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Efeito disposição: Comportamento do investidor brasileiro em tempos de pandemia

Resumo

Este trabalho investiga a presença do efeito disposição em investidores brasileiros no ano de 2020. A base de dados compreende 274 investidores distintos que, em conjunto, realizaram mais de 12 mil transações. Aplica-se a metodologia utilizada por Odean (1998). A partir das carteiras de investimento de cada indivíduo, estima-se a proporção de ganhos e de perdas realizadas e testa-se a hipótese de igualdade dessas proporções. O estudo identificou que os investidores brasileiros estão propícios à influência dessa anomalia comportamental nas suas decisões, ou seja, vendem seus investimentos com ganhos mais rapidamente e mantêm seus investimentos perdedores por mais tempo e que uma posição com lucro possui mais chance de ser vendida do que uma posição com prejuízo. Os resultados não indicam efeito disposição no mês de março, e isso sugere que, em momentos de maior incerteza, investidores buscam limitar perdas, independentemente do lucro ou prejuízo auferido com o ativo.

Palavras-Chave:
Finanças comportamentais; efeito disposição; teoria das perspectivas; aversão à perda

Abstract

This study investigates the disposition effect with regard to Brazilian investors, with focus on the year 2020. The database is composed by more than 12,000 trades by 274 investors. We follow the method of Odean (1998) to estimate the proportions of gains and losses realized and test the null hypothesis of equality of these proportions in each portfolio. The results suggest that Brazilian investors behave in line with the disposition effect. They sell winning stocks too early and hold losing stocks too long. A stock that is gaining value is more likely to be sold from day to day compared to a stock that is losing value. The disposition effect was not found in March, which suggests that investors employed a loss-limit during periods of market stress, no matter if the stock went up or down.

Keywords:
Prospect Theory; Disposition Effect; Behavioral Finance; Loss Aversion

1. INTRODUÇÃO

Na era do aumento da oferta de serviços financeiros, o financial deepening, onde a difusão de informações e a busca por conhecimentos sobre investimentos e finanças em geral se tornam cada vez maiores, entender o comportamento dos investidores é de fundamental importância para auxiliar não apenas os próprios investidores, mas também os demais agentes de mercado, seja no âmbito regulatório, comercial, de alocação de recursos e, naturalmente, educacional.

A Teoria da Utilidade Esperada e a Hipótese dos Mercados Eficientes são a base para esse entendimento. O arcabouço teórico e grande parte da evolução dos estudos econômicos do século XX foram construídos pautados nas premissas de que investidores são racionais e se utilizam de probabilidade e preferências para tomada de decisão ( Shefrin, 2010Shefrin, H. (2010). Behaviorilizing Finance. Foundations and Trends in Finance, 4(1-2), 1-184. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1597934
https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
).

Nas últimas décadas tem se tornado crescente o volume de publicações que buscam avaliar se o comportamento dos indivíduos condiz com essas premissas. Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263-291. https://www.uzh.ch/cmsssl/suz/dam/jcr:00000000-64a0-5b1c-0000-00003b7ec704/10.05-kahneman-tversky-79.pdf
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) propuseram uma nova forma de avaliação sobre como os indivíduos tomam decisões em condições de risco e incerteza. Shefrin e Statman (1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
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) utilizaram a teoria desses autores para propor o efeito disposição, que, segundo eles, é reflexo de questões como contabilidade mental, medo do arrependimento e autocontrole. O efeito disposição significa que investidores vendem seus investimentos com ganhos mais rapidamente e mantêm seus investimentos perdedores por mais tempo.

O objetivo deste trabalho é identificar se investidores de varejo do mercado brasileiro sofreram do denominado efeito disposição no ano de 2020, marcado pela pandemia do coronavírus. O trabalho investiga as evidências dessa anomalia no mercado brasileiro a partir de uma base de dados inédita obtida em uma corretora de valores, em grupo específico atendido por uma assessoria de investimentos, contendo aproximadamente 20 mil transações diárias realizadas entre 2014 e 2020. É importante destacar que mais de 60% das operações, tanto de compra como venda, ocorreram no ano de 2020, provavelmente provocado pelo aumento das incertezas nos mercados financeiros, o que permite uma análise completa e robusta do efeito no ano em questão. Dessa forma, diferentemente de outros trabalhos no mercado brasileiro que utilizam base de dados da própria B3 ou de negócios de fundos de investimento, a base de dados deste estudo é composta por investidores individuais de uma corretora com acesso à assessoria financeira realizada por profissionais certificados.

Inúmeros trabalhos se sucederam buscando identificar diferentes anomalias que influenciam os investimentos, fatores causadores dessas anomalias e resultados verificados a partir de fatores comportamentais dissonantes do que seria esperado com base na racionalidade. Dentre muitos desses desvios, o efeito disposição é um dos mais robustos fatores comportamentais já documentados em estudos sobre transações ( Kaustia, 2010Kaustia, M. (2010). Prospect theory and the disposition effect. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(3), 791-812. https://doi.org/10.1017/S0022109010000244
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). A importância do tema é tamanha que, de acordo com o autor, a verificação sistemática da presença do efeito disposição no comportamento dos investidores pode levar a um distanciamento entre os preços de mercados dos ativos e seus valores fundamentais.

Podemos identificar três grandes linhas de pesquisa relacionadas ao efeito disposição. Na primeira linha, temos os estudos empíricos que identificam a significância e robustez do efeito em diferentes mercados ( Odean,1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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; Brown et al., 2006Brown, P., Chappel, N., da Silva Rosa, R., & Walter, T. (2006). The reach of the disposition effect: Large sample evidence across investor classes. International Review of Finance, 6(1-2), 43-78. https://doi.org/10.1111/j.1468-2443.2007.00059.x
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; Chen et al., 2007Chen, G., Kim, K.A., Nofsinger, J.R., & Rui, O.M. (2007). Trading performance, disposition effect, overconfidence, representativeness bias, and experience of emerging market investors. Journal of Behavioral Decision Making, 20(4), 425-451. https://doi.org/10.1002/bdm.561
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) e para diferentes ativos ( Genesove & Mayer, 2001Genesove, D., & Mayer, C. (2001). Loss aversion and seller behavior: Evidence from the housing market. The Quarterly Journal of Economics, 116(4), 1233-1260.; Kaustia, 2004Kaustia, M. (2004). Market-wide impact of the disposition effect: evidence from IPO trading volume. Journal of Financial Markets, 7(2), 207-235. https://doi.org/10.1016/j.finmar.2003.11.002
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; Choe & Eom, 2009Choe, H., & Eom, Y. (2009). The disposition effect and investment performance in the futures market. Journal of Futures Markets: Futures, Options, and Other Derivative Products, 29(6), 496-522. https://doi.org/10.1002/fut.20398
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). Na segunda linha, temos experimentos em ambientes controlados os quais identificam comportamentos compatíveis com o efeito disposição em diferentes cenários ( Weber & Camerer, 1998Weber, M., & Camerer, C. F. (1998). The disposition effect in securities trading: An experimental analysis. Journal of Economic Behavior & Organization, 33(2), 167-184. https://doi.org/10.1016/S0167-2681(97)00089-9
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). Na terceira linha, temos estudos que tentam identificar que fatores contribuem para explicar esse tipo de efeito ( Korniotis & Kumar, 2011Korniotis, G.M., & Kumar, A. (2011). Do older investors make better investment decisions? The Review of Economics and Statistics, 93(1), 244-265.; Costa et al., 2013Costa, N., Jr., Goulart, M., Cupertino, C., Macedo, J., Jr., & Da Silva, S. (2013). The disposition effect and investor experience. Journal of Banking & Finance, 37(5), 1669-1675. https://doi.org/10.1016/j.jbankfin.2012.12.007
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). Este artigo contribui para a literatura empírica e para a identificação de fatores.

O efeito disposição, além de ir de encontro à ideia de manter os lucros e cortar os prejuízos, a que o mercado se refere como “Cut your losses and let your profits run!”, é pouco eficiente em termos fiscais ( Kaustia, 2010Kaustia, M. (2010). Prospect theory and the disposition effect. Journal of Financial and Quantitative Analysis, 45(3), 791-812. https://doi.org/10.1017/S0022109010000244
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). Investidores deveriam vender suas posições com prejuízo em detrimento das posições vencedoras para poderem compensar os futuros lucros realizados ou, ao menos, fazer um balanceamento entre perdas e ganhos realizados com o objetivo de minimizar o impacto dos tributos. O não comportamento conforme a racionalidade, segundo o autor, representa a transferência de riqueza do investidor para a sociedade.

No Brasil, trabalhos como os de Karsten (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
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) e Prates et al. (2019Prates, W. R., Costa, N. C., Jr., & Santos, A. A. (2019). Efeito disposição: Propensão à venda de investidores individuais e institucionais. Revista Brasileira de Economia, 73(1), 97-119. https://doi.org/10.5935/0034-7140.20190005
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), tanto pela ampla base de dados, como pela diferenciação dos tipos de investidores, são referências no estudo do efeito disposição no comportamento dos investidores brasileiros. Os resultados desses estudos sugerem que investidores pessoa física possuem forte propensão ao efeito disposição, enquanto investidores institucionais apresentaram comportamento contrário.

Em relação ao período de estudo, a pandemia do coronavírus (COVID-19) trouxe um grande impacto na saúde pública, mas também na economia mundial, devido à limitação das atividades econômicas, e nos mercados financeiros, que exibiram uma reação decorrente do ambiente de incertezas. Nesse contexto, nos meses de fevereiro e março de 2020, o índice Ibovespa apresentou uma queda de 35,81%, e isso representa duas vezes a queda do índice S&P 500 para o mesmo período. Somente no mês de março de 2020, o circuit breaker foi acionado nos dias 9, 11, 12 (duas vezes), 16 e 18, sendo que o segundo movimento do dia 12 aconteceu após uma queda de mais de 15%. De certa forma, esse movimento chama atenção para a importância de estudos que identificam o comportamento dos investidores em momentos de maior vulnerabilidade dos ativos. Dacey e Zielonka (2013Dacey, R., & Zielonka, P. (2013). High Volatility Eliminates the Disposition Effect in a Market Crisis. Decyzje, 20, 5-20. https://ssrn.com/abstract=2399038
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) demonstram que nos casos de queda do mercado, em momentos de alta volatilidade, o investidor age de forma contrária ao esperado no efeito disposição. Afi (2017Afi, H. (2017). An examination of the relationship between the disposition effect and stock return, volatility, and trading volume: the evidence in US stock markets. International Journal of Managerial and Financial Accounting, 9(3), 242-262. https://doi.org/10.1504/IJMFA.2017.086690
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) confirma esse resultado ao identificar a não existência do efeito disposição em momentos de stress ou alta volatilidade no mercado de bolsa da NYSE e da Nasdaq. Este trabalho busca avaliar a reação do investidor de ações do mercado brasileiro em momentos de maior vulnerabilidade ou incerteza no mercado financeiro ao possibilitar uma análise mês a mês em um importante período de análise.

Assim como os demais trabalhos mencionados anteriormente, verificamos forte propensão ao efeito disposição por parte dos investidores. Os resultados encontrados sugerem que os investidores brasileiros tendem a apresentar essa anomalia comportamental, vendendo mais rapidamente seus ganhos e mantendo suas perdas por mais tempo. Os resultados são verificados nos demais anos da base de dados. Em particular, o estudo identifica dois momentos nos quais não se verifica o efeito disposição. Em dezembro, por conta do ajuste de carteiras de fim de ano e em março de 2020 - marcado pelo anúncio da OMS de que a Covid-19 era uma pandemia. Esse resultado sugere que, nesses períodos, investidores buscam sair de suas posições, independentemente do lucro ou prejuízo auferido com o ativo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

A hipótese de eficiência de mercado indica que o preço dos ativos e seus respectivos mercados refletem todas as informações disponíveis, tendo sido formulada com base na teoria da utilidade esperada e das expectativas racionais ( Fama, 1970Fama, E. (1970). Efficient Capital Markets: A review of theory and empirical work. The Journal of Finance, 25(2), 383-417. https://doi.org/10.2307/2325486
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). Assim, afirma-se que os agentes tomam suas decisões com base puramente racional, que o processo decisório se dá de forma lógica, e que o indivíduo busca maximizar sua utilidade, atribuindo probabilidades aos eventos futuros dada a necessidade de tomarem suas decisões sob incerteza. Portanto, como os agentes são racionais, os preços refletem o valor intrínseco dos ativos.

As distorções encontradas em diversos processos decisórios que não seguiram a lógica prevista acima, mesmo antes da formulação da hipótese dos mercados eficientes, iniciaram uma série de pesquisas as quais deram origem ao campo das finanças comportamentais. Allais (1953Allais, M. (1953). Le Comportement de l'Homme Rationnel devant le Risque: Critique des Postulats et Axiomes de l'Ecole Americaine. Econometrica, 21(4), 503-546. https://doi.org/10.2307/1907921
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) demonstrou as inconsistências das escolhas dos indivíduos com o que era esperado conforme a teoria da utilidade esperada. Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263-291. https://www.uzh.ch/cmsssl/suz/dam/jcr:00000000-64a0-5b1c-0000-00003b7ec704/10.05-kahneman-tversky-79.pdf
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) descreveram o efeito certeza como sendo a preferência dos indivíduos por um resultado certo em detrimento da escolha por alternativas prováveis, dada sua dificuldade em compreender noções de probabilidade e valor esperado.

Kahneman e Tversky (1974Kahneman, D., & Tversky, A. (1974). Judgment under uncertainty: Heuristics and biases. Science, 185(4157), 1124-1131. https://www2.psych.ubc.ca/~schaller/Psyc590Readings/TverskyKahneman1974.pdf
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) afirmam que processos de avaliação e decisão dos indivíduos são feitos com base em regras derivadas do senso comum e em processos heurísticos os quais reduzem tarefas complexas de avaliações de cenários e probabilidades a julgamentos mais simples, ocasionando erros sistemáticos.

Na teoria clássica de finanças, parte-se da ideia de que indivíduos possuem aversão a risco, entretanto, ao se tratar de finanças comportamentais, a aversão à perda se torna mais relevante, dado o sentimento por parte dos indivíduos de que as perdas geram impacto emocional duas vezes maior do que um ganho de mesma magnitude ( Camerer, 2008Camerer, C. (2008). Neuroeconomics: Opening the Gray Box. Neuroview, 60(3), 416-419. https://doi.org/10.1016/j.neuron.2008.10.027
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). Essa distinção é de fundamental importância, pois, conforme demonstrado por Kahneman e Tversky (1979Kahneman, D., & Tversky, A. (1979). Prospect Theory: An analysis of decision under risk. Econometrica, 47(2), 263-291. https://www.uzh.ch/cmsssl/suz/dam/jcr:00000000-64a0-5b1c-0000-00003b7ec704/10.05-kahneman-tversky-79.pdf
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), indivíduos são avessos a risco quando seus ativos estão em regiões de lucro e propensos a risco quando seus ativos estão em regiões de prejuízo.

2.1. Efeito Disposição

Shefrin e Statman (1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
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) trouxeram a primeira análise formal do efeito disposição. Os autores tomaram como base o estudo de Schlarbaum et al. (1978Schlarbaum, G. G., Lewellen, W. G., & Lease, R. C. (1978). Realized Returns on Common Stock Investments: The Experience of Individual Investors. The Journal of Business, 51(2), 299-325. https://www.jstor.org/stable/2352530
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) onde foram avaliadas transações realizadas no mercado de ações americano, tendo sido consideradas apenas operações iniciadas e encerradas, verificando-se um resultado positivo no qual os investidores superaram o mercado em 5 pontos percentuais. Shefrin e Statman ( 1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
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) questionaram o resultado, indicando que os investidores venderam suas ações que estavam em região de lucro, mantendo aquelas que estavam em prejuízo, formalizando em seu trabalho os estudos indicadores da existência do efeito disposição.

Shefrin e Statman (1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
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) indicam que questões como o medo do arrependimento e a satisfação causada pelo acerto, ou seja, a realização do lucro, fazem com que indivíduos estejam dispostos a realizar seus ganhos mais rapidamente, mantendo por mais tempo seus ativos que se encontram com prejuízo.

O autocontrole dos indivíduos também é fator relevante, e Shefrin (2010Shefrin, H. (2010). Behaviorilizing Finance. Foundations and Trends in Finance, 4(1-2), 1-184. https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1597934
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) explica que uma pessoa se sente em situação de conflito quando pensa em tomar uma decisão racional, pois percebe a decisão de forma emocional. Investidores profissionais costumam ser mais rígidos no processo decisório, utilizando mecanismos como stop loss para evitar esse conflito ( Shefrin & Statman, 1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
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).

Outra anomalia verificada no comportamento dos indivíduos e que gera impacto em seus processos decisórios é o viés de status quo. De acordo com Kahneman et al. (1991Kahneman, D., Thaler, R. H., & Knetsch, J. L. (1991). Anomalies: The endowment effect, loss aversion, and status quo bias. Journal of Economic Perspectivess, 5(1), 193-206. https://pubs.aeaweb.org/doi/pdfplus/10.1257/jep.5.1.193
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), tal viés é uma implicação do conceito de aversão à perda, em que indivíduos preferem manter suas posições correntes, haja vista as desvantagens de eventual mudança aparentarem ser maiores do que as vantagens.

Lakonishok e Smidt (1986Lakonishok, J., & Smidt, S. (1986). Volume for winners and losers: Taxation and other motives for stock trading. The Journal of Finance, 41(4), 951-974. https://doi.org/10.1111/j.1540-6261.1986.tb04559.x
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) compararam o turnover entre ações que, com base em preços de referência, se valorizaram contra as que desvalorizaram, identificando maior turnover e volume naquelas que apresentaram ganhos. Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) avaliou 10.000 contas de investimentos de varejo de uma corretora de valores norte-americana de baixo custo e propôs uma metodologia para medir o efeito disposição, a será utilizada neste trabalho, em que são construídos portfólios para cada conta. Após a venda integral de um ativo componente da carteira, registra-se a venda como um ganho realizado ou uma perda realizada, e os demais ativos mantidos em carteira são registrados como ganhos não realizados ou perdas não realizadas, tomando como base o preço médio de aquisição dos ativos.

Trabalhos que sucederam o de Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) buscaram avaliar a presença do efeito disposição em investidores distintos no tocante ao grau de sofisticação que possuem, a forma como atuam, se por intermédio de profissionais ou individualmente, o meio de realização das transações, e, também, em mercados diferentes, tanto em sua natureza quanto em geografia.

Shapira e Venezia (2001Shapira, Z., & Venezia, I. (2001). Patterns of behavior of professionally managed and independent investors. Journal of Banking & Finance, 25(8), 1573-1587. https://doi.org/10.1016/S0378-4266(00)00139-4
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) encontraram, em Israel, a presença do efeito disposição tanto em investidores que atuam por conta própria, quanto naqueles que são assessorados por profissionais, sendo este efeito mais fraco nesse segundo grupo.

Dhar e Zhu (2006Dhar, R., & Zhu, N. (2006). Up Close and Personal: Investor Sophistication and the Disposition Effect. Management Science, 52(5), 726-740. https://doi.org/10.1287/mnsc.1040.0473
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) identificaram diferenças no efeito disposição entre investidores com características distintas. Os autores utilizaram variáveis demográficas e socioeconômicas como proxies para sintetizar o grau de conhecimento dos investidores, identificando que os indivíduos de maior patrimônio e aqueles que atuam profissionalmente possuem menor efeito disposição.

Ivkovic e Weisbenner (2009Ivkovic, Z., & Weisbenner, S. (2009). Individual investor mutual fund flows. Journal of Financial Economics, 92(2), 223-237. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2008.05.003
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2008.0...
) estudaram a presença do efeito disposição nos investidores que aplicaram seus recursos em fundos mútuos. Os autores identificaram que os indivíduos tendem a manter os fundos com melhor performance e resgatar aqueles com prejuízo, e isso pode ser motivado a partir de questões fiscais. Entretanto, conforme descrito em seu trabalho, os autores demonstram que investidores tomam a decisão de investir em fundos mútuos ao avaliá-los de forma relativa a benchmarks ou com relação a objetivos específicos, como metas de retornos absolutos, escolhendo aqueles com melhor performance. A decisão de resgate é motivada por resultados absolutos negativos, a despeito de sua comparação com benchmarks.

Kaustia (2004Kaustia, M. (2004). Market-wide impact of the disposition effect: evidence from IPO trading volume. Journal of Financial Markets, 7(2), 207-235. https://doi.org/10.1016/j.finmar.2003.11.002
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) investigou o comportamento dos investidores com base no volume transacionado das ações após a realização de sua oferta pública inicial (IPO). Em um IPO, todos os investidores adquirem as ações a um mesmo preço, portanto o volume transacionado tem relação com sua disposição a vender suas posições com lucro ou perda. O autor identificou que as ações as quais abriram suas negociações em alta apresentaram maior volume de negócios enquanto aquelas que iniciaram suas negociações com desvalorização apresentaram volume menor.

2.2. Trabalhos de Referência no Mercado Brasileiro

No Brasil, os trabalhos de referência se dividem em estudos com base de dados da própria B3, trabalhos experimentais e trabalhos com bases de dados de negócios de fundos de investimento. Os resultados sugerem que investidores individuais apresentam o efeito disposição enquanto os investidores institucionais estão menos suscetíveis aos efeitos. No presente estudo, a base de dados é composta por investidores individuais de uma corretora com acesso à assessoria financeira realizada por profissionais certificados. Esse tipo de base de dados é mais alinhado à literatura do efeito disposição no mercado internacional. Karsten (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
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) testa a hipótese do efeito disposição para investidores de diversas categorias, identificando a presença nos investidores pessoa física. Os investidores profissionais apresentam comportamento ambíguo. Lucchesi (2010Lucchesi, E. P. (2010). O efeito disposição e suas motivações comportamentais: um estudo com base na atuação de gestores de fundos de investimento em ações [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-26052010-114534/pt-br.php.
https://www.teses.usp.br/teses/disponive...
) buscou avaliar fatores causadores das decisões dos gestores de fundos de ações, identificando que a teoria do prospecto explica parte das decisões tomadas.

Costa et al. (2008Costa, N. C., Jr., Silva, S., Cupertino, C. M., & Goulart, M. A. (2008). Efeito Disposição e Experiência: um Teste de Laboratório no Brasil. XXXII Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro, RJ, Brazil. ) realizaram experimento com grupo de indivíduos que possuíam diferentes experiências no mercado de ações, outro com indivíduos sem nenhuma experiência, e um terceiro com decisões geradas de forma aleatória para servir de controle. Os autores identificaram o efeito disposição na maioria dos indivíduos.

Klotzle et al. (2010Klotzle, M. C., Tizziani, E., Ness Jr., W. L., , & Motta, L. F. (2010). O efeito disposição na indústria brasileira de fundos de investimento em ações. Brazilian Review of Finance, 8(4), 383-416. https://doi.org/10.12660/rbfin.v8n4.2010.1651
https://doi.org/10.12660/rbfin.v8n4.2010...
) analisaram as carteiras de todos os fundos de investimentos em ações brasileiros entre 2003 e 2008 com o intuito de identificar a existência do efeito disposição, não tendo encontrado evidências que indiquem a presença de tal comportamento nesse tipo de investidor.

Mais recentemente, Prates et al. (2019Prates, W. R., Costa, N. C., Jr., & Santos, A. A. (2019). Efeito disposição: Propensão à venda de investidores individuais e institucionais. Revista Brasileira de Economia, 73(1), 97-119. https://doi.org/10.5935/0034-7140.20190005
https://doi.org/10.5935/0034-7140.201900...
) utilizaram-se de grande amostra disponibilizada pela B3 para identificar se investidores de diferentes categorias possuem comportamentos distintos no que tange ao efeito disposição. Os autores encontraram evidências de que investidores pessoa física possuem forte propensão ao efeito disposição, enquanto investidores institucionais apresentaram comportamento contrário. Lopez et al. (2021Lopez, F.H., Prates, W. R., Valcanover, V. M., & Costa, N. C., Jr. (2021). Efeito Disposição em investimentos: Investidores individuais e institucionais agem de maneira diferente? Revista Eletrônica de Administração, 27(01), 210-231 https://doi.org/10.1590/1413-2311.316.101702
https://doi.org/10.1590/1413-2311.316.10...
) encontraram resultados similares para investidores individuais e institucionais para uma amostra de 2012 a 2014.

3. AMOSTRA

Os dados utilizados foram obtidos junto a uma grande corretora de valores. A amostra contém transações diárias realizadas de janeiro de 2014 a dezembro de 2020 e contempla no período cerca de 20 mil transações, entre compras e vendas, realizadas por 274 investidores distintos.

As informações relativas a cada transação contemplam a data da transação, o ativo negociado, se a movimentação se refere a uma compra ou venda, o preço de negociação, o código de identificação do investidor e se a primeira transação com ações foi realizada antes de 2014. Foram excluídas da amostra transações realizadas com derivativos de quaisquer categorias, fundos imobiliários, bem como vendas de ações adquiridas em processo de oferta pública inicial.

Os históricos de cotações e as transações foram ajustados aos desdobramentos e grupamentos ocorridos, bem como aos dividendos e juros sob capital próprio distribuídos; além disso, outros eventos que porventura tenham ocorrido, como cisões ou fusões entre empresas, também foram considerados no ajuste. A Tabela 1 apresenta as estatísticas dos dados utilizados no período.

Tabela 1
Estatística dos Ativos e das Operações

Em 2020, a mediana do número de ações por investidor é menor do que no período total, bem como a mediana das vendas e das compras. A média de quantidade de ações vendidas por investidor supera a média de quantidade de ações compradas em 2020, ao contrário de todo o período. Importante destacar que 77% das operações de day trade ocorreram em 2020.

3.1. Bancos de Dados de Outros Trabalhos

Em seu trabalho seminal acerca do efeito disposição, Shefrin e Statman (1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching...
) trabalharam com dados em painel de uma amostra de 2.500 contas com suas respectivas transações realizadas entre 1964 e 1970 obtidos junto a Schlarbaum, Lewellen e Lease (1978Schlarbaum, G. G., Lewellen, W. G., & Lease, R. C. (1978). Realized Returns on Common Stock Investments: The Experience of Individual Investors. The Journal of Business, 51(2), 299-325. https://www.jstor.org/stable/2352530
https://www.jstor.org/stable/2352530...
).

Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/...
) utilizou uma base de dados de 10 mil investidores com transações realizadas entre 1987 e 1993 em uma única corretora de valores norte-americana. Os dados incluem os custos de transação, valor total das transações e os tipos de ordens. Múltiplas transações realizadas no mesmo dia foram agregadas. Há limitações quanto à contabilização de ordens realizadas em outras corretoras, bem como na identificação de posições detidas antes de 1987.

Taylor (2000Taylor, L. (2000). The disposition effect: Do New Zealand investors keep their mistakes? available at http://hdl.handle.net/10523/1388.
http://hdl.handle.net/10523/1388...
) analisou amostra composta por 125 investidores neozelandeses que transacionaram ao menos uma vez no ano de 1992, exclusivamente através de uma corretora de valores. O autor analisou o impacto do atendimento profissional prestado a esses investidores no efeito disposição, haja vista a corretora oferecer serviço de assessoramento.

Shapira e Venezia (2001Shapira, Z., & Venezia, I. (2001). Patterns of behavior of professionally managed and independent investors. Journal of Banking & Finance, 25(8), 1573-1587. https://doi.org/10.1016/S0378-4266(00)00139-4
https://doi.org/10.1016/S0378-4266(00)00...
) utilizaram amostra de 4.300 contas de investidores que realizaram transações na bolsa de Tel Aviv no ano de 1994. Barber et al. (2007Barber, B. M., Lee, Y.-T., Liu, Y.-J., & Odean, T. (2007). Is the aggregate investor reluctant to realise losses? Evidence from Taiwan. European Financial Management, 13(3), 423-447. https://doi.org/10.1111/j.1468-036X.2007.00367.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-036X.2007...
) analisaram um volume expressivo de transações realizadas por investidores na bolsa de Taiwan. As cerca de 1 bilhão de transações avaliadas e realizadas entre 1995 e 1999 por aproximadamente 4 milhões de investidores distintos tornam este trabalho um dos mais completos já publicados.

No Brasil, Karsten et al. (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/h...
) utilizaram banco de dados fornecidos pela Bovespa, atual B3, constando 12 mil contas de investidores de categorias diferentes: pessoa física, pessoa jurídica não institucional e pessoa jurídica institucional. As transações incluem movimentações realizadas por um mesmo investidor em corretoras diferentes entre 2001 e 2004, entretanto não há registros de transações anteriores ao início dos dados, assim eventuais posições detidas previamente não foram consideradas.

4. METODOLOGIA

A partir dos registros das transações na data inicial da amostra, compõem-se carteiras para cada indivíduo, com registro da data de compra ou venda e o preço médio de negociação. Além disso, verifica-se a posterior realização de ganhos ou perdas ou a manutenção da posição. É possível que tais ativos não sejam os únicos a compor a carteira do investidor, pelo fato de se desconsiderar aquisições realizadas antes do início da amostra. Entretanto, é improvável que o portfólio construído por meio da amostra seja enviesado a ponto de representar apenas aqueles em que os investidores realizam mais suas operações de ganho ou perda ( Odean, 1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/...
).

Weber e Camerer (1998Weber, M., & Camerer, C. F. (1998). The disposition effect in securities trading: An experimental analysis. Journal of Economic Behavior & Organization, 33(2), 167-184. https://doi.org/10.1016/S0167-2681(97)00089-9
https://doi.org/10.1016/S0167-2681(97)00...
) calculam o coeficiente de disposição conforme equação a seguir:

C o e f i c i e n t e d e d i s p o s i ç ã o = N G R - N L R N G R + N L R (1)

Onde NGR equivale ao número de ganhos realizados, e NLR refere-se ao número de perdas realizadas.

Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) utiliza de maior profundidade na avaliação, construindo uma proporção entre os ganhos e perdas realizadas à quantidade de posições vencedoras e perdedoras que se possuía no ato da realização da operação de venda, conforme equações seguintes:

P G R = G A N H O S R E A L I Z A D O S G A N H O S R E A L I Z A D O S + G A N H O S N Ã O R E A L I Z A D O S (2)

P L R = P E R D A S R E A L I Z A D A S P E R D A S R E A L I Z A D A S + P E R D A S N Ã O R E A L I Z A D A S (3)

Onde PGR é a proporção de ganhos realizados, e PLR é a proporção de perdas realizadas. As perdas e ganhos não realizados são as posições que, na data da realização de alguma perda ou ganho, respectivamente, foram mantidas total ou em parte pelo investidor.

A necessidade de utilização das proporções (PGR e PLR) se dá pelo fato de que se fossem avaliadas apenas as quantidades de ganhos e perdas realizadas, em mercados de alta haveria tendência de maior volume de vendas de posições com ganho e, em mercados de baixa, uma tendência de maior volume de vendas de posições com perdas. Portanto, para verificar a disposição dos investidores em vender posições com ganho ou perda, faz-se necessário proporcionalizar essas transações ao total de posições do portfólio ( Odean, 1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/...
).

No que tange à contabilização de ganhos ou perdas, este trabalho seguirá a metodologia de Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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). Em dias nos quais não são realizadas vendas, não são contabilizados ganhos ou perdas, realizadas ou não. Barber et al. (2007Barber, B. M., Lee, Y.-T., Liu, Y.-J., & Odean, T. (2007). Is the aggregate investor reluctant to realise losses? Evidence from Taiwan. European Financial Management, 13(3), 423-447. https://doi.org/10.1111/j.1468-036X.2007.00367.x
https://doi.org/10.1111/j.1468-036X.2007...
) contabilizam os ganhos e perdas não realizados ainda que não tenham ocorrido transações de venda.

Para determinar se uma venda é considerada ganho ou perda, ou se o ativo mantido em carteira representa um ganho ou perda não realizados, faz-se necessário estabelecer o ponto de referência. Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) utiliza o preço médio de aquisição como referência para os cálculos, e esse autor identificou que mesmo ao utilizar outros pontos de referência, como o maior preço de aquisição, o menor preço de aquisição ou o mais recente, os resultados foram próximos. Barber et al. (2007Barber, B. M., Lee, Y.-T., Liu, Y.-J., & Odean, T. (2007). Is the aggregate investor reluctant to realise losses? Evidence from Taiwan. European Financial Management, 13(3), 423-447. https://doi.org/10.1111/j.1468-036X.2007.00367.x
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) também utilizam em seu trabalho o preço médio de aquisição. Haja vista a preferência de o investidor não ser uma variável observável e que difere de acordo com a perspectiva de cada um, a aferição do efeito disposição neste trabalho é feita com base no preço médio.

Conforme Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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), quando ocorre a venda de uma posição com ganho ou perda, os demais ativos mantidos em carteira são avaliados da seguinte forma:

  1. Se a máxima e mínima do ativo no dia forem superiores ao seu preço médio de aquisição, considera-se um ganho não realizado;

  2. Se a máxima atingida no dia for superior ao preço médio de aquisição do ativo e a mínima for inferior a este, considera-se a posição como neutra; e

  3. Se a máxima e mínima atingidas pelo ativo ao longo do dia forem inferiores ao preço médio de aquisição, considera-se a posição como uma perda não realizada.

Não foram consideradas para fins de cálculo dos resultados dos investidores as operações vendidas (“short”), tendo em vista que sua dinâmica difere das posições compradas, seja por fatores como a necessidade de aluguel de ações para cobertura, o que aumenta seu custo, seja pelo risco de zeragem compulsória pela área de risco da corretora ou até mesmo pela natureza de perda ilimitada imposta por este tipo de transação. Por não se ter conhecimento das posições detidas pelos investidores antes de 2014, eventuais vendas realizadas que não tenham a respectiva compra identificada na amostra, antes da data da venda, serão tratadas como operações do tipo short, ou seja, no caso de um investidor que detivesse uma ação em sua carteira cuja compra fora realizada antes de 2014, ao vendê-la após janeiro de 2014, teria sua venda considerada como uma posição short, e não uma zeragem de um investimento tido em custódia. Também é possível que investidores que detinham posições short antes de 2014 tenham recomprado tais posições dentro do período da amostra. Desta forma, em casos como este, as respectivas recompras foram tratadas como novas aquisições, podendo ter sido consideradas como ganhos ou perdas não realizados. Os respectivos tratamentos acima estão em linha com Karsten (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
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), e não se espera que esses fatores sejam relevantes haja vista baixo volume desse tipo de transação e dado o ano em questão ser o de 2020.

Custos de transação não foram considerados neste trabalho. Tendo em vista as limitações da amostra e a possibilidade de cobranças distintas de corretagens a partir do canal pelo qual os investidores realizaram suas transações, torna-se inviável estimar o custo transacional. Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) reforça que o comportamento dos investidores não aparenta ser influenciado por custos operacionais maiores.

Além da verificação do efeito disposição nos investidores ao longo de todo o ano, analisando os dados agregados para todo o período, Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) buscou identificar se no mês de dezembro os investidores, motivados por questões tributárias, tendem a realizar seus prejuízos de modo a compensar lucros obtidos ao longo do ano. Ainda que no mercado brasileiro a forma de tributação de ganhos de capital em operações normais permita compensação de prejuízos obtidos em até 5 anos, prejuízos em operações de day trade podem ser compensadas apenas dentro do ano-calendário.

4.1. Teste de Hipóteses

Para verificar se de fato os investidores contrariam a lógica de cortar os prejuízos e manter os lucros, ou seja, se há efeito disposição, é necessário testar a hipótese nula de que a diferença entre as proporções de ganhos e perdas é menor ou igual a zero. Para o teste ser válido, é preciso que as decisões dos investidores que resultem em perdas ou ganhos, realizados ou não, sejam realizadas de forma independente. Portanto, temos H0: PGR - PLR ≤ 0.

Em linha com Karsten (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
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), aplica-se o teste Z. Com a hipótese nula definida acima, tem-se:

Z = P G R ^ - P L R ^ σ ^ P G R ^ - P L R ^ (4)

Onde σ^PGR^-PLR^ é:

P G R × 1 - P G R N G R + N P G + P L R × 1 - P L R N L R + N P L (5)

Em que NGR , NPG , NLR and NPL são, respectivamente, o número de ganhos realizados, o de ganhos não realizados, o número de perdas realizadas e o número de perdas não realizadas.

Conforme indicado por Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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), é de se supor que o pressuposto de independência nas decisões não se dê de forma perfeita, por exemplo, a decisão de não vender em um dia provavelmente não é independente da decisão de vender em outro dia. Outra possibilidade é a de que investidores se sintam motivados a vender uma mesma ação pelos mesmos motivos, por exemplo, ao receberem uma mesma informação.

Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) indica que essa falta de independência não é suficiente para enviesar as proporções observadas. Além disso, Odean utiliza outro teste para dar robustez aos dados encontrados. O autor passa a assumir que a independência é verificada apenas entre investidores e não em níveis transacionais, realizando, assim, o cálculo da proporção de ganhos e perdas realizadas, bem como a diferença dessas proporções, para cada investidor. Outras suposições são feitas, e uma série de testes foi realizada, todos rejeitando a hipótese nula com alto grau de significância estatística.

5. RESULTADOS

Nesta Seção, serão apresentados os resultados e, além da rejeição ou não das hipóteses formuladas, buscar-se-á dar intuição econômica aos resultados, comparando-os com os principais trabalhos sobre o tema.

Na Tabela 2, encontram-se os resultados agregados para todo o período e para o ano de 2020, ou seja, o somatório de todos os ganhos e perdas, realizadas ou não, categorizando-os como tal, conforme aplicado a seguir para o total de ganhos realizados (NGR ):

N G R = i = 1 n N G R i (6)

O percentual de perdas realizadas em relação a perdas não realizadas subiu de 17% em todo o período para 22% em 2020, enquanto o percentual de ganhos realizados em relação a ganhos não realizados declinou de 24% em todo o período para 23% em 2020. Essa maior realização das perdas será discutida a seguir.

Tabela 2
Transações agregadas

Conforme indicado na metodologia, a partir dos dados acima descritos é possível calcular a proporção de ganhos realizados (PGR) e a proporção de perdas realizadas (PLR). As proporções para os dados agregados encontram-se na Tabela 3, assim como os respectivos testes. O resultado do ano de 2020 será apresentado mais à frente, de forma a podermos identificar a ocorrência do efeito mês a mês.

Tabela 3
PGR, PLR e teste Z- Período total da amostra

Os resultados da Tabela 3 indicam rejeitar, a um nível de significância de 1%, a hipótese nula de que as proporções de ganhos realizados e perdas realizadas são iguais. Portanto, se PGR é maior que PLR e rejeita-se a hipótese nula, temos evidências de efeito disposição nas decisões dos investidores, ou seja, os indivíduos contrariam a lógica de cortar seus prejuízos mais rapidamente e manter seus lucros por mais tempo. Os resultados encontrados estão em linha com Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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), Karsten (2006Karsten, J. G. (2006). O Efeito Disposição: Um estudo empírico no Brasil. São Paulo, Brasil. [Dissertação de Mestrado, Fundação de Getúlio Vargas, Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2087
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) e outros trabalhos sobre o tema. Em consonância com os trabalhos mencionados, a estatística pode se encontrar com algum grau de inflação tendo em vista a não verificação de independência perfeita nas decisões e, portanto, nos dados.

Nota-se que a razão PGR/PLR em todo o período é de 1,31, indicando que uma ação que está em região de lucro possui 31% mais chance de ser vendida do que outra que esteja em região de prejuízo.

Antes de realizar testes com o objetivo de dar robustez aos resultados, na Tabela 4 avaliamos de forma conjunta os dados agregados das transações nos meses de dezembro, assim como para restante do ano. Essa avaliação tem como objetivo indicar se os investidores possuem maior propensão a vender posições com perdas no mês de dezembro se comparado ao resto do ano. Para tal, avaliam-se as diferenças entre as proporções de ganhos e perdas realizadas entre janeiro e novembro e dezembro.

Tabela 4
Dados agregados para dezembro e restante do ano

Conforme indicado na Tabela 4, vemos que a diferença da proporção de ganhos realizados pela proporção de perdas realizadas em dezembro é negativa e, ao realizar o teste para verificar a diferença das proporções, não se pode rejeitar a hipótese nula de igualdade das proporções para as transações realizadas em dezembro. Portanto, não é possível afirmar que no mês de dezembro se verifica o efeito disposição nos investidores.

Para os demais meses do ano, em linha com o que foi verificado para todo o período, rejeita-se a hipótese nula de igualdade entre as proporções de ganhos e de perdas realizadas. Ou seja, verifica-se o efeito disposição na decisão dos investidores para o período de janeiro a novembro com base nos resultados agregados.

Para testar a robustez do resultado, os dados serão particionados em períodos, de 2014 a 2017 (inclusive) e de 2018 a 2020. Ademais, serão divididas as transações por clientes que operam mais frequentemente, separando os 10% mais frequentes dos outros 90%. A hipótese é que investidores mais ativos tenham carteiras menores e, comisso, aumentem a proporção dos ganhos e perdas realizados ( Odean, 1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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). Na Tabela 5, temos os dados agregados para cada grupo particionado.

Tabela 5
Dados agregados por períodos e por investidores mais e menos frequentes

Com base nos dados acima, calculam-se as proporções de ganhos e perdas realizados, fazendo os respectivos testes de hipótese para verificar se há ou não o efeito disposição. A Tabela 6 compila os cálculos realizados e os respectivos testes.

Tabela 6
Diferença entre PGR e PLR e teste Z

Conforme a Tabela 6, ao particionar a análise por janelas, rejeita-se a hipótese nula de igualdade entre proporções de ganhos realizados e de perdas realizadas, ou seja, verifica-se o efeito disposição ao analisar os dados agregados, dentro de cada janela, para todo o ano. Tal resultado está em linha com Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
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) e com o que foi encontrado na Tabela 2.

Ao analisar os dados para o mês de dezembro, tanto para a janela que vai de 2014 a 2017, que possui amostra bastante reduzida, quanto para o período de 2018 a 2020, não se rejeita a hipótese nula de igualdade entre as proporções, ou seja, não se pode afirmar que há efeito disposição nas decisões dos investidores nesse mês. Portanto, o resultado implica dizer que os investidores brasileiros tendem, em dezembro, a realizar seus prejuízos em proporção maior aos ganhos realizados. Os resultados estão em linha com Odean (1998Odean, T. (1998). Are Investors Reluctant to Realize Their Losses. The Journal of Finance, 53(5), 1775-1798. https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/Papers%20current%20versions/AreInvestorsReluctant.pdf
https://faculty.haas.berkeley.edu/odean/...
) e destacando que, no mercado brasileiro, perdas de capital através de operações day trade podem ser compensadas com ganhos até o final do ano, enquanto perdas realizadas em períodos maiores que um dia podem ser compensadas em até 5 anos.

Avaliando os grupos de investidores mais e menos frequentes, verifica-se a rejeição da hipótese nula de igualdade entre as proporções de ganhos e perdas realizadas para o ano inteiro e para o período de janeiro a novembro, tanto para os investidores mais frequentes (10% que realizaram mais transações), como para os outros 90%. Portanto, verifica-se o efeito disposição nas decisões desses grupos, dentro dessas janelas. Para dezembro, assim como ocorrera para todos os dados agregados, não se rejeita a hipótese nula entre as proporções de ganhos e perdas realizadas.

Tendo em vista ser o último mês do ano-calendário, é possível que a mudança no comportamento dos investidores no mês de dezembro possa ser fruto do chamado window dressing, comportamento verificado principalmente em gestores de fundos de investimentos que, em janela próxima à da divulgação de sua carteira de investimentos, alteram suas posições de modo a manter aquelas cujo desempenho histórico tenha sido mais vantajoso desde a sua compra. Marques et al. (2019Marques, M. R., Sampaio, J. O., & Silva, V. A. B. (2019) Window Dressing em Fundos de Investimento no Brasil. Revista de Contabilidade e Finanças, 12. https://doi.org/10.2139/ssrn.3639238
https://doi.org/10.2139/ssrn.3639238...
) identificam a prática de window dressing em fundos de investimento geridos por instituições pequenas e em perdedores ante o Índice Bovespa. Ainda que o estudo trate de investidores individuais, identifica-se que as assessorias de investimento influenciam esse comportamento.

Interessante notar que ao longo de todo o período da amostra investidores mais ativos possuem uma razão PGR/PLR inferior aos investidores menos ativos, podendo indicar que aqueles que transacionam mais podem lançar mão de estratégias previamente definidas, como a ferramenta stop loss indicada por Shefrin e Statman (1985Shefrin, H., & Statman, M. (1985). The disposition to sell winners too early and ride losers too long: Theory and evidence. The Journal of Finance, 50(3), 777-790. https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching%202011/Shefrin-Statman-85.pdf
https://people.bath.ac.uk/mnsrf/Teaching...
). Seria esperado que o acesso a informações mais especializadas das corretoras reduzisse a diferença entre as razões desses dois grupos de investidores.

Com o objetivo de avaliar o comportamento dos investidores em momentos de forte volatilidade e incerteza, buscou-se estudar o ano de 2020, com o intuito de avaliar se durante esse período houve distinção no comportamento dos indivíduos. A exemplo do que fora apresentado anteriormente, foram realizados testes de hipótese com o objetivo de avaliar se as proporções de ganhos realizados (PGR) são iguais, ou não, às proporções de perdas realizadas (PLR).

Tabela 7
Dados do ano de 2020 para março e demais meses

Conforme a Tabela 7, não se verifica a existência de efeito disposição no mês de março de 2020. A data é significativamente importante, dado que a OMS declarou oficialmente a Covid-19 como pandemia em 11 de março de 2020. Desta forma, o resultado sugere que em momentos de incerteza investidores têm comportamentos que buscam limitar perdas independentemente da condição de ganho ou perda do ativo. O efeito volta a ser identificado nos demais meses (com a exceção já identificada anteriormente de dezembro), sendo que, no ano de 2020, uma ação na região de lucro apresenta 6,7% mais chance de ser vendida do que outra que esteja em região de prejuízo.

6. CONCLUSÃO

Este trabalho tem como objetivo identificar se investidores de varejo apresentam efeito disposição nas suas decisões de investimentos no mercado brasileiro durante o ano de 2020. Essa anomalia comportamental contraria a lógica de manter os investimentos com ganhos por mais tempo e vender mais rapidamente as aplicações que se encontram com perdas.

A verificação do efeito disposição é de grande importância para auxiliar investidores e demais agentes de mercado a melhorarem seu processo decisório, o arcabouço regulatório, o processo comercial e de atendimento a investidores, a alocação de recursos e, também, de educação.

Para validar a hipótese de existência do efeito disposição, foi utilizada uma amostra de 274 investidores distintos, com mais de 20 mil transações realizadas entre os anos de 2014 e 2020 por meio de uma corretora de valores. A maioria dos dados compreende o ano de 2020. Os dados foram estruturados em ordem cronológica contendo identificação numérica do investidor, data da transação, tipo de ordem, compra ou venda, ativo transacionado, quantidade e preço.

Os resultados obtidos sugerem haver presença do efeito disposição na decisão desse tipo de investidor, em que há maior probabilidade de posições com ganhos serem vendidas comparativamente às posições perdedoras. Não é possível afirmar a existência de efeito disposição nas transações realizadas em dezembro, o que pode, dentro de muitas possibilidades, ser fruto do chamado window dressing, que é o comportamento verificado em gestores de fundos de investimentos os quais buscam alterar suas carteiras no final de ano em busca de posições vencedoras. Por se tratar de investidores pessoa física, poder-se-á avaliar em trabalhos posteriores se há influência dos respectivos assessores de investimentos nesse tipo de comportamento. Trabalhos futuros poderão, também, avaliar se essa predisposição se dá apenas em operações do tipo day trade ou também em operações normais, dado que, no Brasil, a compensação de prejuízos pode ser feita dentro do ano corrente, no caso das operações de day trade, e em até 5 anos, no caso das operações normais.

Verifica-se no mês de março de 2020 uma mudança no comportamento dos investidores pela não identificação do efeito disposição. O resultado sugere que, em momentos de maior volatilidade ou incerteza, os investidores buscam limitar perdas, independentemente do lucro ou prejuízo auferido com o ativo.

Testes com demais anos foram realizados para dar robustez aos resultados encontrados. Foram feitos os mesmos testes para investidores que atuam com mais frequência e aqueles com menos frequência, bem como para janelas distintas. Os resultados corroboram a tese de que há efeito disposição nos investidores brasileiros.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2023

Histórico

  • Recebido
    27 Dez 2021
  • Revisado
    17 Mar 2022
  • Aceito
    28 Abr 2022
  • Aceito
    21 Nov 2022
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