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Facilitadores e Barreiras enfrentadas pelas Fintechs de Pagamentos Móveis no Contexto Brasileiro

RESUMO

As fintechs têm criado uma nova realidade financeira global, provendo acesso a serviços que antes se concentravam nos bancos. Este artigo visa identificar facilitadores e barreiras enfrentadas pelas fintechs de pagamentos móveis para a sua entrada e desenvolvimento no contexto brasileiro. O método de pesquisa foi um estudo de caso único, cuja unidade de análise foi o segmento de fintechs de pagamentos móveis no contexto brasileiro, envolvendo nove empresas desse segmento. Como resultados, identificou-se que diversos fatores atuam como facilitadores ao ingresso e desenvolvimento das fintechs, tais como: conveniência e foco da solução oferecida, inovação no uso da tecnologia e colaboração e parcerias entre fintechs. Porém, diversas barreiras são enfrentadas no surgimento e desenvolvimento dessas empresas, tais como: questões regulatórias, necessidades de investimentos, dificuldades de encontrar parceiros e conflitos de interesse com grandes players do mercado financeiro. Esses resultados oferecem subsídios aos empreendedores de fintechs, além de sugerir direcionamentos a órgãos reguladores e criadores de políticas públicas.

Palavras-chave
Fintechs; empreendedorismo; pagamentos móveis; facilitadores e barreiras

ABSTRACT

Fintechs have created a new global financial reality, providing access to services that were previously provided only by banks. This article aims to identify facilitators and barriers faced by mobile payment fintechs for their entry and development in the Brazilian context. The research method was a single case study, whose unit of analysis was the mobile payment fintech sector in the Brazilian context, involving nine companies in this industry. As a result, we identified that several factors act as facilitators to the entry and development of fintechs, such as convenience and focus of their solutions, innovation in the use of technology, collaboration, and partnerships between fintechs. However, several barriers are faced in the emergence and development of these companies, such as regulatory issues, investment needs, difficulties in finding partners, and conflicts of interest with major players in the financial market. These results offer inputs to fintech entrepreneurs and suggest directions to regulators and public policymakers.

Keywords
fintechs; entrepreneurship; mobile payments; facilitators and barriers

1. INTRODUÇÃO

A indústria de pagamentos atualmente experimenta a convergência de tecnologias para processamento de transações e diversas mudanças no comportamento dos consumidores que favorecem a adoção de novos métodos de pagamento ao redor do mundo (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ). Os pagamentos móveis (mobile payment ou m-payment) envolvem pagamentos por meio de um dispositivo móvel, utilizando redes de comunicação sem fio (Dahlberg, Gou & Ondrus, 2015Dahlberg, T., Guo, J. & Ondrus, J. (2015). A critical review of mobile payment research, Electronic Commerce Research and Applications, 14(5), 265-284.; Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ).

A utilização de pagamentos móveis é uma das inovações mais promissoras para a inclusão financeira devido à difusão dos smartphones e à facilidade do uso de tecnologias móveis (Iman, 2018Iman, N. (2018). Is mobile payment still relevant in the fintech era? Electronic Commerce Research and Applications , 30, 72-82, 2018. ).Essa forma de pagamento tem sido um dos principais impulsionadores do desenvolvimento socioeconômico nos mercados emergentes e cada vez mais vem substituindo meios de pagamentos tradicionais (Moon, 2017Moon, W. A (2017) Coinless Society as a Bridge to a Cashless Society: A Korean Experiment. In: Cash in East Asia. Springer, 2017, 101-115. ). No Brasil, a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (ABECS) indica que os pagamentos móveis já são uma realidade no país com a entrada da Apple Pay e Samsung Pay e estima que até 2030 as cédulas e moedas poderão ser substituídas por esses pagamentos (A Revolução..., 2018A revolução dos pagamentos: da moeda ao smartphone. 2018. Available at: <Available at: https://bit.ly/2QmdYeA >. Accessed 24 Feb. 2019.
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).

Entretanto, tecnologias emergentes não necessariamente criam valor econômico; elas precisam ser alavancadas e exploradas por empreendedores (Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ). Assim, diversas startups têm surgido e oferecido serviços financeiros de maneira inovadora, eficiente e com menores custos, baseadas nas tecnologias digitais. Elas são chamadas de fintechs (Prado, 2016Prado, J. (2016) O que é Fintech? Conexão Fintech, 14 dez. 2016. Available at <Available at https://bit.ly/2Wc6Ffx >. Accessed 14 Jun. 2017.
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; Murshudli & Loguinov, 2019Murshudli, F. & Loguinov, B. (2019) Digitalization challenges to global banking industry. Economic and Social Development: Book of Proceedings, 786-794. ). O termo “fintech” representa a junção dos termos “financial” e “technology” (Prado, 2016Prado, J. (2016) O que é Fintech? Conexão Fintech, 14 dez. 2016. Available at <Available at https://bit.ly/2Wc6Ffx >. Accessed 14 Jun. 2017.
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). As fintechs têm criado uma nova realidade financeira global, provendo acesso a serviços que antes se concentravam exclusivamente nos bancos (Gomber et al., 2018Gomber, P. et al. (2018). On the fintech revolution: interpreting the forces of innovation, disruption, and transformation in financial services. Journal of Management Information Systems, 35(1), 220-265. ). Essas empresas podem romper paradigmas do sistema financeiro tradicional, que muitas vezes utiliza de maneira ineficiente os recursos tecnológicos disponíveis (Prado, 2016Prado, J. (2016) O que é Fintech? Conexão Fintech, 14 dez. 2016. Available at <Available at https://bit.ly/2Wc6Ffx >. Accessed 14 Jun. 2017.
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; Du, 2018Du, K. (2018). Complacency, capabilities, and institutional pressure: understanding financial institutions’ participation in the nascent mobile payments ecosystem. Electronic Markets, 28(3), 307-319. ).

Assim, a tecnologia, que já foi considerada uma barreira para entrada de organizações no setor de pagamentos, hoje é vista como uma oportunidade de ingresso, especialmente com a propagação de tecnologias móveis. Dessa forma, novos players, como as fintechs, buscam competir pelas oportunidades do setor, enquanto instituições financeiras tradicionais tentam se manter relevantes e sustentáveis nesse novo cenário (Leong et al., 2017Leong, C. et al. (2017). Nurturing a FinTech ecosystem: The case of a youth microloan startup in China. International Journal of Information Management, 37(2), 92-97. ; Dallagnol & Verschoore Filho, 2018Dallagnol, A. & Verschoore Filho, J. (2018). As Abordagens Estratégicas Adotadas pelas Fintechs Brasileiras para Competir na Indústria de Meios Eletrônicos de Pagamentos. In Anais do XLII ENANPAD, Curitiba, 1-17.).

No entanto, especialistas têm apontado que são vários os desafios a serem enfrentados no mercado brasileiro de fintechs nos próximos anos, especialmente no que se refere às abordagens que os bancos trarão para lidar com o crescimento dessas empresas (Conheça..., 2017Conheça as principais tendências do mercado de fintechs em 2017. (2017) Conexão Fintech. Available at <Available at http://conexaofintech.com.br/fintech/conheca-as-principais-tendencias-do-mercado-de-fintechs-em-2017 >. Accessed 14 Jun. 2017.
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). Dentre as questões a serem analisadas, cabe entender a intenção dos varejistas em adotar novas tecnologias de pagamento (Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ), as vantagens de adoção de diversas plataformas de pagamento móvel (Shaikh, Hanafizadeh & Karjaluoto, 2017Shaikh, A. A., Hanafizadeh, P. & Karjaluoto, H. (2017). Mobile banking and payment system: A conceptual standpoint. International Journal of E-Business Research, 13(2), 14-27. ), a relação entre inovação e segurança das informações bancárias (Arner et al., 2019Arner, D. W.; Zetzsche, D. A.; Buckley, R. P. & Barberis, J. N. (2019). The Identity Challenge in Finance: From Analogue Identity to Digitized Identification to Digital KYC Utilities. European Business Organization Law Review, 20(1), 55-80.; Murshudli & Loguinov, 2019Murshudli, F. & Loguinov, B. (2019) Digitalization challenges to global banking industry. Economic and Social Development: Book of Proceedings, 786-794. ) e o surgimento de regulamentações governamentais (Fenwick; Kaal; Vermeulen, 2018Fenwick, M., Kaal, W. & Vermeulen, E. (2018). Regulation Tomorrow: Strategies for Regulating New Technologies. In: Transnational Commercial and Consumer Law. [s.l.] 153-174. ).

Nesse cenário, torna-se importante analisar o desenvolvimento das fintechs, que têm potencial de contribuir para a inclusão financeira e oferta de serviços inovadores de pagamento, colaborando, assim, para o desenvolvimento local. Asstartups são mais suscetíveis a fracassarem devido à sua vulnerabilidade inicial, pois enfrentam mais riscos, possuem menos recursos e têm pouca legitimidade, sendo relevante analisar variáveis ambientais que afetam o seu desempenho (Miranda et al., 2016Miranda, J., Júnior, S., Denner, C., & Dias, A. (2016). A influência das variáveis ambientais e organizacionais no desempenho de startups. Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, 5(1).). Startups geralmente enfrentam barreiras significativas ao crescimento, incluindo a falta de acesso a conhecimento, recursos humanos e formas eficientes de financiamento (Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ).

A literatura de empreendedorismo desde longa data aponta fatores e infraestruturas de apoio que são necessárias para promover o ingresso e desenvolvimento de novas empresas e startups (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Van de Ven, 1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63., Shane & Venkataraman, 2000Shane, S., & Venkataraman, S. (2000). The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review , 25(1), 217-226.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.). No entanto, há carência de estudos que abordem esses fatores especificamente no que concerne às fintechs, e, particularmente, a sua inserção e desenvolvimento no contexto brasileiro, o que motivou o presente estudo.

Assim, este artigo tem como objetivo identificar os facilitadores e as barreiras enfrentados pelas fintechs de pagamentos móveis para a sua entrada e desenvolvimento no contexto brasileiro. Para atingir esse objetivo, utilizou-se como método o estudo de caso único. A coleta de dados envolveu nove empresas que atuam nesse segmento, e variadas fontes de dados foram acessadas, tais como dados secundários e eventos.

Os resultados da pesquisa apontam uma série de fatores de apoio à atividade empreendedora e condições de mercado que afetam a inserção e desenvolvimento das fintechs de pagamentos móveis no contexto brasileiro. Alguns desses fatores corroboram a literatura prévia de empreendedorismo (por exemplo: suporte financeiro, mão de obra capacitada), enquanto outros revelam características específicas do segmento de fintechs que merecem ser consideradas, tais comoa relação das fintechs com players tradicionais do setor de pagamentos e com a complexa legislação que rege esse setor.

Esses resultados contribuem com a literatura sobre a inserção e desenvolvimento de startups no contexto brasileiro e, especificamente, das fintechs. Do ponto de vista gerencial, podem servir de referência para empreendedores e gestores de organizações que atuam no setor de pagamentos e também para informar regulações e políticas públicas por parte do governo, Banco Central e outros órgãos reguladores, a fim de facilitar o ingresso e o desenvolvimento dessas novas empresas no mercado brasileiro.

2. REVISÃO DA LITERATURA

Nesta seção, primeiramente, se contextualizam as fintechs em seu ecossistema. Na sequência, são apresentados facilitadores e barreiras para o ingresso e desenvolvimento desses empreendimentos.

2.1. Fintechs e seu ecossistema

O termo fintech designa startups que desenham e entregam produtos e serviços financeiros por meio da tecnologia. Essas empresas afetam instituições financeiras tradicionais, órgãos reguladores, clientes e comerciantes em uma ampla gama de setores. As tecnologias digitais utilizadas estão desafiando os fundamentos do setor financeiro altamente regulado, levando ao surgimento de sistemas de pagamento não tradicionais, novas linhas de crédito e moedas digitais (Leong et al., 2017Leong, C. et al. (2017). Nurturing a FinTech ecosystem: The case of a youth microloan startup in China. International Journal of Information Management, 37(2), 92-97. ). Com o desenvolvimento dos smartphones e da Internet móvel, surgiram serviços de pagamentos móveis baseados em plataforma, as fintechs de pagamentos móveis (Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ).

Para o melhor entendimento da dinâmica competitiva das fintechs, é fundamental analisar o seu ecossistema, que afeta o crescimento desse tipo de empresa (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ). Esse ecossistema fintechs inclui diversos atores, cujos principais são: as fintechs, os empreendedores, os desenvolvedores de tecnologias, os consumidores, as instituições financeiras tradicionais e os órgãos reguladores (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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; Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ).

Nesse ecossistema (Figura 1), têm-se as fintechs no centro, influenciando e sendo influenciadas pelos demais atores. Como exemplo de fintechs estão empresas de pagamentos móveis, de serviços financeiros, crowdfunding, de soluções para o mercado de capitais e seguros, utilizando tecnologia digital (Leong et al., 2017Leong, C. et al. (2017). Nurturing a FinTech ecosystem: The case of a youth microloan startup in China. International Journal of Information Management, 37(2), 92-97. ). Os empreendedores contribuem com ideias e assumem o risco de inserir tecnologias inovadoras e muitas vezes disruptivas em soluções para o ecossistema fintech. Em troca, beneficiam-se de maior acesso a financiamentos e especialização de mercado (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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). É fundamental considerar, nesta análise, os consumidores de produtos financeiros, indivíduos ou organizações. No caso das fintechs de pagamentos móveis, deve-se considerar tanto os consumidores finais como os varejistas e demais clientes empresariais (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ; Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ).

Figura 1
Ecossistema das fintechs. Fonte: elaborada pelos autores com base na literatura.

Por sua vez, os desenvolvedores de tecnologia têm como função, no ecossistema, fornecer tecnologias para as fintechs de modo a colaborar com o surgimento e crescimento dessas startups. Incluem empresas de análise de big data, computação em nuvem, criptomoeda e desenvolvedores de mídias sociais (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ).

As instituições financeiras tradicionais compreendem bancos globais e locais, private equity e fundos de capital de risco. Muitas dessas instituições financeiras buscam estimular sua própria inovação estabelecendo parcerias com as fintechs iniciantes, o que pode fortalecer a sua posição competitiva, por exemplo, encurtando o tempo que levam para criar e entregar produtos e serviços para o mercado (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ). Também é válido incluir na análise, os órgãos reguladores que devem implementar e fiscalizar o cumprimento de políticas e regulações, assim como potencializar o desenvolvimento do ecossistema, incentivando a atividade empreendedora e a contratação de empresas de serviços de tecnologia (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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).

Observa-se que a relação entre esses agentes contribui ou não para a inovação, surgimento e desenvolvimento das fintechs. Os agentes desse ecossistema são capazes de estimular a economia, facilitar a colaboração e a concorrência no setor financeiro, e em última análise, beneficiar os consumidores na indústria financeira (Sussan & Acs, 2017Sussan, F. & Acs, Z. (2017). The digital entrepreneurial ecosystem. In: Small Business Economics, 49(1), 55-73.).

2.2. Os facilitadores e as barreiras para atuação das fintechs

A literatura de gestão e empreendedorismo aponta diversos fatores de apoio à atividade empreendedora que podem atuar como facilitadores ou barreiras (quando ausentes) para a criação e a expansão de novos negócios, detalhados a seguir.

Condições sociais: uma atitude favorável da sociedade em relação ao empreendedorismo e um amplo apoio público às atividades empreendedoras são necessários para motivar as pessoas a iniciar um novo negócio (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63., Shane & Venkataraman, 2000Shane, S., & Venkataraman, S. (2000). The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review , 25(1), 217-226.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.).

Suporte financeiro: os empreendedores necessitam de assistência financeira para diversificar e dissipar o risco de uma startup, acumular capital inicial e financiar o crescimento e expansão do negócio (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Van de Ven, 1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63., Shane & Venkataraman, 2000Shane, S., & Venkataraman, S. (2000). The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review , 25(1), 217-226.; Lee et al., 2001Lee, C., Lee, K., & Pennings, J. (2001). Internal capabilities, external networks, and performance: a study on technology-based ventures. Strategic management journal, 22(6-7), 615-640.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.; Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ).

Suporte não financeiro: os empreendedores precisam de serviços de apoio além da assistência financeira, como para realizar estudos de mercado, preparar planos de negócios, estabelecer contatos e redes com outros empreendedores e agências e obter empréstimos (Gnyawali & Fogel ,1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.; Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ).

Fatores legais e regulatórios: impostos, burocracia para abrir e manter negócios, políticas e procedimentos governamentais se incluem nesta categoria (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.). Os empreendedores podem ser desencorajados a iniciar um negócio se tiverem que seguir muitas regras e requisitos processuais. Governos podem influenciar os mecanismos de mercado e fazê-los funcionar eficientemente, eliminando as condições que criam imperfeições de mercado e rigidez administrativa (Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63.).

Condições educacionais e de capacitação: os serviços educacionais e de treinamento são fundamentais para novos negócios, especialmente nas economias de mercado emergentes, porque os empreendedores podem carecer de habilidades básicas de negócios e necessitar de mão de obra especializada (Van de Ven, 1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63.; Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ).

Van de Ven (1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.) também destaca a importância de arranjos institucionais e da infraestrutura para apoiar processos de P&D e redes de inovação para o desenvolvimento de novos empreendimentos. O suporte institucional por órgãos de apoio ao empreendedorismo e P&D podem conferir legitimidade às startups. A legitimidade envolve a adequação dessas empresas ao contexto social e econômico, e refere-se ao direito de existir e realizar uma atividade de uma determinada maneira (Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.).

Para ingressar e se desenvolver no mercado, as fintechs também enfrentam uma série de facilitadores e barreiras que são específicas do seu contexto de atuação, os quais são apresentados a seguir.

Mercado consumidor não atendido: fintechs ao redor do mundo estão proporcionando a inclusão financeira, ou o fornecimento de acesso e uso ativo de produtos financeiros a dois bilhões de adultos sem conta bancária (Gabor & Brooks, 2017Gabor, D.; Brooks, S. (2017). The digital revolution in financial inclusion: international development in the fintech era. New Political Economy, 22(4), 423-436.). É evidente a existência de uma demanda não atendida por serviços financeiros e também a insatisfação de parte dos consumidores pelos serviços recebidos (Iman, 2018Iman, N. (2018). Is mobile payment still relevant in the fintech era? Electronic Commerce Research and Applications , 30, 72-82, 2018. ). Conhecer as necessidades desses clientes e atender a sua demanda é um dos facilitadores desse tipo de negócio (Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ).

Novas tecnologias existentes: as fintechs, através do uso de novas tecnologias, logram a redução de custos nas transações, oferecendo serviços de valor agregado aos seus atuais e potenciais clientes (Shaikh, Hanafizadeh & Karjaluoto, 2017Shaikh, A. A., Hanafizadeh, P. & Karjaluoto, H. (2017). Mobile banking and payment system: A conceptual standpoint. International Journal of E-Business Research, 13(2), 14-27. ). Quando se trabalha com soluções financeiras, questões referentes à identidade e dados privados dos clientes são fundamentais. Proteger-se contra fraudes e crimes, cumprir as obrigações de conhecer o cliente e garantir a integridade do mercado são vitais para o negócio. Logo, a tecnologia é utilizada não só para alcançar novos clientes através da eficiência dos serviços, como também para garantir a segurança cibernética das operações (Arner et al., 2019Arner, D. W.; Zetzsche, D. A.; Buckley, R. P. & Barberis, J. N. (2019). The Identity Challenge in Finance: From Analogue Identity to Digitized Identification to Digital KYC Utilities. European Business Organization Law Review, 20(1), 55-80.).

Recursos humanos especializados em TI e mercado financeiro: a existência de desenvolvedores que dominem novas tecnologias, tenham conhecimento do setor financeiro e estejam aptos para contribuir com a construção de novas soluções de pagamento é um facilitador para o negócio. Por outro lado, a escassez desses recursos pode ser uma barreira para novas fintechs (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ).

Parcerias entre fintechs: um ecossistema forte que possibilite o desenvolvimento de parcerias entre as fintechs para o desenvolvimento de soluções de maneira rápida e minimizando a necessidade de investimento é considerado um dos principais facilitadores para as fintechs competirem em um mercado de grandes players. A utilização de tecnologias e serviços complementares para a construção de uma solução focada no cliente é a estratégia utilizada por diversas startups. Fomentar uma rede na qual os empreendedores se relacionem e possam formar parcerias falicita o surgimento e desenvolvimento dessas empresas (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
https://www.strategyand.pwc.com/media/fi...
).

Grandes players: As fintechs, com uma tecnologia de ponta e focadas em servir os clientes, apresentam vantagens competitivas. Assim, instituições financeiras tradicionais vêm enfrentando esses novos concorrentes de diversas formas, principalmente com inovações tecnológicas e eliminando processos que não agregam valor (Murshudli & Loguinov, 2019Murshudli, F. & Loguinov, B. (2019) Digitalization challenges to global banking industry. Economic and Social Development: Book of Proceedings, 786-794. ). Bancos tradicionais têm criado programas de aceleração de startups, cooperado com fintechs e criado fundos de risco para investir em fintechs promissoras (Folwarski, 2018Folwarski, M. (2018). The impact of selected regulations on the development of payments systems in Poland. Marketing and Management Innovation, 3. ). Entender como esses players atuam no mercado e utilizar suas estruturas para desenvolver e escalar novas soluções pode transformar uma possível barreira em um facilitador do negócio para as fintechs (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ). Por outro lado, grandes players também podem tomar medidas protetivas de reserva de mercado, criando novas barreiras (Romānova & Kudinska, 2016Romānova, I. & Kudinska, M. (2016). Banking and Fintech: a challenge or opportunity? In: Contemporary Issues in Finance: Current Challenges from Across Europe . Emerald, 21-35.).

Regulamentações: o setor financeiro desenvolve regulamentações para garantir a segurança das transações e minimizar fraudes. Entender legislações e aplicá-las de maneira adequada é um desafio para novos entrantes (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
https://www.strategyand.pwc.com/media/fi...
). Entretanto, o desenvolvimento das tecnologias financeiras e o surgimento das fintechs está modificando o mercado e forçando instituições financeiras tradicionais a se adaptarem e, consequentemente, gerando lacunas nas legislações existentes. Órgãos reguladores precisam regular o mercado para proteger os consumidores e proporcionar a livre concorrência. A não atuação desses agentes adiciona riscos às operações e insegurança jurídica, mas o excesso de restrições pode restrintir o número de novos entrantes (Folwarski, 2018Folwarski, M. (2018). The impact of selected regulations on the development of payments systems in Poland. Marketing and Management Innovation, 3. ). A cautela tende a superar o risco e reforçar o status quo e novas tecnologias podem ter dificuldades para chegar ao mercado de maneira oportuna ou eficiente. O planejamento legislativo e normativo precisa ser mais proativo, dinâmico e responsivo (Fenwick, Kaal & Vermeulen, 2018Fenwick, M., Kaal, W. & Vermeulen, E. (2018). Regulation Tomorrow: Strategies for Regulating New Technologies. In: Transnational Commercial and Consumer Law. [s.l.] 153-174. ).

O Quadro 1 sintetiza os fatores de apoio à atividade empreendedora e condições de mercado, identificados na literatura, que afetam a inserção e desenvolvimento de novos empreendimentos, sendo alguns, especificamente, de fintechs. Esses fatores serão posteriormente considerados para a discussão dos resultados desta pesquisa (seção 5).

Quadro 1
Potenciais facilitadores/barreiras para o desenvolvimento de fintechs

3. MÉTODO

A pesquisa adotou o estudo de caso único (Yin, 2015Yin, R. K. (2015).Estudo de Caso: Planejamento e métodos. Bookman.), cuja unidade de análise foi o segmento de fintechs de pagamentos móveis no contexto brasileiro. A escolha pelo método de estudo de caso justifica-se por diversos motivos (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research.Academy of Management Review, 14(4), 532-550.; Yin, 1989), tais como: (a) análise de um fenômeno contemporâneo - pagamentos móveis ofertados por fintechs; (b) estudo conduzido em um contexto real - sistema de pagamentos brasileiro; (c) busca por profundidade e entendimento do histórico e contexto do problema identificado; (d) utilização de múltiplas fontes de evidência, permitindo a triangulação dos dados obtidos.

Conforme preconiza o método de estudo de caso (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research.Academy of Management Review, 14(4), 532-550.), foram coletados dados de diferentes fontes e de diferentes formas: análise de documentos, entrevista e observação participante. A coleta de dados foi realizada em 3 etapas (Figura 2), detalhadas na sequência.

Figura 2
Etapas realizadas para coleta de dados. Fonte: elaborada pelos autores.

Etapa 1: Mapeamento de fintechs de pagamentos móveis - Para identificar as fintechs de pagamentos móveis atuantes no Brasil, procedeu-se a uma busca avançada no Google pelo termo “pagamentos móveis”, solicitando apenas o retorno de sites brasileiros e em língua portuguesa. Essa busca foi realizada em 30/11/2017, e foram consideradas as 30 primeiras páginas de resultados, o correspondente a 300 websites, os quais foram analisados. Nessa análise, foi localizado um radar de fintechs, publicado em novembro de 2017, pela FintechLab, um hub para conexão e fomento do ecossistema de fintechs brasileiras. De posse do radar, deu-se início à busca de informações das empresas na modalidade “pagamentos”, a fim de identificar aquelas que oferecem soluções de pagamentos móveis. Essa busca foi realizada via redes sociais (facebook e Instagram) e website das empresas, tendo sido identificadas 34 empresas de pagamentos móveis. O primeiro contato com essas 34 fintechs foi via e-mail ou Messenger, pelos quais foi encaminhada uma carta de apresentação da pesquisa e solicitada uma entrevista. Durante as entrevistas, buscava-se o contato de outras empresas, seguindo-se a estratégia de bola de neve. De todas as empresas contatadas, 9 aceitaram participar da pesquisa.

Etapa 2: Realização de entrevistas com os gestores das fintechs - Para a realização das entrevistas, utilizou-se como guia um roteiro de questões contendo 19 perguntas, sendo 9 específicas sobre a empresa entrevistada (Bloco 1) e 10 referentes ao sistema de pagamentos brasileiro (Bloco 2). O roteiro serviu como um guia de questionamentos para garantir que os tópicos essenciais para responder aos objetivos do estudo fossem questionados junto aos entrevistados. Contudo, ressalta-se que, em todas as entrevistas, questões adicionais e complementares foram realizadas, além dessas 19 iniciais, a fim de detalhar as respostas fornecidas.

As entrevistas foram realizadas via chamada de vídeo/áudio no Skype ou Google Hangouts. Os perfis das empresas participantes estão na Tabela 1. Todas as entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas para a análise de seu conteúdo.

Tabela 1
Perfil das empresas participantes

Etapa 3: Participação no evento Fintouch 2018 - o Fintouch 2018 - maior evento de Fintechs da América Latina - ocorreu em agosto de 2018, em São Paulo/SP; assistiu-se a 35 palestras nesse evento, e 3 foram selecionadas para gravação (duração total de 1h32min.), pois abordaram temas diretamente relacionados à pesquisa. A Tabela 2 apresenta os detalhes da coleta de dados realizada nesse evento.

Tabela 2
Detalhes sobre os dados coletados em evento (Fintouch 2018)

As entrevistas e as palestras foram gravadas e, posteriormente, transcritas. As transcrições foram importadas para o software NVivo, que auxiliou na análise dos dados, utilizando-se a técnica de codificação aberta.

Inicialmente, os materiais foram codificados em “nós de caso”, e para as fintechs, cada arquivo foi nomeado com um código (01 a 09) seguido do nome da empresa - Ex.: 01_Fintech1 - enquanto as palestras do Fintouch foram classificadas de acordo com o player representado naquela fala - Ex.: Banco Central, CVM, ABFintechs, etc. A organização desses dados (nós de caso, dentro do NVivo) é apresentada na Figura 3.

Figura 3
Nós de caso da pesquisa. Fonte: dados da pesquisa.

Após a codificação dos nós de caso, atribuindo cada documento a um determinado player, procedeu-se com a codificação aberta, que divide os dados qualitativos em partes discretas, examinando-as de perto e comparando-as quanto a semelhanças e diferenças, objetivando deixá-los abertos a todas as direções teóricas possíveis apontadas pela literatura (Saldaña, 2009Saldaña, J. (2009). The coding manual for qualitative researchers. Los Angeles: Sage.).

Diante dessa orientação, o conteúdo do material coletado foi analisado e codificado em uma categoria ou subcategoria (nó de tema, no NVivo), sendo essas categorias estabelecidas a partir dos dados coletados, sem estarem vinculadas, em um primeiro momento, a uma abordagem teórica. Um código, na pesquisa qualitativa é, na maioria das vezes, uma palavra ou frase curta que atribui simbolicamente um atributo que captura a essência e representa uma porção de dados visuais ou baseados em linguagem, os quais podem consistir em transcrições de entrevistas, notas de campo de observação participante, periódicos, documentos, literatura, artefatos, fotografias, vídeos, sites, correspondências por e-mail, etc. (Saldaña, 2009Saldaña, J. (2009). The coding manual for qualitative researchers. Los Angeles: Sage.).

Como o número de códigos pode se acumular rapidamente e mudar à medida em que a análise avança, Saldaña (2009Saldaña, J. (2009). The coding manual for qualitative researchers. Los Angeles: Sage.) sugere manter um registro dos seus códigos em um arquivo denominado de “codebook”, ou seja, um livro de códigos, contendo a compilação dos códigos, suas descrições de conteúdo e um breve exemplo de dados para referência. Na primeira rodada de codificação, foram identificadas 35 categorias e 16 subcategorias, que foram analisadas, revisadas e recodificadas, gerando o codebook final, composto por 12 categorias e 55 subcategorias. A Figura 4 apresenta a disposição das categorias e subcategorias no NVivo, em forma de “nós de tema”.

Figura 4
Categorias de pesquisa (nós de tema) no software NVIVO. Fonte: dados da pesquisa.

As categorias, conforme foram emergindo dos dados, permitiram compreender o perfil das fintechs de pagamentos móveis, seu histórico de inserção no mercado e desenvolvimento, bem como facilitadores e barreiras enfrentados nesses processos. Essas categorias foram posteriormente cruzadas com a literatura estudada sobre o tema (seção 2).

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Nesta seção, analisa-se o perfil das fintechs estudadas; na sequência, são relatados os fatores que facilitaram e dificultaram o seu ingresso no mercado brasileiro e, posteriormente, o seu desenvolvimento.

4.1. O perfil das fintechs de pagamentos móveis

Inicialmente, os gestores das fintechs foram questionados sobre quais são os diferenciais e a proposta de valor de sua empresa. Observa-se, no Quadro 2, que elas, exceto E9, possuem uma proposta de valor bem definida e foco em seu mercado de atuação.

Quadro 2
Diferenciais e proposta de valor das fintechs

Constata-se que os diferenciais das empresas participantes estão alinhados às características das fintechs apuradas em uma pesquisa da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) e apresentada no Fintouch 2018, visto que, em sua maioria, buscam oferecer soluções altamente focadas (transferência de recursos, cartão pré-pago, entre outros), baseadas em tecnologias disruptivas (substituição da máquina de cartão por aplicativos de celular, validação de pagamentos via selfie, etc.) e voltadas a um público subatendido (população desbancarizada, autônomos e pequenos negócios).

4.2. Entrada das fintechs de pagamento móveis no sistema de pagamentos brasileiro

Identificou-se que os gestores das fintechs percebem um número maior de barreiras do que de facilitadores para ingressar no mercado; elas são detalhadas a seguir.

4.2.1 Barreiras para a entrada das fintechs de pagamentos móveis no mercado

As barreiras para a entrada no contexto brasileiro destacadas pelas empresas são: atendimento à legislação, falta de regulação, necessidade de investimento e dificuldade de captação de dinheiro para abertura do negócio, conflito com grandes players, dificuldade de encontrar parceiros estratégicos, comportamento dos usuários e a localização geográfica da fintech.

A principal barreira refere-se ao atendimento à legislação, seja pela dificuldade em entender e atender à legislação vigente, questões específicas a serem atendidas de acordo com o setor em que a empresa está atuando ou, até mesmo, pela inexistência de uma legislação específica, dificuldade enfrentada pelas fintechs que ingressaram no mercado antes de 2013, quando foi publicada a Lei 12.865/13 (legislação vigente sobre arranjos e instituições de pagamento). A dificuldade de entender a regulamentação é destacada por E3: “Eu sou advogado de formação e fiquei um bom tempo estudando e falei que quem não é advogado não consegue entender isso, vai ter que contratar um escritório, vai ser caro para ele conseguir analisar e pagar um parecer”.

Como a Lei 12.865/2013 não regulariza as fintechs, mas sim os arranjos de pagamentos, alguns entrevistados afirmam que operam sem conhecer as “regras do jogo” que serão impostas a partir de uma eventual regulamentação das fintechs. O relato de E9 deixa essa situação clara: “A gente opera muito ainda sem regulação, esperando que a regulação venha ou que ela comece a ser efetivada, a gente já opera mesmo sem esperar”.

No entanto, embora a legislação seja vista como uma possível barreira à entrada de fintechs no mercado, E7 se posiciona favorável à postura firme do Banco Central (BC) para evitar que qualquer empresa possa ingressar no mercado, inclusive algumas mal-intencionadas. Ele justifica sua opinião: “Quando você tem um negócio, você vai tentar ao máximo, assim, exigir que novos entrantes sigam normas, como acontece, por exemplo, dos taxistas fazendo com o Uber. Senão qualquer um entra ali, e é gente mal-intencionada também...”.

Um segundo aspecto mencionado como barreira pelos entrevistados refere-se à necessidade de investimento e dificuldade de captação de dinheiro para abertura do negócio. Os entrevistados afirmam que, devido ao fato de as fintechs serem pequenas, desconhecidas e com baixa lucratividade, acabam passando despercebidas pelos investidores, da mesma forma que isso torna o processo de captação de recursos mais difícil, por serem empresas iniciantes e com baixo capital social. Os respondentes relataram, também, que, por oferecerem soluções de pagamento, as fintechs acabam concorrendo com bancos e instituições financeiras já consolidadas e com lucros expressivos, o que faz com que os investidores optem por essas empresas ao realizarem seus investimentos. Conforme E1: “Investimento sem dúvida é porque a gente briga com os maiores do país, com as empresas de maior lucro. Então se tem alguém que vai derrubar dinheiro em algum lugar, é nos bancos”.

O conflito de interesses com grandes players do mercado, como bancos, instituições financeiras e as bandeiras de cartão de crédito também foi destacado como barreira de ingresso no mercado. O relato dos entrevistados remete a questões de abuso de poder, monopólio ou, até mesmo, boicote dos grandes players, conforme o relato de E5:

“A gente queria fazer que pessoas pudessem carregar os cartões através de contas bancárias ou por boleto. A gente já teve conta fechada, conta bloqueada pelo banco, banco que cancelou os boletos, então aí já começa por aí, né? Você não consegue ter um... os bancos nesse ponto eles têm muito poder nessa relação de uma forma muito desequilibrada”.

Alinhado a isso, E7 destaca que os grandes players conseguem se organizar e ditar as normas do mercado, por exemplo, dificultando o ingresso de novas empresas e as obrigando a estabelecerem parcerias para emissão de cartões, forçando a empresa a se tornar subaquirente de uma adquirente ou emissora de cartões já consolidada. E9 ressalta que a escolha do parceiro para emissão de cartões não é tão simples, pois a fintech surge prometendo uma solução financeira inovadora e simplificada, enquanto as adquirentes e operadoras, em sua maioria, não estão alinhadas com essa estratégia. Desse modo, a escolha de um parceiro estratégico, que ofereça os serviços com qualidade e agilidade é, também, uma barreira para ingresso no mercado brasileiro.

Os respondentes afirmam que o comportamento dos usuários e a questão cultural de desconfiança com relação a novas formas de pagamentos ainda interfere na aceitação e adoção de pagamentos móveis, sendo uma barreira de entrada. O relato de E6 elucida essa questão:

“Então o Brasil ainda, ele está engatinhando nessa questão de pagamentos via smartphone. [...] Só que existe uma questão cultural muito forte. Pessoas estão acostumadas a realizarem uma ação, onde há anos elas executam da mesma forma. Então essa ques... essa mudança de hábito, essa questão comportamental, ao meu ver, é o principal desafio”.

Por fim, uma última barreira destacada pela única empresa localizada fora do eixo Rio-São Paulo diz respeito à localização geográfica. O relato de E6 deixa claro que, embora a localização não seja um fator impeditivo para a operacionalização do negócio, há uma certa resistência por parte dos players pelo fato de a empresa estar sediada em Santa Catarina: “... fez com que esses players não olhassem com bons olhos pra gente, “pô..., por que que três moleques aí, lá do interior de Santa Catarina, querem fazer um negócio que pouca gente conseguiu fazer?”

4.2.2 Facilitadores para a entrada das fintechs de pagamentos móveis no mercado

Os facilitadores para a entrada das fintechs de pagamentos móveis no mercado brasileiro, destacados pelos entrevistados, são: tecnologia, conveniência da solução de pagamentos oferecida, conhecimento da modalidade de pagamentos, possibilidade de oferecer soluções mais focadas e oferta de atendimento diferenciado.

O principal facilitador para o ingresso das fintechs no mercado é a tecnologia, sendo consenso entre os respondentes que não existe fintech sem tecnologia:

“Se existe um porquê qualquer fintech existe é pela base tecnológica [...] não tem como tirar a tecnologia, o papel da tecnologia, a tecnologia é o produto, entende? É 100% tecnologia, não consigo nem pensar muito, o papel é o principal” (E1)

“É o core da empresa, o DNA da empresa, ele é baseado e subsidiado por tecnologias”. (E6)

Outro aspecto ressaltado como facilitador refere-se à conveniência da solução de pagamento oferecida, trazendo mais facilidade, mais agilidade e menos burocracia que as soluções tradicionais do mercado. Como principais fatores atrelados à conveniência, os entrevistados ressaltam a facilidade dde os clientes realizarem pagamentos e transferências de valores em apenas um clique ou sem a necessidade de portar um cartão de crédito, utilizando apenas o telefone. Conforme novas soluções de pagamentos móveis vão surgindo, essa modalidade de pagamento vai sendo mais conhecida, o que é um facilitador. Por exemplo, conforme E3, o surgimento e rápida expansão do NuBank fez com que as fintechs se tornassem mais conhecidas no Brasil e a chegada de soluções de pagamento mundialmente consolidadas, como Samsung Pay e Apple Pay fez com que os usuários aderissem às tecnologias mais rapidamente.

Por fim, outros facilitadores relatados pelos entrevistados - soluções mais focadas e atendimento diferenciado - se complementam, pois é característica da fintech selecionar um problema específico de mercado e resolvê-lo, por meio de uma solução especializada. Assim, ao oferecer soluções focada no problema, é possível que a empresa se especialize e ofereça um atendimento diferenciado ao usuário. Conforme E6: “o que a gente se propõe a entregar [...] é agilidade nos pagamentos. Obviamente que existem outros benefícios, mas a gente é muito convicto que se tu quer fazer tudo, no fim tu não faz nada”.

Quanto ao atendimento ao cliente, E9 afirmou que um atendimento diferenciado, com uma proposta de excelência, faz a diferença e pode ser visto como um facilitador para o ingresso da fintech no mercado financeiro, visto que é comum o registro de várias reclamações sobre o atendimento das instituições financeiras tradicionais.

4.3. Desenvolvimento das fintechs de pagamentos móveis no mercado brasileiro

Após o ingresso da fintech no mercado, uma série de facilitadores e barreiras também são identificados para o seu desenvolvimento, conforme detalhado a seguir.

4.3.1 Barreiras para o desenvolvimento das fintechs de pagamentos móveis

Foram identificadas as seguintes barreiras para o desenvolvimento das empresas no mercado: dificuldade de captação de dinheiro, capacidade de expansão, problemas de conexão, conflito com grandes players, excesso de oferta de soluções de pagamento, falta de mão de obra qualificada, dificuldade de monetização, mudança de foco do negócio e dificuldade de tornar o dinheiro físico.

A principal barreira destacada pelas empresas refere-se à necessidade de investimentos e dificuldade para captação de recursos financeiros no mercado. O relato de E6 clarifica essa questão: “como a gente trabalha com ativo, que é dinheiro, as fintechs precisam, talvez, se não próximo ou mais, da facilidade que os bancos têm de arrecadação financeira. Por exemplo, um banco, pra ele levantar capital, junto a órgãos... instituições federais, é muito mais fácil”. A captação de dinheiro com os órgãos financiadores tem sido uma dificuldade para as fintechs se desenvolverem, assim como o acesso a recursos de investidores. Elas apontam uma questão cultural: investidores brasileiros resistem a investir em negócios de alto risco, como as fintechs.

Relacionada com a dificuldade de captação de dinheiro, a segunda barreira destacada refere-se à expansão das fintechs. Os respondentes afirmam que, ao mesmo tempo em que tentam expandir os seus negócios, procuram deixar enxuta a equipe de trabalho, para minimizar custos. Conforme E2: “[...]é tentar escalar sem gerar muito atendimento, porque não adianta você crescer e o teu atendimento ter que crescer muito também, o melhor é que o usuário consiga baixar e fazer todo o ciclo de onboarding sozinho”.

Uma terceira barreira diz respeito à falta de conexão à Internet em diversos pontos do Brasil, o que dificulta e, na maioria das vezes, inviabiliza que o usuário realize pagamentos móveis por smartphones. Dessa forma, algumas empresas que iniciaram o negócio focando em soluções voltadas ao usuário tiveram que repensar e propor um novo modelo, focando em pontos de venda onde o acesso à Internet é constante e não depende de rede móvel, como o caso de E2, e de E3, que desenvolveram um modelo de pagamento por meio de mensagens de texto (SMS).

Da mesma forma que foi mencionado como barreira para entrada das fintechs de pagamentos móveis no mercado, o conflito com os grandes players do setor volta a aparecer como barreira para o seu desenvolvimento; E5 afirma que ainda há muita concentração de poder na mão dos bancos. Entretanto, E6 afirma que novos concorrentes têm “desacomodado” grandes players, que precisam buscar novas soluções tecnológicas e prestar um serviço mais qualificado: “Eu vejo que a concorrência em si ela é baita saudável e quem acaba sendo beneficiado sempre é o cliente”.

Projetos de aceleração oferecidos pelos grandes players também foram destacados nas entrevistas. Porém, segundo os entrevistados, embora a ideia da aceleração seja intessante e a expertise dos grandes players seja útil para o desenvolvimento dos negócios, muitas vezes há outros interesses por parte dos grandes que acabam desmotivando a parceria. Conforme E3: “Então você vê que eles vão e apoiam na hora, mas lançam um concorrente no final. Então eu confesso que eu sempre tenho um pouco de receio dessas grandes empresas e nesses projetos, e em poucos eu me inscrevo”.

Outra barreira é relativa à escassez de profissionais qualificados para auxiliar no desenvolvimento das fintechs; E5 afirma que a demanda por bons desenvolvedores tem sido maior do que a oferta de profissionais: “[...]hoje tem tanta gente querendo entrar que a oferta de mão de obra não supre a demanda, então hoje para desenvolver e etc. é um desafio”.

A dificuldade de monetização também é uma barreira para o desenvolvimento das fintechs. Os entrevistados apontam dificuldades em definir o valor a ser cobrado na prestação de serviços, especialmente porque as pessoas não querem pagar por serviços financeiros. Assim, percebe-se que as fintechs precisam ser criativas em sua oferta de solução para se diferenciar e, assim mesmo, trabalhar com margens de lucro pequenas. Conforme E9, o retorno para a fintech na realização de transações é em geral de centavos. Observou-se, também, que diversas fintechs precisaram mudar o foco do seu negócio depois de ingressarem no mercado, devido a diversos aspectos, como a não aceitação da solução de pagamento por parte dos usuários, indisponibilidade de rede para realização de transações, entre outros.

Por fim, a dificuldade de transformar o dinheiro transferido entre aplicativos pelas pessoas em algo físico, possível de ser sacado, também foi relatado como uma dificuldade enfrentada pelas fintechs. Algumas possibilidades de parceria para essa questão estão centralizadas nas mãos de grandes players, o que pode tornar a operação mais cara.

4.3.2 Facilitadores para o desenvolvimento das fintechs de pagamentos móveis no Brasil

Os facilitadores identificados para o desenvolvimento das fintechs foram: rede de contatos, parceria com empresas, tecnologia, colaboração, união entre fintechs e a ABFintechs. O primeiro fator, na percepção de E3, refere-se à rede de contatos. Ele relata que optou, estrategicamente, por iniciar as atividades de seu negócio na sua cidade de origem, por conhecer diversas pessoas e entender que assim teria acesso facilitado e maiores chances de estabelecer parcerias com as empresas. A estratégia inicial adotada pela empresa deu certo; a rede de contatos facilitou a sua expansão.

Um segundo facilitador refere-se à parceria com grandes players. Para E3, hoje já é possível evoluir e se desenvolver mais rapidamente pois alguns grandes players do setor estão dispostos a fazer alianças e cooperar com empresas inovadoras, conforme destaca: “[...]você consegue evoluir mais rápido hoje, as empresas estão mais dispostas a dar uma coparceria. Então, eu tipo quero começar e vou buscar a Visa para lançar tal modelo de negócio e hoje a Visa vai ser mais aberta a esse tipo de parceria do que ela seria há 4 anos atrás quando a gente começou”. No entanto, conforme já foi abordado, os entrevistados ressaltam que esse tipo de parceria nem sempre é positiva, visto que algumas vezes as empresas impõem regras que dificultam a operacionalização dos acordos. Entre essas regras, destaca-se a prioridade de compra futura imposta pela empresa ao fazer a parceria e a não assinatura de contratos de confidencialidade das inovações. Diante disso, muitas fintechs optam por seguir no mercado de forma independente.

Um terceiro facilitador para o desenvolvimento das fintechs é a tecnologia; E6 deixa claro o seu papel para o desenvolvimento e capilaridade do negócio: “Então hoje, por exemplo, se a gente... a gente tem cinco mil... 5600 clientes, se a gente quiser escalar pra 15 mil, a gente só vai conseguir através de tecnologia e a própria tecnologia que nos dá esse poder”. A tecnologia tem papel fundamental, também, na redução dos custos de operação, como emissão de cartões, remessas por correio, entre outros.

Outro facilitador para o desenvolvimento das fintechs refere-se à colaboração e união dessas empresas que geraram a Associação Brasileira de Fintechs, a ABFintech, que possui papel importante de mobilização e organização dos interesses dessas empresas, servindo como sua entidade representativa em órgãos como BC e CVM. É consenso entre os entrevistados a importância e a relevância da associação para o desenvolvimento das empresas. A ABFintechs facilita especialmente o “meio de campo” com órgãos reguladores; E5 relata que “as associações fazem barulho e conseguem, sim, trabalhar com os órgãos, com o mercado, pra expor suas ideias, não tenho dúvida” o que é complementado por E3, ao afirmar que “isso antes da ABFintechs era uma coisa muito segregada, cada um tentava os contatos que tinha”.

5. DISCUSSÃO

Observou-se uma convergência entre os facilitadores e barreiras levantados na literatura e os dados empíricos levantados no contexto pesquisado. O Quadro 3 cruza os fatores apontados na literatura (Quadro 1) com os resultados da pesquisa; eles são discutidos na sequência.

Quadro 3
Facilitadores e barreiras enfrentados pelas fintechs no contexto brasileiro

Quanto às condições sociais (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63., Shane & Venkataraman, 2000Shane, S., & Venkataraman, S. (2000). The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review , 25(1), 217-226.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.), os dados da pesquisa não trouxeram evidências da importância do apoio às fintechs por parte da sociedade brasileira como um fator crítico para o seu desenvolvimento. Entretanto, o conhecimento da modalidade de pagamentos móveis pela população, especialmente devido aos serviços ofertados por grandes players mundiais, colabora para a aceitação social desse tipo de serviço. Barreiras culturais por parte de investidores brasileiros são um fator social que merece ser considerado.

A questão do suporte financeiro (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Van de Ven, 1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63., Shane & Venkataraman, 2000Shane, S., & Venkataraman, S. (2000). The promise of entrepreneurship as a field of research. Academy of Management Review , 25(1), 217-226.; Lee et al., 2001Lee, C., Lee, K., & Pennings, J. (2001). Internal capabilities, external networks, and performance: a study on technology-based ventures. Strategic management journal, 22(6-7), 615-640.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.; Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ) é crucial tanto para a inserção quanto para o desenvolvimento das fintechs. Por serem empresas nascentes em um mercado maduro e altamente institucionalizado, há dificuldades em conquistar legitimidade, o que dificulta a obtenção de recursos (Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.). Com isso, essas empresas enfrentam dificuldades para expandir sua atuação.

Em relação à necessidade de suporte não financeiro, embora esse fator não tenha sido apontado diretamente pelos entrevistados, verificou-se que eles enfrentam dificuldades em pensar o modelo de negócio, especialmente a proposta de valor e as formas de monetização de serviços. Existe um amplo mercado disposto a consumir novos serviços financeiros, contudo conhecer a real necessidade dos potenciais clientes e ter uma proposta de valor clara é fundamental (Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ). Conquanto algumas iniciativas promovidas por grandes players, por meio de aceleradoras de startups, ofereçam esse apoio não financeiro, as condições impostas para esse processo são desfavoráveis às fintechs. Desse modo, suportes de natureza não financeira (como consultoria ou formação gerencial) que possam auxiliar as fintechs a vencerem esses desafios podem ser pensados para promover esse segmento.

Isso está relacionado a um outro fator que é a capacitação e mão de obra especializada (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ; Steininger, 2019Steininger, D. (2019). Linking information systems and entrepreneurship: A review and agenda for IT-associated and digital entrepreneurship research.Information Systems Journal,29(2), 363-407. ), pois o desenvolvimento das fintechs depende das pessoas que atuam nesse segmento, as quais precisam ter conhecimentos avançados tanto nas áreas de tecnologia como de mercado financeiro, havendo escassez desses recursos qualificados no contexto brasileiro.

Entre o conhecimento necessário para essas equipes especializadas está o da legislação, fator destacado na literatura de empreendedorismo (Reynolds, 1991Reynolds, P. (1991). Sociology and entrepreneurship: Concepts and contributions. Entrepreneurship theory and practice , 16(2), 47-70.; Gnyawali & Fogel 1994Gnyawali, D., & Fogel, D. (1994). Environments for entrepreneurship development: key dimensions and research implications. Entrepreneurship: theory and practice, 18(4), 43-63.; Bruton et al., 2010Bruton, G., Ahlstrom, D., & Li, H. (2010). Institutional theory and entrepreneurship: where are we now and where do we need to move in the future? Entrepreneurship theory and practice, 34(3), 421-440.). Diemers et al. (2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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) observam que o entendimento e a aplicação da legislação, de maneira adequada, são desafios do negócio para qualquer entrante, e para as fintechs a questão da legislação impacta diretamente o seu negócio. Ficou evidente que, muito além do atendimento aos aspectos legais preconizados pelos órgãos reguladores brasileiros, é necessário, inicialmente, que as empresas sejam capazes de entender a legislação para, depois, adaptarem-se a ela e cumpri-la.

Entretanto, apesar de a legislação ser vista como uma barreira à entrada de fintechs no mercado, algumas delas se posicionam favoráveis à postura firme do Banco Central para evitar que qualquer empresa possa ingressar no mercado, especialmente as mal-intencionadas. Tais resultados vão ao encontro da observação de Folwarski (2018Folwarski, M. (2018). The impact of selected regulations on the development of payments systems in Poland. Marketing and Management Innovation, 3. ), que afirma que a não atuação de agentes reguladores pode adicionar riscos às operações financeiras e insegurança jurídica. Desse modo, o papel dos órgãos reguladores consiste em entender as alterações que vêm ocorrendo no sistema de pagamentos e regular o mercado de modo a proteger os consumidores e proporcionar a livre concorrência (Folwarski, 2018Folwarski, M. (2018). The impact of selected regulations on the development of payments systems in Poland. Marketing and Management Innovation, 3. ).

Quanto ao fator infraestrutura de P&D (Van de Ven, 1993Van de Ven, H. (1993). The development of an infrastructure for entrepreneurship.Journal of Business venturing, 8(3), 211-230.), este não foi destacado diretamente pelos entrevistados, mas foram evidenciadas atividades de P&D sendo realizadas junto com grandes players, por exemplo, em incubadoras ou aceleradoras de grandes bancos. Não há menção a infraestruturas públicas de P&D ou parcerias com outras instituições como universidades. Esse é um fator a ser investigado em pesquisas futuras, pois podem ser criados ambientes de pesquisa e desenvolvimento que favoreçam a acolhida de fintechs, a exemplo do que ocorre com startups de outros segmentos (como desenvolvimento de software) em incubadoras, parques tecnológicos, aceleradoras e outros espaços públicos ou acadêmicos que promovem o empreendedorismo e a inovação.

Como fator facilitador à entrada e desenvolvimento das fintechs, ganhou destaque a existência de um mercado consumidor não atendido (Soriano, 2017) ou mal atendido e o fornecimento de soluções focadas em satisfazer as necessidades desses clientes, proporcionando a inclusão financeira (Gabor & Brooks, 2017Gabor, D.; Brooks, S. (2017). The digital revolution in financial inclusion: international development in the fintech era. New Political Economy, 22(4), 423-436.). Iman (2018Iman, N. (2018). Is mobile payment still relevant in the fintech era? Electronic Commerce Research and Applications , 30, 72-82, 2018. ) afirma que é evidente a demanda por serviços financeiros por parte de consumidores insatisfeitos com os serviços recebidos nas instituições financeiras mais tradicionais. Como principais fatores atrelados à conveniência, os entrevistados ressaltaram a facilidade, para o consumidor, de realizar pagamentos e transferências em apenas um clique ou sem a necessidade de portar um cartão de crédito, utilizando apenas o aparelho celular para isso. Por outro lado, adaptar a tecnologia aos anseios do público e monetizar a solução proposta são mencionados como barreiras. Enfim, existe um amplo mercado disposto a consumir novos serviços financeiros, contudo conhecer a real necessidade desses clientes e ter uma proposta de valor clara é fundamental (Lee, Ryu & Lee, 2019Lee, J., Ryu, M. & Lee, D. (2019). A study on the reciprocal relationship between user perception and retailer perception on platform-based mobile payment service. Journal of Retailing and Consumer Services, 48, 7-15. ).

A tecnologia que viabiliza a oferta desses novos serviços é entendida como condição, em primeiro lugar, para a existência das fintechs. Através do uso da tecnologia, elas são capazes de obter a redução de custos nas transações, oferecendo serviços de valor agregado (Shaikh, Hanafizadeh & Karjaluoto, 2017Shaikh, A. A., Hanafizadeh, P. & Karjaluoto, H. (2017). Mobile banking and payment system: A conceptual standpoint. International Journal of E-Business Research, 13(2), 14-27. ). A implementação de tecnologias inovadoras é uma vantagem competitiva frente aos grandes players, reduzindo custos e agregando valor aos potenciais clientes (Shaikh, Hanafizadeh & Karjaluoto, 2017Shaikh, A. A., Hanafizadeh, P. & Karjaluoto, H. (2017). Mobile banking and payment system: A conceptual standpoint. International Journal of E-Business Research, 13(2), 14-27. ). Por outro lado, a infraestrutura de telecomunicação limitada se torna uma barreira tecnológica evidente para o desenvolvimento do ecossistema de fintechs (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ) no contexto brasileiro.

Os relacionamentos com atores do ecossistema de fintechs no Brasil foram destacados tanto como facilitadores como barreiras à sua inserção e desenvolvimento. A parceria entre as fintechs foi citada como um facilitador para o desenvolvimento de soluções conjuntas, onde agregar tecnologias de parceiros é um diferencial. Além disso, a força dessas parcerias, inclusive com a criação de uma associação nacional de fintechs (ABFintechs), demonstra a importância da colaboração para esse ecossistema.

Quanto à relação com grandes players , as fintechs consideram as instituições financeiras nacionais como barreiras de entrada, mesmo utilizando a estrutura dessas organizações (adquirentes de cartão de crédito) como base para as suas transações. Destacam o conflito de interesses com grandes players como bancos, instituições financeiras e as bandeiras de cartão de crédito. No entanto apontam que alguns grandes players internacionais, como fundos de investimentos de risco e fornecedores de tecnologia (como soluções digitais de pagamento internacionais) facilitam sua atuação. Entender melhor como esses players agem no mercado e utilizar suas estruturas para desenvolver e escalar novas soluções pode transformar uma possível barreira em um facilitador do negócio (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ).

Por fim, um fator que emergiu dos dados, e que não é tão presente na literatura sobre fintechs, refere-se à localização geográfica dessas startups. A única startup distante geograficamente do eixo Rio - SP comentou a dificuldade (barreira) de estar fora do “centro” desse ecossistema (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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; Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ). Os dados sugerem que a distância geográfica dificulta a aceitação e, principalmente, a legitimidade das fintechs, o que dificulta, com isso, seu acesso a recursos.

A entrada e o desenvolvimento de fintechs nos mercados têm despertado o interesse de alguns pesquisadores, a exemplo de Klus et al (2019Klus, M. F.; Lohwasser, T. S.; Holotiuk, F. & Moormann, J. (2019) Strategic Alliances between Banks and Fintechs for Digital Innovation: Motives to Collaborate and Types of Interaction. The Journal of Entrepreneurial Finance, 21 (1), 1-23. ) e Clements (2018Clements, R. (2018) Regulating Fintech in Canada and the United States: Comparison, Challenges and Opportunities. University of Calgary, School of Public Policy Research Series, 2019. Available at SSRN:https://ssrn.com/abstract=3304759
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), que buscaram analisar a interação destas com as instituições financeiras tradicionais e a necessidade de sua regulação, respectivamente. Analisando esses estudos correlatos, observa-se a consonância dos resultados identificados nesta pesquisa com os achados anteriores, visto que os facilitadores e as barreiras estão presentes nos contextos analisados.

Inicialmente, o posicionamento da fintech como empresa que oferece soluções com custos mais baixos, produtos e serviços financeiros aprimorados e crédito facilitado gera inclusão financeira (Clements, 2018Clements, R. (2018) Regulating Fintech in Canada and the United States: Comparison, Challenges and Opportunities. University of Calgary, School of Public Policy Research Series, 2019. Available at SSRN:https://ssrn.com/abstract=3304759
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), o que permite oferecer serviços a um mercado consumidor não atendido e atender a diferentes condições sociais por meio de uma oferta de serviços diferenciada.

Por outro lado, Klus et al. (2019Klus, M. F.; Lohwasser, T. S.; Holotiuk, F. & Moormann, J. (2019) Strategic Alliances between Banks and Fintechs for Digital Innovation: Motives to Collaborate and Types of Interaction. The Journal of Entrepreneurial Finance, 21 (1), 1-23. ) ressaltam que a inovação, habilitada pela tecnologia (novas tecnologias existentes) desafia os modelos de negócios tradicionais das instituições já estabelecidas, como os bancos e instituições financeiras, e exige que estes se adaptem rapidamente às necessidades da era digital (capacitação e mão de obra especializada). Ao mesmo tempo, os autores destacam que as empresas nascentes fornecedoras de soluções tecnológicas para o setor de serviços financeiros, como as fintechs, também enfrentam dificuldades, como atender aos requisitos regulatórios e conquistar a confiança de clientes em potencial (fatores legais e regulatórios).

Esses resultados apontam para a necessidade de atuação conjunta e sinérgica entre fintechs e bancos (relação com grandes players), o que, na prática, pouco tem se observado, visto que ainda há poucas iniciativas de parcerias entre instituições financeiras e fintechs, pois os bancos estão particularmente interessados ​​em se beneficiar da inovação rápida, sem necessariamente se envolverem em seu desenvolvimento, enquanto as fintechs necessitam de recursos (suporte financeiro; infraestruturas de apoio a processos de P&D) e know-how (suporte não financeiro) para expandir sua atuação no setor financeiro altamente regulamentado (Klus et al., 2019Klus, M. F.; Lohwasser, T. S.; Holotiuk, F. & Moormann, J. (2019) Strategic Alliances between Banks and Fintechs for Digital Innovation: Motives to Collaborate and Types of Interaction. The Journal of Entrepreneurial Finance, 21 (1), 1-23. ).

Por fim, outro aspecto identificado nos estudos correlatos (Clements, 2018Clements, R. (2018) Regulating Fintech in Canada and the United States: Comparison, Challenges and Opportunities. University of Calgary, School of Public Policy Research Series, 2019. Available at SSRN:https://ssrn.com/abstract=3304759
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; Klus et al, 2019Klus, M. F.; Lohwasser, T. S.; Holotiuk, F. & Moormann, J. (2019) Strategic Alliances between Banks and Fintechs for Digital Innovation: Motives to Collaborate and Types of Interaction. The Journal of Entrepreneurial Finance, 21 (1), 1-23. ) e destacado nesta pesquisa diz respeito à regulação (fatores legais e regulatórios), já que as fintechs impõem novos riscos e desafios aos reguladores, como a criação de leis que capturem com precisão novas tecnologias e acompanhem o ritmo das inovações em constante evolução. Dessa forma, é fundamental que os reguladores equilibrem o incentivo à inovação e a concorrência com o gerenciamento e supervisão de riscos eficazes (Clements, 2018Clements, R. (2018) Regulating Fintech in Canada and the United States: Comparison, Challenges and Opportunities. University of Calgary, School of Public Policy Research Series, 2019. Available at SSRN:https://ssrn.com/abstract=3304759
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).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como objetivo identificar facilitadores e barreiras enfrentadas pelas fintechs de pagamentos móveis para a sua entrada e desenvolvimento no contexto brasileiro. Observou-se uma convergência entre os facilitadores e barreiras levantados na literatura e os dados empíricos observados no contexto brasileiro. Além disso, foi possível identificar particularidades do ecossistema das fintechs no contexto brasileiro, segundo a percepção dos empreendedores pesquisados.

Primeiramente, destaca-se a existência de um mercado não atendido ou mal atendido e o fornecimento de soluções focadas em satisfazer as necessidades desses clientes como facilitador para a entrada no mercado, mas adaptar a tecnologia aos anseios do público e monetizar a solução proposta são mencionadas como barreiras. A tecnologia é entendida como condição para a existência das fintechs, reduzindo custos e agregando valor aos potenciais clientes (Shaikh et al., 2017Shaikh, A. A., Hanafizadeh, P. & Karjaluoto, H. (2017). Mobile banking and payment system: A conceptual standpoint. International Journal of E-Business Research, 13(2), 14-27. ). Por outro lado, a escassez de desenvolvedores com conhecimento técnico e uma infraestrutura de comunicação limitada se torna uma barreira para o desenvolvimento do negócio (Gozman, Liebenau & Mangan, 2018Gozman, D., Liebenau, J. & Mangan, J. (2018). The innovation mechanisms of fintech startups: insights from SWIFT’s innotribe competition. Journal of Management Information Systems , 35(1), 145-179. ).

A parceria entre as fintechs foi citada como um facilitador para o desenvolvimento de soluções conjuntas, onde agregar tecnologias de parceiros é um diferencial. Além disso, a força dessas parcerias, inclusive com a criação de uma associação de fintechs, demonstra a importância da colaboração para esse ecossistema. A única startup distante geograficamente do eixo Rio - São Paulo comenta a dificuldade (barreira) de estar fora do “centro” desse ecossistema (Diemers et al., 2015Diemers, D., et al. (2015). Developing a FinTech ecosystem in the GCC. Strategy&. Retrieved from Retrieved fromhttps://www.strategyand.pwc.com/media/file/Developing-a-FinTech-ecosystem-in-the-GCC.pdf , accessed June 24, 2019.
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; Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. )

Quanto aos grandes players, as fintechs consideram as instituições financeiras nacionais como barreiras para a entrada no negócio, mesmo utilizando a estrutura dessas organizações (adquirentes de cartão de crédito) como base para as suas transações; já os grandes players internacionais são facilitadores tanto para conseguir investimentos (fundos de investimentos de risco) como tecnologia (soluções digitais de pagamento internacionais). Entender como esses players atuam no mercado e utilizar suas estruturas para desenvolver e escalar novas soluções pode transformar uma possível barreira em um facilitador do negócio (Lee & Shin, 2018Lee, I. & Shin, Y. (2018). Fintech: Ecosystem, business models, investment decisions, and challenges. Business Horizons, 61(1), 35-46. ).

Os resultados encontrados sobre as barreiras das regulamentações existentes e possíveis lacunas legais corrobora a literatura (Folwarski, 2018Folwarski, M. (2018). The impact of selected regulations on the development of payments systems in Poland. Marketing and Management Innovation, 3. ); embora a legislação seja vista como uma barreira à entrada de fintechs no mercado, a postura firme do BC para evitar que qualquer empresa possa ingressar no mercado, inclusive as empresas mal-intencionadas, é valorizada.

Os resultados da pesquisa contribuem com a literatura sobre fintechs, e com empreendedores ou futuros empreendedores que desejam ingressar no mercado financeiro brasileiro, especificamente no de pagamentos, além de fornecer subsídios para a atuação de órgãos reguladores e desenvolvedores de políticas públicas.

No entanto, embora tenham sido tomadas as devidas precauções metodológicas durante a realização desta pesquisa, é importante ressaltar algumas limitações, a saber: conquanto todas as 34 fintechs de pagamentos móveis identificadas pela pesquisa tenham sido contatadas, apenas nove aceitaram participar do estudo. Da mesma forma, por se tratar de um estudo qualitativo (Estudo de Caso), e por ter sido utilizada a estratégia de codificação aberta dos dados, isso implica o uso de critérios subjetivos dos pesquisadores, fato que pode interferir nos resultados apresentados. Buscou-se dirimir tal limitação ao discutir os dados do caso posteriormente à luz de categorias provenientes da literatura e compará-los com resultados de estudos similares. Também se comparou o perfil das fintechs pesquisadas no caso com o perfil de fintechs brasileiras delineado em pesquisa da ABFINTECH (ABFINTECHS & PwC 2018ABFINTECHS & PwC. Pesquisa Fintech Deep Dive 2018. Available at: Available at: https://www.pwc.com.br/pt/setores-de-atividade/financeiro/2018/pub-fdd-18.pdf . Accessed: 14 Oct 2019.
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), verificando-se que são semelhantes, o que aumenta a validade dos resultados do presente estudo.

Sugere-se que pesquisas futuras analisem o papel da ABFintechs enquanto representante dos interesses das fintechs, aprofundando também as discussões acerca da legitimidade das fintechs perante os órgãos reguladores e mercado brasileiro em geral, especialmente junto a investidores, bem como investigar as questões relativas aos conflito de interesse e à possível influência dos grandes players sobre normas e regras estabelecidas para o sistema financeiro brasileiro. Pesquisar a inserção das fintechs em ambientes de P&D públicos ou em ambientes acadêmicos, como incubadoras ou parques tecnológicos, também é relevante para expandir o entendimento de como se podem criar condições de suporte a empresas desse segmento.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à CAPES e ao CNPq pelo apoio financeiro para esta pesquisa (bolsa de doutorado de Gabriel Braido e Bolsa Produtividade de Amarolinda Klein, respectivamente).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2019
  • Revisado
    23 Out 2019
  • Aceito
    26 Mar 2020
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