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O Que Determina a Taxa de Juros Real de Longo Prazo no Brasil?

RESUMO

Este artigo investiga os determinantes da taxa de juros real de longo prazo no Brasil. É mostrado que as taxas dos títulos indexados à inflação de longo prazo são movidas pelas taxas de juros de 10 anos dos títulos americanos indexados à inflação, e pelo prêmio de risco, medido pelo CDS de 10 anos. As taxas de juros de longo prazo estavam em uma trajetória declinante, seguindo a trajetória dos juros reais americanos e a estabilidade do prêmio de risco até o episódio do “taper tantrum” na primeira metade de 2013. Desde então, a taxa de juros real de longo prazo do Brasil tem subido, em parte por conta da alta dos juros reais americanos, em antecipação à normalização monetária, e, mais recentemente, por conta de uma forte alta do prêmio de risco. A taxa de juros real de política, medida pela taxa Selic deflacionada pela expectativa de inflação para 12 meses à frente, não afeta significativamente a taxa de juros real de longo prazo.

Palavras-chave:
Taxas de juros; Prêmio de risco; Política monetária; Tapering

ABSTRACT

This paper investigates the drivers of long term real interest rates in Brazil. It is shown that long term yield on inflation linked bonds are driven by yields on 10 year interest rates of United States (US) government bonds and 10 year risk premium, as measured by the Credit Default Swap (CDS). Long term interest rates in Brazil were on a downward trend, following US real rates and stable risk premium, until the taper tantrum in the first half of 2013. From then onwards, real interest rates rose due to the increase in US real rates in anticipation of the beginning of monetary policy normalization and, more recently, due to a sharp increase in Brazilian risk premium. Policy interest rates do not significantly affect long term real interest rates.

Keywords:
Interest rates; Risk premium; Monetary policy; Tapering

1. INTRODUÇÃO

Desde meados dos anos 2000, encontra-se disponibilidade de medidas de taxa de juros de longo prazo para o Brasil, expressos em títulos vinculados à inflação de longo prazo emitidos pelo Tesouro Nacional. O objetivo deste trabalho é tentar encontrar as variáveis que explicam os movimentos dos juros reais de longo prazo, contribuindo para a literatura sobre os determinantes das taxas reais no Brasil.

Os persistentes níveis altos de taxa de juros no Brasil sempre intrigaram muitos economistas. Muitas explicações têm sido desenvolvidas para essa característica na economia brasileira. Jaeger (2012)Jaeger, Markus (2012), “Government Debt & Real Interest Rates in Brazil - Reviving the ‘Fiscal’ Hypothesis.” Available at http://iepecdg.com.br/uploads/texto/CDG_2012.pdf Access on February 20, 2016.
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resume a principal hipótese: i) debilidade fiscal, ii) baixos níveis de poupança interna, iii) deficiências institucionais, iv) histórico de alta inflação e volatilidade da inflação e v) segmentação do mercado de crédito.

Arida, Bacha e Lara-Resende (2004)ARIDA, P., BACHA, E., e LARA-RESENDE, A. Credit, Interest, and Jurisdictional Uncertainty: Conjectures on the Case of Brazil. IEPE/CdG,1-25, 2004 culparam a incerteza jurisdicional e a baixa conversibilidade do Real pelos níveis persistentes níveis altos de taxa de juros no Brasil; no entanto, Gonçalves, Holland e Spacov (2007)Gonçalves, F. M., M. Holland, and A. D. Spacov, 2007, “Can Jurisdictional Uncertainty and Capital Controls Explain the High Level of Real Interest Rates in Brazil? Evidence from Panel Data,” Revista Brasileira de Economia, Vol. 61, n. 1, p.p. 49-75. não conseguiram encontrar suporte empírico para essa teoria, particularmente ao compararem com os fatores monetários e fiscais padrão.

Neto e Portugal (2005)Neto, Paulo Chananeco and Marcelo Savino Portugal, 2009, “The Natural Rate of Interest in Brazil Between 1995 and 2005,” Revista Brasileira de Economia Vol. 63 No. 2, pp. 103−118. estimaram a taxa de juros natural para o Brasil nos primeiros anos do regime de metas de inflação, encontrando no geral que a orientação da política monetária para esse período poderia ser caracterizada como neutra, no sentido de que as taxas reais obtidas a partir de uma regra dinâmica de Taylor e taxas ex-ante estavam próximas de uma série estimada para a taxa natural.

Ribeiro e Teles (2013)TELES, V. K.; RIBEIRO, A. Taxa Natural de Juros no Brasil. Economia (Brasília), v. 14, p. 733-750, 2013. ampliaram a abordagem de Neto e Portugal (2005)Neto, Paulo Chananeco and Marcelo Savino Portugal, 2009, “The Natural Rate of Interest in Brazil Between 1995 and 2005,” Revista Brasileira de Economia Vol. 63 No. 2, pp. 103−118. para o período de 2001-2010, encontrando um caminho decrescente para a taxa natural desde 2006. Utilizando o conceito de gap de juros, os autores argumentaram que a política monetária foi restritiva de 1999 a 2005 enquanto entre 2005 e 2010 a orientação da política monetária foi provavelmente neutra.

Bacha (2010)Bacha, Edmar (2010), “ALÉM DA TRÍADE: HÁ COMO REDUZIR OS JUROS?” Available at http://iepecdg.com.br/uploads/texto/101020EdmarCOMO_REDUZIR_OS_JUROS.pdf. Access on February 20, 2016.
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explica a diferença nas taxas de juros reais no Brasil e no mundo a partir de 1995 a 2009, usando defasagens de taxa de juro e defasagens do nível da dívida pública líquida. O autor argumenta que o nível da dívida pública, questões relacionadas com a sua sustentabilidade e passado inflacionário da economia brasileira são os principais determinantes do nível alto das taxas de juros reais no Brasil.

Goldfajn e Bicalho (2011)Goldfajn, I., and Bicalho A. , 2011, “A Longa Travessia para a Normalidade: Os Juros Reais no Brasil,” in Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionisio Dias Carneiro, edited by E. L. Bacha e M. B. de Bolle. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional. distinguem taxas de juros reais de equilíbrio de curto e de longo prazo no Brasil. Os modelos estimados de 1999 a 2008 indicam que o crédito como porção do PIB, o nível da dívida e do prêmio de risco, medido pelo EMBI, são significativos para explicar a taxa de juro real ex-ante, considerando esta como uma medida da taxa real de longo prazo. O curto prazo é derivado de estimativas de uma curva IS que inclui o hiato do PIB, da produção internacional, dos gastos fiscais, do crédito direcionado e da taxa de câmbio real. Eles também enfatizam a incerteza em torno das estimativas da taxa real de equilíbrio para a economia brasileira.

Segura-Ubiergo (2012)Segura-Ubiergo, Alex. The puzzle of Brazil’s high interest rates, IMF Working Paper 62, 2012 utiliza dados de 15 países emergentes no período de 1980 a 2009 para investigar os determinantes das taxas reais de curto prazo. O autor estima um modelo de vetor de correção de erros (VEC) em painel com muitos controles macroeconômicos, constatando que a reduzida volatilidade da inflação, a introdução do regime de metas de inflação, as condições financeiras internacionais e a poupança interna são todos associados de forma significativa às taxas reais de curto prazo em mercados emergentes. Enquanto as taxas reais caem com a volatilidade da inflação reduzida e a introdução do regime de metas de inflação, condições financeiras mais restritivas e menor poupança interna levam a um aumento das taxas reais. O estudo ressalta a importância de maior poupança para diminuir as taxas reais no Brasil.

Muinhos e Nakane (2006)Muinhos, Marcelo Kfoury and Marcio Nankane, 2006, “Comparing Equilibrium Real Interest Rates: Different Approaches to Measure Brazilian Rates,” Central Bank of Brazil Working Paper No. 101. empregaram diversas metodologias diferentes (taxas filtradas, curvas IS, produtividade marginal de capital, regressão de painel) para analisar as taxas de juros reais brasileiras em relação a um grande número de países. Eles também levantam dúvidas sobre as ligações entre as altas taxas de juros e os níveis de dívida, descobrindo que a de taxas de juros Granger causam níveis de dívida no Brasil. Por fim, eles suscitam a possibilidade de que a incerteza inflacionária possa explicar altos níveis de taxas reais, com base nas diferenças entre as taxas reais ex-ante e ex-post no Brasil.

Usando uma variedade de métodos, Perrelli e Roache (2014)Perrelli, Roberto, and Shaun Roache, 2014, ‘‘Time-Varying Neutral Interest Rate----The Case of Brazil,’’ IMF Working Paper 14/84 (Washington: International Monetary Fund). documentam uma grande queda na taxa neutra no Brasil, devido a fatores internos e externos, embora na época em que o artigo foi escrito as taxas reais no Brasil permaneceram elevadas comparadas às dos países pares.

A contribuição deste trabalho é avaliar os determinantes das taxas de juros reais de longo prazo, que de fato têm sido negociadas no mercado há mais de 10 anos. Todos os estudos mencionados acima usaram a taxa de política ou uma taxa de curto prazo (normalmente taxas de swap) como uma medida da taxa real, e pode haver diferenças significativas no comportamento dessas séries. Uma desvantagem potencial do uso de taxas reais de curto prazo é que as reduções nessas variáveis impulsionadas por cortes nas taxas de juros de política nominais podem não ser sustentadas ao longo do tempo. Por outro lado, os aumentos das taxas nominais reais de curto prazo podem refletir movimentos transitórios que não deveriam refletir mudanças significativas na taxa real neutra. Uma metodologia de Perrelli e Roache (2014)Perrelli, Roberto, and Shaun Roache, 2014, ‘‘Time-Varying Neutral Interest Rate----The Case of Brazil,’’ IMF Working Paper 14/84 (Washington: International Monetary Fund). representa uma tentativa nessa direção. Eles extraem a taxa de juro neutra acrescentando a diferença entre o prêmio pela maturidade atual e a sua média durante o período 2006-2013 à tendência de taxa de juro real de curto prazo. Bonfim (2001)Bomfim, Antulio, 2001, “Measuring Equilibrium Real Interest Rates: What Can We Learn from Yields on Indexed Bonds?” Board of Governors of the Federal Reserve System FEDS 2001-53. tentou avaliar a taxa de equilíbrio dos EUA através de títulos indexados à inflação, sendo a tentativa mais próxima da mesma buscada neste estudo.

A Figura 1 mostra a evolução da taxa real de curto prazo - Selic deflacionada pela inflação esperada nos próximos 12 meses a partir do levantamento Focus e da taxa de longo prazo do NTN-B. As taxas de juros reais ficaram acima dos rendimentos reais de longo prazo até março de 2009. A partir desse mês, as taxas de política real permaneceram abaixo dos rendimentos reais em longo prazo, com exceção de poucos meses durante 2011 e 2015. Uma característica de ambas as séries é que a taxa de política real é muito mais volátil do que a taxa de longo prazo. Para a primeira, o desvio padrão de dezembro de 2005 a novembro de 2015 é de 2,52% com média de 5,94%, resultando em um coeficiente de variação de 42,4. Para a taxa de longo prazo, o desvio padrão é de 1,07% e a média da amostra de 6,32%, o que implica um coeficiente de variação de 16,93. Assim, as taxas reais de longo prazo foram mais estáveis durante o período em análise.

Figura 1
Taxa Selic real e taxas de juros reais de longo prazo. Fonte: Elaborado pelo autor

Sobre as diferenças de comportamento entre as taxas de curto e longo prazo, Perrelli e Roache (2014, p.21)Perrelli, Roberto, and Shaun Roache, 2014, ‘‘Time-Varying Neutral Interest Rate----The Case of Brazil,’’ IMF Working Paper 14/84 (Washington: International Monetary Fund). alegam que “essas estimativas fornecem evidências muito fortes de que as taxas reais de equilíbrio de curto e longo prazo podem divergir substancialmente, refletindo simultaneamente os fatores internos e externos e a orientação da política monetária.” No mesmo sentido, argumentando a favor do uso de títulos indexados à inflação para extrair informações sobre a taxa real de equilíbrio, Bonfim (2001)Bomfim, Antulio, 2001, “Measuring Equilibrium Real Interest Rates: What Can We Learn from Yields on Indexed Bonds?” Board of Governors of the Federal Reserve System FEDS 2001-53. indica que “… os rendimentos de TIPS (títulos indexados à inflação do tesouro americano) de longo prazo devem refletir o ponto de vista dos investidores sobre onde as taxas reais de curto prazo estarão após os desequilíbrios macroeconómicos temporários terem se dissipado”.

Esta pesquisa não é uma tentativa de testar as teorias concorrentes para o nível das taxas de juros no Brasil, mas sim de modelar taxas reais de longo prazo e obter informações sobre as taxas reais neutras a partir delas.

2. DADOS

Como medida de taxas reais de longo prazo no Brasil, foi utilizada a Nota do Tesouro Nacional (NTN-B), disponível pela Bloomberg. De dezembro de 2005 a fevereiro de 2010, a taxa real de longo prazo é representada pelo NTN-B com vencimento em maio de 2045, sendo o título emitido de maior duração para esse período. A partir de fevereiro de 2010, a taxa real de longo prazo utilizado é a NTN-B com vencimento em agosto de 2050. Isso segue o uso de títulos “on-the-run” em Bonfim (2001)Bomfim, Antulio, 2001, “Measuring Equilibrium Real Interest Rates: What Can We Learn from Yields on Indexed Bonds?” Board of Governors of the Federal Reserve System FEDS 2001-53., que tendem a ser mais líquidos. As séries utilizadas são médias de rendimento obtidas na plataforma Bloomberg e são médias mensais.

Verificaram-se as seguintes variáveis como potenciais determinantes da taxa de longo prazo no Brasil: i) taxas dos títulos indexados à inflação de 10 e 30 anos emitidos pelo Tesouro Americano - TIPS (Treasury Inflation Protected Securities ), também obtido da Bloomberg, ii) Swaps de crédito (Credit Defaut Swaps - CDS) de 10 e 30 anos do Brasil, também coletados na Bloomberg iii) déficit fiscal, medido pelo Déficit Primário Consolidado do Setor Público ou Superávit como percentagem do PIB, iv) meta da Taxa Selic deflacionada pela inflação esperada (IPCA) para os próximos 12 meses a partir da pesquisa Focus, como uma medida de taxa real de curto prazo, v) os índices da emissão total de títulos indexados à inflação em relação à emissão total, como fator técnico, representando a pressão de oferta, e também a emissão total em relação aos resgates, também na tentativa de captar fatores técnicos.

Como em Goldfajn e Bicalho (2011)Goldfajn, I., and Bicalho A. , 2011, “A Longa Travessia para a Normalidade: Os Juros Reais no Brasil,” in Novos Dilemas da Política Econômica - Ensaios em Homenagem a Dionisio Dias Carneiro, edited by E. L. Bacha e M. B. de Bolle. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional. e Perrelli e Roache (2014)Perrelli, Roberto, and Shaun Roache, 2014, ‘‘Time-Varying Neutral Interest Rate----The Case of Brazil,’’ IMF Working Paper 14/84 (Washington: International Monetary Fund)., verificou-se também se as defasagens de crédito às taxas de mercado para o PIB, o crédito direcionado e o crédito total ao PIB eram significativos nas equações, sendo constatado, porém, que nenhuma dessas variáveis o eram. O mesmo ocorreu com as defasagens da dívida bruta em relação ao PIB, para as quais também uma significância estatística não foi encontrada. Uma possibilidade é que estas variáveis influenciem a taxa de juro real através do prêmio de risco.

A Tabela 1 mostra os resultados de testes de raiz unitária realizados sobre as variáveis utilizadas neste artigo. Foram realizados os testes de Phillips-Perron e DF-GLS. Também são mostradas as fontes de cada variável.

Tabela 1
Variáveis, fontes e testes de raiz unitária

3. RESULTADOS

Os resultados são apresentados na tabela 2, que mostra os resultados de quatro especificações diferentes. Como as variáveis de crédito e dívida não se apresentaram estatisticamente significativas, a especificação na primeira coluna é a preferida.

Tabela 2
Resultados de regressões

Basicamente, as taxas reais de longo prazo no Brasil são explicadas principalmente pelas taxas reais de 10 anos nos Estados Unidos e pelo prêmio de risco de 10 anos, medido pelos spreads de CDS. Taxas reais de curto prazo, representada pela taxa Selic deflacionada pela inflação esperada, não foram significantes. Uma tentativa foi feita para avaliar se as medidas de inclinação entre as taxas reais americanas de 10 e 30 anos e o prêmio de risco determinam as taxas reais de longo prazo no Brasil, porém nenhuma dessas variáveis apresentou significância estatística.

O modelo faz um bom trabalho ao explicar a evolução das taxas reais de longo prazo no Brasil, considerando seu grande poder explicativo (96%). O teste Ramsey RESET não indica variáveis omitidas, produzindo um p-valor de 0,60, de modo que não rejeita a hipótese de não haver variáveis omitidas.

A Tabela 3 apresenta os testes de Q-Jung Box sobre os resíduos e os resíduos quadrados da primeira especificação, a fim de avaliar a autocorrelação e a heterocedasticidade. Embora não haja indicação de autocorrelação, há indicação de heterocedasticidade, que não pôde ser resolvida pelos efeitos de ARCH e GARCH, como indicado na Tabela 4, onde se mostra que eles não eram significativos, até uma segunda defasagem. A fim de tentar resolver o problema de heterocedasticidade, foram estimados um GARCH(1,1) e um GARCH(2,2). Esses modelos foram estimados assumindo que os erros seguem uma Distribuição de Erros Generalizada (Generalized Error Distribution - GED), que engloba as distribuições normais, uniformes e de Laplace como casos particulares.

Tabela 3
Testes Q-Ljung Box em resíduos e resíduos quadrado
Tabela 4
Testando os efeitos ARCH e GARCH

Por fim, os testes de simetria e curtose para normalidade indicaram que os resíduos do modelo têm uma distribuição normal, não rejeitando a hipótese de normalidade com um p-valor associado de 0,18.

4. AVALIAÇÃO DE COINTEGRAÇÃO

Os resultados da seção anterior indicam que as taxas reais de longo prazo no Brasil são determinadas principalmente pelas taxas reais de longo prazo dos EUA e o prêmio de risco, medido pelo CDS. Como os resíduos de especificação preferencial do estudo, mostrados na Figura 2, são estacionários, isso equivale a uma paridade de juros reais nas taxas reais de longo prazo no Brasil. Poder-se-ia eventualmente questionar se as taxas reais domésticas, as taxas reais dos EUA e os spreads de CDS são cointegrados, isto é, se existe uma relação de longo prazo entre essas variáveis e se contêm uma tendência estocástica comum. Como as taxas reais de longo prazo no Brasil são estacionárias limítrofes, conforme apontado pelo teste de raiz unitária Philips Perron apresentado na tabela 1, nesta seção foi investigado esta questão, assumindo que as variáveis são não estacionárias.

Figura 2
Valores e Residuais Ajustados. Fonte: Elaborado pelo autor

Uma vez que os resíduos mostrados na figura 2 são estacionários e a equação estimada tem bases teóricas (paridade da taxa de juros real), a possibilidade de regressão espúria é descartada, mas é possível uma potencial omissão de uma relação de cointegração entre as variáveis. Por esse motivo, e para complementar a análise, foi regredida a taxa real brasileira de longo prazo sobre a taxa real de longo prazo dos Estados Unidos e os spreads de CDS de 10 anos usando mínimos quadrados, e então testar a estacionaridade dos resíduos. Isso é equivalente a um teste de cointegração Engle-Granger. Numa segunda etapa, foi examinada a cointegração envolvendo taxa real de longo prazo no Brasil, taxa real de longo prazo dos EUA e spreads de CDS de 10 anos com base na metodologia de Johanssen.

Com base no método de Engle-Granger, foi encontrada uma relação de cointegração entre essas variáveis. A Tabela 5 apresenta os resultados de uma regressão da taxa real de longo prazo do Brasil frente à taxa real de longo prazo dos EUA e spreads de CDS de 10 anos e uma constante. Todos os coeficientes são estatisticamente significativos ao nível de 1%. A constante da regressão é de 4,38%, que pode ser interpretada como a taxa real neutra ou natural em longo prazo no Brasil durante o período de amostragem, na ausência de qualquer influência das taxas reais estrangeiras e do prêmio de risco doméstico. O teste Philips Perron rejeita a hipótese de uma raiz unitária nos resíduos, com um p-valor de 0,0041. Por outro lado, DF-GLS indica uma raiz unitária nos resíduos, não rejeitando a hipótese nula nas defasagens selecionadas pelos critérios de informação. Embora a metodologia Engle-Granger tenha apontado para uma relação de cointegração entre as variáveis, a metodologia de Johansen não indicou a presença de um vetor de cointegração entre as variáveis*. Não obstante, considerando que os resultados podem ser influenciados pela amostra relativamente pequena, foi estimado um modelo de correção de erros vetoriais (VECM), com os resultados mostrando uma relação de cointegração, e os resultados são apresentados abaixo, com todos os coeficientes sendo estatisticamente significativos ao nível de 1% (Tabela 6):

Tabela 5
Procedimento Engle-Granger
Tabela 6
Equação de Cointegração

De forma geral, os resultados são próximos dos apresentados na Tabela 5. Pela relação de cointegração estimada, a taxa real natural ou de longo prazo derivada de títulos indexados à inflação no Brasil é de 4,59%, na ausência de quaisquer influências de spreads de CDS e taxa real de longo prazo dos EUA. Esse resultado é ligeiramente superior ao utilizado pela metodologia Engle-Granger (4,38%).

Os resultados do VECM na Tabela 5 mostram que a equação de cointegração não se apresenta como significativa na equação CDS de 10 anos, embora pareça significativa na equação doméstica de longo prazo e a taxa real dos EUA. Assim, os coeficientes de ajuste do modelo indicam que a taxa real de longo prazo nacional responde mais rapidamente do que as outras variáveis após uma mudança no sistema, enquanto o prêmio de risco não se ajusta, o que equivale a dizer que o prêmio de risco, medida pelo spread de CDS de 10 anos é fracamente exógena, e também a taxa real dos EUA ao nível de 5%.

O teste LM indica que os resíduos não apresentam autocorrelação, com um valor de p de 0,17 na primeira defasagem. O modelo também passa pelo teste de estabilidade, mostrado na figura 3.

Figura 3
Estabilidade do VECM estimado

Por fim, a figura 4 mostra a equação de cointegração prevista ao longo do tempo e compara-a aos resíduos obtidos a partir da metodologia de Engle e Granger, com base na equação apresentada na tabela 5. Ambas mostram uma evolução semelhante ao longo do tempo, muito próximas uma da outra. Com exceção da crise financeira global de 2008, a equação de cointegração parece ser estacionária. Como mencionado anteriormente, o teste de Phillips-Perron rejeita a hipótese nula de uma raiz unitária, enquanto o teste DF-GLS não rejeita a hipótese nula de uma raiz unitária.

Figura 4
Comparação das equações de cointegração previstas da metodologia de Engle e Granger e Johansen

5. DISCUSSÃO

Tendo sido encontrado um modelo que descreve bem a evolução das taxas de juros reais de longo prazo no Brasil, é possível avaliar a contribuição de cada variável explicativa ao longo do tempo. Este exercício foi feito com a especificação na primeira coluna da tabela 2.

Tabela 7
Modelo de Correção de Erros Vetoriais

A Figura 5 mostra a evolução da taxa real de longo prazo e das contribuições ao longo do tempo do prêmio de risco e da taxa real dos EUA. Essa taxa apresenta uma tendência decrescente ao longo do tempo. Com exceção do período da grande crise financeira de 2008, como um todo, taxas reais brasileiras seguiram essa tendência decrescente. De novembro de 2011 a maio de 2013, as taxas reais dos Estados Unidos exerceram uma contribuição negativa para a taxa real de longo prazo nacional, influenciadas pela segunda e terceira rodadas de US Quatitative Easing (QE), encerrando com o episódio do “taper tantrum”, quando o presidente do Federal Reserve sinalizou que a instituição planejava iniciar a normalização da política monetária. Este evento e consequências relacionadas aos mercados emergentes estão descritos em Eichengreen e Gupta (2013)Eichengreen, B and Gupta, P (2013), “Tapering Talk: The Impact of Expectations of Reduced Federal Reserve Security Purchases on Emerging Markets”, World Bank Working Paper. e Aizenman et al. (2014)Aizenman, J, Mahir B, and HutchisonM (2014), “The Transmission of Federal Reserve Tapering News to Emerging Financial Markets”, NBER Working Paper 19980..

Figura 5
Contribuições para a taxa real de longo prazo Fonte: Elaborada pelo autor

Os resultados desses artigos indicam que os mercados emergentes grandes e líquidos, juntamente com aqueles que sofreram a maior apreciação da taxa de câmbio real e maiores déficits em transações correntes foram mais afetados pela tapering news, como foi o caso do Brasil (Eichengreen e Gupta, 2013, p.4)Eichengreen, B and Gupta, P (2013), “Tapering Talk: The Impact of Expectations of Reduced Federal Reserve Security Purchases on Emerging Markets”, World Bank Working Paper.. Além de maiores spreads, como enfatizado nos artigos mencionados acima, a transmissão para as taxas reais brasileiras também se deveu ao aumento das taxas reais dos EUA após as tapering news. A mesma dinâmica aconteceu no momento da grande crise financeira de 2008. A diferença está principalmente na escala. No auge da crise financeira, em outubro de 2008, o prêmio de risco literalmente disparou. As taxas reais dos EUA também aumentaram, e em comparação com o episódio taper tantrum, a contribuição das taxas reais norte-americanas para as taxas reais nacionais de longo prazo foi muito maior em 2008.

As taxas reais globais brasileiras exibem alta correlação com as taxas reais dos EUA de 10 anos. Para a amostra inteira, a correlação é 0,81. Apesar da reviravolta após a tapering news, desde agosto de 2013 a contribuição das taxas reais dos EUA para o Brasil tem se mantido bastante estável, com os movimentos das taxas reais de longo prazo, foi impulsionado basicamente pelo prêmio de risco, que aumentou significativamente no período mais recente.

Um detalhe de interesse é que, embora o Banco Central do Brasil tenha começado a aumentar as taxas em abril de 2013, o modelo não indica que a taxa de política monetária é um fator significativo de taxas reais de longo prazo, implicando que o aumento das taxas reais de longo no Brasil no primeiro semestre de 2013 se deveu principalmente às taxas reais norte-americanas. Os exercícios indicam que as taxas reais de política não são significativas quando levados em consideração os efeitos contemporâneos das taxas reais dos EUA e do prêmio de risco para as taxas reais domésticas de longo prazo. Entretanto, em um contexto multivariado, uma causalidade de Granger baseada em uma VAR(4) incluindo taxas Selic reais e taxas reais de longo prazo indica que o primeiro Granger causou o último, com p-valor associado de 0,02, enquanto não se rejeita a hipótese de que as taxas reais de longo prazo não Granger causem taxas reais Selic, com p-valor associado de 0,46.

Poder-se-ia argumentar que os altos níveis de taxas de juros no Brasil poderiam ser uma causa do prêmio de alto risco. Mas os dados rejeitam claramente esse argumento. Com base em um VAR bivariado entre taxas reais e spreads de CDS durante o período de amostragem, os testes de causalidade de Granger indicam que o prêmio de risco Granger causa taxas reais domésticas, enquanto o oposto não se mantém, indicando que o prêmio de risco precede as taxas reais ao longo do tempo. Os resultados são apresentados na tabela 8, com base em uma VAR(2) contendo 118 observações.

Tabela 8
Testes de causalidade de Granger entre taxas reais de longo prazo e prêmio de risco

6. CONCLUSÃO

Este artigo tentou modelar taxas reais de longo prazo no Brasil. Estudos anteriores que procuraram explicar ou modelar taxas de juros reais no Brasil utilizaram taxas de curto prazo (taxas de swap ou de política), ocasionalmente como uma medida das taxas de longo prazo. A Figura 1 e as estatísticas descritivas indicam que as taxas de política e outras taxas reais de curto prazo são muito mais voláteis do que as taxas de longo prazo, com base em títulos com vencimentos superiores a 30 anos. Os resultados de estudos anteriores podem estar contaminados por essa maior volatilidade. Este artigo está mais próximo do conteúdo de Bonfim (2001)Bomfim, Antulio, 2001, “Measuring Equilibrium Real Interest Rates: What Can We Learn from Yields on Indexed Bonds?” Board of Governors of the Federal Reserve System FEDS 2001-53., que tentou extrair informações sobre taxas reais neutras de títulos indexados à inflação para os EUA.

A principal descoberta desta pesquisa é que as taxas reais de longo prazo no Brasil são principalmente determinadas por taxas reais dos EUA de 10 anos e prêmio de risco de 10 anos, medido pelos spreads de CDS. Proxies para fatores técnicos que afetam o mercado de títulos indexados à inflação não foram significativos. Variáveis tradicionalmente empregadas em estudos anteriores sobre as fontes e determinantes das altas taxas de juros brasileiras, como os níveis de endividamento e os indicadores do mercado de crédito, não afetaram significativamente as taxas reais de longo prazo.

As taxas reais de longo prazo estavam em uma tendência descendente até o “taper tantrum” em maio de 2013, o que levou a uma inversão do comportamento das taxas reais dos EUA. De novembro de 2011 até maio de 2013, as taxas reais dos Estados Unidos exerceram uma contribuição negativa para as taxas reais nacionais de longo prazo, relacionadas a medidas de política monetária não convencionais. Desde meados de 2013, a contribuição das taxas reais dos EUA para as taxas domésticas de longo prazo manteve-se estável. O aumento das taxas reais tem sido principalmente uma função de picos no prêmio de risco.

Com base nas relações de cointegração na seção 4, na ausência de influência das taxas reais estrangeiras e do prêmio de risco, estimativas do equilíbrio (natural ou neutra) as taxas reais de longo prazo no Brasil situam-se entre 4,4 e 4,6% no período da amostra. Essas estimativas devem ser percebidas como um piso para as taxas reais no Brasil, considerando a metodologia empregada neste trabalho, com base em relações de longo prazo entre as taxas domésticas de mercado de longo prazo, os prêmios de risco e as taxas reais de longo prazo. Por fim, não foi encontrado um papel relevante para a política monetária sobre as taxas reais de longo prazo, uma vez considerados os efeitos contemporâneos do prêmio de risco e as taxas de juros externas sobre as taxas internas. Tal descoberta ecoa a dos economistas clássicos, os quais acreditavam que a taxa real de longo prazo era determinada pelos fundamentos econômicos, e a estrutura de juros é ancorada pela taxa de longo prazo, ao contrário da hipótese das expectativas da estrutura a termo (Humphrey 1983Humphrey, Thomas M. 1983, “Can the Central Bank Peg Real Interest Rates? A Survey of Classical and Neoclassical Opinion.” Federal Reserve Bank of Richmond Economic Review, 12-21.; Thornton, 2012Thornton, DanielL. (2012) “Greenspan’s Conundrum and the Fed’s Ability to Affect Long-Term Yields,” Federal Reserve Bank of St. Louis. Working Paper 2012-036A.), o que pode justificar mais pesquisas no futuro.

7.References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2016
  • Revisado
    29 Jun 2016
  • Aceito
    15 Set 2016
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