Acessibilidade / Reportar erro

Ressignificando o Inesperado: Choques de Carreira nas Trajetórias de Mulheres Executivas

Resumo:

Choques de carreira são eventos extraordinários, imprevistos, que levam deliberadamente a reflexões do indivíduo sobre rumos pessoais e profissionais. O artigo objetiva identificar choques de carreira a partir de narrativas de 20 mulheres, oriundas de carreiras corporativas, que realizaram transições em suas trajetórias e compreender como esses choques impactam na sustentabilidade das carreiras no tempo. Com foco em carreiras femininas além da maternidade, as entrevistadas não tinham filhos quando realizaram a transição. A análise revelou quatro choques: Tomada de Consciência sobre a Finitude da Vida e Ressignificação de Trajetórias, Foco no Equilíbrio entre Vida-Trabalho após Prejuízo na Saúde Física e Mental, Experiências Transformadoras e Busca por Sentido, e Pandemia de Covid-19 e o impacto nos modos de trabalho. Os choques impulsionaram movimentos rumo a trajetórias mais sustentáveis, demonstrando que o caráter subjetivo das carreiras permite a valoração positiva de experiências comumente consideradas negativas. Os choques de carreira, além de revelarem oportunidades, sinalizaram para restrições em contextos de carreira de mulheres.

Palavras-chave:
Choques de Carreira; Ecossistema de Carreira; Transições de Carreira; Carreira Sustentável; Carreiras Femininas

Abstract:

Career shocks are extraordinary, unforeseen events that lead to individual reflections on personal and professional directions. The article aims to identify career shocks as drawn from narratives of 20 women, in corporate careers, who carried out transitions in their trajectories, and to understand how these shocks impact on the sustainability of careers in time. Focusing on female careers beyond motherhood, the interviewees had no children when they made the transition. The analysis revealed four shocks: Awareness on the finitude of life and resignification of trajectories, Focus on the balance between Work-Life after Harm to Physical and Mental Health, Transformative Experiences and Search for Sense, and the Covid-19 Pandemic’s impact on the working modes. These shocks boosted movements toward more sustainable trajectories, demonstrating that the subjective character of careers allows the positive valuation of experiences commonly considered negative. Career shocks, in addition to revealing opportunities, signaled restrictions in women’s career contexts.

Keywords:
Career Shocks; Career Ecosystem; Career Transitions; Sustainable Career; Female Careers

1. Introdução

O conceito de choques de carreira (career shocks) surgiu na busca por analisar a imprevisibilidade dos contextos e discutir como eventos externos extraordinários, não planejados, influenciam nas trajetórias de carreiras (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
). Choques de carreira se dão pela vivência de uma experiência particular, a partir de um ou mais eventos imprevistos, que resultam em mudanças na trajetória de um indivíduo ao longo de sua carreira. Relacionam-se a um determinado contexto percebido, ao tempo vivido e aos sentidos que são dados ao que é experimentado, refletindo-se em transições que revelam continuidades ou descontinuidades nas carreiras.

Carreira pode ser entendida como um padrão de experiências, relacionadas ao trabalho ou não, dentro ou fora de organizações, que vai se estabelecendo através da vida de um indivíduo, a partir de movimentos físicos e transições psicológicas (Baruch & Sullivan, 2022Baruch, Y., & Sullivan, S. E. (2022). The why, what and how of career research: a review and recommendations for future study. Career Development International, 27(1), 135-159. https://doi.org/10.1108/cdi-10-2021-0251
https://doi.org/10.1108/cdi-10-2021-0251...
). Os estudos de carreira focam em entender a sucessão dessas experiências, a estrutura de oportunidades e as relações entre carreiras e trabalho e outros aspectos da vida (Akkermans et al., 2021Akkermans, J., Spurk, D., & Fouad, N. (2021). Careers and career development. In O. Braddick (Ed.), Oxford Research Encyclopedia of Psychology (pp. 1-40). Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190236557.013.557
https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190...
), o que pode ser ampliado na compreensão das restrições.

Analisar os choques de carreira é relevante para pensar a sustentabilidade das carreiras e promissor ao possibilitar reflexões sobre dimensões de vida, sobre os sentidos atribuídos ao trabalho em seus contextos próprios, assim como para condições e restrições envolvendo carreira. Estudos que têm buscado ligar choques e sustentabilidade na carreira são recentes, havendo espaço para o desenvolvimento da teoria e aprofundamento dos estudos, ampliando o olhar para os contextos e especialmente para a identificação de aspectos compartilhados em diferentes trajetórias individuais. Nessa visão, observa-se uma lacuna de estudos que articulem choques de carreira, sustentabilidade e gênero (com referência a mulheres). Considerando-se a importância dessa discussão, ressalta-se que nos periódicos acadêmicos publicados no Brasil não foram encontradas pesquisas sobre choques de carreira, o que justifica a relevância, o ineditismo e o caráter inovativo deste estudo no contexto nacional.

A imprevisibilidade das trajetórias profissionais se torna ainda mais evidente ao se analisarem carreiras de mulheres, tradicionalmente mais descontínuas que de homens. Mulheres tendem a integrar papéis de trabalho e não trabalho em busca de realização pessoal de acordo com seus próprios critérios de satisfação, movimentando-se em suas carreiras para esse fim (Mainiero & Gibson, 2018Mainiero, L. A., & Gibson, D. E. (2018). The Kaleidoscope Career Model Revisited: How Midcareer Men and Women Diverge on Authenticity, Balance, and Challenge. Journal of Career Development, 45(4), 361-377. https://doi.org/10.1177%2F0894845317698223
https://doi.org/10.1177%2F08948453176982...
) e vivenciam barreiras em ambientes generificados, e isso revela condições diferenciadas para homens e mulheres na construção de suas carreiras. As trajetórias de carreira dessas mulheres, embora individuais, trazem também uma dimensão coletiva, o que pode ser observado a partir da análise de contextos os quais trazem a historicidade das construções de gênero e constituem possibilidades ou restrições para as mobilidades (Fraga & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilities in the Labyrinth: Pressuring the Boundaries of Women’s Careers. Cadernos EBAPE.BR, 18, 757-769. https://doi.org/10.1590/1679-395120190141
https://doi.org/10.1590/1679-39512019014...
), o que é válido também para as transições de carreiras.

Argumenta-se que os choques de carreira desencadeiam um pensamento deliberado sobre a carreira de alguém, tendo a capacidade de revelar condições que atravessam uma história construída e que se refletem na trajetória de vida e de carreira como um todo, em sua continuidade ou descontinuidade. Em trajetórias de carreira de mulheres, entende-se que os choques de carreira são atravessados e intensificados pelo contexto de vida e trabalho generificado.

Na busca por promover uma discussão além das reações individuais frente a eventos, entende-se que a forma de lidar com as mudanças referentes à carreira revelam condições de vida e trabalho que inclusive impactam na forma como os choques de carreiras são percebidos. Assim, compreender de que modo esses choques são vivenciados por mulheres, sem filhos, na sua opção por sair de carreiras corporativas traz contribuições para o entendimento do fenômeno, para a discussão da sustentabilidade das carreiras e traz subsídios para as organizações na medida em que tais decisões possam ser atravessadas por questões de gênero e reveladoras de elementos de gestão. A opção por mulheres sem filhos se deu em função dos estudos sobre transições de carreira de mulheres usualmente se centrarem na maternidade.

Tem-se, então, oportunidade de lançar olhar sobre esses temas de forma conjunta. Adota-se a perspectiva de choques de carreira (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
) e da sustentabilidade, abordada a partir dos conceitos de ecossistema de carreira (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
; Baruch & Rousseau, 2019Baruch, Y., & Rousseau, D. M. (2019). Integrating Psychological Contracts and Ecosystems in Career Studies and Management. Academy of Management Annals, 13(1), 84-111. https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103...
) e carreira sustentável (De Vos & Van der Heijden, 2017De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07...
; De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
). Para tanto, este artigo tem como objetivos (1) identificar os choques de carreira desencadeados por eventos externos nas narrativas das mulheres e os atravessamentos de gênero; e (2) compreender como esses choques impactam as transições e a sustentabilidade das carreiras no curso do tempo. Nos próximos tópicos, esses conceitos serão apresentados e articulados.

2. Transições em Contextos de Incertezas: Compreendendo o Ecossistema de Carreira e a Perspectiva da Sustentabilidade

2.1. Transições na perspectiva de Ecossistema de Carreira

As carreiras são desenvolvidas ao longo da vida através de sequências de experiências diversas as quais vão além das estruturas organizacionais (Van der Heijden & De Vos, 2015Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
). A construção de trajetórias profissionais envolve o vivenciar de eventos diversos, capazes de afetar o modo como as carreiras evoluem, permitindo carreiras não lineares e multidirecionais, caracterizadas, cada vez mais, pela constante transição entre barreiras físicas e psicológicas, como trocar de emprego (aceitar ou não uma promoção); geográficas (mudar de cidade); ocupacionais (trocar de empresa); de status de emprego (tornar-se autônomo); casa-trabalho (decisões de carreira afetadas, por exemplo, pela chegada de um filho); psicológicas (anseios e aspirações); entre outras, que influenciam, alteram e modificam papéis de vida/carreira (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
).

Cada movimento individual na condução das trajetórias profissionais de uma posição/papel a outro, seja voluntário ou não, pode ser considerado transição de carreira (Chudzikowski, 2012Chudzikowski, K. (2012). Career transitions and career success in the “new” career era. Journal of Vocational Behavior, 81(2), 298-306. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2011.10.005
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2011.10.00...
). Quando voluntárias e estimuladas por barreiras de carreira, as transições podem desencadear a criação de estratégias para lidar com novas situações no mercado de trabalho (Ruiz Castro et al., 2020Ruiz Castro, M., Van der Heijden, B., & Henderson, E. L. (2020). Catalysts in career transitions: Academic researchers transitioning into sustainable careers in data science. Journal of Vocational Behavior, 122, 103479. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103479
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.10347...
).

A saída das mulheres de carreiras corporativas vem sendo estudada por meio do fenômeno opting-out, definido como um abandono do mercado de trabalho para dedicação à família (Stone & Hernandez, 2013Stone, P., & Hernandez, L. A. (2013). The all-or-nothing workplace: Flexibility stigma and “opting out” among professional-managerial women. Journal of Social Issues, 69(2), 235-256. https://doi.org/10.1111/josi.12013
https://doi.org/10.1111/josi.12013...
). A maternidade foi apontada como a principal razão de as mulheres deixarem suas carreiras corporativas, embora sejam também apontadas mudanças geográficas familiares, desilusão com a cultura corporativa, busca por mais educação, empreendedorismo e tarefas de cuidados com outros familiares, como pais idosos (Cabrera, 2007Cabrera, E. F. (2007). Opting out and Opting in: understanding the complexities of women’ s career transitions. Career Development International, 12(3), 218-237. https://doi.org/10.1108/13620430710745872
https://doi.org/10.1108/1362043071074587...
). Estudos recentes abordam que a saída de mulheres de carreiras corporativas vai além da busca pelo equilíbrio entre a vida profissional e familiar e tratam do desejo por um trabalho mais significativo (Frkal & Criscione-Naylor, 2021Frkal, R. A., & Criscione-Naylor, N. (2021). Opt-out stories: women’s decisions to leave corporate leadership. Gender in Management, 36(1), 1-17. https://doi.org/10.1108/GM-09-2019-0154
https://doi.org/10.1108/GM-09-2019-0154...
).

Transformações do mundo do trabalho, impermanência e incertezas invariavelmente aumentam a complexidade das carreiras. Para compreender os processos de transição em sua completude, faz-se necessário adotar perspectivas teóricas capazes de capturar a dinamicidade dessas relações. Uma das alternativas é assumir a perspectiva de ecossistema de carreira para a análise desses movimentos. Nessa proposta, as carreiras podem ser entendidas como parte de um ecossistema amplo, que opera através de mercados de trabalho externos e internos, afetadas por configurações econômicas, políticas e sociais nos níveis locais, regionais, setoriais, nacionais (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
). À semelhança de ecossistemas naturais e sociais, nos quais a geração de valor ocorre nas relações entre atores, no ecossistema de carreira é a interatividades dos indivíduos com outros contextos e atores, intrinsecamente relevantes a suas trajetórias, que moldam as carreiras e influenciam seus resultados (Baruch & Rousseau, 2019Baruch, Y., & Rousseau, D. M. (2019). Integrating Psychological Contracts and Ecosystems in Career Studies and Management. Academy of Management Annals, 13(1), 84-111. https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103...
).

O ecossistema de carreira é um sistema complexo, com muitos atores, mais ou menos interconectados, responsáveis pelo funcionamento do ecossistema como um todo através das relações que mantêm entre si. Indivíduos, na posição de donos das suas carreiras, são os principais atores do sistema. Organizações, grupos de trabalho, vida privada, redes, associações, instituições nacionais, globais, governos, associações profissionais, sistemas legais, regulamentações, sistemas de ensino são contextos que invariavelmente influenciam no desenvolvimento de carreiras, sendo atores significativos no ecossistema (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
; Baruch & Rousseau, 2019Baruch, Y., & Rousseau, D. M. (2019). Integrating Psychological Contracts and Ecosystems in Career Studies and Management. Academy of Management Annals, 13(1), 84-111. https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103...
).

Para que o ecossistema seja sustentável, é necessária uma perspectiva de longo prazo, evitando a exaustão dos recursos presentes em busca de resultados imediatos. Uma carreira sustentável é aquela que desenvolve, protege e renova os recursos pessoais e profissionais para ser duradoura ao longo do tempo (Van der Heijden & De Vos, 2015Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
). A sustentabilidade como lente teórica para análise das carreiras enfatiza a capacidade de ajuste, desenvolvimento e adaptação em um ambiente de trabalho em constante mudança (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
). Sendo as carreiras interconectadas e diretamente influenciadas pelo meio, a sustentabilidade permite ir além da gestão individual da carreira, requerendo o envolvimento de todas as partes interessadas (De Vos & Van der Heijden, 2017De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07...
; De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
) e lança olhar para os contextos.

2.2. Carreira Sustentável e Choques de Carreira

Carreira sustentável pode ser definida como “a sequência de diferentes experiências de carreira de um indivíduo, refletidas por meio de uma variedade de padrões de continuidade ao longo do tempo, atravessando diversos espaços sociais, caracterizadas pela agência individual, além de fornecer sentido (meaning) ao indivíduo” (Van der Heijden & De Vos, 2015Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
, p. 7). A noção de ecossistema de carreira fornece uma perspectiva sistêmica para a compreensão da interação entre os diversos atores e contextos que perpassam as trajetórias, sendo um fundamento inerente ao conceito de carreira sustentável (De Vos & Van der Heijden, 2017De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07...
). O indivíduo tem responsabilidade central pela construção de sua carreira, estando em constante interação com os espaços sociais e atores que participam do ecossistema. O que a teoria aborda como “sentido” remete às particularidades de cada pessoa, aos aspectos intrinsecamente considerados nos momentos de transição de carreira. É inerente à questão da agência ao nortear o senso de direção rumo às escolhas de carreira mais sustentáveis (De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
; Van der Heijden & De Vos, 2015Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
).

No decorrer do tempo, indivíduos conseguem refletir sobre suas escolhas (agência) diante das oportunidades e restrições existentes (contexto) encontrando significado (sentido). As narrativas alinham o indivíduo aos espaços sociais que perpassam suas trajetórias, se transformam, e impelem a realização de movimentos na carreira para melhor ajuste das expectativas ou adequação a novas necessidades. A agência individual desencadeia a mobilidade, que pode ser maior ou menor dadas as condições da estrutura que opera no ecossistema, que altera a percepção de sentido e produz novas narrativas de alinhamento as quais fornecem novas conexões do indivíduo aos seus contextos. Assim, o desenvolvimento da sustentabilidade das carreiras reside no constante ajuste de expectativas individuais com as condições apresentadas pelos contextos onde as carreiras se desenvolvem. Esse processo foi representado no modelo conceitual de carreira sustentável no qual “saúde”, “produtividade” e “felicidade” são aspectos dinamicamente buscados pelos indivíduos, representando suas prioridades de vida em dado contexto vivenciado (De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
).

A dinamicidade do ecossistema de carreira permite explorar a dimensão temporal do conceito de carreira sustentável. Os constantes movimentos dos atores para a sustentabilidade são moldados por fatores externos e internos que perpassam as relações no ecossistema (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
; Baruch & Rousseau, 2019Baruch, Y., & Rousseau, D. M. (2019). Integrating Psychological Contracts and Ecosystems in Career Studies and Management. Academy of Management Annals, 13(1), 84-111. https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103...
). Enquanto fatores internos estão relacionados aos aspectos comportamentais e ao sentido atribuído às carreiras, fatores externos possuem um caráter mais amplo, referindo aos eventos, em nível contextual, e experiências, em nível individual.

Na análise de Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
), a crescente complexidade e imprevisibilidade do cenário atual facilita a incidência de eventos não planejados que alteram drasticamente o rumo das carreiras, apontando a necessidade de análise do contexto e de como tais eventos afetam as trajetórias dos indivíduos. A partir do resgate dos fundamentos nos estudos sobre career chance events, shocks e turnover, o conceito de choque de carreira é desenvolvido para abarcar a imprevisibilidade das carreiras contemporâneas:

Choque de carreira é um evento disruptivo e extraordinário que é, ao menos em algum grau, causado por fatores fora do controle individual e que desencadeiam um processo deliberado de reflexão sobre a própria carreira. A ocorrência de um choque de carreira pode variar em termo de previsibilidade, e pode ter, também, valor positivo e negativo (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
, p. 4).

Nesta proposta, são apresentados alguns atributos centrais, mas não exclusivos, para identificação e análise do que caracteriza choques de carreira. O primeiro remete à frequência com que o evento ocorre. Diferentemente de situações rotineiras, nas quais há reações naturalizadas pelos indivíduos, eventos extraordinários são capazes de desencadear reflexões deliberadas sobre as carreiras. São considerados eventos cumulativos que desencadeiam disrupções em dado momento das trajetórias. Padrões de insatisfações com questões diversas sobre vida e trabalho e reflexos de traumas vivenciados em algum período da vida que não trazem apenas consequências imediatas (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
) são exemplos de situações que potencialmente resultam em mudanças significativas nas carreiras.

Outro aspecto é a capacidade de previsão (foreseability) sobre a controlabilidade dos eventos. Tal atributo assume que há falta de controle total, real ou percebida, do indivíduo sobre os efeitos do evento. Alguns choques podem ser previsíveis, mas incontroláveis; enquanto outros podem ser imprevisíveis, mas controláveis (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
). Pode haver expectativa de que o evento ocorra, como, por exemplo, uma gravidez; porém não há o controle sobre seus efeitos, como uma demissão após o retorno da licença-maternidade. Previsibilidade e controlabilidade se diferenciam na capacidade individual de deliberadamente analisar sobre a situação vivenciada, e tomar a iniciativa frente às consequências do choque na carreira. Há, ainda, relações entre as mudanças de comportamento que ocorrem posteriormente ao episódio e à mudança de rumo (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
).

A valoração do evento é outro pressuposto. Indivíduos atribuem valor, positivo ou negativo, aos choques conforme percebem o impacto desse evento na sua vida e nas decisões de carreira desencadeadas. Na análise de Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
), o grau de valor atribuído não deve ser limitado à repercussão na carreira ou aos resultados organizacionais, uma vez que é inerente a como indivíduos dão sentido aos impactos do choque. O exemplo apresentado pelos autores trata do nascimento de gêmeos em uma família. As consequências para o desenvolvimento da carreira podem ser negativas, mas ainda assim o sentimento de realização é considerado mais relevante para o indivíduo naquele momento (Akkermans et al., 2020Akkermans, J., Richardson, J., & Kraimer, M. (2020). The Covid-19 crisis as a career shock: Implications for careers and vocational behavior. Journal of Vocational Behavior, 119, 103434. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103434
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.10343...
). O processo de valoração se relaciona com a dimensão “sentido” do conceito de carreira sustentável, norteando a percepção sobre trajetórias sustentáveis de carreira. No caso apresentado, “produtividade” não era prioridade de carreira quando do nascimento dos gêmeos, justificando a valoração positiva do choque.

Outra convergência com o conceito de carreira sustentável está na dinamicidade do processo de atribuição de sentido aos choques vivenciados, que, no decorrer do tempo, podem alterar e transformar o grau de valoração (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
). Isso se relaciona à perspectiva sistêmica do conceito de carreira sustentável, evidenciando a influência dos espaços sociais no potencial de disrupção do evento. Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
) destacam a importância de analisar o locus ou a fonte do evento, que pode ser interpessoal, relacionada ao âmbito familiar, organizacional, ambiental ou geopolítico. Dependendo, o choque é capaz de impactar determinado indivíduo ou populações inteiras; e também se é genérico (qualquer um está sujeito ao choque) ou específico a determinado contexto.

Por fim, Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
) destacam a necessidade de considerar a duração do evento do choque em si (por exemplo, uma doença, como choque, pode adiar uma promoção), ou a duração das consequências próximas ou distantes do evento (ex.: a demora na recolocação profissional é um resultado longo de um choque). Choques ocasionados por eventos de longa duração tendem a causar maiores impactos em quem os vivencia. A intensidade percebida também se relaciona com a duração, dado que pessoas diferentes podem experienciar os mesmos eventos de diferentes formas, e, assim, perceber a duração das consequências distintamente.

Com um olhar para a influência das emoções, o estudo quantitativo de Mansur e Felix (2020Mansur, J., & Felix, B. (2020). On lemons and lemonade: the effect of positive and negative career shocks on thriving. Career Development International, 26(4), 495-513. https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300...
) com profissionais brasileiros adota a teoria de eventos afetivos (Weiss & Cropanzano, 1996Weiss, H. M., & Cropanzano, R. (1996). Affective events theory: a theoretical discussion of the structure, causes and consequences of affective experiences at work. In R. I. Sutton & B. M. Staw (Eds.), Research in Organizational Behavior (pp. 1-74). JAI Press.) e teoria de construção de carreira (Savickas & Porfeli, 2012Savickas, M. L., & Porfeli, E. J. (2012). Career Adapt-Abilities Scale: construction, reliability, and measurement equivalence across 13 countries. Journal of Vocational Behavior, 80(3), 661-673. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.01.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.01.01...
) para compreender a influência da afetividade positiva na reação das pessoas aos eventos inesperados. O estudo confirma a influência dos choques de carreira na capacidade de desenvolvimento de recursos individuais, energia e motivação para crescer no trabalho. Mansur e Felix (2020Mansur, J., & Felix, B. (2020). On lemons and lemonade: the effect of positive and negative career shocks on thriving. Career Development International, 26(4), 495-513. https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300...
) entendem que não é a natureza do choque que implica consequências negativas ou positivas para as carreiras, mas os modos pelos quais os indivíduos reagem.

3. Procedimentos Metodológicos

Foi conduzida uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório, através de entrevistas narrativas com 20 mulheres, em sua maioria da região Sul do Brasil. Para participar da pesquisa, foram selecionadas mulheres que realizaram transição de carreira, saindo de uma carreira corporativa por iniciativa própria, ou seja, que não foram demitidas. Buscaram-se mulheres que não tinham filhos quando realizaram o movimento, priorizando participantes que ocuparam cargos de gestão, e na composição final das 20 mulheres, 16 tiveram posições de liderança. Essas mulheres foram contatadas inicialmente a partir do conhecimento das pesquisadoras sobre suas histórias de transição, e ao final de cada entrevista eram solicitadas indicações de outras possíveis participantes, por meio da técnica de bola de neve. A partir das narrativas sobre a trajetória de vida e carreira, pré e pós-transição, foram identificados os choques de carreira vivenciados pelas participantes.

Toda a pesquisa foi realizada por videoconferência pela plataforma Zoom, concomitantemente à pandemia de Covid-19, entre os meses de junho e julho de 2020. Com a permanência do cenário de restrições impostas pela pandemia, entre os meses de dezembro de 2020 e fevereiro de 2021 foi realizado novo contato com as entrevistadas, solicitando o compartilhamento da experiência de trabalho que estavam vivendo durante a pandemia.

Para Jovchelovitch e Bauer (2015Jovchelovitch, S., & Bauer, M. (2015). Entrevista Narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som (pp. 90-113). Vozes., p. 91), “através das narrativas, as pessoas lembram o que aconteceu, colocam a experiência em uma sequência, encontram possíveis explicações para isso, e jogam com a cadeia de acontecimentos que constroem a vida individual e social”. As entrevistas e as mensagens de áudio foram transcritas na integralidade, organizadas e analisadas com o auxílio do software Atlas.ti. As narrativas foram analisadas com a construção temática de categorias, permitindo identificar trajetórias coletivas a partir de experiências individuais (Jovchelovitch & Bauer, 2015). Para análise, as falas foram categorizadas manualmente identificando-se os choques de carreira e as questões de gênero vividas pelas entrevistadas, e, em um segundo momento, houve a construção dos temas a serem tratados na próxima seção. O perfil das entrevistadas é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1.
Apresentação das entrevistadas

4. Análise dos Resultados

A análise dos resultados se dá a partir de dois momentos: identificação dos tipos de choques de carreira e análise de seus impactos na transição e na sustentabilidade das carreiras, e os atravessamentos dos choques diante das construções de gênero. Além dos trechos das entrevistas inseridos no decorrer da análise, a Quadro 1 traz outras falas que ilustram as evidências do estudo.

Quadro 1.
Evidências ilustrativas dos achados da pesquisa

4.1. Tipos de Choques de Carreira e Impactos na transição e na sustentabilidade das carreiras

A análise das narrativas considerou os elementos “frequência”, “capacidade de previsão”, “fonte” do evento, “valoração” e “duração” conforme Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
), no que se identificou quatro principais choques de carreira na trajetória das entrevistadas: (1) Tomada de Consciência sobre a Finitude da Vida e Ressignificação de Trajetórias; (2) Foco no Equilíbrio entre Vida-Trabalho após Prejuízo na Saúde Física e Mental; (3) Experiências Transformadoras e Busca por Sentido; e (4) Pandemia de Covid-19 e o Impacto nos Modos de Trabalho.

4.1.1. Tomada de Consciência sobre a Finitude da Vida e Ressignificação de Trajetórias

Só me vinha na cabeça: eu vou morrer amarga do jeito que eu tô, sem fazer nada da minha vida, nessa tristeza, o que eu tô fazendo da minha vida? [E19].

Eventos significativos, imprevistos e extraordinários relacionados à morte levaram a reflexões de carreira diversas. A tomada de consciência sobre a finitude da vida se mostrou um choque de carreira impulsionador para efetivamente acontecerem transições. Por terem como característica comum uma forte orientação à carreira, as entrevistadas dedicam grande parte de suas vidas ao seu desenvolvimento profissional, focando em atividades relacionadas à produtividade no trabalho. Ao longo do tempo, entretanto, relatam uma gradual insatisfação como reflexo dessa ênfase.

Na narrativa de E1 identificou-se uma situação de morte iminente como choque de carreira, e como o evento ocorrido no passado segue surtindo efeitos, “num primeiro momento eu quis aproveitar toda a minha vida [...] então foi de aproveitar tudo, eu continuei a mil no trabalho... só que eu já comecei a não querer tá todos os finais de semana presa”. E19 traz o medo da morte ao retornar de uma viagem de férias em que o avião passou por forte turbulência. A entrevistada, a qual passava por um tratamento para a depressão, relata ter prometido a si mesma uma mudança de vida. E19 pediu demissão do escritório onde atuava como advogada, mesmo sem uma noção clara sobre quais atividades profissionais desempenharia no futuro. Atualmente, é fotógrafa, social media de uma escola, organiza arquivos em escritórios de advocacia, atua na revisão de documentos como advogada autônoma, e, à época da pesquisa, estava iniciando em um escritório de arquitetura na elaboração de pesquisas de orçamento.

O falecimento de familiares ou pessoas queridas às entrevistadas foram choques de carreira comumente vivenciados. Conforme E15, o súbito falecimento do sogro, 20 dias antes do seu casamento, levou a entrevistada e o companheiro a questionarem seus objetivos de vida, culminando na mudança do casal para o exterior. Durante o período, E15 trabalhou em subempregos que proporcionaram experiências diversas, conheceu empresas de tecnologia e teve acesso a uma literatura de negócios ainda incipiente no Brasil, aspectos que influenciaram o rumo futuro da sua carreira. No retorno ao país, E15 adota uma postura de carreira mais móvel, não limitada a organizações, como forma de satisfação pessoal e profissional. Nos casos exemplificados, o choque é o principal mobilizador das entrevistadas para uma mudança de perspectiva na vida e na carreira.

Ao encontro da literatura, foi observado que os choques levam a impactos distintos no curto e longo prazo (Akkermans et al., 2020Akkermans, J., Richardson, J., & Kraimer, M. (2020). The Covid-19 crisis as a career shock: Implications for careers and vocational behavior. Journal of Vocational Behavior, 119, 103434. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103434
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.10343...
). No caso de E1, apesar da experiência de quase morte ter despertado o desejo iminente de mudança, a efetiva transição ocorreu mais tardiamente em razão de ela ter assumido a gestão pouco antes do ocorrido. Na narrativa, observa-se que o choque leva inicialmente a uma mudança de postura em relação à valorização do trabalho, envolvendo um planejamento gradual para “respirar um pouco” [E1] e ver que outras opções ela poderia desempenhar, refletindo a extensão de longo prazo. Consolidando a busca por ressignificação no seu trabalho, E1 atualmente trabalha como consultora.

Num paralelo com a discussão da sustentabilidade, as ressignificações das trajetórias são aqui entendidas como movimentos em busca de carreiras mais sustentáveis. Em determinados momentos da vida das entrevistadas, a ênfase na produtividade não se mostra suficiente para a satisfação das necessidades intrínsecas, refletidas em desejos por novos desafios no exterior, busca de trabalhos que forneçam sentido e maior equilíbrio entre demandas de trabalho e vida (necessidade de “respirar”). Nessa perspectiva, o desenvolvimento da sustentabilidade das carreiras envolve o alinhamento entre demandas de carreira, aspirações e expectativas individuais em relação à vida (De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
).

A dimensão “tempo” também se mostra um influenciador do processo, visto que as transições ocorrem conforme o momento de carreira vivenciado, e são, assim, impactadas por eventos contextuais no ecossistema de carreira. Morte de familiares ou pessoas queridas, principais gatilhos das reflexões sobre a finitude da vida, evidenciam a interação contextual entre os diversos espaços sociais no desenvolvimento da sustentabilidade e na própria valoração do choque (sentido atribuído à carreira).

4.1.2. Foco no Equilíbrio entre Vida-Trabalho após Prejuízo na Saúde Física e Mental

Na verdade, a gota d'água mesmo, que eu disse "não dá mais", foi quando eu tive uma arritmia. Me senti mal, parada, em descanso. Eu achei que estava tendo um AVC [E12].

As entrevistadas abordaram nas narrativas prejuízos à saúde física e mental. Os eventos dessa tipologia possuem um certo grau de previsibilidade; porém a duração e as consequências são imprevisíveis (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
). Reflexões sobre as carreiras são desencadeadas pelas doenças que subitamente acometem as entrevistadas, ou doenças que sutilmente aparecem ao longo dos anos, culminando com o choque em dado momento. E4, que sofre de dores no peito e precisa recorrer ao médico: “Não é normal vir num cardiologista por causa do trabalho [...] foi o clique que me deu de parar, trazer consciência pela primeira vez [...] tem alguma coisa errada com o jeito que tu tá lidando com a vida” [E4]. Como um processo cumulativo, E5 relata o processo de adoecimento que a acometeu durante a carreira corporativa, levando ao uso intensivo de medicamentos, constantes idas ao hospital e culminando numa licença para tratamento de saúde. A entrevistada analisa, em retrospecto, que sua saúde foi se deteriorando de forma gradativa até culminar no desejo deliberado por mudanças na carreira.

O prejuízo na saúde mental está presente nas diversas narrativas. O adoecimento mental das entrevistadas é vivenciado de forma gradual, sendo naturalizado em razão de suas trajetórias terem sido pautadas no desenvolvimento profissional constante e busca pelo alto desempenho no mundo corporativo. Essa característica se enquadra no que Akkermans et al. (2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
) situam como eventos que se formam com elementos de baixa intensidade, mas de impacto constante, os quais acabam tendo efeito cumulativo até resultar no choque.

O caráter silencioso e contínuo do adoecimento mental impacta outros atores no ecossistema de carreira, como exemplificado na narrativa de E5. O choque é percebido quando refletido no físico, em um afastamento do trabalho em licença saúde: “eu comecei a me assustar, porque eu não vivia mais, eu só tinha dor, passava em médico [...] minha família começou a pressionar também" [E5]. O choque acaba por envolver não só o indivíduo, mas também a organização e a família, e até mesmo, em nível macro, o sistema de saúde e previdência (De Vos & Van der Heijden, 2017De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07...
). A situação desencadeou reflexões deliberadas sobre a necessidade de maior equilíbrio entre vida-trabalho, culminando na decisão de sair da organização. Nesse processo, E5 passou quase um ano sem vínculo com empresas, realizando atividades artesanais. Em 2020 retornou para a área de RH de uma empresa pequena, com carga horária reduzida.

O equilíbrio entre bem-estar e produtividade está no cerne do desenvolvimento da sustentabilidade das carreiras. O adoecimento mental e físico no decorrer do tempo se mostrou um impulsionador para mudanças rumo a maior qualidade de vida e felicidade no trabalho. Como pontua E3, “eram muitos sinais, muitas coisas que eu não reconhecia e que hoje olho e estava ali batendo na porta e avisando”, reconhecendo as consequências no contexto de intensa dedicação ao trabalho. Antes do choque, o plano das mulheres entrevistadas era objetivo, centrado nos resultados profissionais imediatos - perspectiva que não se sustentou ao longo do tempo. O olhar exclusivamente centrado na empregabilidade é, assim, insuficiente para analisar a continuidade das carreiras no ecossistema, demonstrando a importância da perspectiva sistêmica nessa construção (Baruch, 2015Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
; De Vos & Van der Heijden, 2017De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07...
).

4.1.3. Experiências Transformadoras e Busca por Sentido

Essa experiência de ir pro mundo, visitar três continentes, conhecer culturas diferentes, pessoas diferentes, fazer trabalho voluntário, foi algo muito transformador, que me trouxe coisas que acabaram influenciando as decisões que eu fiz no meu retorno. Quando eu voltei, eu sabia [...] Eu não queria voltar pra empresa [E4]

Nas narrativas foi observado que experiências extraordinárias em contextos não relacionados ao trabalho levaram a transformações nas relações com a carreira. O potencial disruptivo, catártico e transformador de certos tipos de viagem é abordado nos estudos da área do turismo (Müller et al., 2020Müller, C. V., Scheffer, A. B. B., & Closs, L. Q. (2020). Volunteer tourism, transformative learning and its impacts on careers: The case of Brazilian volunteers. International Journal of Tourism Research, 22(6), 726-738. https://doi.org/10.1002/jtr.2368
https://doi.org/10.1002/jtr.2368...
) e permite enquadrar essas experiências como um choque de carreira. E4 relata que ao longo de sua carreira na área de tecnologia obteve o cargo almejado, sendo reconhecida profissionalmente dentro de sua organização. Contudo, a decisão de realizar um período sabático de um ano viajando pelo mundo foi o gatilho necessário para a ruptura com a empresa, buscando uma nova trajetória como empreendedora social. E6 traz percepção semelhante em sua narrativa sobre uma viagem de férias que “trouxe uma outra realidade de perceber como as pessoas eram felizes lá, e como o estilo de vida que eu estava levando, no final de contas, não se conectava com a minha essência”. Ao retornar, durante um retiro budista percebeu que “precisava sair do ambiente corporativo”.

A dimensão “sentido” como norteadora de carreiras sustentáveis se mostra evidente na narrativa das entrevistadas. Após o período sabático, E4 não retornou ao ambiente corporativo, decidindo buscar outros modos de conciliar sua atividade profissional com seu propósito de vida. Montou grupos de expedições focados em experiências transformadoras a partir de trabalho voluntário no exterior. Com a pandemia, teve que cancelar as expedições e retornou ao processo de buscar atividades alinhadas aos seus valores pessoais. Na época da entrevista, E4 atuava como mentora de pessoas que queriam desenvolver projetos sociais, conciliando, assim, sua experiência como gerente de projetos, aliada à vivência transformadora do período sabático.

O mesmo movimento é observado na narrativa de E6, que decide se profissionalizar como professora de yoga, culminando na saída do ambiente corporativo para atuar de forma autônoma. Como E6 reconhece, houve uma especial mudança de percepção sobre o sentido do seu trabalho após a transição de carreira: “acho que o trabalho hoje, ele me nutre [...] me abastece, e antes eu sentia que, na minha saída, nos últimos anos, ele me sugava”.

O choque de carreira aponta uma ruptura dessas mulheres com o mundo corporativo e a adaptação de suas competências para novas atividades profissionais. A busca por sentido se alinha com noções contemporâneas de sucesso, referentes àquilo que é considerado importante em cada fase da vida (Van der Heijden & De Vos, 2015Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
https://doi.org/10.4337/9781782547037...
). O caráter sistêmico do desenvolvimento das carreiras é também ressaltado nesse processo quando se observa que as viagens, apesar de serem apresentadas como central para o desencadear do choque, são motivadas por vivências em outros importantes espaços sociais.

4.1.4. Pandemia de Covid-19 e o Impacto nos Modos de Trabalho

Ninguém é estável nessa vida, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Tá aí a pandemia para nos mostrar que de um dia para o outro nossa vida muda. Vira do avesso [E2].

A pandemia da Covid-19 é considerada um evento disruptivo que traz distintos impactos em várias carreiras e tipos de trabalho. Como a pesquisa foi conduzida durante o período da pandemia, emergiu naturalmente nas narrativas o impacto nos modos de trabalho em razão da necessidade de distanciamento social. A baixa frequência de ocorrência de um evento dessa magnitude, aliada ao pouco potencial de controle torna a pandemia um evento capaz de desencadear reflexões sobre as carreiras (Akkermans et al., 2018Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503...
; 2021Akkermans, J., Spurk, D., & Fouad, N. (2021). Careers and career development. In O. Braddick (Ed.), Oxford Research Encyclopedia of Psychology (pp. 1-40). Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190236557.013.557
https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190...
). O grau de intensidade, valoração e valência dos impactos dependem das circunstâncias individuais. Foi possível, entretanto, encontrar algumas similaridades nas narrativas das entrevistadas, que possuem um perfil socioeconômico semelhante e trajetórias de carreira pautadas pelo desenvolvimento de competências voltadas à adaptabilidade.

As mulheres pesquisadas demonstraram adaptabilidade aos desafios impostos pela pandemia. O desenvolvimento da empregabilidade ao longo das trajetórias corporativas permanece como uma herança que o grupo possui para rapidamente se adequar aos desafios do contexto. Um dos impactos mais observados nos relatos foi a necessidade de transpor o trabalho para o contexto digital, como uma alternativa para as incertezas. A diminuição das vendas físicas de E2 levou ao investimento e abertura de um negócio online, que no curso do tempo se mostrou mais rentável e produtivo do que seu negócio inicial.

A digitalização do trabalho é compreendida de forma positiva para algumas entrevistadas. De acordo com E18, o online possibilitou uma maior produtividade no período, conciliação do trabalho com demandas pessoais, e economia de tempo com deslocamentos e reuniões mais enxutas. A mesma percepção traz E17 “eu consegui expandir mercado [...] chegar em lugares que eu não sei se eu chegaria com tanta velocidade. Já outras entrevistadas relatam que a virtualização inicialmente possibilitou a continuidade das atividades; todavia foram sentidas perdas pela falta de interação com outras pessoas e na produtividade.

As narrativas demonstram, ainda, que a pandemia desencadeou reflexões sobre a necessidade de diversificar suas atuações para não serem dependentes de uma única fonte de renda que pode cessar a partir de eventos inesperados. E1, assim como outras entrevistadas, se move em busca de novas oportunidades de trabalho para antever crises que, assim como a pandemia, levaram à redução da carga horária na empresa atual e consequente redução da renda.

A pandemia de Covid-19 é compreendida como um choque que impactou de modo transformador as relações de trabalho do grupo pesquisado, apresentando intensidade e valoração diferentes para as entrevistadas. Assim, enquanto para algumas a necessidade de isolamento resultou em uma migração das atividades presenciais para o online, com consequências positivas e negativas, para outras representou o fim de suas atividades laborais e um novo começar após a transição já realizada. A diversificação de fontes de renda foi alternativa inserida em suas vidas.

4.2. Choques de carreira e seus Atravessamentos: um Olhar para Construções de Gênero

Conforme referido por Fraga e Rocha-de-Oliveira (2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilities in the Labyrinth: Pressuring the Boundaries of Women’s Careers. Cadernos EBAPE.BR, 18, 757-769. https://doi.org/10.1590/1679-395120190141
https://doi.org/10.1590/1679-39512019014...
), desde que se iniciaram os estudos sobre carreira, acredita-se que, além da capacidade de agência individual, existem condições sociais que influenciam as estruturas de oportunidades. Sociedades, organizações e carreiras são estruturadas em contextos generificados.

Nas organizações ainda prevalece uma visão estereotipada das características associadas à masculinidade e feminilidade, sendo os homens vistos como mais ambiciosos, autoconfiantes e agênticos, enquanto as mulheres são caracterizadas como mais empáticas, relacionais e comunais (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344. https://doi.org/10.1590/1679-395174876
https://doi.org/10.1590/1679-395174876...
). A construção de gênero nas organizações pode gerar a distribuição desigual de poder, levando algumas mulheres a terem a percepção de que não deveriam estar ocupando determinados espaços.

Em busca de validação no ambiente organizacional, as entrevistadas demonstraram a característica comum de alta dedicação ao trabalho, culminando na percepção de que não havia espaço para outras demandas em suas vidas. Nota-se que os choques de carreira se relacionam diretamente com o fato de que as mulheres pesquisadas sentiam que “tinham que viver para o trabalho”. Em decorrência, a partir das experiências identificadas nos choques de carreira, que as levaram a uma maior consciência sobre a finitude da vida, emergiu a necessidade de priorizar a saúde e o desejo de mudança. A vivência de um conjunto de experiências transformadoras traz a consciência para o grande esforço que foi necessário na manutenção das carreiras corporativas no contexto que vinham vivendo.

A maternidade ainda é vista como um problema para as organizações, sendo uma barreira exclusiva das mulheres e que os homens não enfrentam no mercado de trabalho (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344. https://doi.org/10.1590/1679-395174876
https://doi.org/10.1590/1679-395174876...
). O trabalhador abstrato é um homem, e é o modelo de seu corpo e suas emoções que permeia os processos organizacionais, sendo que a capacidade da mulher de engravidar, amamentar e cuidar de crianças é utilizada para desvalorizar o seu trabalho e motivo de controle e exclusão (Acker, 1990Acker, J. (1990). Hierarchies, jobs, bodies: A theory of gendered organizations. Gender & Society, 4(2), 139-158. https://doi.org/10.1177/089124390004002002
https://doi.org/10.1177/0891243900040020...
). A escolha pela não maternidade durante a carreira corporativa também revela a necessidade que essas mulheres sentiram de adequarem-se ao que se espera que seja o trabalhador ideal. A partir dos choques de carreira vividos, as entrevistadas passam a repensar suas trajetórias e reavaliar as decisões tomadas no passado, conforme trazido pelas entrevistadas E4 e E9 “as escolhas que eu fiz pra focar na minha área profissional, realmente influenciaram no caminho que eu segui de relacionamentos” [E4].

Eu tô já há um tempo sozinha na minha vida afetiva por conta dessas coisas todas de trabalho. [...] Eu terminei relacionamento por isso, eu não conseguia pensar, “não, eu tô trabalhando muito, eu não vou conseguir ter filho, eu não vou conseguir casar” [E9]

Dessa forma, pode-se questionar o quanto a opção pela não maternidade é realmente uma escolha das mulheres entrevistadas ou trata-se da adequação a um contexto generificado para manutenção de suas carreiras.

Nas narrativas também foi observada a permanência de barreiras e desafios que as entrevistadas enfrentaram durante a carreira corporativa, mesmo quando alcançam cargos de liderança (Hryniewicz & Vianna, 2018Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344. https://doi.org/10.1590/1679-395174876
https://doi.org/10.1590/1679-395174876...
), podendo-se destacar a remuneração diferente que recebem em relação ao par masculino, “eu não ganhava igual ao meu par... eu ganhava menos que ele” [E1]; serem preteridas em promoções, “por eu ter mais visibilidade, as pessoas meio que estranharam ele ser promovido e eu não” [E15]; desrespeito de subordinados em relação a suas decisões “ele não aceitava receber ordem minha. Mulher, mais nova…” [E18]; e o fenômeno do teto de vidro, “qualquer homem passava na minha frente mesmo eu estando lá em cima. [...] Eu já estava com 30 e comecei a me dar conta que as mulheres no mundo corporativo, elas têm um prazo de validade” [E11].

É possível reconhecer que há uma noção de empoderamento nos relatos das entrevistadas, porém o processo de enfrentamento às estruturas de poder nas organizações é realizado de forma individual, alinhado ao discurso organizacional dominante que não vê a necessidade de problematizar gênero (Fraga & Rocha-de-Oliveira, 2020Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilities in the Labyrinth: Pressuring the Boundaries of Women’s Careers. Cadernos EBAPE.BR, 18, 757-769. https://doi.org/10.1590/1679-395120190141
https://doi.org/10.1590/1679-39512019014...
). Diante da compreensão de que as mudanças são lentas e custosas, a saída do ambiente corporativo mostra-se como uma forma de tomar controle sobre a própria vida e carreira.

Enquanto os homens são mais propensos a seguirem carreiras associadas a um setor em busca de progressão linear e a manterem a vida profissional e pessoal em separado, as mulheres tendem a criar suas próprias carreiras, sem levar em consideração os modelos tradicionais (Mainiero & Sullivan, 2005Mainiero, L. A., & Sullivan, S. E. (2005). Kaleidoscope Careers: An Alternate Explanation for the “Opt-out” Revolution. The Academy of Management Executive (1993-2005) , 19(1), 106-123. http://www.jstor.org/stable/4166156
http://www.jstor.org/stable/4166156...
). Após a transição, observa-se em destaque nas narrativas o entrelaçamento entre vida e trabalho, como quando E19 relata que decidiu parar de fazer ensaios fotográficos de partos em razão do incômodo que sentia por não ter sucesso na própria tentativa de engravidar; as relações de cuidado que vão além da vivência da maternidade, como quando E2 relata mudanças no seu modo de trabalho e de consumo pensando nos exemplos que passava para sua enteada; e a possibilidade de reconfigurar seu modo de ser e viver, integrando demandas pessoais, profissionais, e tarefas de cuidado, conforme destacado por E18, “marco as minhas reuniões, tenho os meus prazos, é tudo conforme o que eu priorizo pra mim. Se eu quiser cuidar da minha mãe durante o dia e trabalhar até a meia noite, eu vou fazer isso”.

A entrevistada E13, que teve um filho após a transição de carreira, é a única mãe dentre as entrevistadas, e aborda o impacto da pandemia durante o período em que as escolas permaneceram fechadas e sem a disponibilidade de uma rede de suporte para as tarefas de cuidado: “minha babá e minha outra funcionária ficaram em casa [...] eu fiquei tomando conta do meu filho, meu marido trabalhando insanamente [...] eu tinha um projeto engatilhado [...] e eu não consegui fazer, porque eu não dei conta”. Desse modo, os choques de carreira revelam consequências particulares para o grupo estudado e atravessamentos pela construção de gênero.

5. Considerações Finais

O impacto dos choques de carreira nas entrevistadas é observado em decisões relativas à transição de carreiras, como um desencadear de transições rumo a trajetórias com características mais sustentáveis. A busca pela sustentabilidade das carreiras foi identificada nos processos de ajustes de expectativas de carreira com a realidade apresentada nos espaços sociais nos quais as participantes interagem no ecossistema. A interação entre contextos no ecossistema de carreira é ressaltada nas narrativas que retratam o impacto dos eventos disruptivos em pessoas próximas às entrevistadas, comumente relacionadas ao espaço social do âmbito familiar ou vida privada (De Vos et al., 2020De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.01...
). O papel da agência é facilitado pelas experiências de carreira acumuladas pelas mulheres a partir das transições já realizadas, refletindo na rápida adaptação aos ambientes de trabalho em constante mudança. As múltiplas experiências contribuem para o crescimento e renovação das carreiras, ainda que tais experiências não tenham relação direta com o seu trabalho (McDonald & Hite, 2018McDonald, K. S., & Hite, L. M. (2018). Conceptualizing and Creating Sustainable Careers. Human Resource Development Review, 17(4), 349-372. https://doi.org/10.1177/1534484318796318
https://doi.org/10.1177/1534484318796318...
).

Como se observa nas trajetórias analisadas, a sustentabilidade é facilitada ou limitada pela interação entre os atores do ecossistema e pelas condições sociais. Nesse sentido, a ênfase da pesquisa em mulheres executivas que optam por transições deliberadas ressalta a importância das organizações, como ator, na promoção de ambientes que satisfaçam os critérios subjetivos de sucesso das entrevistadas e na criação de condições para o bem-estar no trabalho, o que inclui atenção a condições de igualdade de gênero, aspectos fundamentais para a sustentabilidade das carreiras.

A condição privilegiada das pesquisadas permite a segurança financeira necessária para a realização de movimentos e transições nas suas trajetórias, justificando a valoração positiva, no médio e longo prazo, de choques de carreira. A adoção da perspectiva da sustentabilidade no âmbito das carreiras, a partir das teorias adotadas, se mostra, assim, enquanto contribuição do estudo por permitir a análise das transições no atual cenário de incertezas. Entende-se também como contribuição a ampliação do olhar para o contexto em que as carreiras se desenvolvem e para as relações entre agência e o espaço social.

Nas narrativas, observou-se que choques de carreira inicialmente percebidos como negativos foram gradualmente ressignificados no desenvolvimento das trajetórias. Reforçando o estudo quantitativo de Mansur e Felix (2020Mansur, J., & Felix, B. (2020). On lemons and lemonade: the effect of positive and negative career shocks on thriving. Career Development International, 26(4), 495-513. https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300...
) com trabalhadores brasileiros, esse cenário pode indicar influências culturais na capacidade de enfrentamento dos choques. A constante vivência e eventos adversos no Brasil implica maior adaptabilidade e atitude positiva frente a situações indesejadas (Mansur & Felix, 2020Mansur, J., & Felix, B. (2020). On lemons and lemonade: the effect of positive and negative career shocks on thriving. Career Development International, 26(4), 495-513. https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300...
). Assim, os achados desses estudos fortalecem o embasamento para a compreensão dos choques de carreira contextualizados nacionalmente, contribuindo para avançar nas pesquisas do campo.

Neste artigo, ainda enquanto contribuição teórica, foi proposto que um olhar atento para os choques de carreira que impulsionaram mudanças nas carreiras de mulheres executivas funcionou como forma de acesso a aspectos de um contexto social, generificado, de vida e trabalho. Identificaram-se decisões individuais tomadas frente a eventos imprevistos atravessadas e reveladoras de uma dimensão que também é coletiva. Os choques de carreira e as transições realizadas - especialmente por envolverem momentos de reflexões significativas, retratando experimentação e vivências com significados construídos ao longo da trajetória situados em tempo e contexto - apresentam esse potencial de análise. Os choques nas carreiras de mulheres aparecem como intensificados por um contexto de vida e trabalho generificado.

Como implicação prática, o estudo sinaliza para a necessidade de promoção de práticas de gestão de pessoas voltadas para a sustentabilidade, como maior compromisso com a saúde dos trabalhadores, possibilidades de transições internas visando conciliar melhor o trabalho com o momento de vida, a redução de desigualdades, e a desaceleração do ritmo de trabalho.

Para pesquisas futuras, sugerem-se estudos longitudinais para compreensão dos choques de carreira em longo prazo, e a investigação dos seus impactos em indivíduos de classes sociais menos favorecidas. Ao lançar o olhar sobre o grupo de mulheres executivas, deixa-se de discutir outros grupos e contextos, envolvendo, por exemplo, barreiras e limitações de acesso, condições de apoio, etc. Para uma melhor compreensão sobre a conexão entre choques e sustentabilidade ou insustentabilidade de carreira, propõem-se ainda estudos que incluam indivíduos em condição de desemprego prolongado e trabalhadores de áreas fortemente afetadas pela pandemia, como o turismo e eventos.

References

  • Acker, J. (1990). Hierarchies, jobs, bodies: A theory of gendered organizations. Gender & Society, 4(2), 139-158. https://doi.org/10.1177/089124390004002002
    » https://doi.org/10.1177/089124390004002002
  • Akkermans, J., Richardson, J., & Kraimer, M. (2020). The Covid-19 crisis as a career shock: Implications for careers and vocational behavior. Journal of Vocational Behavior, 119, 103434. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103434
    » https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103434
  • Akkermans, J., Seibert, S. E., & Mol, S. T. (2018). Tales of the unexpected: Integrating career shocks in the contemporary careers literature. SA Journal of Industrial Psychology, 44(1), 0-10. https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
    » https://doi.org/10.4102/sajip.v44i0.1503
  • Akkermans, J., Spurk, D., & Fouad, N. (2021). Careers and career development. In O. Braddick (Ed.), Oxford Research Encyclopedia of Psychology (pp. 1-40). Oxford University Press. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190236557.013.557
    » https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190236557.013.557
  • Baruch, Y. (2015) Organizational and labor markets as career ecosystem. In A. de Vos & B. I. J. M. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 364-380). Edward Elgar Publishing Limited. https://doi.org/10.4337/9781782547037
    » https://doi.org/10.4337/9781782547037
  • Baruch, Y., & Rousseau, D. M. (2019). Integrating Psychological Contracts and Ecosystems in Career Studies and Management. Academy of Management Annals, 13(1), 84-111. https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
    » https://doi.org/10.5465/annals.2016.0103
  • Baruch, Y., & Sullivan, S. E. (2022). The why, what and how of career research: a review and recommendations for future study. Career Development International, 27(1), 135-159. https://doi.org/10.1108/cdi-10-2021-0251
    » https://doi.org/10.1108/cdi-10-2021-0251
  • Cabrera, E. F. (2007). Opting out and Opting in: understanding the complexities of women’ s career transitions. Career Development International, 12(3), 218-237. https://doi.org/10.1108/13620430710745872
    » https://doi.org/10.1108/13620430710745872
  • Chudzikowski, K. (2012). Career transitions and career success in the “new” career era. Journal of Vocational Behavior, 81(2), 298-306. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2011.10.005
    » https://doi.org/10.1016/j.jvb.2011.10.005
  • De Vos, A., & Van der Heijden, B. I. (2017). Current thinking on contemporary careers: the key roles of sustainable HRM and sustainability of careers. Current Opinion in Environmental Sustainability, 28, 41-50. https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
    » https://doi.org/10.1016/j.cosust.2017.07.003
  • De Vos, A., Van der Heijden, B. I. J. M., & Akkermans, J. (2020). Sustainable careers: Towards a conceptual model. Journal of Vocational Behavior, 117, 103196. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
    » https://doi.org/10.1016/j.jvb.2018.06.011
  • Fraga, A. M., & Rocha-de-Oliveira, S. (2020). Mobilities in the Labyrinth: Pressuring the Boundaries of Women’s Careers. Cadernos EBAPE.BR, 18, 757-769. https://doi.org/10.1590/1679-395120190141
    » https://doi.org/10.1590/1679-395120190141
  • Frkal, R. A., & Criscione-Naylor, N. (2021). Opt-out stories: women’s decisions to leave corporate leadership. Gender in Management, 36(1), 1-17. https://doi.org/10.1108/GM-09-2019-0154
    » https://doi.org/10.1108/GM-09-2019-0154
  • Hryniewicz, L. G. C., & Vianna, M. A. (2018). Mulheres em posição de liderança: obstáculos e expectativas de gênero em cargos gerenciais. Cadernos EBAPE.BR, 16(3), 331-344. https://doi.org/10.1590/1679-395174876
    » https://doi.org/10.1590/1679-395174876
  • Jovchelovitch, S., & Bauer, M. (2015). Entrevista Narrativa. In M. W. Bauer & G. Gaskell (Orgs.), Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som (pp. 90-113). Vozes.
  • Mainiero, L. A., & Gibson, D. E. (2018). The Kaleidoscope Career Model Revisited: How Midcareer Men and Women Diverge on Authenticity, Balance, and Challenge. Journal of Career Development, 45(4), 361-377. https://doi.org/10.1177%2F0894845317698223
    » https://doi.org/10.1177%2F0894845317698223
  • Mainiero, L. A., & Sullivan, S. E. (2005). Kaleidoscope Careers: An Alternate Explanation for the “Opt-out” Revolution. The Academy of Management Executive (1993-2005) , 19(1), 106-123. http://www.jstor.org/stable/4166156
    » http://www.jstor.org/stable/4166156
  • Mansur, J., & Felix, B. (2020). On lemons and lemonade: the effect of positive and negative career shocks on thriving. Career Development International, 26(4), 495-513. https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
    » https://doi.org/10.1108/CDI-12-2018-0300
  • McDonald, K. S., & Hite, L. M. (2018). Conceptualizing and Creating Sustainable Careers. Human Resource Development Review, 17(4), 349-372. https://doi.org/10.1177/1534484318796318
    » https://doi.org/10.1177/1534484318796318
  • Müller, C. V., Scheffer, A. B. B., & Closs, L. Q. (2020). Volunteer tourism, transformative learning and its impacts on careers: The case of Brazilian volunteers. International Journal of Tourism Research, 22(6), 726-738. https://doi.org/10.1002/jtr.2368
    » https://doi.org/10.1002/jtr.2368
  • Ruiz Castro, M., Van der Heijden, B., & Henderson, E. L. (2020). Catalysts in career transitions: Academic researchers transitioning into sustainable careers in data science. Journal of Vocational Behavior, 122, 103479. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103479
    » https://doi.org/10.1016/j.jvb.2020.103479
  • Savickas, M. L., & Porfeli, E. J. (2012). Career Adapt-Abilities Scale: construction, reliability, and measurement equivalence across 13 countries. Journal of Vocational Behavior, 80(3), 661-673. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.01.011
    » https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.01.011
  • Stone, P., & Hernandez, L. A. (2013). The all-or-nothing workplace: Flexibility stigma and “opting out” among professional-managerial women. Journal of Social Issues, 69(2), 235-256. https://doi.org/10.1111/josi.12013
    » https://doi.org/10.1111/josi.12013
  • Van der Heijden, B. I. J. M., & De Vos, A. (2015). Sustainable careers: Introductory chapter. In A. De Vos & B. Van der Heijden (Eds.), Handbook of Research on Sustainable Careers (pp. 1-19). Edward Elgar Publishing. https://doi.org/10.4337/9781782547037
    » https://doi.org/10.4337/9781782547037
  • Weiss, H. M., & Cropanzano, R. (1996). Affective events theory: a theoretical discussion of the structure, causes and consequences of affective experiences at work. In R. I. Sutton & B. M. Staw (Eds.), Research in Organizational Behavior (pp. 1-74). JAI Press.

Editado por

Editor-chefe

Talles Vianna Brugni 0000-0002-9025-9440

Editor Associado

Juliana Mansur 0000-0002-7525-0691

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2023

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2021
  • Revisado
    22 Fev 2022
  • Aceito
    11 Nov 2022
  • Publicado
    25 Jul 2023
Fucape Business School Av. Fernando Ferrari, 1358, Boa Vista, 29075-505, Vitória, Espírito Santo, Brasil, (27) 4009-4423 - Vitória - ES - Brazil
E-mail: bbronline@bbronline.com.br