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Modelo teórico para discussão da desobediência tributária a partir da teoria dos jogos

Resumo

Existe no Brasil uma linha de pesquisa consolidada que buscou identificar as proxies determinantes da agressividade fiscal das empresas listadas na B3. Contudo, nenhum desses estudos buscou identificar o instrumento utilizado pelas empresas brasileiras para realizar a agressividade fiscal. Portanto, esta pesquisa busca preencher essa lacuna ao demonstrar que a agressividade fiscal tem como fundamento a complexidade tributária brasileira que proporciona subsídios para evitar ou postergar o pagamento dos tributos. Além disso, este estudo é o primeiro estudo contábil a demonstrar que os parcelamentos especiais reduzem o valor presente dos tributos devidos pelos contribuintes incentivando-os à agressividade fiscal. Através dos fundamentos da Teoria dos Jogos, esta pesquisa demonstra o custo-benefício da agressividade fiscal na maximização do lucro da desobediência tributária. Foram examinadas as melhores decisões estratégicas no jogo da desobediência tributária diante da complexidade tributária e dos parcelamentos especiais vividos no Brasil. Verificou-se nesse jogo que o único equilíbrio de NASH é a desobediência tributária uma vez que é a única opção com alguma chance de remuneração. Portanto, esta pesquisa contribui substancialmente para compreensão do comportamento empresarial diante das características tributárias brasileiras, bem como fornece subsídios para incentivar uma reforma tributária que reduz a complexidade tributária atual.

Palavras-chave:
Teoria dos jogos; Complexidade Tributária; Parcelamentos Especiais; Desobediência Tributária

Abstract

A consolidated research line in Brazil identified the proxies for determining the tax aggressiveness of companies listed on the B3 stock exchange. However, none of these studies identified the instrument used by Brazilian companies to carry out tax aggressiveness. Thus, our research seeks to fill this gap by demonstrating that fiscal aggressiveness results from the Brazilian tax complexity, that providing prerogatives to avoid or delay tax payments. Besides, this study is the first accounting study to demonstrate that special installments reduce the actual value of taxes owed by taxpayers, encouraging them to be tax aggressive. Through the foundations of Game Theory, this research demonstrates the cost-benefit of tax aggressiveness in maximizing the profit of tax avoidance. We examined the best strategic decisions in the tax avoidance game concerning the tax complexity and special installments experienced in Brazil. In this game, the only NASH equilibrium is tax avoidance since it is the only option with a chance of remuneration. Therefore, this research contributes to understanding business behavior concerning the Brazilian tax system and provides subsidies to encourage reform of the current tax complexity.

Keywords:
Game Theory; Tax Complexity; Special Installments; Tax Avoidance

1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa busca entender quais são os fatores que afetam a decisão do contribuinte de recolher ou não recolher os tributos devidos a partir de uma premissa básica, qual seja, a de que os indivíduos maximizam a utilidade esperada do jogo da desobediência tributária pela ponderação de benefícios incertos do sucesso da prática de reduzir seus passivos tributários contra o risco de detecção e punição pela fiscalização. Diversos estudos buscaram proxies para identificar os determinantes da agressividade fiscal. Contudo, nenhum deles demonstrou como a agressividade fiscal é viabilizada. Logo, esta pesquisa busca preencher essa lacuna, demonstrando que a agressividade fiscal só é possível quando se tem uma alta complexidade tributária e mecanismos para postergação do pagamento dos tributos, como os parcelamentos especiais.

A pesquisa apresenta um modelo teórico, com base na Teoria dos Jogos, que buscou entender qual é a decisão racional lógica de um contribuinte e da fiscalização em um ambiente com alta complexidade tributária e com parcelamentos especiais repedidos. Portanto, o objetivo geral desta pesquisa foi avaliar como a complexidade tributária e os parcelamentos especiais afetam a tomada de decisão estratégica das empresas brasileiras no recolhimento dos seus tributos federais, tendo em vista os fundamentos da Teoria dos Jogos. A justificativa para a realização desta pesquisa está no consenso de que o país possui uma elevada complexidade tributária, e entender como ela se relaciona à desobediência tributária é relevante para a elaboração de políticas públicas eficientes. Além disso, Segundo Jacob (2018Jacob, M. (2018). Uma nota sobre a pesquisa tributária. Revista Contabilidade & Finanças, 29, 339-342.), a pesquisa tributária no Brasil, considerando sua complexidade tributária, pode produzir insights muito interessantes, os quais os acadêmicos de outros países não são capazes de obter prontamente em suas jurisdições.

Assim, desenhou-se um modelo teórico baseado na teoria dos jogos no qual a Entidade precisa tomar a decisão estratégica de obedecer ou desobedecer à legislação tributária brasileira. Em contrapartida, a fiscalização tomará a decisão estratégica de fiscalizar ou não a Entidade. Como equilíbrio desse jogo da desobediência tributária, o modelo evidenciou que dada à complexidade tributária brasileira e os parcelamentos especiais repedidos, a melhor estratégia para o contribuinte é desobedecer a legislação tributária e recolher o tributo devido em um parcelamento especial com seus benefícios. Enquanto a melhor estratégia para a fiscalização é autuar o contribuinte e receber o tributo devido em um parcelamento especial. Sendo assim, esta pesquisa avança o conhecimento sobre os determinantes da desobediência tributária ao introduzir os benefícios dos parcelamentos especiais no modelo proposto por Alligham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.), além de verificar se realmente os contribuintes podem utilizar-se da complexidade tributária e dos parcelamentos especiais como ferramentas para viabilizar a desobediência tributária.

Acredita-se que este estudo contribui para literatura sobre agressividade fiscal e planejamento tributário das empresas brasileiras, pois buscou entender qual é o instrumento utilizado pelas empresas para tomar tais decisões estratégicas. Adicionalmente, contribui com toda a sociedade demonstrando a necessidade de uma reforma fiscal que reduza a complexidade tributária desnecessária do sistema tributário brasileiro, bem como auxilie no debate de políticas públicas para tornar os parcelamentos especiais mais eficientes no tocante à arrecadação tributária.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. A teoria dos Jogos

A Teoria dos Jogos é um ramo da matemática aplicada que tem como objeto de estudo as estratégias utilizadas pelos jogadores na tentativa de melhorar seu retorno. Ou seja, a Teoria dos Jogos busca modelar situações nas quais dois ou mais agentes de decisão interagem entre si. Conforme Bierman e Fernandez (2010Bierman, H. S., & Fernandez, L. (2010). Teoria dos Jogos (2nd ed.). Pearson Universidades.), a teoria dos jogos busca identificar quais são as melhores decisões estratégicas para os jogadores, tendo em vista a sua decisão estratégica, bem como a decisão estratégica dos outros jogadores.

Segundo Sartini et al. (2004Sartini, B. A., Garbugio, G., Bortolossi, H. J., Santos, P. A., & Barreto, L. S. (2004). Uma introdução à teoria dos jogos. II Bienal da SBM-Universidade Federal da Bahia.) um jogo tem três elementos básicos, quais sejam, um conjunto finito de jogadores, normalmente representado por G = {g1, g2,...,gn}. Um conjunto finito de estratégias puras, denominado de Si = {si1, si2,...,simi}. Um vetor, denominado de perfil de estratégia pura com a remuneração do jogador para aquela estratégia, s = (s1j1 , s2j2 ,...,snjn), onde siji é uma estratégia pura para o jogador gi ∈ G.

Portanto, em um jogo existem (i) os jogadores, (ii) as estratégias e (iii) as recompensas (payoffs), que podem ser positivas ou negativas. No jogo, cada jogador racional adota uma estratégia com o intuito de maximizar a sua recompensa, baseado na crença de qual é a estratégia do seu concorrente. Fundamentado nessas premissas, o equilíbrio de Nash representa uma situação na qual nenhum jogador tem nada a ganhar mudando sua estratégia individualmente, o que leva a uma estabilidade no jogo ( Nash, 1951Nash, J. (1951). Non-cooperative games. Annals of Mathematics, 54(2), 286-295.). Todavia, em alguns jogos o equilíbrio de Nash não é observado em estratégias puras. Logo, para superar essa limitação, Bierman e Fernandez (2010Bierman, H. S., & Fernandez, L. (2010). Teoria dos Jogos (2nd ed.). Pearson Universidades.) aconselha considerar o jogo do ponto de vista probabilístico, no qual o jogador deve escolher uma distribuição de probabilidade sobre suas estratégias puras.

Destaca-se que esta pesquisa adotou, como premissa comportamental fundamental, a hipótese da utilidade esperada com risco de Von-Neumann e Morgenstern (1944Von-Neumann, J., & Morgenstern, O. (1944). Theory of Games and Economic Behavior. Princeton University Press.). Segundo essa hipótese, as pessoas procuram maximizar suas recompensas esperadas. Isto é, para cada jogador em um jogo pode-se atribuir um número a cada resultado do jogo tal que o jogador age como se estivesse maximizando sua utilidade esperada ( Bierman & Fernandez, 2010Bierman, H. S., & Fernandez, L. (2010). Teoria dos Jogos (2nd ed.). Pearson Universidades.).

Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.) explicam que a decisão de declarar ou não o tributo é uma decisão sob incerteza, uma vez que não recolher corretamente o tributo não provoca de forma imediata uma punição. Sendo assim, o contribuinte tem a oportunidade de escolher entre duas principais jogadas, quais sejam, (i) recolher ou (ii) não recolher o tributo devido. Conforme Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.), se o contribuinte não for investigado, ele estará melhor na segunda estratégia, porém, se ele for pego, estará pior. Para Graetz et al. (1986Graetz, M. J., Reinganum, J. F., & Wilde, L. L. (1986). The tax compliance game: toward an interactive theory of law enforcement. Journal of Law, Economics, and Organization, 2, 1-32.), em discussões tributárias, devem-se sempre considerar os ganhos dos órgãos de aplicação da lei, pois esse é um participante interativo em um modelo formal de conformidade legal. Logo, também se devem considerar, no jogo da desobediência tributária, os ganhos da fiscalização, bem como os ganhos dos contribuintes.

Portanto, a Teoria dos Jogos pode explicar a relação tributária entre contribuintes e Estado, já que ambos estão em um jogo com informação assimétrica entre esses jogadores e não cooperativo. Isto é, os contribuintes possuem todas as informações para compor sua base de cálculo tributária. Já o Estado depende das informações declaradas pelos contribuintes e ainda tem que incorrer em custos para realizar auditorias tributárias para verificar a integridade das informações declaradas por eles. No Brasil, somado a esse fato, a complexidade do Sistema Tributário torna a identificação da verdadeira base de cálculo tributária uma tarefa ainda mais árdua.

2.2. Complexidade tributária

Formalmente, o Office of Tax Simplification ( OTS, 2017Office of Tax Simplification (OTS) (2017), The OTS Complexity Index - Version 3, Retrieved 2017, 26 September, from Office of Tax Simplification (OTS) (2017), The OTS Complexity Index - Version 3, Retrieved 2017, 26 September, from https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/603479/OTS__complexity_index_paper_2017.pdf
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), um órgão que estuda a simplificação tributária no Reino Unido, definiu a complexidade tributária como sendo a dificuldade que o contribuinte tem para cumprir suas responsabilidades fiscais e entender as suas respectivas obrigações tributárias. Nesses termos, a complexidade advém da quantidade de leis que o sistema tributário possui, da sua regulação, bem como do seu entendimento. Como consequência da complexidade tributária, surgem os custos da aplicação de uma legislação fiscal complexa, que, de acordo com Kopczuk (2006Kopczuk, W. (2006). Tax simplification and tax compliance: An economic perspective. In Bridging the Tax Gap. Addressing the Crisis in Tax Administration (pp. 111-143). Economic Policy Institute.), representam uma perda líquida para a economia, já que esses recursos serão aplicados em atividades não geradoras de riqueza para a sociedade. Além disso, a complexidade tributária estimula a desobediência tributária, pois cria algumas dificuldades para os contribuintes honestos e abre portas para os contribuintes desonestos ( Laffer et al., 2011Laffer, A. B., Winegarden, W. H., & Childs, J. (2011). The economic burden caused by tax code complexity. The Laffer Center for Supply-Side Economics.). Os autores também comentam que a complexidade causa confusão e erros os quais muitas vezes tornam difícil distinguir desonestidade de equívocos na interpretação da lei.

Portanto, diversos estudos ( Aghion & Tirole, 1997Aghion, P., & Tirole, J. (1997). Formal and real authority in organizations. Journal of Political Economy, 105(1), 1-29.; Follmann, 2001Follmann, C. A. S. (2001). Evasão do imposto de renda pessoa física: estimativa para o caso brasileiro [Doctoral dissertation, University of São Paulo].; Slemrod & Yitzhaki, 2002Slemrod, J., & Yitzhaki, S. (2002). Tax avoidance, evasion, and administration. In Handbook of Public Economics (Vol. 3, pp. 1423-1470). Elsevier.; Richardson, 2006Richardson, G. (2006). Determinants of tax evasion: A cross-country investigation. Journal of International Accounting, Auditing and Taxation, 15(2), 150-169.; Laffer et al., 2011Laffer, A. B., Winegarden, W. H., & Childs, J. (2011). The economic burden caused by tax code complexity. The Laffer Center for Supply-Side Economics.; Batrancea et al., 2012Batrancea, L. M., Nichita, R. A., & Batrancea, I. (2012). Understanding the determinants of tax compliance behavior as a prerequisite for increasing public levies. The USV Annals of Economics and Public Administration, 12(15), 201-210.; Nugent, 2013Nugent, D. A. (2013). Legislating morality: The effects of tax law complexity on taxpayers' attitudes. Journal of Applied Business Research, 29(5), 1479.; Budak & James, 2018Budak, T., & James, S. R. (2018). The level of tax complexity: A comparative analysis between the UK and Turkey based on the OTS Index. International Tax Journal, 27-40.) têm associado a complexidade fiscal à desobediência tributária, pois a ideia subjacente presente na literatura é que a complexidade gera indecisões que podem ser utilizadas pelos contribuintes para evitar seus tributos.

Desta forma, acredita-se nesta pesquisa que a complexidade tributária tem uma relação com a desobediência tributária, pois ela abre oportunidades ao contribuinte para reduzir seus passivos tributários. Todavia, essa redução pode ser questionada em uma possível fiscalização. Mas esse questionamento poderá ser discutido pelos contribuintes, dada à complexidade da legislação tributária. Os órgãos julgadores por sua vez podem aceitar ou negar os argumentos dos contribuintes. Nesse sentido, se a jurisprudência for negativa aos contribuintes, estes podem pressionar o governo para conceder parcelamentos especiais para liquidação dos litígios tributários. Portanto, existe a hipótese de que a desobediência tributária está ligada também aos parcelamentos especiais ( Slemrod & Yitzhaki, 2002Slemrod, J., & Yitzhaki, S. (2002). Tax avoidance, evasion, and administration. In Handbook of Public Economics (Vol. 3, pp. 1423-1470). Elsevier.; Sandmo, 2005Sandmo, A. (2005). The theory of tax evasion: A retrospective view. National Tax Journal, 58(4), 643-663.; Slemrod, 2007Slemrod, J. (2007). Cheating ourselves: the economics of tax evasion. Journal of Economic Perspectives, 21(1), 25-48. https://doi.org/10.1257/jep.21.1.25
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; Torgler, 2007Torgler, B. (2007). Tax Compliance and Tax Morale: A Theoretical and Empirical Analysis. Edward Elgar.). Diante desse fato, apresenta-se no próximo tópico a revisão de literatura sobre os parcelamentos.

2.3. Parcelamentos Especiais

Diversos estudos ( Mikesell, 1986Mikesell, J. L. (1986). Amnesties for state tax evaders: The nature of and response to recent programs. National Tax Journal, 39(4), 507.; Alm, 1991Alm, J. (1991). A perspective on the experimental analysis of taxpayer reporting. The Accounting Review, 66(3), 577-593.; Torgler, 2003Torgler, B. (2003). Tax morale: Theory and empirical analysis of tax compliance [Doctoral dissertation]. University of Basel.; Morais et al., 2011Morais, C., Macedo, L., & Borges, R. (2011). O Resultado Arrecadatório do REFIS, do PAES e do PAEX e seu Impacto na Sensação de Risco Subjetivo pelos Devedores [Monografia, Escola de Administração Fazendária].; Alm, 2012Alm, J. (2012). Measuring, explaining, and controlling tax evasion: lessons from theory, experiments, and field studies. International Tax and Public Finance, 19(1), 54-77. https://doi.org/10.1007/s10797-011-9171-2
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; Leitão Paes, 2012Leitão Paes, N. (2012). O Parcelamento Tributário e Seus Efeitos sobre o Comportamento dos Contribuintes. Revista Economia, 13(2), 345-363.; Leitão Paes, 2014Leitão Paes, N. (2014). Os efeitos dos parcelamentos sobre a arrecadação tributária. Estudos Econômicos, 44(2), 323-350.; Faber, 2016Faber, F. I. L.; Silva, J. P. R. F. M. (2016). Parcelamentos tributários - análise de comportamento e impacto. Revista da Receita Federal Estudos Tributários e Aduaneiros Brasília, 3(1-2).) têm demonstrado que os parcelamentos especiais aumentam a desobediência fiscal. Segundo Andreoni et al. (1998Andreoni, J., Erard, B., & Feinstein, J. (1998). Tax compliance. Journal of Economic Literature, 36(2), 818-860.), o fundamento do entendimento de que os parcelamentos afetam negativamente a obediência tributária está no sentimento de injustiça causada por ele nos contribuintes regulares, bem como no surgimento de oportunidades para os contribuintes inadimplentes quitarem seus passivos tributários a valores presentes inferiores aos devidos quando da apuração.

Conforme Alm e Martinez-Vazquez (2003Alm, J., & Martinez-Vazquez, J. (2003). Institutions, paradigms, and tax evasion in developing and transition countries. In Public Finance in Developing and Transitional Countries: Essays in Honor of Richard Bird (pp. 146-178). Edward Elgar Pub.), nos últimos vinte anos, quase quarenta estados nos Estados Unidos promulgaram alguma forma de parcelamento especial, além de outros países em todas as partes do mundo. Os autores destacam que os parcelamentos especiais são ferramentas de receita controversa, cujo objetivo óbvio é aumentar a receita de curto prazo, mas que isso não funcionado na prática. Ademais, a esperança de futuros parcelamentos especiais gera nos contribuintes expectativas de redução no valor presente dos seus tributos devidos, acarretando desta forma uma redução no cumprimento fiscal ( Alm & Martinez-Vazquez, 2003Alm, J., & Martinez-Vazquez, J. (2003). Institutions, paradigms, and tax evasion in developing and transition countries. In Public Finance in Developing and Transitional Countries: Essays in Honor of Richard Bird (pp. 146-178). Edward Elgar Pub.).

O Brasil vive desde o ano 2000 um parcelamento especial a cada 3 anos conforme Receita Federal do Brasil (2017Receita Federal do Brasil (2018). Plano Anual de Fiscalização 2018. Retrieved 2017, February 14, from Retrieved 2017, February 14, from https://static.poder360.com.br/2018/02/plano-anual-de-fiscalizacao-2018-e-resultados-2017.pdf
https://static.poder360.com.br/2018/02/p...
). Estudos brasileiros de ( Cavalcante, 2010Cunha, A. D. S., Klin, I. D. V., & Pessoa, O. A. G. (2011). Custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.; Morais et al., 2011Morais, C., Macedo, L., & Borges, R. (2011). O Resultado Arrecadatório do REFIS, do PAES e do PAEX e seu Impacto na Sensação de Risco Subjetivo pelos Devedores [Monografia, Escola de Administração Fazendária].; Leitão Paes, 2012Leitão Paes, N. (2012). O Parcelamento Tributário e Seus Efeitos sobre o Comportamento dos Contribuintes. Revista Economia, 13(2), 345-363.; Leitão Paes, 2014Leitão Paes, N. (2014). Os efeitos dos parcelamentos sobre a arrecadação tributária. Estudos Econômicos, 44(2), 323-350.) mostram que os parcelamentos especiais vividos no Brasil não aumentaram a arrecadação tributária de curto prazo e incentivaram a desobediência tributária. Conforme estudos de Leitão Paes (2014Leitão Paes, N. (2014). Os efeitos dos parcelamentos sobre a arrecadação tributária. Estudos Econômicos, 44(2), 323-350.), os parcelamentos especiais fazem com que a arrecadação seja menor do que aquela se não houvesse o referido parcelamento especial. Além disso, os estudos demonstram a ineficiência arrecadatória dos parcelamentos tributários no Brasil, nos quais, segundo dados de ( Leitão Paes, 2012Leitão Paes, N. (2012). O Parcelamento Tributário e Seus Efeitos sobre o Comportamento dos Contribuintes. Revista Economia, 13(2), 345-363.), apenas 10% dos parcelamentos foram integralmente liquidados.

2.4. Desobediência Tributária

No estudo seminal de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.), os autores aplicaram a teoria de Becker (1968Becker, G. S. (1968). Crime and punishment: An economic approach. In The economic dimensions of crime (pp. 13-68). Palgrave Macmillan.) para desenvolver um modelo matemático a fim de identificar quais seriam os fatores que afetariam a decisão do contribuinte de recolher ou não seus tributos. Segundo o modelo, a decisão de recolher seus tributos pode ser vista como um problema de alocação de portfólio, no qual o contribuinte decide o quanto irá assumir de risco no não pagamento de tributos para maximizar sua utilidade esperada. Caso o contribuinte não queira assumir nenhum risco, deverá apresentar integralmente sua base tributável.

Portanto, a evasão é um problema de escolha ótima de declaração tributária, onde a base de cálculo declarada é tributada por uma alíquota fixa (t), e sobre o tributo evadido é cobrada uma multa proporcional ao tributo evadido. A probabilidade de ser fiscalizado (p), ou seja, de ser identificada pela fiscalização a verdadeira base de cálculo, é uma constante. O contribuinte então decide o montante a ser sonegado para maximizar sua utilidade esperada. Ou seja, o retorno máximo entre aquilo que é tributado e o que não é tributado. Desta forma, se denomina de Y (Y = W - t.X ) o ganho obtido pela sonegação não identificada pela fiscalização (renda disponível, não ocorrendo auditoria) e de Z [Z = W - t.X - s.(W − X )] o resultado obtido quando ele é fiscalizado (renda disponível, ocorrendo auditoria). Pode-se escrever a utilidade esperada do contribuinte como nos termos de Yitzhaki (1974Yitzhaki, S. (1974). A note on income tax evasion: A theoretical analysis. Journal of Public Economics, 3(2), 201-202.), que estendeu o modelo de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.):

E U = 1 - p . U W - t . X + p . U W - t . X - s . t W - X (1)

Onde: W = renda real; X = renda declarada; t = alíquota do tributo; s = multa; p = probabilidade de ocorrer fiscalização.

Outro estudo que avançou na análise da desobediência tributário foi o de Graetz et al. (1986Graetz, M. J., Reinganum, J. F., & Wilde, L. L. (1986). The tax compliance game: toward an interactive theory of law enforcement. Journal of Law, Economics, and Organization, 2, 1-32.), os quais introduziram formalmente o relacionamento entre fiscalização e contribuinte. Logo, o modelo abriu espaço para considerar outras variáveis que também impactam o cumprimento fiscal.

3. PREMISSAS DO JOGO DA DESOBEDIÊNCIA TRIBUTÁRIA

Este estudo descritivo, caracterizado como teórico-analítico, tem abordagem quantitativa e procedimento documental ( Martins, 1994Martins, G. A. (1994). Manual para elaboração de monografias e dissertações. Atlas.). A pesquisa fundamentou-se na teoria dos jogos ao analisar um jogo no qual o contribuinte decide se obedece ou desobedece à legislação tributária tendo em vista a complexidade e a possibilidade de futuros parcelamentos especiais na esfera federal brasileira. Também se considerou no modelo as escolhas da fiscalização em fiscalizar e autuar ou não o contribuinte. Todo o modelo foi feito tendo como base o processo administrativo fiscal.

O objetivo do Jogo da Desobediência Tributária para o contribuinte é reduzir os tributos a pagar para maximizar a utilidade esperada. Do ponto de vista da fiscalização, é evitar a redução dos tributos devidos. Portanto, trata-se de um jogo não cooperativo, no qual os contribuintes e a fiscalização possuem estratégias distintas com objetivos opostos. Isto é, o contribuinte deseja pagar o menor valor do tributo devido, e a fiscalização deseja receber o maior valor. Além disso, o Jogo da Desobediência Tributária é dinâmico e sequencial, e o contribuinte toma a sua decisão estratégica antes da fiscalização. Destaca-se que o jogo analisa as decisões estratégicas de tributos cujo lançamento ocorre por homologação, ou seja, primeiro o contribuinte antecipa o pagamento do tributo, sem prévio exame do fisco, sendo que este tem até cinco anos para exercer seu direito/dever de atestar ou corrigir a constituição definitiva do crédito tributário (tributo devido). O prazo de duração do jogo é de 13 anos, tendo em vista o prazo médio de duração de um processo administrativo fiscal, que se inicia com a apuração do tributo, seguido da fiscalização, da autuação, da impugnação do auto de infração, dos recursos ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do julgamento final do CARF ( De Santi, 2009De Santi, E. M. D. (2009). Relatório final NEF 2009: Reforma do Processo Administrativo Fiscal Federal (PAF)/CARF: Excelência, celeridade e eficiência. Editora FGV, 21.; IPEA, 2011; Mattos, 2017Mattos, A. J. N. D. (2017). Maximização da utilidade esperada, planejamento tributário e governança corporativa [Doctoral dissertation]. Universidade de São Paulo.). Por fim, o Jogo de Desobediência Tributária é um jogo de informação imperfeita no qual o contribuinte não sabe quais são os conhecimentos da fiscalização para decidir se vai ou não fiscalizá-lo, e a fiscalização não tem o total conhecimento para apurar o tributo devido, portanto tem que incorrer em auditorias fiscais para constituir o crédito tributário (tributo devido).

Ressalta-se que a abordagem da Teoria dos Jogos requer um padrão racional de atitude dos jogadores. Espera-se, então, que os agentes partícipes (contribuinte e fiscalização) tenham comportamento racional, não se movendo por emoções ou conceitos éticos e busquem todas as informações disponíveis para tomar suas decisões estratégicas. Portanto, presume-se que no Jogo da Desobediência Tributária os jogadores são racionais, pois já jogam esse jogo há algum tempo e já o conhecem bem.

O jogo ocorre em um ambiente de alta complexidade tributária que gera incerteza a todos os participantes do jogo. Logo, nem o contribuinte, nem a fiscalização nem os julgadores têm certeza de qual é o verdadeiro tributo devido. Essa alta complexidade tributária pode levar os contribuintes a uma desobediência involuntária, errando sua apuração pelas incertezas ocasionadas pela complexidade tributária, bem como a uma desobediência voluntária pela evasão ou elisão fiscal. Em ambas as estratégias de desobediência (evasão ou elisão), devido à complexidade tributária, os contribuintes possuem argumentos para impugnar e recorrer dos autos de infração. Nesse ambiente, a fiscalização também não tem plena certeza de qual é o tributo devido. Além do que, os julgadores podem considerar desobediências como atitudes lícitas dos contribuintes para apurar seus tributos devidos, assim como podem respaldar abusos da fiscalização. Toda essa complexidade tributária gera uma desconfiança e insegurança jurídica para toda a sociedade.

Considera-se desobediência tributária no jogo ora analisado os dilemas vividos pelas empresas brasileiras, as quais se deparam com incertezas tais como o local de recolhimento do Imposto sobre Servidos (ISS), as características para a apropriação de créditos sobre os produtos intermediários na apuração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre a Circulação e Servidos (ICMS), verbas indenizatórias na apuração das contribuições previdenciárias (INSS), o conceito de insumos para apuração de créditos no PIS e na COFINS, a dedutibilidade da amortização do ágio na combinação de negócios, a dedutibilidade das despesas operacionais na apuração do IRPJ e da CSLL, a redução do capital social na apuração do ganho de capital, dentre várias outras que a legislação tributária brasileira gera para os contribuintes, fiscalização e julgadores.

Durante o Jogo da Desobediência Tributária ocorreram, a cada três anos, a publicação de parcelamentos especiais que concederam prazos maiores de pagamentos, bem como redução de multas, juros e eliminação de crimes fiscais. Logo, esses parcelamentos reduziram o valor presente dos tributos devidos, além de terem afetado a moral tributária dos contribuintes honestos. Portanto, no jogo analisado os parcelamentos especiais concederam, em média, reduções de juros de 90% e multa de 50% em pagamentos à vista da dívida tributária, como foi no Programa Especial de Regularização Tributária (PERT) da Lei 13.496/2017.

No jogo da desobediência proposto existem dois órgãos julgadores, Delegacia de Julgamento (DRJ) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que tomam decisões independentes das decisões estratégicas dos jogadores (Contribuinte e Fiscalização) e podem realizar dois possíveis movimentos: cancelar ou manter o auto de infração. Todos os personagens do jogo (Contribuinte, Fiscalização, DRJ e CARF) tomaram suas decisões em um ambiente com elevada complexidade tributária e com parcelamentos especiais, sendo publicados a cada 3 anos, bem como tendo em vista o processo administrativo fiscal.

Conforme o Decreto nº 70.235/1972, que trata do processo administrativo fiscal, o crédito tributário decorrente do lançamento tributário fica suspenso da exigibilidade até decisão final proferida pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF. A Figura 1 mostra o fluxo simplificado do processo administrativo fiscal na visão do contribuinte.

Figura 1.
Fluxo simplificado do processo administrativo fiscal na visão do contribuinte

De acordo com a Figura 1, o contribuinte após ter recebido o auto de infração tem a oportunidade de questioná-lo na Delegacia de Julgamento, bem como em duas instâncias do CARF. Ressalta-se que o Contribuinte tem um prazo prescricional de mais 5 anos para o ajuizamento da ação, após o término do processo administrativo. Porém nesse jogo o processo judicial não será considerado, tratando-se portando de uma limitação.

Por fim, o jogo baseia-se nos pressupostos indicados por Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.), quais sejam: (i) o comportamento do contribuinte atende aos axiomas de Von-Neumann e Morgenstein (1944Von-Neumann, J., & Morgenstern, O. (1944). Theory of Games and Economic Behavior. Princeton University Press.), ou seja, aos axiomas da Consistência, da Monotonicidade, da Continuidade, da Substituição e da Simplificação e (ii) o contribuinte exibe aversão ao risco, o que é garantido com a suposição de que a função utilidade é positiva, crescente e côncava [U = U(c) > 0; U’>0; U’’< 0], conforme o gráfico da Figura 2.

Figura 2.
Gráfico - função utilidade positiva, crescente e côncava

Percebe-se do gráfico de Soares (1994Soares, M. R. D. C. (1994). Evasão fiscal: a teoria do comportamento dos agentes públicos e privados [Doctoral dissertation]. Fundação Getúlio Vargas.), reproduzido na Figura 2, que a utilidade da tomada de risco, determinada estocasticamente pelas utilidades em Y (renda disponível sem fiscalização) e Z (renda disponível com fiscalização), é superada pela utilidade determinística em c = W(1-t), sendo que W é a renda total, e t, a alíquota do tributo ( Soares, 1994Soares, M. R. D. C. (1994). Evasão fiscal: a teoria do comportamento dos agentes públicos e privados [Doctoral dissertation]. Fundação Getúlio Vargas.). Consoante Soares (1994Soares, M. R. D. C. (1994). Evasão fiscal: a teoria do comportamento dos agentes públicos e privados [Doctoral dissertation]. Fundação Getúlio Vargas.), a diferença de utilidade entre o risco (50% de chance de ocorrer o par de rendas Y e Z) e a certeza (100% de chance de ocorrer a renda c) é de -(dU). Exemplificando, se a utilidade determinística em c = W(1-t) for igual a 10$, Y = 2$ e Z = -3$, o risco (50% de chance de ocorrer o par de rendas Y e Z) será de -0,5$, o que significa uma utilidade esperada do risco é -10,5$, enquanto a certeza será de -10$. Destaca-se que (c) é a renda evadida pelo contribuinte que é totalmente descoberta e recebida pela Fiscalização, no caso de ocorrência de auditoria fiscal.

Segundo Soares (1994Soares, M. R. D. C. (1994). Evasão fiscal: a teoria do comportamento dos agentes públicos e privados [Doctoral dissertation]. Fundação Getúlio Vargas.), as condições de primeira e segunda ordem desse problema de maximização são dadas pelas expressões abaixo, sendo s a multa pela sonegação, e X, a renda declarada.

d E U d X = - t . 1 - p . U ' Y - t - s . p . U ' Z = 0

d E U 2 d 2 X = t 2 . 1 - p . U ' ' Y - t - s 2 . p . U ' ' Z = D < 0

A condição de segunda ordem (D) está atendida, uma vez que U" < 0. As condições de ingresso do contribuinte na evasão fiscal podem ser obtidas impondo-se que, no ponto da solução de canto da total honestidade (X = W), a curva da função utilidade seja decrescente, ou seja, dEUdX<0.

Da condição de primeira ordem tem-se que:

d E U d X = - t . 1 - p . U ' W - t W - t - s . p . U ' W - t W < 0

U ' W - t W - t 1 - p - t - s p < 0

- t 1 - p - t - s p < 0

- t + t p - t p + s p < 0

s p < t

Assim, para não haver sonegação fiscal, o "preço do ativo seguro" [t] (tributo devido) deve ser superior à expectativa de "preço do ativo de risco" [E(sp)] (retorno de aplicar na sonegação) ( Soares, 1994Soares, M. R. D. C. (1994). Evasão fiscal: a teoria do comportamento dos agentes públicos e privados [Doctoral dissertation]. Fundação Getúlio Vargas.).

4. RECOMPENSAS DOS JOGADORES (PAYOFFS)

No Jogo da Desobediência Tributária, o contribuinte é um sujeito econômico-racional que apura seus tributos para posterior homologação da Fiscalização. A complexidade tributária gera incerteza na apuração dos tributos para todos os participantes (contribuinte, fiscalização e julgadores). Existem parcelamentos especiais sendo publicados a cada 3 anos com reduções de multas e juros. A duração de um processo administrativo fiscal é de 13 anos. Por conseguinte, durante o processo administrativo fiscal haveria três parcelamentos especiais que no jogo proposto coincidiriam: (1) com o recebimento do auto de infração pelo contribuinte, (2) com a decisão da DRJ, (3) com a decisão da câmera inferior do CARF e (4) com a decisão da câmera superior do CARF.

O objetivo do contribuinte é maximizar sua utilidade individual, assim, ele deve escolher se recolhe um tributo próximo àquele estimado pela fiscalização ou recolhe um tributo de acordo com os seus entendimentos e pode ser classificado como desobediente tributário pela Fiscalização. Assume-se que o maior valor a ser recolhido é aquele imposto pela fiscalização. Assim, tem-se Tt = ao valor máximo do tributo devido de acordo com a fiscalização; Tro = o valor pago pelo contribuinte obediente próximo ao valor estimado pela fiscalização; e Trd = o valor pago pelo contribuinte de acordo com seu entendimento da legislação e que pode ser classificado como desobediente pela fiscalização. Assim, assume-se que Trd < Tro < Tt.

Desta forma, a decisão relevante do contribuinte é determinar o montante do tributo a recolher tomando como parâmetros a complexidade da legislação tributária (x), os parcelamentos especiais repetitivos (r), a probabilidade de ser fiscalizado (p), as penalidades no caso de uma autuação (m) e os custos do processo administrativo fiscal (c). Por outro lado, a decisão relevante da fiscalização é determinar se fiscaliza ou não o contribuinte tomando como parâmetros a complexidade da legislação tributária (x), os parcelamentos especiais repetitivos (r), as penalidades no caso de uma autuação (m) e os custos da fiscalização (cf ).

A remuneração esperada de um Contribuinte desobediente (Ri ) é dada pela diferença entre o tributo devido conforme fiscalização (Tt ) menos o Tributo Pago (Tp ) multiplicado pelo seu custo de oportunidade (δ) elevado ao número de meses entre a data de vencimento do tributo não pago e a data do pagamento ou parcelamento, ou a data de decadência do direito de fiscalizar o contribuinte, denominado aqui de n.

R i = T t - T p . 1 + δ n (2)

Onde: Ri é a remuneração esperada de um contribuinte desobediente; Tt é o tributo estimado pela fiscalização; Tp é o tributo pago pelo contribuinte desobediente; δ é o custo de oportunidade do contribuinte; e n o número de meses entre a data de vencimento do tributo devido e a sua liquidação que pode ocorrer pela decadência, pagamento ou parcelamento.

Já a remuneração da Fiscalização Rf está vinculada à descoberta da desobediência, à aplicação da multa, que pode variar de 75% a 225% do tributo não pago, somado com a atualização do tributo pela Selic.

R f = T t - T p . ( 1 + m u l t a + 1 n s e l i c (3)

Onde: Rf é a remuneração esperada da fiscalização; Tt é o tributo estimado pela fiscalização; Tp é o tributo pago; multa é aquela aplicada sobre o tributo não recolhido; selic são os juros calculados pela taxa Selic entre a data de vencimento de recolhimento do tributo e a data de pagamento do tributo mais 1% no mês de recolhimento do tributo não pago tempestivamente. Para fins de simplificação, a multa e os juros Selic serão representados por m, [multa+ 1nselic].

R f = T t - T p . 1 + m (4)

Onde: Rf é a remuneração esperada da fiscalização; Tt é o tributo estimado pela fiscalização; Tp é o tributo pago; m são as penalidades da autuação.

Dessa função, depreende-se que a remuneração esperada da fiscalização será corrigida pela Selic a juros simples. Outro ponto importante da Equação 4 é que a remuneração da fiscalização Rf somente será positiva se for maior que o custo de fiscalização Cf , ou seja, [Rf > 0, se Rf > Cf ].

Confrontando-se a remuneração do contribuinte desobediente Ri com a remuneração da fiscalização Rf , verifica-se que a atualização do desobediente será maior que a atualização da fiscalização se, e somente se, o custo de oportunidade δ for superior à Selic, restrito ao tempo entre a data de vencimento do tributo e a data do pagamento do tributo. Portanto, a remuneração Ri será maior que a remuneração Rf (Ri > Rf ), se, e somente se, o custo de oportunidade do desobediente (δ) for superior à Selic ou o tempo entre o vencimento e o pagamento proporcionar uma remuneração superior às penalidades multa e juros, pois a multa é estática em relação ao tempo, e os juros Selic são calculados a juros simples. Essa afirmação é matematicamente comprovada, igualando-se Ri à Rf (Ri = Rf ).

T t - T p . 1 + δ n = T t - T p . 1 + m 1 + δ n = 1 + m δ = 1 + m n - 1 (5)

Depreende-se do resultado da igualdade (Ri = Rf ) (i) que quanto menor o tempo de fiscalização, maior deverá ser a diferença entre o custo de oportunidade e a taxa Selic; (ii) que quanto menor a taxa Selic maior deverá ser a diferença entre o custo de oportunidade e a taxa Selic; (iii) corrigindo-se o custo de oportunidade por juros compostos e a Selic por juros simples e, a depender do tempo e da diferença entre as taxas do custo de oportunidade e a Selic, a remuneração da desobediência tributária Ri será maior que a punição Rf .

Pode-se apresentar a função Ri em relação a Rf , dado que Ri > Rf , pois o (1+δ)n > Selic, conforme Figura 3.

Figura 3.
Gráfico representativo da função Ri em relação a Rf

Além disso, em um ambiente no qual ocorrem parcelamentos especiais que reduzem as multas e os juros, bem como concedem longos prazos de pagamento, a remuneração da Fiscalização deixa de ser Rf para ser Pf , no qual o tributo não pago tempestivamente é recolhido nas condições do parcelamento especial:

P f = T t - T p . 1 + m . r (6)

Onde: Pf é a remuneração esperada da fiscalização; Tt é o tributo estimado pela fiscalização; Tp é o tributo pago; m são as penalidades aplicadas na autuação; r são os benefícios dos parcelamentos especiais.

Comparando a equação 6 (Pf ) com a equação 4 (Rf ), verifica-se que Pf < Rf devido aos benefícios dos parcelamentos especiais, confirmando que o valor recebido pela fiscalização é menor diante de um parcelamento especial.

Analisando os parcelamentos especiais do ponto de vista do contribuinte, percebe-se a possibilidade de um retorno para a desobediência tributária, pois a renda da desobediência (Ri ) pode ser maior que o pagamento no parcelamento especial (Pf ), ou seja, (Ri - Pf > 0) = Pi

P i = T t - T p . 1 + δ n - T t - T p . 1 + m . r (7)

Onde: Pi é a remuneração esperada do contribuinte; Tt é o tributo estimado pela fiscalização; Tp é o tributo pago; δ é o custo de oportunidade do contribuinte; n o número de meses entre a data de vencimento do tributo devido e a sua liquidação no parcelamento; m são as penalidades aplicadas na autuação; r são os benefícios dos parcelamentos especiais.

Depreende-se da Equação 7 que o resultado do desobediente Pi será positivo se, e somente se Ri > Pf: Portanto, para isso acontecer, o custo de oportunidade δ tem que ser maior que a remuneração da fiscalização menos os benefícios do parcelamento especial, ou seja, δ>1+m . rn-1.

A partir dessas informações, pode-se apresentar a função utilidade do contribuinte reescrevendo o modelo de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.) da seguinte forma:

E U = 1 - p . U T t - T p . 1 + δ n + p . U T t - T p . 1 + δ n - T t - T p . ( 1 + m . r (8)

Ou simplificando:

E U = 1 - p . U R i + p . U P i (9)

Onde: E é o operador de expectativa; U é a função utilidade; Ri é renda da desobediência atualizada conforme Equação 2; Pi é renda da desobediência menos o pagamento no parcelamento especial conforme Equação 6.

A função utilidade da desobediência tributária apresentada na equação 9 diferencia-se da função utilidade de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.) (Equação 1) em virtude de (i) do Ri considerar o custo de oportunidade da desobediência e (ii) ter crescimento exponencial em detrimento do crescimento linear da punição (Selic), bem como (iii) os benefícios dos parcelamentos especiais (r). Essas três diferenciações fazem que seja mais vantajoso “preço do ativo de risco” [E(p.s)] (retorno de aplicar na desobediência) do que o “preço do ativo seguro” [t] (tributo devido), corroborando as conclusões de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.).

Matematicamente, pode-se comprovar essas afirmações, pois em total honestidade (Tt - Tp = 0) a utilidade esperada é zero:

E U = 1 - p . U T t - T p . 1 + δ n + p . U T t - T p . 1 + δ n - T t - T p . ( 1 + m . r E U = 1 - p . U 0 . 1 + δ n + p . U 0 . 1 + δ n - 0 . ( 1 + m . r E U = 0 (10)

Já se o custo de oportunidade for maior que as punições reduzidas pelos benefícios dos parcelamentos especiais (δ>1+m . rn-1), a utilidade esperada será positiva, maior que 1. Logo, a maximização da função utilidade proposta na equação 9 será obtida, substituindo (1 + δ)n por 1+δn por δ e (1+(m+r)) por m. Assim, a derivada do custo de oportunidade em função da Selic o período máximo, bem como a diferença máxima entre o custo de oportunidade e a Selic.

Da condição de primeira ordem, temos que:

d E U d S e l i c = δ . 1 - p . U ' T t - T p + δ - m . p . U ' T t - T p > 0

U ' T t - T p δ . 1 - p + δ - m . p > 0

δ . 1 - p + δ - m . p > 0

δ - δ p + δ p - m p > 0

δ > m p

Assim, comprova-se que o custo de oportunidade da desobediência tributária é maior que a probabilidade de pagamento da punição reduzida pelos benefícios do parcelamento especial, ou seja, (δ>1+m . rn-1).

Didaticamente pode-se retornar ao exemplo dado anteriormente, quando da explicação do modelo de Allingham e Sandmo (1972Allingham, M., & Sandmo, A. (1972). Income Tax Evasion: A Theoretical Analysis, Journal of Public Economics, 1(3-4), 323-338.), no qual a renda após o tributo era de 10$ [c = W(1-t)], Y = 2$ e Z = -3$ a utilidade esperada do risco foi de -10,5$, enquanto a certeza era de -10$, com probabilidades de a fiscalização correr em 50%. Agora, adicionando as variáveis propostas, quais sejam, custo de oportunidade de 1,3% ao mês, multa de 75%, Selic de 1% ao mês, reduções de 70% em virtude de parcelamentos especiais e prazo de 13 anos, a utilidade esperada do risco passa para 14$, ou seja, 1,30% > 0,34%, conforme Tabela 1.

Tabela 1.
Resultado da EU

Portanto, em um ambiente com complexidade tributária que gera insegurança para todos os participantes e com parcelamentos especiais repetitivos, mesmo com elevadas penalidades aplicáveis à desobediência tributária e com altas probabilidades de ser fiscalizado, dado o tempo e o custo de oportunidade do desobediente, a utilidade esperada do contribuinte desobediente será positiva.

5. MODELO TEÓRICO DA DESOBEDIÊNCIA TRIBUTÁRIA

A partir dos pressupostos apresentados, estabelecem-se as variáveis do modelo teórico para o jogo da desobediência tributária como:

(j) o conjunto de jogadores, j = [contribuintes (1) e fiscalização (2)];

(b) o conjunto de participantes independentes, os julgadores, b = [DRJ e CARF];

(i) o conjunto das estratégias, sendo o conjunto de estratégias para os contribuintes é 𝑆Si1=obedecer e desobedecer e para a fiscalização Si2=fiscalizar e não fiscalizar;

(k) o conjunto dos movimentos possíveis dos jogadores, sendo para os contribuintes k1 = (pagar, impugnar, recorrer e parcelar), da fiscalização k2 = (autuar e não autuar), dos julgadores kb = (anular e manter) os autos de infração.

(U) o conjunto de recompensas dos jogadores, sendo Ci = custo de atendimento da fiscalização, Ci* = custo de atendimento do processo administrativo fiscal, Cf = custo da fiscalização, Cf* = custo do processo administrativo fiscal, Rf = auto de infração com as penalidades, Pf = auto de infração com as reduções das penalidades pelo parcelamento especial, Ri = rentabilidade da desobediência tributária, Pi = rentabilidade da desobediência tributária menos o pagamento do auto de infração com as reduções das penalidades pelo parcelamento especial ( Tabela 2).

Tabela 2.
Matriz de Recompensas (Pay-offs) ARRUMAR TABELA

Portanto, as recompensas ocorrem quando os contribuintes adotam as seguintes {estratégias} e (movimentos) {obedecer, desobedecer (pagar, impugnar, recorrer e parcelar)} e a fiscalização {fiscalizar, não fiscalizar (autuar e não autuar)}, sendo que as recompensas serão aumentadas ou diminuídas quando os julgadores adotam as suas decisões [anular e manter].

Assume-se que o auto de infração do contribuinte cuja estratégia é obedecer é menor que o auto de infração do contribuinte desobediente, bem como do custo da fiscalização. Assim, se a fiscalização autuar um contribuinte obediente terá somente custos, pois não recuperará o investimento naquela auditoria fiscal. Ademais, o contribuinte obediente ao ser fiscalizado terá somente custos, seja de atendimento à fiscalização, assim como do processo administrativo fiscal e o possível pagamento ou parcelamento do auto de infração. Assume-se também que 𝛿 δ>(1+(m . r)n -1 quando o contribuinte adota a estratégia da desobediência, logo Pf < Rf e Pi < Ri . O auto de infração recolhido no parcelamento especial é maior que o custo de fiscalização e do processo administrativo fiscal (Pi > Cf ). O equilíbrio no jogo ocorre quando do atingimento do objetivo, isto é, quando o contribuinte maximiza sua utilidade esperada, e a fiscalização recebe seu auto de infração aplicado.

A dinâmica do jogo da desobediência tributária inicia-se com o Contribuinte, escolhendo uma entre as duas estratégias {obedecer ou desobedecer}, a Fiscalização movimenta-se na sequência escolhendo {fiscalizar ou não fiscalizar} e adota um dos dois movimentos possíveis (autuar ou não autuar). Em seguida, o contribuinte adota os seus movimentos: (pagar, parcelar, impugnar e recorrer). Como se trata de um jogo sequencial, a representação é feita por meio de árvores de decisões. A Figura 4 apresenta a árvore para o Jogo da Desobediência Tributária, sendo que o jogo começa na extrema esquerda do diagrama onde o Contribuinte escolhe entre desobedecer ou obedecer à legislação tributária. Dois ramos partem da raiz para a direita e cada um representa uma das escolhas, desobedecer ou obedecer. Cada ramo aponta para um nó de decisão da RFB, já que esse jogador toma sua decisão de entrada depois que o contribuinte apura e recolhe seu tributo. De cada um desses dois nós de decisão estendem-se dois ramos que representam os dois movimentos possíveis à RFB, fiscalizar ou não fiscalizar. Se a RFB decidir fiscalizar, apresentam-se novamente mais dois nós de decisão, autuar ou não autuar. Em cada nó de decisão terminal estão demonstradas as possíveis recompensas para a RFB e para o Contribuinte, sempre nessa ordem. E, assim, segue o jogo da esquerda para direita até o final, que acontece quando o contribuinte escolhe entre pagar ou parcelar o auto de infração.

Figura 4.
Árvore para o Jogo da (Des)obediência tributária em um ambiente de complexidade tributária e com parcelamentos especiais

Segundo Bierman e Fernandez (2010Bierman, H. S., & Fernandez, L. (2010). Teoria dos Jogos (2nd ed.). Pearson Universidades.), embora ainda não exista um conceito de solução aceito universalmente e aplicável a todos os jogos, há um consenso na literatura que qualquer solução de um jogo não cooperativo deve ser um equilíbrio de Nash. Assim, para se identificar esse equilíbrio no modelo, aplicou-se ao jogo proposto, o algoritmo de indução retroativa apresentado por Bierman e Fernandez (2010Bierman, H. S., & Fernandez, L. (2010). Teoria dos Jogos (2nd ed.). Pearson Universidades.), o qual solicita que se apaguem todos os ramos não ótimos vistos no jogo para identificar o equilíbrio de Nash.

Para tanto, analisou-se a árvore do jogo ( Figura 4), bem como a matriz de recompensas ( Tabela 2) e verificou-se que a estratégia de obediência gera custos (-Ci, -Cf) ou o pagamento (-Rf ) ou parcelamento (-Pf ) para o contribuinte e um auto de infração menor que o custo de fiscalização (Cf ) e processo administrativo fiscal. Portanto, o equilíbrio na decisão estratégica da obediência é Si1=obedecer e Si2=não fiscalizar cujas recompensas são (0,0) para contribuinte e fiscalização.

Já analisando o jogo do ponto de vista da decisão estratégica da desobediência, verifica-se uma remuneração positiva para o contribuinte e para fiscalização mesmo em um pagamento ao abrigo dos benefícios de parcelamento especial. Portanto, a estratégia de não fiscalizar é estritamente dominada pela estratégia de fiscalizar e autuar. Já o movimento de pagar o auto de infração é estritamente dominado pelo movimento de parcelar o auto de infração (Pf < Rf ) para o contribuinte. Além de Pi > (Ri - Rf ) uma vez que os benefícios fiscais do parcelamento especial reduzem o valor presente do tributo devido. Por fim, sabendo-se que o recebimento do auto de infração no parcelamento especial é maior que o custo da fiscalização (Pf > Cf ), pode-se concluir que o equilíbrio na decisão estratégica da desobediência é para o contribuinte Si1=desobedecer parcelar e para fiscalização Si2=fiscalizar autuar cujas recompensas são (Pi , Pf ).Assim, como há remuneração para ambos os jogadores na desobediência (Pi , Pf ) contra uma nulidade na obediência (0, 0), o equilíbrio no jogo é {Desobedecer (impugnar, recorrer, parcelar)} para o contribuinte e {Fiscalizar (autuar)} para fiscalização. Desta forma, atinge-se o objetivo do jogo, que é o contribuinte maximizar sua utilidade esperada, e a fiscalização receber seu auto de infração, superando seu custo de fiscalização e do processo administrativo fiscal.

Essa conclusão fica ainda mais evidente considerando que: (i) o Contribuinte desobediente tem remuneração Ri , enquanto o obediente tem custos -Ci , e isso torna a decisão estritamente dominada perante a decisão desobediente do ponto de vista racional econômico; (ii) a remuneração após a decisão do CARF é a máxima obtida pelo Contribuinte desobediente. Logo, Ri** > Ri* > Ri . Nesse momento, provavelmente, a remuneração da desobediência será maior que o pagamento no parcelamento especial; (iii) o débito tributário fica suspenso até a conclusão do processo administrativo fiscal, que conforme Mattos (2017Mattos, A. J. N. D. (2017). Maximização da utilidade esperada, planejamento tributário e governança corporativa [Doctoral dissertation]. Universidade de São Paulo.) tem prazo médio de 13 anos; (iv) o valor do parcelamento é menor que o auto de infração após a decisão do CARF (Pf < Rf**), mas superior ao custo da fiscalização (Pf > Cf ).

O resultado apresentado pode explicar a baixa adesão aos pagamentos dos autos de infração lavrados pela Receita Federal entre 2010 a 2017 ( RFB, 2018Receita Federal do Brasil (2018). Plano Anual de Fiscalização 2018. Retrieved 2017, February 14, from Retrieved 2017, February 14, from https://static.poder360.com.br/2018/02/plano-anual-de-fiscalizacao-2018-e-resultados-2017.pdf
https://static.poder360.com.br/2018/02/p...
), bem como a alta probabilidade de, ao ser fiscalizado, o contribuinte ser autuado, uma vez que em 91,76% dos casos a Receita Federal autua em uma fiscalização, conforme relata o Plano Anual de Fiscalização ( RFB, 2018Receita Federal do Brasil (2018). Plano Anual de Fiscalização 2018. Retrieved 2017, February 14, from Retrieved 2017, February 14, from https://static.poder360.com.br/2018/02/plano-anual-de-fiscalizacao-2018-e-resultados-2017.pdf
https://static.poder360.com.br/2018/02/p...
). Além disso, demonstra que a desobediência tributária pode trazer remuneração, enquanto a obediência não trará, tornando-a uma decisão estritamente dominada. Ademais, o resultado do jogo evidenciou que a complexidade e os parcelamentos especiais tornam o sistema tributário brasileiro injusto, pois remuneram o Contribuinte desobediente e trazem prejuízos para o Contribuinte obediente.

O ciclo vicioso da desobediência tributária vivido no Brasil também pode ser fundamentado nos alicerces da Teoria dos Jogos de Dois Níveis, uma vez que o contribuinte que está no nível I do jogo toma a decisão da desobediência tributária se no nível II existir uma ratificação para essa desobediência, tais como um parcelamento especial ou uma jurisprudência favorável nos órgãos julgadores administrativo e judicial. Ou seja, se nos tribunais julgadores as decisões reconhecem oportunidades de créditos tributários agressivos ou aceitam a dedutibilidade de despesas questionáveis, o contribuinte no nível I verifica um conjunto de vitórias no nível II para ratificação da sua desobediência tributária. O mesmo pode ser observado quando o contribuinte no nível I tem conhecimento de parcelamentos especiais do nível II, os quais ratificarão a sua desobediência tributária concedendo-lhe benefícios fiscais pelo não recolhimento tempestivo dos tributos. Logo, conforme a Teoria dos Jogos de Dois Níveis, um negociador no nível I terá mais chances de sucesso se tiver um grande conjunto de vitórias no nível II que ratifiquem suas decisões realizadas no nível I.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral desta pesquisa foi analisar como a complexidade tributária e os parcelamentos especiais afetam à tomada de decisão dos contribuintes brasileiros em desobedecer à legislação tributária. Para tanto, desenvolveu-se um modelo teórico nos moldes da Teoria do Jogos para identificar qual seria a melhor decisão estratégica para o contribuinte tendo em vista a complexidade tributária brasileira e os parcelamentos especiais repetitivos. Como resultado, observou-se que o único equilíbrio de Nash é {Desobedecer (impugnar, recorrer, parcelar); Fiscalizar (autuar)}, o que evidenciou que a complexidade tributária e os parcelamentos especiais repetitivos incentivam a desobediência tributária. Portanto, apesar de ser um senso comum que as empresas se financiam através do não pagamento dos tributos, desconheciam-se estudos teóricos que comprovavam essa afirmação.

A literatura sobre a complexidade tributária e os parcelamentos especiais é extensa, mas escassa no Brasil, país com as características ideais para este estudo. Por isso, esta pesquisa buscou preencher essa lacuna, contribuindo assim para a literatura sobre agressividade fiscal uma vez que nenhum dos estudos que foram realizados com essa temática buscou entender qual é o instrumento utilizado pelos contribuintes para praticar a agressividade fiscal. Nesses termos, esta pesquisa avançou o conhecimento da literatura contábil fiscal ao verificar que as empresas podem utilizar-se da complexidade tributária e dos parcelamentos especiais para tomar sua decisão pela desobediência tributária. Assim, esta pesquisa pode contribuir com toda a sociedade demonstrando a necessidade de uma reforma fiscal que reduza a complexidade tributária do sistema tributário brasileiro e desenvolva parcelamentos especiais mais eficientes.

Esta pesquisa também evidenciou que é devido à alta complexidade tributária que os contribuintes desonestos encontram espaços para suas desobediências tributárias voluntárias e que os contribuintes honestos cometem erros na aplicação da legislação tributária e se enquadram na desobediência involuntária. Ademais, traz incertezas para a população, já que os julgadores têm dúvidas sobre a aplicação da lei. Além de onerar o Estado com fiscalizações que não resultarão em novos recursos, bem como arcar com inúmeros julgamentos administrativos e judiciais.

Destaca-se que esta pesquisa abre espaço para uma discussão sobre a necessidade de constituição de um órgão independente para identificação da complexidade tributária desnecessária no Brasil, nos moldes hoje desenvolvido pela OTS - Office of Tax Simplification no Reino Unido.

Como possíveis caminhos para novas pesquisas na área, sugere-se a aplicação empírica deste estudo para verificar se chegam aos mesmos resultados encontrados. Sugere-se, ainda, a expansão do modelo para abarcar o processo judicial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2021
  • Revisado
    01 Fev 2022
  • Aceito
    18 Maio 2022
  • Publicado
    28 Mar 2023
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