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Relações Entre Estado e Empresas e Arenas Como Espaço Legítimo para Crimes Estatal-Corporativos: O Caso do Trabalho Escravo no Brasil

RESUMO

Este artigo tem como objetivo explorar a gênese das arenas como sendo um espaço de relação interorganizacional que pode promover ou abrir caminho para a consecução de crimes corporativos. Tomando como base o cenário brasileiro de erradicação da escravidão, argumentamos que há a criação de arenas e contra-arenas dinâmicas como espaços para ora evitar e ora promover crimes corporativos enquanto o Estado desempenha o papel de facilitador de tais crimes. Essa discussão afirma que a promoção e a prevenção de crimes corporativos são legitimadas tanto pelo Estado em seu regime de permissão quanto pelos atores que atuam nesse campo por intermédio da formação de arenas. Para mapear os elementos-chave dessas arenas, nossa pesquisa se baseia nas técnicas de shadowing, entrevistas em profundidade e observação de campo. Após formado o corpus de pesquisa, analisamos os fenômenos principalmente por meio de codificação aberta, axial e seletiva, com base na abordagem da Grounded Theory.

PALAVRAS-CHAVE:
Crime estatal-corporativo; Trabalho Escravo; Arenas; Relações Interorganizacionais

ABSTRACT

This article aims to explore the genesis of arenas as an interorganizational relation space that can promote, or at least cleave, the path for corporate crimes. Based the scenario in which Brazil eradicated slavery, we argue there has been the creation of dynamic arenas and counter-arenas as spaces for avoiding or promoting corporate crimes, while the state has played the role of facilitator in such crimes. This paper asserts that promotion and prevention of corporate crimes are both legitimate actions by the state in its regime of permission, and every single actor who play in this field through arenas. In order to map the key elements of these arenas, our investigation is based on the techniques of shadowing, in-depth interviews, and field observation. After building our data pool, we analysed the phenomena mostly through open, axial, and selective coding, based on the Grounded Theory approach as a mean for categorization.

KEYWORDS:
State-corporate crime; Slave labour; Arenas; Interorganizational Relations

1. Introdução

No campo dos Estudos Organizacionais, um dos principais argumentos é a afirmação de que a sociedade contemporânea é composta essencialmente por um conjunto de organizações, o que nos leva a crer que para compreender a sociedade é preciso compreender as organizações em primeira instância (Perrow,1991Perrow, C. (1991). A society of organizations. Theory and Society, 20(6), 725-762.). Partindo desse pressuposto, observamos que as organizações - públicas, privadas ou do terceiro setor - estão convenientemente conectadas em campos denominados “arenas”, onde ocorrem relações de poder e trocas de recursos e capacidades entre as organizações, enquanto elas buscam seus interesses sobrepostos

A estreita ligação entre esses três setores no mesmo nível, que formam diferentes tipos de arenas, é justificada pela crescente perspectiva neoliberal. Essa perspectiva defende que há uma concepção do ser humano como competitivo e racional, conduzindo à noção de poder privado; há também uma concepção de sociedade que é entendida como meio de realização de seus propósitos próprios e individuais, conduzindo à noção de pool de recursos de poder privado. Nesse contexto, a concepção de Estado foi reduzida à de outro ator tão poderoso quanto o setor privado. No entanto, apesar do discurso neoliberal ter clamado por “menos Estado”, a estrutura do capitalismo não sobrevive sem instituições providas pelo Estado (Paulo Netto & Braz, 2012Paulo Netto, J., & Braz, M. (2012). Economia Política: uma introdução crítica. (8th ed.). Cortez.), e esse apontamento abre espaço para a divulgação de arenas compostas por pelo menos dois dos três principais setores - público, privado e terceiro setor.

Partindo do ponto de vista de que a narrativa neoliberal tem sido utilizada para gerir o Estado, para reduzi-lo a outro ator no campo e também para introduzir forças de mercado no setor público (Peci et al., 2008Peci, A., Pieranti, O. P., & Rodrigues, S. (2008). Governança e new public management: convergências e contradições no contexto brasileiro. Organizações & Sociedade, 15(46), 39-55. https://doi.org/10.1590/s1984-92302008000300002
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), é importante discutir a interface política das arenas. Apesar de autores (e.g. Selsky & Parker, 2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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, 2001Selsky, J. W. & Parker, B. (2010). Platforms for cross-sector social partnerships: prospective sensemaking devices for social benefit. Journal of Business Ethics, 94, 21-37. http://dx.doi.org/10.1007/s10551-011-0776-2
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) discutirem as arenas como uma ordem pragmática para apreender o equilíbrio de poder e os resultados gerenciais das relações das três partes, problematizamos as arenas como um espaço aberto para todos os tipos de relações, inclusive aquelas prejudiciais para a sociedade.

Reconhecendo a existência de múltiplas formas de arena (Selsky & Parker, 2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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), este artigo tem como objetivo discutir a criação de arenas com a finalidade específica de promover ou pelo menos permitir a promoção de crimes corporativos. Com isso, pretendemos contribuir para a ampliação do debate institucional relacionado aos seguintes pontos: (i) a formação das arenas como o espaço onde as organizações interagem e formam aglomerados de representação, e (ii) como a criação de arenas pode culminar em crimes contra a sociedade ou contra comunidades específicas.

Nesse sentido, investigamos o surgimento de arenas relacionadas ao combate ao trabalho escravo no Brasil. Para isso, acompanhamos episódios recursivos que remodelaram o ambiente institucional, fortalecendo as relações entre alguns grupos de atores e organizações e, ao mesmo tempo, dividindo outros grupos. Por meio desses episódios - entre eles estão mudanças de leis ou políticas públicas - foi possível descobrir alguns conglomerados organizacionais discutidos neste artigo por meio do conceito de arenas.

Para seguir a discussão principal, primeiramente apresentamos nosso arcabouço teórico que elucida como os crimes são cometidos pela relação entre Estado e corporações, denotando que o próprio Estado pode ser um facilitador para a perpetração de tais crimes após ser demandado por essas corporações (Marmo & Bandiera, 2021Marmo, M., & Bandiera, R. (2021). Modern Slavery as the New Moral Asset for the Production and Reproduction of State-Corporate Harm. Journal of White Collar and Corporate Crime, 20(10), 1-12. https://doi.org/10.1177/2631309x211020994
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; Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R., Alcadipani, R., & Paganini, P. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 25(81). https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
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; Tumbas, 2009Tombs, S., & Whyte, D. (2009). The State and Corporate Crime. In R. Coleman, J. Sim, S. Tombs, & D. Whyte (Eds.), State, Power, Crime (pp. 103-115). SAGE Publications.; Michalowski, 2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US.; Chamblis, 1989Chamblis, W. J. (1989). STATE-ORGANIZED CRIME-The American Society of Criminology, 1988 Presidential Address*. Criminology, 27(2), 183-208. https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1989.tb01028.x
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).

Também revisamos brevemente possíveis definições de trabalho escravo baseadas em contexto (McGrath, 2013McGrath, S. (2013). Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane workers in the Brazilian ethanol GPN. Geoforum, 44, 32-43. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2012.06.011
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; Bales & Robins, 2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). “No one shall be held in slavery or servitude”: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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) que considera o trabalho escravo - ou escravidão contemporânea, trabalho não livre ou escravidão moderna - como aquele no qual uma pessoa tem completa falta de liberdade por coação física, servidão por dívida, trabalho precário e/ou trabalho forçado, além de outros elementos tipificadores da escravidão contemporânea. Diante dessa definição, apontamos, por um lado, a existência de tentativas no Brasil de erradicar o trabalho escravo e, por outro, a existência de práticas que buscam perpetuar por qualquer meio o uso da escravidão dentro dos processos de produção e operação usados por corporações e organizações com fins lucrativos (McGrath, 2013McGrath, S. (2013). Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane workers in the Brazilian ethanol GPN. Geoforum, 44, 32-43. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2012.06.011
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; Phillips & Sakamoto, 2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011).The Dynamics of Adverse Incorporation in Global Production Networks: Poverty, Vulnerability and ‘Slave Labour’ in Brazil. (Chronic Poverty Research Centre Working Papers series; No. 175)).

Além disso, apresentamos a discussão sobre arenas a partir da perspectiva de parcerias sociais intersetoriais (Selsky & Parker, 2001). Dentro dessa perspectiva, trazemos possíveis articulações entre atores dos setores público, privado e terceiro setor, e como estes, juntos, podem compor arenas em torno de uma agenda comum. Ainda, estendemos essa discussão para o âmbito do que chamamos de contra-arena, como a formação de uma arena contrária à agenda hegemônica dentro de um campo organizacional.

Em seguida, indicamos a abordagem metodológica utilizada para a realização do trabalho de campo, o qual permitiu compor um corpus de pesquisa que foi analisado com base na abordagem da Grounded Theory, utilizando os procedimentos de codificação aberta, axial e seletiva para trazer à tona categorias de análise a partir dos próprios dados. O trabalho de campo foi realizado principalmente ao longo e em torno de uma organização cujo objetivo é convocar diferentes atores/organizações para a agenda de erradicação da escravidão no Brasil. Isso nos permitiu identificar várias dimensões de colaboração e conflito nesse campo.

Por fim, seguimos com a discussão e as contribuições. Nesse ponto, apresentamos alguns episódios específicos que levaram ao amadurecimento do campo em torno da agenda do trabalho escravo e à composição de duas arenas - a arena da erradicação do trabalho escravo e a contra-arena que busca minar as já consolidadas políticas e práticas de erradicação ou aquelas políticas e práticas em desenvolvimento. Em seguida, mostramos como arena e contra-arena acabam sendo um espaço legítimo para a execução de crimes corporativos, e como o Estado atua como entidade reguladora em seu regime de permissão para execução de crimes e por meio de sua regulação estatal, que cria ambiguidade institucional e então se torna um espaço aberto para tais crimes corporativos.

2. Base Teórica

2.1. Crimes a partir do conluio entre Estado e corporações

Um dos pontos centrais do debate sobre as organizações é o poder das corporações sobre outras esferas compostas por uma miríade de pequenos empresários e empreendedores, instituições públicas e sua interface com a sociedade civil (Perrow, 1991Perrow, C. (1991). A society of organizations. Theory and Society, 20(6), 725-762.). As empresas têm a capacidade de interferir no processo de gestão pública e nas políticas públicas de tal forma que seu poder não se baseia apenas na dimensão econômica, mas também revela proximidade com a concretização de relações monetárias entre empresas e membros da esfera pública cujos interesses estão alinhados entre si (Michalowski & Kramer, 2006Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2006). The critique of power. In R. J. Michalowski & R. C. Kramer (Eds.), State-Corporate Crime: Wrongdoing at the Intersection of Business and Government (Critical Issues in Crime and Society) (pp. 1-17). Rutgers University Press.).

O alinhamento de interesses entre parte da esfera pública e algumas corporações se dá não apenas para fins legítimos e legais, mas também para fins escusos. Considerando esses últimos propósitos, a capacidade das corporações de influenciar os aspectos econômicos, políticos, jurídicos e culturais tornou-se tão exacerbada que, mesmo quando atuam à margem da lei ou de forma criminosa, conseguem se eximir de qualquer responsabilidade. Isso revela não apenas o poder dessas corporações, mas também a existência de uma relação simbiótica entre elas e parte da administração pública e das agências reguladoras (Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R., Alcadipani, R., & Paganini, P. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 25(81). https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
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; Tombs, 2012Tombs, S. (2012). State-corporate symbiosis in production of crime and harm. State Crime Journal, 1(2), 170-195.).

Para entender o crime corporativo-estatal e suas consequências, o referencial desenvolvido por Michalowski e Kramer (2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US.) indica que o crime corporativo-estatal pode ser definido como “ações ilegais ou socialmente prejudiciais que ocorrem quando uma ou mais instituições políticas de governança perseguem um objetivo em cooperação direta com uma ou mais instituições de produção e distribuição econômica” (Michalowski & Kramer, 2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US., p. 270, tradução nossa). Nesse quadro, tais ações devem necessariamente ser articuladas entre duas ou mais organizações dos setores público e privado que causem danos ou prejuízos à sociedade.

A abordagem político-econômica ou radical relacionada aos crimes corporativos considera que a origem do crime estatal-corporativo está relacionada à estrutura política e econômica do capitalismo, cuja presença nos estudos do crime corporativo não é significativa. Nessa perspectiva, as características da sociedade capitalista interagem com o nível de atuação organizacional e individual, influenciando não apenas a ocorrência do crime corporativo, mas também sua impunidade (Michalowski & Kramer, 2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US.).

Embora parte da literatura indique que determinados comportamentos lesivos decorrentes da sobreposição e conexão de objetivos corporativos e estatais não são entendidos como crime por não estarem tipificados em lei, é importante ressaltar que, além de outros motivos, isso ocorre devido à forte influência das corporações sobre as instituições governamentais. Por um lado, o ordenamento jurídico dos países busca regular a formação de monopólios, crimes ambientais, padrões de qualidade de produtos e serviços e outras ações corporativas (Griffin & Miller, 2011Griffin, O. H., & Miller, B. L. (2011). OxyContin and a Regulation Deficiency of the Pharmaceutical Industry: Rethinking State-Corporate Crime. Critical Criminology, 19(3), 213-226. https://doi.org/10.1007/s10612-010-9113-9
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). Por outro lado, os interesses das corporações e da sociedade são vistos como inconciliáveis, e, nesse contexto, surgem sistemas jurídicos que priorizam os interesses das corporações sobre os interesses da sociedade (Chamblis, 1989Chamblis, W. J. (1989). STATE-ORGANIZED CRIME-The American Society of Criminology, 1988 Presidential Address*. Criminology, 27(2), 183-208. https://doi.org/10.1111/j.1745-9125.1989.tb01028.x
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). Tais sistemas jurídicos surgem não apenas da pressão das corporações, mas também da influência da classe política e do conluio com ou ação da esfera pública. Assim, temos como resultado a falta de criminalização das consequências nefastas de determinadas ações das corporações.

No contexto transnacional, Michalowski e Kramer (2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US.) argumentam que há uma demanda pelo conceito de crimes estatais-corporativos capazes de se adaptar às diversas formas de injustiça promovidas pelas corporações transnacionais. Isso resulta no entendimento de que o crime corporativo-estatal envolve qualquer ação praticada por empresas as quais violem as leis nacionais ou normas internacionalmente aceitas, ou qualquer ação que dê origem a danos sociais, tipificados pelo ordenamento jurídico ou não. Ao trazer tal concepção, há duas possibilidades analíticas distintas em torno do conceito de crime estatal-corporativo: (a) iniciado pelo Estado - quando empresas contratadas pelo governo se envolvem em práticas desviantes, ou têm aprovação tácita do governo para tanto; e (b) facilitado pelo Estado - quando as instituições reguladoras governamentais falham em restringir as atividades empresariais desviantes, seja por meio de conluio direto entre empresas e o governo ou porque concordam com objetivos compartilhados que seriam difíceis de alcançar seguindo uma regulamentação rígida.

Dessa forma, entendemos, sumariamente, que crimes estatais-corporativos são aquelas ações que prejudicam, de uma forma ou de outra, a sociedade e o meio ambiente, e emergem da articulação entre as corporações e a esfera pública. Entendemos também que tais ações lesivas podem ou não ser tipificadas por lei, o que não desqualifica o crime, uma vez que a questão jurídica é fortemente amparada pelo poder das corporações de influenciar a formulação do ordenamento jurídico vigente. Por fim, esse pressuposto está ligado à agenda dos regimes de permissão, em que os crimes são entendidos sob a perspectiva crítica e partindo de ações de subserviência do Estado.

2.2. Trabalho Escravo no Brasil: definição norteadora e principais episódios

O trabalho escravo não pode ser definido antes de compreender o contexto em que tal definição se desenvolve, e isso nos leva a diferentes definições, todas elas convergindo para o crime contra o ser humano e a falta de liberdade. Segundo Bales e Robbins (2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). “No one shall be held in slavery or servitude”: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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), há uma discrepância e confusão nos conceitos definidores do trabalho escravo em todos os países utilizados como referência por órgãos internacionais, governos e universidades. Bales e Robbins (2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). “No one shall be held in slavery or servitude”: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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, p. 22, tradução nossa) ressaltam que “o resultado é uma definição altamente reflexiva de seu contexto histórico”, o que nos leva a entender que os conceitos adotados por diversas organizações não dependem apenas do contexto em si, mas também da natureza temporal que essa definição implica.

Bales e Robbins (2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). “No one shall be held in slavery or servitude”: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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) apresentam diferentes esferas do conceito de trabalho escravo à medida que os acordos internacionais evoluíram, sempre buscando contextualizar o local onde o conceito foi construído. Inicialmente, um dos pontos tratados pela Liga das Nações foi a busca pela eliminação do trabalho escravo ou de práticas relacionadas à escravidão por meio de um pacto entre nações soberanas, conforme Bales e Robbins (2001Bales, K., & Robbins, P. T. (2001). “No one shall be held in slavery or servitude”: A critical analysis of international slavery agreements and concepts of slavery. Human Rights Review, 2(2), 18-45. https://doi.org/10.1007/s12142-001-1022-6
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, p. 22). Esse acordo nos dá a ideia central de que a escravidão é uma violação de direitos humanos reconhecidos internacionalmente, o que a torna a chamada norma jus cogens adotada pelos países. Apesar desse acordo, existem diferentes níveis de liberdade e diferentes condições de emprego que podem variar de contexto para contexto (McGrath, 2013McGrath, S. (2013). Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane workers in the Brazilian ethanol GPN. Geoforum, 44, 32-43. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2012.06.011
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). Reconhecer a multidimensionalidade do conceito nos dá a possibilidade de discutir a escravidão moderna em diversos contextos e conectada a diversas abordagens teóricas.

Embora reconheçamos as diferentes formas de definir o trabalho análogo ao de escravo e termos correlatos como trabalho forçado, trabalho escravo e escravidão contemporânea, em síntese, este artigo se orienta pela definição oferecida pelo artigo 149 do atual Código Penal do Brasil (Lei 10.803, 2003Lei n. 10.803, de 11 de Dezembro de 2003. (2003). Estabelecer penas ao crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de escravo. Diário Oficial da União. Brasília: Casa Civil.), o qual estabelece que condições análogas à escravidão são classificadas quando uma pessoa é submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e servidão por dívida.

Diante dessa definição, reconhecemos que tanto antes quanto depois da formalização dos aspectos legais do artigo 149 houve diversas ações e políticas de combate ao trabalho escravo que evidenciam não só a prática de erradicação proporcionada por meios do Estado e de outros atores, como também a tentativa de algumas empresas de continuarem no atual modus operandi que fazem uso da escravidão em suas redes de produção. Considerando as diferentes políticas criadas, muitas serão tratadas, na análise dos dados, como situações episódicas que, segundo Giddens (1984), configuram o campo institucional e, consequentemente, definem a composição das arenas e, podemos incluir, contra-ataques. arenas.

Uma vez definida nossa compreensão da escravidão moderna, precisamos trazer à tona dois aspectos fundamentais do trabalho escravo - relação entre micro e macro práticas (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. http://dx.doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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), e como a gestão está implicada na produção da escravidão (Mascarenhas et al., 2015Mascarenhas, A., Dias, S., & Baptista, R. (2015). Elementos para discussão da escravidão contemporânea como prática de gestão. RAE - Revista de Administração de Empresas, 55(2), 175-187. https://doi.org/10.1590/S0034-759020150207
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). Como a escravidão foi formalmente abolida no Brasil, não é incomum encontrar empresas empresariais, ou mesmo estatais, utilizando outras formas de exploração de trabalhadores que vão muito além do limite de exploração usualmente aceito nas sociedades capitalistas. Isso tem sido tipificado como uma forma contemporânea de escravidão e abre espaço para práticas como a ilegalidade nas práticas de contratação, acomodações vinculadas, trabalho forçado, servidão e servidão (McGrath, 2013McGrath, S. (2013). Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane workers in the Brazilian ethanol GPN. Geoforum, 44, 32-43. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2012.06.011
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).

Esse tipo de trabalho não gratuito não é exceção e tem sido utilizado para que as empresas se beneficiem dos funcionários e também da relação competitiva entre players do setor privado, reduzindo custos e ganhando escala (Mascarenhas et al., 2015Mascarenhas, A., Dias, S., & Baptista, R. (2015). Elementos para discussão da escravidão contemporânea como prática de gestão. RAE - Revista de Administração de Empresas, 55(2), 175-187. https://doi.org/10.1590/S0034-759020150207
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). No entanto, para aquelas empresas que desejam intencionalmente colocar a escravidão em suas cadeias produtivas, elas podem ter o contexto institucional adequado e também as capacidades para usá-lo até onde puderem (Phillips & Mieres, 2015Phillips, N., & Mieres, F. (2015). The governance of forced labour in the global economy. Globalizations, 12(2), 244-260. https://doi.org/10.1080/14747731.2014.932507
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; Mascarenhas et al., 2015Mascarenhas, A., Dias, S., & Baptista, R. (2015). Elementos para discussão da escravidão contemporânea como prática de gestão. RAE - Revista de Administração de Empresas, 55(2), 175-187. https://doi.org/10.1590/S0034-759020150207
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; Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. http://dx.doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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).

As condições institucionais que possibilitam a existência de trabalho escravo podem ser divididas em contextos industriais, socioeconômicos, geográficos, culturais e regulatórios. Essas condições estão no nível macro do ambiente organizacional e podem levar as organizações ao uso da escravidão em consequência da alta intensidade de trabalho, nível de competição, nível de vulnerabilidade da população local, isolamento geográfico, ausência de políticas públicas e ou cumprimento da lei. Esses elementos são constitucionais do macronível, pois podem levar as empresas ao uso da escravidão (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. http://dx.doi.org/10.5465/amr.2011.0145
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; Mascarenhas et al., 2015Mascarenhas, A., Dias, S., & Baptista, R. (2015). Elementos para discussão da escravidão contemporânea como prática de gestão. RAE - Revista de Administração de Empresas, 55(2), 175-187. https://doi.org/10.1590/S0034-759020150207
https://doi.org/10.1590/S0034-7590201502...
).

Por outro lado, as práticas em nível micro ilustram a existência de elementos gerenciais que permitem - ou levam a - o uso da escravidão. Algumas delas são a ausência de governança corporativa e gestão de compliance, ausência de gestão de contratos, grande pressão nos custos e gestão da dívida, e falta de responsabilidade e opacidade (Crane, 2013Crane, A. (2013). Modern slavery as a management practice: exploring conditions and capabilities for human exploitation. Academy of Management Review, 38(1), 49-69. http://dx.doi.org/10.5465/amr.2011.0145
http://dx.doi.org/10.5465/amr.2011.0145...
). No entanto, tanto o macronível quanto o micronível podem ser entendidos não apenas isolados, mas também de acordo com a contingência, e isso significa que o conteúdo desses elementos pode variar ao longo das cadeias produtivas, pois passam por diversos contextos e realidades (Phillips & Sakamoto, 2011Phillips, N., & Sakamoto, L. (2011).The Dynamics of Adverse Incorporation in Global Production Networks: Poverty, Vulnerability and ‘Slave Labour’ in Brazil. (Chronic Poverty Research Centre Working Papers series; No. 175); Phillips & Mieres, 2015Phillips, N., & Mieres, F. (2015). The governance of forced labour in the global economy. Globalizations, 12(2), 244-260. https://doi.org/10.1080/14747731.2014.932507
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).

Essas dimensões e elementos do trabalho escravo, acompanhados do conceito escolhido para nos guiar, estão ligados ao debate da arena, pois não são construídos por si mesmo, mas pelas relações negócios-negócios, o que significa a incorporação de práticas gerenciais - e por meio de as relações de empresa-estado, o que significa a construção mútua de um ambiente institucional onde o estado é reduzido a um jogador regular do jogo em vez de um crupiê.

2.3. Arenas como espaço para relações intersetoriais

O processo de redemocratização no Brasil e a significativa onda de privatizações foram dois aspectos cruciais para forjar a forma como as políticas públicas foram formadas. Atualmente, as políticas têm sido formuladas com base na interação do Estado com o setor privado e o terceiro setor, o que culminou em um cenário onde a governança ocupou um papel central na mediação das relações entre os atores desses três setores (Peci et al., 2008Peci, A., Pieranti, O. P., & Rodrigues, S. (2008). Governança e new public management: convergências e contradições no contexto brasileiro. Organizações & Sociedade, 15(46), 39-55. https://doi.org/10.1590/s1984-92302008000300002
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). Em outros contextos além do Brasil, Borzel (1998Borzel, T. A. (1998). Organizing Babylon - On the Different Conceptions of Policy Networks. Public Administration, 76(2), 253-273. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00100
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) indica que, como resultado de fortes ondas de reforma neoliberal, o Estado tem se ligado cada vez mais a atores que não fazem parte da hierarquia estatal, e isso tem criado redes de relacionamento entre setores - Estado/ público, privado e terceiro setor. Embora no Brasil o Estado tenha uma dimensão e dimensão significativas, tal situação de forte ligação entre o público, privado e terceiro setor também tem sido evidenciada (Souza & Hoff, 2019Souza, M. B. D., & Hoff, T. S. R. (2019). O governo Temer e a volta do neoliberalismo no Brasil: possíveis consequências na habitação popular. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 11, e20180023. https://doi.org/10.1590/2175-3369.011.e20180023
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; Monteiro & Fleury, 2014Monteiro, L. A., & Fleury, S. (2014). Elos que libertam: redes de políticas para erradicação do trabalho escravo contemporâneo no Brasil. Organizações & Sociedade, 21(69), 255-273. https://doi.org/10.1590/s1984-92302014000200004
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; Junqueira, 2004Junqueira, L. A. P. (2004). A gestão intersetorial das políticas sociais e o terceiro setor. Saúde e Sociedade, 13(1), 25-36. https://doi.org/10.1590/s0104-12902004000100004
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; Ivo et al., 1998Ivo, A. B. L., Fadul, L. M. C., & Heber, F. (1998). Limites e potencialidades da governabilidade e da governança urbana: o caso de Salvador. Organizações & Sociedade, 5(13), 63-85. https://doi.org/10.1590/s1984-92301998000300003
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; Fischer & Falconer, 1998Fischer, R. M., & Falconer, A. P. (1998). Desafios da parceria governo no terceiro setor. RAUSP Management Journal, 33(1), 12-19.; Melo, 1996) e pode ser tratada como uma existência mútua do neoliberalismo roll-out e roll-back, ambos conceitos revelados por Peck e Tickell (2008Peck, J., & Tickell, A. (2008). Neoliberalizing Space. In N. Brenner & N. Theodore (Eds.), Spaces of Neoliberalism (4th ed., pp. 33-57). Blackwell Publishing.) e associados ao processo de neoliberalização profunda.

Nesse contexto, surgem as arenas - espaços onde ocorrem as relações entre atores de dois ou mais setores com um propósito específico. Selsky e Parker (2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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, p. 851) apontam a existência de quatro tipos de arenas onde podem ocorrer relações intersetoriais ou parcerias sociais intersetoriais (parcerias sociais intersetoriais): “a intersecção dos setores empresarial e sem fins lucrativos, governo e setores empresariais, setores governamentais e sem fins lucrativos, e em sua interseção conjunta”.

As arenas são formadas a partir de um conjunto de ações realizadas pelos atores que delas fazem parte em função de agendas comuns. Desse conjunto, destacam-se as agendas que conectam os atores, que podem ter foco local, regional ou global, e ser direcionadas para contextos e realidades mais específicos ou mais genéricos. Essas agendas podem ser traçadas por meio de uma visão mais gerencial (e.g. Selsky & Parker, 2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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) e/ou por meio de uma abordagem mais política (e.g. Borzel, 1998Borzel, T. A. (1998). Organizing Babylon - On the Different Conceptions of Policy Networks. Public Administration, 76(2), 253-273. https://doi.org/10.1111/1467-9299.00100
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; Alcadipani & Medeiros, 2020Alcadipani, R., & Medeiros, C. (2020). When corporations cause harm: a critical view of corporate social irresponsibility and corporate crimes. Journal of Business Ethics, 167, 285-297. https://doi.org/10.1007/s10551-019-04157-0
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), que reduz o Estado a apenas mais um ator e ao mesmo tempo ao mesmo tempo, coloca “as atividades lucrativas acima dos interesses sociais dentro da lógica do sistema econômico capitalista” (Alcadipani & Medeiros, 2020Alcadipani, R., & Medeiros, C. (2020). When corporations cause harm: a critical view of corporate social irresponsibility and corporate crimes. Journal of Business Ethics, 167, 285-297. https://doi.org/10.1007/s10551-019-04157-0
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, pp. 292).

As arenas são compostas por dois ou mais setores, nos quais Selsky e Parker (2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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) destacam as possíveis combinações entre o público, privado e terceiro setor, e não incluem organizações internacionais como OIT, ONU e outras. Durante o surgimento das arenas, são encontradas parcerias entre atores de dois ou mais setores, e essas parcerias são enfatizadas pela literatura em sua concepção de coesão entre as partes envolvidas (Murphy & Bendell, 1999Murphy, D., & Bendell, J. (1999). Partners in Time? Business, NGOs and Sustainable Development, United Nations Research Institute for Social Development (No. 109). https://www.unrisd.org/80256B3C005BCCF9/(httpPublications)/259BB13AD57AC8E980256B61004F9A62
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). Por outro lado, dentro de uma arena onde ocorrem parcerias, também podem existir figuras de oposição declarada (Elbers, 2004 apud Selsky & Parker, 2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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) que possuem posições diferentes de outros atores, embora adiram à agenda principal contida na arena. Isso, por sua vez, pode eventualmente levar a arena a um maior grau de maturidade, fortalecendo as relações entre os atores componentes, ou pode levar a um rompimento da arena, fazendo com que a contra-arena surja.

Quatro tipos de arena podem ser resumidos em (1) a parceria entre organizações sem fins lucrativos e com fins lucrativos; (2) parcerias entre governos e organizações sem fins lucrativos; (3) parcerias trissetoriais e (4) parcerias entre governos e organizações com fins lucrativos. Para os propósitos deste artigo, destacamos as parcerias entre governos e organizações com fins lucrativos, apesar de ser considerada a existência simultânea de outras. Esse formato é apresentado como parcerias público-privadas, gestão privada de bens públicos (Ostrom, 1990Ostrom, E. (2021). Governing the Commons: The Evolution of Institutions for Collective Action. Cambridge University Press.), parcerias entre o setor público e privado para equilibrar falhas de mercado (Tirole, 2005 apud Misoczky et al., 2017Misoczky, M. C. A., Abdala, P. R. Z., & Damboriarena, L. A. (2017). A trajetória Ininterrupta da Reforma do Aparelho de Estado no Brasil: Continuidades nos Marcos do Neoliberalismo e do Gerencialismo. Administração Pública e Gestão Social, 1(3), 184-193. https://doi.org/10.21118/apgs.v1i3.1306
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) e concessões.

Um dos principais elementos que nortearam as parcerias entre atores públicos e privados é aquele que diz respeito aos compromissos político-ideológicos normalmente orientados por uma perspectiva neoliberal (Misoczky et al., 2017Misoczky, M. C. A., Abdala, P. R. Z., & Damboriarena, L. A. (2017). A trajetória Ininterrupta da Reforma do Aparelho de Estado no Brasil: Continuidades nos Marcos do Neoliberalismo e do Gerencialismo. Administração Pública e Gestão Social, 1(3), 184-193. https://doi.org/10.21118/apgs.v1i3.1306
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; Harlow et al., 2012Harlow, E., Berg, E., Barry, J., & Chandler, J. (2012). Neoliberalism, managerialism and the reconfiguring of social work in Sweden and the United Kingdom. Organization, 20(4), 534-550. https://doi.org/10.1177/1350508412448222
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; Peroni et al., 2009Peroni, V. M. V., Oliveira, R. T. C. D., & Fernandes, M. D. E. (2009). Estado e terceiro setor: as novas regulações entre o público e o privado na gestão da educação básica brasileira. Educação & Sociedade, 30(108), 761-778. https://doi.org/10.1590/s0101-73302009000300007
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; Dixon et al., 2004Dixon, J., Dogan, R., & Kouzmin, A. (2004). The Dilemma of Privatized Public Services: Philosophical Frames in Understanding Failure and Managing Partnership Terminations. Public Organization Review, 4(1), 25-46. https://doi.org/10.1023/b:porj.0000015650.68779.89
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; Miraftab, 2004Miraftab, F. (2004). Public-Private Partnerships. Journal of Planning Education and Research, 24(1), 89-101. https://doi.org/10.1177/0739456x04267173
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). Algumas dessas premissas estão supostamente relacionadas a uma agenda orientada para a eficiência da prestação de serviços públicos por meio da privatização, desregulamentação, terceirização e redução do Estado, o que pode ser considerado como o vazio do Estado (Rhodes, 1994Rhodes, R. A. W. (1994). The hollowing of the taste: the changing nature of the public service in Britain. The Political Quarterly, 65(2), 138-151. https://doi.org/10.1111/j.1467-923x.1994.tb00441.x
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). Outros elementos são a transferência de parte das atividades do setor estatal para serem realizadas, neste caso, sob a égide do setor privado com fins lucrativos (Selsky & Parker, 2005Selsky, J. W., & Parker, B. (2005). Cross-Sector Partnerships to Address Social Issues: Challenges to Theory and Practice. Journal of Management, 31(6), 849-873. https://doi.org/10.1177/0149206305279601
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), e a descentralização, tratamento do cidadão como cliente, empreendedorismo como valor, gestão por resultados, entre outros (Misoczky et al., 2017Misoczky, M. C. A., Abdala, P. R. Z., & Damboriarena, L. A. (2017). A trajetória Ininterrupta da Reforma do Aparelho de Estado no Brasil: Continuidades nos Marcos do Neoliberalismo e do Gerencialismo. Administração Pública e Gestão Social, 1(3), 184-193. https://doi.org/10.21118/apgs.v1i3.1306
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, p. 189).

Dentro dessa arena, é possível notar tensões ligadas à esfera institucional, segundo Bishop e Waring (2016Bishop, S., & Waring, J. (2016). Becoming hybrid: The negotiated order on the front line of public-private partnerships. Human Relations, 69(10), 1937-1958. https://doi.org/10.1177/0018726716630389
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). Uma vez que o campo institucional que constitui essa arena é permeado por múltiplos campos os quais têm sua lógica ora baseada na dicotomia competição-cooperação e ora como uma lógica difusa que mistura diferentes perspectivas, surgem tensões no interior da organização social devido à sobreposição de elementos organizacionais de lógicas diferentes. Para ilustrar essas diferentes lógicas, exemplificamos a relação entre os dois maiores varejistas: ao competirem em termos de clientes e cadeias produtivas, cooperam em uma causa de sustentabilidade. Esses elementos, quando guiados por diferentes lógicas dentro da relação interorganizacional público-privada, são referidos como a sobreposição de aspectos culturais, desenho organizacional, composição da força de trabalho e atividades organizacionais (Bishop & Waring, 2016Bishop, S., & Waring, J. (2016). Becoming hybrid: The negotiated order on the front line of public-private partnerships. Human Relations, 69(10), 1937-1958. https://doi.org/10.1177/0018726716630389
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, p. 4). Tais tensões, que surgem pela superposição de diferentes lógicas em um mesmo espaço (inter)organizacional, tornam-se no âmbito de práticas no nível micro que, de forma reflexiva, moldam, reformulam e transformam a estrutura social sobrejacente nesse campo interorganizacional específico.

Outros aspectos relacionados às arenas dizem respeito à legitimidade das arenas como espaços de ação. Buscando legitimar as organizações do setor privado em uma determinada arena, esforços foram encontrados nas seguintes direções: legitimação dos mitos que as organizações criam sobre si mesmas; articulação da elite do setor privado para prestigiar sua esfera de atuação; a tentativa de divulgar o compromisso com a ética relacionada à responsabilidade social corporativa das empresas. Por meio da composição de arenas, essas agendas podem ser mais facilmente alcançadas à medida que se torna um local de condução da prática, advocacia e outras necessidades da empresa. Além disso, as arenas tornam-se um espaço que permite ações cuja finalidade é legitimar ícones de poder em seus respectivos ambientes (Galaskiewicz, 1985Galaskiewicz, J. (1985). Interorganizational Relations. Annual Review of Sociology, 11, 281-304.). Em síntese, as arenas constituem não apenas um ponto de convergência de atores de diferentes setores em torno de uma agenda comum, mas também um espaço que permite a legitimação das ações dos atores componentes de uma determinada arena. Assim, esses jogadores tornam-se mais suscetíveis a prosperar.

3. Métodos

3.1. Sobre o Caso

Esta pesquisa foi realizada principalmente em uma organização não governamental responsável pela gestão do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil (Pacto), e as organizações e indivíduos a ela associados. Essa organização - chamada de 'Organização Gestora' (MO) para os fins deste artigo - é atualmente a principal articuladora da erradicação da escravidão no setor privado e uma das principais organizações existentes relacionadas à agenda da erradicação da escravidão. Além disso, sua importância também reside em seu papel na continuidade do Pacto firmado em 2005 e em suas atribuições para afastar o uso de trabalho escravo das organizações do setor privado brasileiro e de suas cadeias produtivas.

O MO é responsável por conectar e estar em contato com diversas outras organizações do setor privado, público e do terceiro setor. O MO é uma organização que conta com membros associados, em sua maioria do setor privado, interessados ​​na agenda de erradicação da escravidão. De um lado, há uma miríade de empresas do setor privado orbitando o OM, a maioria delas contribuindo para a agenda principal e sendo beneficiadas pela orientação do OM em termos de práticas antiescravistas, enquanto outras vêm disputando espaço para minar a escravidão arena de erradicação. Por outro lado, o MO vem orbitando outros espaços como a Comissão Municipal (São Paulo) e Nacional (Brasil) para a Erradicação do Trabalho Escravo, Supremo Tribunal Federal, OIT, e outros espaços, desempenhando o papel de advocacia e defender a agenda antiescravagista. A constituição de um cenário tão complexo dá a esta pesquisa a oportunidade de compreender arenas nesse contexto, arenas de hospedagem onde há relações Estado-empresariais voltadas para o uso legítimo da escravidão.

Para manter a discricionariedade do caso, serão desenvolvidos neste artigo apenas os elementos e características do conteúdo público e como a observação dessa organização permitiu compreender as relações interorganizacionais que ocorrem no contexto da erradicação da escravidão, seguindo nosso objetivo de ser discreto, o conteúdo das observações e entrevistas orienta a constituição e apresentação do corpus, mas sem inserir trechos das entrevistas e notas de observação.

3.2. Procedimentos para composição do corpus e sua análise

Ao longo da pesquisa de campo, três procedimentos principais foram utilizados para a obtenção das informações: entrevistas em profundidade, observações e sombreamento. Esses procedimentos foram realizados em várias etapas, de acordo com as demandas do processo de organização e categorização do corpus. Portanto, a utilização desses procedimentos foi não linear.

Van de Ven (1979van de Ven, A. H., Walker, G., & Liston, J. (1979). Coordination Patterns Within an Interorganizational Network. Human Relations, 32(1), 19-36. https://doi.org/10.1177/001872677903200102
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, p. 23) destacou que os estudos de relacionamento interorganizacional podem se basear em (1) identificação de populações de agentes relevantes que fazem parte de uma rede, (2) identificação de pessoas-chave em cada agência que possuem conhecimento. nos relacionamentos com outros agentes e (3) por meio da coleta de dados, solicitando que cada agente se dirija a outros agentes da mesma rede e de outras redes. Isso nos deu a base para prosseguir com entrevistas, observações e sombreamento. Além disso, por questões metodológicas, fundimos o conceito de rede e arena, entendendo ambos sob o olhar de Van de Ven.

Como o MO é projetado a partir de um modelo de membro afiliado, investigamos dinâmicas internas e externas. Em primeiro lugar, foram realizadas entrevistas em profundidade com três informantes-chave, em várias rodadas, a fim de compreender a dinâmica interna do MO e sua relação com atores e organizações que não faziam parte de seu quadro associativo. A escolha dos informantes-chave foi baseada nas contribuições de Kumar, Stern e Anderson (1993Kumar, N., Stern, L. W., & Anderson, J. C. (1993). Conducting Interorganizational Research Using Key Informants. Academy of Management Journal, 36(6), 1633-1651. ).

Observações foram realizadas em diversas ocasiões, tais como: reuniões internas do MO com seus membros; nas reuniões de prospecção de novos sócios; nas mesas de discussão de trabalhos semelhantes realizados em eventos sobre responsabilidade social empresarial e temas afins e com a presença de membros do poder público, do setor privado e do terceiro setor; em reuniões abertas da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Escravo (COMTRAE). Nesses encontros, observamos o discurso, o conteúdo e as práticas dos atendentes, a organização que eles representavam no momento, as interações antes e depois dos encontros e as conversas de corredor. É importante enfatizar que o shadowing foi um método fundamental para acompanhar esses encontros.

O procedimento de shadowing foi utilizado para monitorar atividades rotineiras, reuniões de prospecção e outros encontros com diversos atores os quais faziam parte do contexto. A escolha de uma pessoa específica - um border spanner, que é membro do MO - também foi baseado em Kumar et al. (1993Kumar, N., Stern, L. W., & Anderson, J. C. (1993). Conducting Interorganizational Research Using Key Informants. Academy of Management Journal, 36(6), 1633-1651. ). Na perspectiva adotada, o shadowing foi entendido como uma estratégia de composição do corpus de pesquisa que pode ser utilizada dentro de diferentes metodologias, como estudos de caso e etnografia (Bøe et al., 2016Bøe, M., Hognestad, K., & Waniganayake, M. (2016). Qualitative shadowing as a research methodology for exploring early childhood leadership in practice. Educational Management Administration & Leadership, 45(4), 605-620. https://doi.org/10.1177/1741143216636116
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). Nesse contexto, foi utilizada a técnica de sombra fechada, acompanhada de várias notas de campo, várias rodas de entrevistas contextuais e chats, e acompanhamento de várias reuniões de grupo lideradas pelo spanner ou com a sua participação (Bøe et al., 2016Bøe, M., Hognestad, K., & Waniganayake, M. (2016). Qualitative shadowing as a research methodology for exploring early childhood leadership in practice. Educational Management Administration & Leadership, 45(4), 605-620. https://doi.org/10.1177/1741143216636116
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). O uso dessa técnica nos deu a oportunidade de acessar rodas de conversa únicas e exclusivas.

As análises do material obtido no trabalho de campo foram realizadas com base na Grounded Theory, tomando essa abordagem não apenas como forma de organização do conjunto de dados, mas também como técnica de codificação e categorização de elementos emergentes do trabalho de campo. Foram utilizadas as etapas de codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva. Essas etapas permitiram a canalização da massa de dados para rótulos mais específicos, que, ao mesmo tempo, apresentaram melhor capacidade explicativa para o caso investigado. Dessa forma, o último passo adotado foi a formação de categorias que englobassem diversos rótulos, tendo em sua definição o indicativo de sua capacidade explicativa e o que se pretendia explicar, conforme Corbin e Strauss (1990Corbin, J. M., & Strauss, A. (1990). Grounded theory research: Procedures, canons, and evaluative criteria. Qualitative Sociology, 13(1), 3-21. https://doi.org/10.1007/bf00988593
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) e Strauss e Corbin (2008Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Basics of Qualitative Research: Techniques and Procedures for Developing Grounded Theory (3rd ed.). SAGE Publications, Inc.).

4. Discussão

A formação de uma arena para a erradicação da escravidão ocorreu após sucessivos episódios, os quais foram classificados como ocorrências de políticas de erradicação, desenvolvimento de programas, iniciativas do setor privado e do terceiro setor, ações de atores com forte influência no campo institucional, entre outros. A partir dessas classificações, destacamos brevemente alguns episódios que deslocaram o campo institucional e culminaram, de forma não linear, no cenário encontrado entre 2015 e 2017 (Quadro 1).

Quadro 1.
Principais Episódios 3 3 PERFOR - Program for the Eradication of Forced Labour and Grooming of Workers / CEJIL - Centre for Justice and International Law / IACHR - Inter-American Comission on Human Rights / CPT - Pastoral Land Comission / IOS - Instituto Observatório Social / ILO - International Labour Organization / ABRAINC - Brazilian Association of Real Estate Developers / CNI - National Confederation of Industry / CNA - Confederation of Agriculture and Livestock of Brazil / LAI - Brazilian Freedom of Information Act / MTE - Ministry of Labour and Employment.

Esses episódios, analisados em profundidade por outros estudos (ver, por exemplo, Paganini, 2018Paganini, P. (2018). Parcerias inter-setoriais em contextos de mudança social [Tese de doutorado, Fundação Getúlio Vargas].; McGrath, 2013McGrath, S. (2013). Fuelling global production networks with slave labour?: Migrant sugar cane workers in the Brazilian ethanol GPN. Geoforum, 44, 32-43. https://doi.org/10.1016/j.geoforum.2012.06.011
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), permitem observar a existência de uma arena e uma contra-arena. A arena, formada por organizações e atores dos setores público, privado e do terceiro setor, consolidou-se como o principal articulador no combate ao trabalho escravo. Com isso, parte do terceiro setor vinculado à parte do setor privado exerceu pressões sobre o setor público, exigindo a criação de novas políticas ou a reforma das existentes; por outro lado, as políticas criadas na esfera pública acabam delineando novas práticas adotadas pelas organizações privadas.

Na arena da erradicação da escravidão, cinco grupos de atores e organizações foram classificados (ver Figura 1), a saber: (1) inspetores, (2) desenvolvedores de mecanismos institucionais, (3) mobilizadores do setor privado, (4) produtores de conteúdo e dados, e (5) advogado e atividade de advocacia. Além disso, destacamos duas coisas que dimensionam a articulação dos atores: (a) burocratas de nível de rua e (b) atores e organizações mobilizadores. Ressaltamos que um mesmo ator não se restringe a apenas um grupo.

Figura 1.
Arena de erradicação da escravidão

A dimensão (a) engloba atores e organizações dessa arena que atuam diretamente no combate ao trabalho escravo, por meio do enfrentamento que trata do resgate de trabalhadores escravizados, com sua reinserção social, com seu amparo legal, e também com o desenvolvimento de mecanismos os quais permitem o andamento eficiente das ações acima mencionadas. Nessa dimensão, há figuras categorizadas como (1) fiscais e (2) desenvolvedores de mecanismos institucionais, que representam aqueles que trabalham em espaços onde o trabalho escravo foi identificado e aqueles que buscam, por meio do aparato legal, institucional e operacional da do Estado, oferecer as condições para o desempenho dos primeiros.

A dimensão (b) envolve atores e organizações que cumprem o papel de mobilizar setores da sociedade para que se envolvam com agendas ligadas ao combate ao trabalho escravo, ainda que distantes do campo. Esse é o ponto focal onde se encontram as categorias compostas por atores e organizações como (3) mobilizadores do setor privado, (4) produtores de conteúdo e (5) defensor e atividade de advocacy. Assim, entendemos que nessa dimensão há atores cujo papel é mobilizar parte da sociedade e exercer influência em setores estratégicos para que busquem a promoção do trabalho decente. Dentre as formas de atuação encontradas nessa dimensão, está a produção de conteúdos que possibilitem o conhecimento das causas e consequências da escravidão contemporânea no país e que auxiliem na argumentação de atores e organizações os quais trabalham diretamente com a captura de outros atores em campo para poderem passar a compor essa arena principal. Esses atores e organizações geralmente possuem vínculos com os setores público e privado, sendo em sua maioria compostos por atores do terceiro setor.

Por outro lado, também com base nesses episódios e em nossa pesquisa de campo, constatamos a existência de uma contra-arena (ver Figura 2), composta por atores e organizações dos setores privado e público, apesar de o terceiro setor estar ausente dessa contra-arena, a qual surgiu com o papel de negar os mecanismos já legitimados e com eficácia comprovada para a erradicação da escravidão. Ainda, após categorizar os atores componentes dessa arena, definimos cinco grupos: (v) atores e organizações que utilizam diretamente o trabalho escravo, (w) atores e organizações cadastradas na “Lista Suja”, (x) atores representativos, (y) jogadores destinatários, e (z) links comerciais. Esses cinco grupos representam parte do setor privado, parte do setor estatal e algumas figuras internacionais. Mostram-se como parte da contra-arena apenas os elementos que, de alguma forma, tiveram influência para reconfigurar a arena principal e/ou alterar o fluxo de ações dos atores da primeira arena ou mesmo reformular políticas institucionalizadas contra a escravidão.

Figura 2.
Contra-Arena

No contexto da erradicação da escravidão, essas duas arenas estão em constante disputa e conflito. Por isso, por um lado, a busca da arena para legitimar novos mecanismos de erradicação exerce forte influência na reconfiguração da contra-arena. Por outro lado, a tentativa da contra-arena de minar os mecanismos existentes ou sufocar o surgimento de novos mecanismos atua na reconfiguração da arena. A reconfiguração da arena e da contra-arena refere-se a aproximar novos atores da arena ou distanciar atores já pertencentes a uma arena. Além da esfera dos atores, a reconfiguração também está associada a novas ações realizadas por membros de uma arena após a ocorrência de episódios que atuam como episódios de reconfiguração.

Por um lado, a reconfiguração da contra-arena a partir de movimentos realizados pela arena principal é um fato que permite maior mobilidade dos atores para buscar estabelecer mecanismos que levem à erradicação do trabalho escravo. Por outro lado, o momento de reconfiguração da arena é quando os mecanismos já legitimados por ela são reduzidos ou eliminados, e isso permite maior mobilidade aos atores que buscam, de alguma forma, se beneficiar do trabalho escravo. Este último é o ponto de inserção do debate sobre crimes corporativos ou crimes estatais-corporativos.

4.1. Crimes Estatal-Corporativos

À medida que as arenas e contra-arenas vão sendo reconfiguradas, é possível notar que os crimes corporativos estão mais suscetíveis de acontecer, o que pode ser entendido como uma forte correlação entre os crimes estatais-corporativos e o conflito dessas duas arenas. O episódio das sucessivas suspensões da Lista Suja constitui um desses momentos, em que o campo institucional sofre uma reconfiguração. Em torno desse episódio, foi possível perceber, por um lado, que alguns atores que compunham a arena principal acabaram abandonando-a ou abandonando os princípios norteadores dessa arena, uma vez que o principal mecanismo de culpa e vergonha, que apontava para a escravidão - usuários já tipificados pelo Ministério Público brasileiro, não estava mais em vigor. Além disso, os atores que usavam esse mecanismo como guia para suas atividades comerciais globais ou locais se viam desamparados pela ausência da “Lista Suja” como principal forma de limpeza de suas cadeias produtivas. Com isso, as relações comerciais entre organizações que utilizam trabalho escravo e outros atores voltam a ocorrer com maior frequência, não havendo, portanto, nenhuma ação contra essa prática, pois o principal mecanismo foi prejudicado.

Assim, a situação supracitada indica maior facilidade na prática de crimes corporativos, entendendo-se que a suspensão da Lista Suja facilitou a execução de ações socialmente lesivas. Essa facilitação pode ser vista na perspectiva da regulação estatal deficiente (Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R., Alcadipani, R., & Paganini, P. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 25(81). https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
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). Essa perspectiva, compreendida a partir de crimes facilitados pelo Estado (Michalowski & Kramer, 2007Michalowski, R. J., & Kramer, R. C. (2007). State-Corporate Crime and Criminological Inquiry. In H. N. Pontell & Geis, G. L. (Eds.), International Handbook of White-Collar and Corporate Crime (pp. 200-219). Springer US.), indica um momento de ruptura na relação regulatória existente entre o Estado e as corporações (Bernat & Whyte, 2016Bernat, I., & Whyte, D. (2016). State-Corporate Crime and the Process of Capital Accumulation: Mapping a Global Regime of Permission from Galicia to Morecambe Bay. Critical Criminology, 25(1), 71-86. https://doi.org/10.1007/s10612-016-9340-9
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), uma vez que a “Lista Suja”, quando suspensa, deixa de servir como instrumento central de regulação entre essas duas partes. Por outro lado, o Estado mantém sua condição de entidade reguladora, favorecendo demandas específicas das empresas, mencionadas a seguir.

Por um lado, temos a movimentação dos integrantes da arena principal, conforme discutido acima. Por outro lado, temos a reformulação dos atores da contra-arena. Levando em conta novamente o episódio de sucessivas suspensões da Lista Suja, a contra-arena ganha força em torno desse movimento de reformulação. Como exemplo, tem-se a pressão empregada pela CNI, CNA e ABRAINC para que o instrumento “Lista Suja” seja suspenso permanentemente. Uma vez que o trabalho escravo não é mais divulgado pela “Lista Suja”, as organizações com fins lucrativos tendem a se preocupar menos com esse tipo de trabalho em suas cadeias produtivas. Além disso, como o instrumento principal está suspenso, as empresas não são responsabilizadas pelo crime que cometerem. Este, por sua vez, é entendido na perspectiva dos regimes de licenciamento (Medeiros et al., 2020Medeiros, C. R., Alcadipani, R., & Paganini, P. (2020). State-Corporate Crime: por uma agenda de pesquisa no campo da Administração Pública. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, 25(81). https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.80981
https://doi.org/10.12660/cgpc.v25n81.809...
; Whyte, 2014Whyte, D. (2014). Regimes of Permission and State-Corporate Crime. State Crime Journal, 3(2), 237-246. https://doi.org/10.13169/statecrime.3.2.0237
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).

Essa facilitação ocorreu a pedido da iniciativa privada (ex: CNI, CNA e ABRAINC), com anuência de parte da esfera pública (ex: STF e MTE) contra tais crimes. Essa situação é formada a partir de regimes de permissão, sendo tais regimes entendidos como a existência de maior poder corporativo sobre a esfera pública. Por outro lado, o Estado fornece um arcabouço legal e administrativo para a atuação das empresas dentro de um país e, ao suspender a “Lista Suja” conforme determinado episódio, apresenta um regime de permissão o qual, conforme exigido pelas empresas, enfraqueceu os mecanismos institucionais que constituíam tal quadro. Isso acaba culminando em um ambiente criminógeno, de acordo com Tombs e Whyte (2009Tombs, S., & Whyte, D. (2009). The State and Corporate Crime. In R. Coleman, J. Sim, S. Tombs, & D. Whyte (Eds.), State, Power, Crime (pp. 103-115). SAGE Publications.).

Em suma, podemos perceber pelo episódio de sucessivas suspensões da “Lista Suja” que a principal arena que vinha amadurecendo em torno dessa agenda teve seus mecanismos fragilizados no momento da suspensão da Lista. Esse enfraquecimento é o epicentro para que as corporações dessa arena deixem de observar suas práticas de gestão a quais visam se distanciar do crime de utilização de trabalho escravo. Como algumas organizações da área de erradicação abordam a prática de crimes corporativos, isso pode ser entendido a partir da deficiente regulação estatal, devido à perda do principal instrumento regulatório - a “Lista Suja”. Por outro lado, como o Estado aceita as demandas dos atores da contra-arena, isso demonstra que ele pode reorganizar seu norte jurídico e administrativo também para facilitar a execução de crimes corporativos, o que constitui um regime de permissão e mostra que o Estado nunca é um player neutro e, neste caso, é para as corporações.

Portanto, podemos concluir que tanto a arena quanto a contra-arena acabam se constituindo em um espaço legítimo para a execução de crimes corporativos, havendo, de alguma forma, a anuência do Estado para tal execução, cabendo também ao Estado fazer tal prática legítima, embora permaneça socialmente prejudicial.

5. Conclusões

Este artigo seguiu dois caminhos importantes em termos de contribuição para o campo dos Estudos Organizacionais. Por um lado, mostramos que é possível a prática de crimes corporativos com anuência do Estado, fato elucidado por meio do caso relacionado à pauta do trabalho escravo no Brasil. Isso veio à tona a partir da análise das sucessivas suspensões da Lista Suja, que acabou por afrouxar um dos principais mecanismos institucionais de combate ao trabalho escravo. Assim, com base em um contexto de ambiguidade institucional e políticas neoliberais, demonstramos que a ocorrência de crimes corporativos pode ser facilitada ou mesmo impulsionada pelo Estado. Embora ele não seja uníssono, seu papel conflitante no ambiente institucional proporcionou os vazios necessários para a persecução dos crimes corporativos.

Por outro lado, trouxemos à tona categorias as quais nos permitem compreender a ocorrência de crimes corporativos ou qualquer outra má conduta organizacional de forma ampla. Como essas categorias foram construídas em contextos de esvaziamento do Estado e de implantação do neoliberalismo simultaneamente, o contexto que trouxemos possui especificidade tal como outros países que apresentam a coexistência de tipos de sociedade - as chamadas sociedades prismáticas. No entanto, por se tratar de uma análise do arranjo de várias organizações que se modifica de acordo com o sistema pelo qual o Estado é formado, os elementos trazidos neste artigo podem ser emprestados para analisar outros contextos, desde que o Estado não seja visto como outro jogador simples no ambiente.

Em termos de limitações deste estudo, esta pesquisa foi construída a partir da leitura de documentos, entrevistas e sombreamentos obtidos a partir da interação com uma organização específica que constitui a arena principal. Isso se torna um obstáculo metodológico, pois não nos aprofundamos nas subjetividades dos atores da contra-arena. Assim, uma possível pesquisa futura é investigar as motivações para além do eixo econômico que levaram órgãos como parte do Estado, CNI, CNA, entre outros órgãos, a defender a suspensão da Lista Suja, ato que diluiu parte do combate ao trabalho escravo no Brasil.

Por fim, uma das premissas obtidas em nossa investigação foi que as organizações do setor privado tendem a se preocupar menos com o tipo de trabalho em suas cadeias produtivas quando a Lista Suja é suspensa, ou seja, não combatem a escravidão com a mesmo impulso. Sendo esse um dos achados deste artigo, sugerimos que futuras pesquisas analisem os mecanismos de gestão utilizados pelas grandes corporações para verificar, quando da suspensão da Lista Suja, se houve mudança nas práticas em termos de escolha de fornecedores, compras insumos e construção de parcerias comerciais.

Agradecimentos

Comentários úteis foram recebidos sobre os argumentos deste artigo na sessão do GPTEC - Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo durante sua Conferência Anual 2019 organizada pelo Dr. Ricardo Rezende Figueira et al. As contribuições do Dr. Fernando de Oliveira Vieira (UFF) e do Dr. Luiz Alex Saraiva (UFMG) no EnAnpad 2019 foram extremamente úteis para o desenvolvimento deste artigo. Há muitos outros a agradecer que não podem ser citados aqui por motivos de sigilo. Por último e mais importante é dedicar esta pesquisa à memória de Ailton Pereira de Oliveira, Erastótenes Almeida Gonçalves, João Batista Lage e Nelson José da Silva, vítimas da Chacina de Unaí

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  • CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIA

    PP: Conceituação, Curadoria de dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Visualização e Redação. CM: Conceituação, Curadoria de dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Visualização e Redação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Nov-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2021
  • Revisado
    19 Maio 2022
  • Aceito
    10 Jul 2022
  • Publicado
    14 Set 2023
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