Feydy A, Rillardon L, Redondo A, Le Page L, Bert F, et al. Comparative study of postoperative and spontaneous pyogenic spondylodiscitis. Semin Arthritis Rheum. 2005;34(5):766-71.
  • 15. Le Moal G, Roblot F, Paccalin M, Sosner P, Burucoa C, Roblot P, et al. Clinical and laboratory characteristics of infective endocarditis when associated with spondylodiscitis. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2002;21(9):671-5.
  • 16. Bucher E, Trampuz A, Donati L, Zimmerli W. Spondylodiscitis associated with bacteraemia due to coagulase-negative staphylococci. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2000;19(2):118-20.
  • 17. Parker MA, Tuazon CU. Cervical osteomyelitis. Infection due to Staphylococcus epidermidis in hemodialysis patients. JAMA. 1978;240(1):50-1.
  • 18. Tuazon CU, Miller H. Clinical and microbiologic aspects of serious infections caused by Staphylococcus epidermidis. Scand J Infect Dis. 1983;15(4):347-60.
  • 19. Karthigasu KT, Bowman RA, Grove DI. Vertebral osteomyelitis due to Staphylococcus warneri. Ann Rheum Dis. 1986;45(12):1029-30.
  • 20. Bryan CS, Parisi JT, Strike DG. Vertebral osteomyelitis due to Staphylococcus warneri attributed to a Hickman catheter. Diagn Microbiol Infect Dis. 1987;8(1):57-9.
  • 21. Mündlein E, von Baum H, Geiss HK, Springsklee M, Zeier M, Andrassy K. Life-threatening infection with multiresistant Staphylococcus epidermidis in a patient with end-stage renal disease: cure with chloramphenicol and quinupristin/dalfopristin (RP 59500). Infection. 1997;25(4):252-4.
  • 22. De Wit D, Mulla R, Cowie MR, Mason JC, Davies KA. Vertebral osteomyelitis due to Staphylococcus epidermidis. Br J Rheumatol. 1993;32(4):339-41.
  • 23. Razonable RR, Lewallen DG, Patel R, Osmon DR. Vertebral osteomyelitis and prosthetic joint infection due to Staphylococcus simulans. Mayo Clin Proc. 2001;76(10):1067-70.
  • 24. Greig JM, Wood MJ. Staphylococcus lugdunensis vertebral osteomyelitis. Clin Microbiol Infect. 2003;9(11):1139-41.
  • 25. Gosbell I, Gottlieb T, Bradbury R. Native valve endocarditis and vertebral osteomyelitis caused by Staphylococcus epidermidis. Med J Aust. 1992;156(9):662.
  • 26. Wood CA, Sewell DL, Strausbaugh LJ. Vertebral osteomyelitis and native valve  endocarditis caused by Staphylococcus warneri. Diagn Microbiol Infect Dis. 1989;12(3):261-3.
  • 27. Valero R, Castañeda O, de Francisco AL, Piñera C, Rodrigo E, Arias M. [Clinical suspicion of vertebral osteomielitis: back pain in patients with hemodyalisis by catheter related infection]. Nefrologia. 2004;24(6):583-8.
  • 28. Announ N, Mattei JP, Jaoua S, Fenollar F, Sati H, Chagnaud C, et al. Multifocal discitis caused by Staphylococcus warneri. Joint Bone Spine. 2004;71(3):240-2.
  • 29. Murdoch DR, Everts RJ, Chambers ST, Cowan IA. Vertebral osteomyelitis due to Staphylococcus lugdunensis. J Clin Microbiol. 1996;34(4):993-4.
  • 30. Kragsbjerg P, Bomfim-Loogna J, Törnqvist E, Söderquist B. Development of antimicrobial resistance in Staphylococcus lugdunensis during treatment-report of a case of bacterial arthritis, vertebral osteomyelitis and infective endocarditis. Clin Microbiol Infect. 2000;6(9):496-9.
  • 31. Gómez Rodríguez N, Durán Muñoz O. [Pyomyositis, sacroiliitis and spondylodiscitis caused by Staphylococcus hominis in a immunocompetent woman]. An Med Interna. 2006;23(12):582-4.
  • Correspondência:

    Rua Manuel da Silva nº 19
    4900-780. Viana do Castelo, Portugal.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Maio 2013
    • Aceito
      20 Ago 2013
    Sociedade Brasileira de Coluna Al. Lorena, 1304 cj. 1406/1407, 01424-001 São Paulo, SP, Brasil, Tel.: (55 11) 3088-6616 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: coluna.columna@uol.com.br