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O Contágio da Crise do Subprime nos Índices Setoriais do Mercado Acionário Brasileiro: Uma Abordagem dos Modelos de Volatilidade Condicional Multivariados

Resumo

As oscilações no mercado financeiro durante a crise do subprime ocasionaram a elevação da volatilidade e queda dos preços dos ativos, além de elevar o grau dos movimentos comuns entre os mercados. Este trabalho analisou o efeito contágio da crise financeira internacional sobre os índices do mercado de ações do Brasil, a partir do estudo do padrão das covariâncias estimadas entre os índices do mercado acionário brasileiro e americano. A análise empírica foi baseada nos modelos multivariados GARCH-BEKK. Os resultados mostraram que a estrutura das covariâncias estimadas, entre os anos de 2007 e 2010, indicou claras evidências de contágio nos índices considerados. No período da crise financeira internacional, houve uma elevação da covariância entre os índices dos mercados norte-americano e brasileiro. Os Índices Imobiliário e Financeiro apresentaram os maiores contágios entre todos analisados, refletindo as perdas das indústrias de construção civil, somadas à escassez de crédito interno e externo.

Palavras-chave:
Contágio; Crise Financeira; Modelo GARCH-BEKK

Abstract

Oscillations within the financial market during the subprime crisis caused an increase in volatility and a fall in asset prices, in addition to increasing the degree of normal market movements. This study analyzed the contagion effect of the international financial crisis on the Brazilian stock market indices upon studying the estimated covariance patterns between the Brazilian and American stock market indices. The empirical analysis was based on the multivariate BEKK-GARCH models. The results showed that the estimation of the covariance structure between 2007 and 2010 had clear evidence of contagion in the indices investigated: Electricity (IEE), Telecommunications (ITEL), Consumption (ICON), Industrial Sector (INDX), Real Estate (IMOB), and Financial (IFNC). During the period of the international financial crisis, there was an increase in the covariance between the American and Brazilian market indices. The IMOB and IFNC indices showed the highest contagions among all the ones analyzed, reflecting the losses of the civil construction industry along with internal and external credit scarcity.

Keywords:
Contagion; Financial Crisis; Multivariate BEKK-GARCH Model

1. Introdução

O processo de globalização econômica, que tem conduzido à mundialização da economia, ganhou força com a globalização financeira. A desregulamentação dos mercados financeiros, principalmente após o colapso do sistema Bretton Woods na década de 70 e o desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação contribuíram para a intensificação desse processo ao longo das últimas décadas.

Sobretudo nos anos 1990, muitos países abriram suas contas capitais e liberalizaram seus mercados financeiros domésticos como reflexo da onda liberalizante que caracterizou o período (Ocampo et al., 2008Ocampo, J., Spiegel, S., & Stiglitz, J. (2008). Capital market liberalization and development. Oxford University Press.). Segundo Vo (2009Vo, X. (2009). International financial integration in Asian bond markets. Research in International Business and Finance, 23(1), 90-106. https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2008.07.001
https://doi.org/10.1016/j.ribaf.2008.07....
), o nível de integração financeira elevou-se significativamente nas décadas de 1980 e 1990, em parte explicado pelo aumento da globalização dos investimentos, que procuravam por taxas de retorno elevadas e oportunidades de diversificação de risco.

A intensificação da globalização financeira foi acompanhada pelo aumento da instabilidade econômica mundial. Como destacam Terra e Soihet (2006Terra, M. C., & Soihet, E. (2006). Índice de controles de capitais: Uma análise da legislação e seu impacto sobre o fluxo de capital no Brasil no período 1990-2000. Estudos Econômicos, 36(4), 721-745. https://doi.org/10.1590/S0101-41612006000400003
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), a elevação do fluxo de capitais internacionais associou-se à ocorrência de crises de caráter financeiro em escala mundial, despertando o interesse de investigações quanto ao grau de exposição dos países a choques financeiros na economia global. A crise do México (1994), a crise da Ásia (1997), a crise da Rússia (1998), a crise cambial no Brasil (1999) e a crise na Argentina (2001) não tiveram seus efeitos concentrados estritamente dentro das fronteiras dos países de origem. Pelo contrário, os efeitos negativos foram transmitidos rapidamente para outros mercados, muitos dos quais com poucas ligações comerciais ou financeiras.

A crise do subprime, iniciada no mercado financeiro norte-americano no ano de 2007 (Dungey, 2008Dungey, M. (2008). The tsunami: Measures of contagion in the 2007-08 credit crunch. Cesifo Forum, 9(4), 33-43. https://www.ifo.de/DocDL/forum4-08-focus6.pdf
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; Celik, 2012Celik, S. (2012). The more contagion effect on emerging markets: The evidence of DCC-GARCH model. Economic Modelling, 29(5), 1946-1959. https://doi.org/10.1016/j.econmod.2012.06.011
https://doi.org/10.1016/j.econmod.2012.0...
; Horta et al., 2010Horta, P., Mendes, C., & Vieira, I. (2010). Contagion effects of the subprime crisis in the European NYSE Euronext markets. Portuguese Economic Journal, 9, 115-140. https://doi.org/10.1007/s10258-010-0056-6
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), foi a mais intensa, dentre as ocorridas nas últimas décadas, cujos efeitos se propagaram para a maioria dos países, inclusive para os emergentes. Segundo o relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI, 2008FMI - Fundo Monetário Internacional. (2008). World Economic Outlook. https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2016/12/31/Financial-Stress-Downturns-and-Recoveries
https://www.imf.org/en/Publications/WEO/...
), World Economic Outlook, a crise financeira internacional foi a mais grave desde os anos de 1930, levando a economia mundial a um desaquecimento drástico.

A falência do banco de investimentos Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento dos EUA, em setembro de 2008, marca a transformação da crise financeira para uma crise global. Até então, os efeitos da crise haviam sido transmitidos apenas para os países desenvolvidos, sendo os mercados emergentes pouco afetados. Porém, com o caráter sistêmico adquirido em meados de 2008, as economias emergentes foram atingidas pela crise não confirmando a hipótese de descolamento, segundo a qual essas economias, impulsionadas pela situação externa favorável, contas fiscais sólidas e inflação sob controle, estariam imunes à crise e seriam capazes de sustentar o dinamismo econômico em seus países.

Os impactos para a economia brasileira, após o agravamento da crise financeira, foram sentidos em diversos setores. O setor industrial, que até então apresentava um dos ciclos de crescimento mais expressivos e duradouros das últimas décadas, obtendo uma taxa de crescimento acumulada em 2007 de 6%, registrou forte desaceleração em 2008 (3,1%). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . (2020). Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9294-pesquisa-industrial-mensal-producao-fisica-brasil.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
), entre os meses de novembro e dezembro de 2008, a produção industrial retraiu-se em 14%, e a taxa de crescimento acumulada do setor, até os meses de setembro e dezembro desse mesmo ano, caiu de 6,8% para 3,1%, respectivamente. Outro segmento impactado pela crise internacional foi o de consumo, via redução da demanda mundial e, consequentemente, seus impactos sobre as exportações. Nesse contexto, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2009IPEA- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (2009). Crise internacional: Reações na América Latina e canais de transmissão no Brasil. Comunicado da Presidência. https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5237
https://repositorio.ipea.gov.br/handle/1...
), o volume de exportações, entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009, se reduziu em 29%, maior queda registrada desde janeiro de 1985.

No mercado financeiro brasileiro, o acirramento da crise financeira internacional e o aumento da aversão aos riscos e da preferência pela liquidez por parte dos investidores estrangeiros, fizeram com que a economia brasileira presenciasse um movimento súbito de fuga de capitais em decorrência do aumento da incerteza nos mercados emergentes, impactando o lado real e financeiro dessa economia. O mercado de capitais foi alvo da saída expressiva de capitais provenientes da crise internacional, resultando principalmente na ocorrência de maiores volatilidades nos retornos dos ativos negociados nesse mercado. O IBOVESPA, indicador do desempenho médio do mercado de ações brasileiro, apresentou significativa elevação da volatilidade mensal nos meses de setembro e outubro de 2008, cerca de 100%, segundo dados da B3 (2020B3 - Bolsa de Valores Brasileira. (2020). Market data e índices. https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/
https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-...
).

Em nível global, as oscilações no mercado financeiro mundial, decorrentes da instabilidade financeira após a crise do subprime, ocasionaram elevação da volatilidade e queda dos preços dos ativos. Tal fato provocou aumento no risco e nas incertezas associadas aos ativos, além de elevar o grau dos movimentos comuns entre os mercados acionários em decorrência da transmissão dos choques da crise entre os países, potencializando episódios de contágio entre as economias ao redor do mundo. Ferrari Filho e Paula (2004Ferrari Filho, F., & Paula, L. F. (2004). Globalização financeira: Ensaios de macroeconomia aberta. Vozes.) destacam que, entre os problemas associados à globalização financeira, o maior grau de interdependência entre as economias eleva as possibilidades de contágio das crises entre os países, além de contribuir para o aumento da volatilidade nos mercados. Stiglitz (1999Stiglitz, J. E. (1999, Apr. 10). Bleak growth prospects for the developing world. International Herald Tribune. https://www.nytimes.com/1999/04/10/opinion/IHT-bleak-growth-prospects-for-the-developing-world.html
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) afirma que uma das causas para a ocorrência do contágio é o excessivo grau de mobilidade do capital. Assim, o termo contágio, principalmente após as crises do Sudeste Asiático e do subprime, passou a se tornar relevante no contexto de transmissão internacional dos episódios de turbulência nos mercados financeiros.

Nesse contexto, o presente artigo procura responder a duas questões. Primeiro, diante da crise financeira do subprime, em que magnitude os choques ocorridos no mercado acionário dos EUA contagiaram o mercado de ações no Brasil? Segundo, esses choques afetaram os diversos setores de ações com a mesma intensidade? A hipótese que norteia o estudo é a de que o contágio oriundo da recente crise do subprime apresentou impactos heterogêneos sobre os diversos segmentos do mercado de ações da economia brasileira, dada sua inserção diferenciada na crise em relação às características peculiares a cada setor.

Os estudos voltados para o contágio nos mercados emergentes são relevantes, como afirma Stiglitz et al. (2006Stiglitz, J. E., Ocampo, J., Spiegel, S., French Davis, R., & Nayyar, D. (2006). Stability with Growth: Macroeconomics, liberalization, and development. Oxford University Press.), uma vez que a volatilidade nessas economias, no contexto de fluxos de capitais internacionais, tende a ser superior à dos mercados desenvolvidos. Tal fato, aliado ao processo de desregulamentação financeira, se impõe como um dos novos desafios aos países em desenvolvimento, em termos de política macroeconômica, conforme sugerido por Lann (2008Lann, C. R. V. D. (2008). Gestão cambial e de fluxos de capitais em economias emergentes: Três ensaios sobre a experiência recente do Brasil [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul].). White (2000White, W. (2000). What have we learned from recent financial crises and policy responses? BIS WorkingPaper, (84), 37. https://www.bis.org/publ/work84.pdf
https://www.bis.org/publ/work84.pdf...
) afirma que a importância no estudo das crises está em encontrar formas de preveni-las, maneiras de atuar diante delas e de lhes apresentar soluções.

Três pontos são destacados na literatura em relação à importância do estudo do contágio referente às crises no mercado financeiro: i) implicações na gestão de carteira e nos processos de diversificação internacional de riscos; ii) fornecimento de subsídios aos formuladores de políticas públicas e; iii) eficácia de intervenções de instituições financeiras internacionais nos cenários de crises.

Alguns autores têm buscado analisar o efeito contágio para as economias emergentes, como os estudos de Edwards (1998Edwards, S. (1998). Interest rate volatility, contagion, and convergence: An empirical investigation of the cases of Argentina, Chile, and Mexico. Journal of Applied Economics, 1(November), 55-86. https://ucema.edu.ar/pdf/edwards.pdf
https://ucema.edu.ar/pdf/edwards.pdf...
), Forbes e Rigobon (2000Forbes, K., & Rigobon, R. (2000). Contagion in Latin America: Definitions, measurement, and implications. National Bureau of Economic Research, 7885. https://doi.org/10.3386/w7885
https://doi.org/10.3386/w7885...
), Kim et al. (2002Kim, S. H., Kose, M. A., & Plummer, M. G. (2002). Understanding the Asian Contagion. Asian Economic Journal, 15(2), 111-138. https://doi.org/10.1111/1467-8381.00128
https://doi.org/10.1111/1467-8381.00128...
), Perobelli et al. (2013Perobelli, F. F. C., Vidal, T. L., & Securato, J. R. (2013). Avaliando o efeito contágio entre economias durante crises financeiras. Revista de Estudos Econômicos (USP), 43(3), 557-594. https://www.scielo.br/j/ee/a/Wr5VwwFmNhPH8PG8Q9mRwbF/?format=pdf⟨=pt
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) e Almeida et al. (2018Almeida, H. J. F., Camargo Neto, J. E., Giovanini, A., & Saath, K. (2018). Transmissão de risco entre os índices setoriais do Ibovespa: Uma aplicação do teste de causalidade em variância. Economia Ensaios, 33(1), 271-298. https://doi.org/10.14393/REE-v33n1a2018-39246
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), entre outros. Especificamente sobre o contágio financeiro decorrente da crise do subprime, Horta et al. (2010Horta, P., Mendes, C., & Vieira, I. (2010). Contagion effects of the subprime crisis in the European NYSE Euronext markets. Portuguese Economic Journal, 9, 115-140. https://doi.org/10.1007/s10258-010-0056-6
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) realizaram três testes para verificar tal hipótese para as bolsas europeias. A teoria de cópulas foi utilizada com dados referentes aos índices globais, industriais e financeiros de Portugal, França, Holanda e Bélgica. Os resultados sugeriram a existência de contágio para a maioria dos mercados analisados, e que foram igualmente intensos entre os índices financeiros e industriais. Evidência semelhante à anterior foi encontrada por Hwang et al. (2010Hwang, I., In, F. H., & Kim, T. S. (2010). Contagion effects of the U.S. subprime crisis on international stock markets. Finance and Corporate Governance Conference, 49. https://doi.org/10.2139/ssrn.1536349
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), ao utilizarem modelos de volatilidade condicional multivariados, para 38 países desenvolvidos e emergentes. Os autores encontraram evidências de contágio financeiro tanto para mercados emergentes, quanto para economias desenvolvidas, durante a crise do subprime. O trabalho de Celik (2012Celik, S. (2012). The more contagion effect on emerging markets: The evidence of DCC-GARCH model. Economic Modelling, 29(5), 1946-1959. https://doi.org/10.1016/j.econmod.2012.06.011
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) também se baseou em uma amostra de países desenvolvidos e emergentes para analisar a existência de contágio financeiro. Além dos resultados do trabalho corroborarem as conclusões dos estudos anteriores, o autor argumenta que os mercados emergentes podem ter sido mais influenciados pelos efeitos do contágio decorrentes da crise do subprime. Por último, o estudo de Kao et al. (2019Kao, Y. S., Zhao, K., Ku, Y. C., & Nieh, C. C. (2019). The asymmetric contagion effect from the U.S. stock market around the subprime crisis between 2007 and 2010. Economic Research-Ekonomska Istraživanja, 32(1), 2422-2454. https://doi.org/10.1080/1331677X.2019.1645710
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) empregou estruturas de cointegração assimétricas para investigar a hipótese de contágio entre o índice S&P500 e uma amostra de 23 mercados acionários da Ásia, Europa e América. O uso de tal metodologia foi importante para identificar a existência de efeitos contágio heterogêneos para o Canadá, países do oeste e norte da Europa e países desenvolvidos da Ásia, em relação aos países em desenvolvimento da Ásia, leste europeu e América Latina. Uma possível explicação para tal fato, segundo os autores, é que o grau de vinculação financeira com mercado norte-americano pode ter contribuído para a ocorrência de efeitos diferenciados entre os países.

Em relação aos trabalhos desenvolvidos para a economia brasileira sobre o contágio internacional decorrente da crise do subprime, podem-se citar Tabak e Souza (2009Tabak, M. B., & Souza, M. M. (2009). Testes de Contágio entre Sistemas bancários - A crise do subprime. Banco Central do Brasil. https://www.bcb.gov.br/pec/wps/port/wps194.pdf
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), cujo foco se deu no contágio entre os sistemas bancários de 48 países, e Santos e Valls Pereira (2011Santos, R. P. S., & Valls Pereira, P. L. (2011). Modelando contágio financeiro através de copulas. Revista Brasileira de Finanças, 9(3), 335-363. https://www.redalyc.org/pdf/3058/305824884002.pdf
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), que analisaram o contágio entre os índices do mercado financeiro dos Estados Unidos, Brasil, Japão e Inglaterra através da abordagem de cópulas.

O presente trabalho se diferencia dos demais ao realizar uma análise desagregada do contágio entre os diversos segmentos que compõe o mercado de ações brasileiro. Tal inovação é relevante, uma vez que permite analisar o padrão das respostas de diversos ativos quanto ao contágio, servindo de guia para os formuladores de políticas públicas quanto à possibilidade de diferentes impactos setoriais, além de orientar o processo de tomada de decisão dos investidores e contribuir para o maior entendimento do mercado financeiro nacional em cenários de instabilidades financeiras. Nesse sentido, Bernanke e Gertler (1999Bernanke, B. S., & Gertler, M. (1999). Monetary policy and asset price volatility. Economic Review, 84(Q IV), 17-51. https://ideas.repec.org/a/fip/fedker/y1999iqivp17-51nv.84no.4.html
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) destacam a importância da reação da política monetária nos momentos de grande instabilidade financeira, nos quais a condução da política monetária deveria ver a estabilidade dos preços e a estabilidade financeira como objetivos altamente complementares e mutuamente consistentes. Conforme destacaram Apostoaie e Cuza (2010Apostoaie, M. C., & Cuza, C. (2010). Consideration on the price stability - Financial stability relationship in the context of financial globalization. Studies and Scientifica Researches, 15, 6-13. https://ideas.repec.org/a/bac/fsecub/10-15-01.html
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), há situações nas quais garantir a estabilidade financeira é mais importante que manter a estabilidade de preços.

2. Globalização e Inovações Financeiras e a Crise do Subprime

Diversos fatores potencializaram o desenvolvimento do processo de globalização financeira nas últimas décadas. A queda do sistema de Bretton Woods, no início da década de 1970, marcando o início do regime de taxas de câmbio flutuantes, bem como o desenvolvimento do euromercado, a partir dos anos 60, foram fatores precursores para a ascensão e consolidação do processo de tornar as finanças globalizadas. Aliados a esses acontecimentos, a desregulamentação dos mercados financeiros, iniciada na década de 1980, a liberalização dos fluxos de capitais e o desenvolvimento tecnológico das telecomunicações e da informática também foram importantes nesse processo. De acordo com Minella (2003Minella, A. C. (2003). Globalização financeira e as associações de bancos na América Latina. Civitas, 3(2), 245-272. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2003.2.120
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), as transformações ocorridas no sistema financeiro desde 1980 permitiram que o capital circulasse com maior facilidade entre os países.

As principais transformações tiveram início na economia americana, em função de um conjunto de fatores como: políticas adotadas visando assegurar o dólar como moeda principal no sistema monetário e financeiro internacional, poder econômico e financeiro desse país e sistema bancário desenvolvido (Prates, 2005Prates, D. M. (2005). As assimetrias do sistema monetário e financeiro internacional. Revista de Economia Contemporânea, 9(2), 263-288. https://www.scielo.br/j/rec/a/bBkJWVDptRB9wDMsdBw53Hn/?format=pdf⟨=pt
https://www.scielo.br/j/rec/a/bBkJWVDptR...
). Segundo Wray (2009Wray, L. R. (2009). O novo capitalismo dos gerentes de dinheiro e a crise financeira global. Oikos, 8(1), 13-39. https://revistas.ufrj.br/index.php/oikos/article/view/51773/28087
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), o processo de separação dos bancos comerciais dos bancos de investimento ocorreu mais intensamente nos EUA. Assim, o que se observou foi um processo de transição de um setor bancário regulado, promovendo suas funções de empréstimos e depósitos tradicionais, em direção a instituições financeiras para o livre mercado, essas com uma vasta opção de instrumentos financeiros, como destaca o mesmo autor.

Inserido nesse processo em que a participação das instituições não bancárias tem se elevado substancialmente nos sistemas financeiros domésticos, o surgimento de novos instrumentos, ou inovações financeiras, contribuiu para aumentar a liquidez dos ativos em um primeiro momento, e por dinamizar mundialmente os impactos das crises financeiras. Em um contexto microeconômico, conforme mostrado por Cagnin (2009Cagnin, R. F. (2009). Inovações financeiras e institucionais do sistema de financiamento residencial americano. Revista de Economia Política, 29(3), 256-273. https://www.scielo.br/j/rep/a/ghkjjCBtrw4MMwfXqThzmZw/?lang=pt&format=pdf
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), esses novos instrumentos são uma forma de aumentar o lucro das instituições por meio de vantagens competitivas. Outro enfoque sugerido pelo autor se concentra no ambiente macroeconômico, o qual, durante um ambiente de expansão econômica, as inovações financeiras possibilitam ampliação do endividamento dos agentes econômicos até os momentos de instabilidade.

A securitização foi uma das principais formas de inovações financeiras iniciada no mercado americano na década de 1980. O processo de securitização permitiu que ativos ilíquidos, caso das hipotecas de alto risco, fossem agrupados e transformados em ativos líquidos e negociados junto aos investidores, permitindo assim a distribuição de riscos a outros agentes. Segundo Wray (2009Wray, L. R. (2009). O novo capitalismo dos gerentes de dinheiro e a crise financeira global. Oikos, 8(1), 13-39. https://revistas.ufrj.br/index.php/oikos/article/view/51773/28087
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), a securitização pode ser vista como reflexo da globalização financeira, ao permitir a criação de ativos negociados além das fronteiras, através das securities organizadas pelos bancos e repassadas aos investidores globais, política conhecida como “originar e distribuir” ao invés de manter esses ativos ilíquidos em seus passivos.

Na crise financeira internacional do subprime, o que se observou foi o desenvolvimento de um conjunto de novos ativos. A concorrência entre diversas instituições financeiras e a possibilidade de aumentar a liquidez por meio da securitização fizeram com que fossem criados novos títulos imobiliários, como os Collateralized mortage obligations (CMOs) e os Collateralized loan obligations (CDOs). Como sugere Gomes (2011Gomes, K. R. (2011). A crise financeira e o comportamento do mercado brasileiro: Entre euforia e incertezas. In L. Acioly & R. P. F. Leão (Eds.), Crise financeira global (pp. 11-46). IPEA.), é possível identificar três etapas na evolução da crise do subprime americano. A primeira delas está relacionada ao caráter conservador das operações de crédito realizadas, uma vez que os fluxos de renda esperados pelos devedores eram suficientes para cobrir os serviços da dívida, bem como a amortização do principal. No segundo momento, os créditos arquitetados consentiam o pagamento mensal apenas dos juros, tornando possível a liquidação do principal ao final da maturidade da hipoteca. Diante desse cenário, houve uma elevação das operações especulativas ao criar condições favoráveis para o aumento dos preços residenciais, uma vez que a obrigação de pagar apenas os juros permitia aos devedores obter maior volume de crédito com os credores. Por fim, na terceira etapa, o aparecimento dos ativos exóticos inundou o mercado com títulos financeiros que permitiam a incorporação de despesas com juros mensais não pagos ao montante principal emprestado. Assim, ao final da maturidade do título, acumulava-se um saldo devedor superior ao acordado inicialmente.

Em suma, o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros e do setor de tecnologia da informação permitiram uma maior interligação entre os mercados financeiros, além de lançar luz sobre o estudo da hipótese de contágio financeiro entre os mercados. Não se pode dizer, entretanto, que os mercados estejam mais suscetíveis a sofrer contágio financeiro em função dessa maior interligação (Santos & Valls Pereira, 2011Santos, R. P. S., & Valls Pereira, P. L. (2011). Modelando contágio financeiro através de copulas. Revista Brasileira de Finanças, 9(3), 335-363. https://www.redalyc.org/pdf/3058/305824884002.pdf
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). Porém, o que se observou ao longo da crise do subprime americano, em 2007 e 2008, foi que a referida crise não teve seus efeitos concentrados apenas entre os países desenvolvidos, mas também foram espalhados para economias emergentes (Cunha et al., 2009Cunha, A. M., Prates, D. M., & Bichara, J. S. (2009). O efeito-contágio da crise financeira global nos países emergentes. Indicadores Econômicos FEE, 37(1). https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/indicadores/article/view/2278/2650
https://revistas.planejamento.rs.gov.br/...
), além de promover novamente a discussão sobre o contágio.

Para muitos autores, como Edwards (2000Edwards, S. (2000). Contagion. World Economy, 23(7), 873-900. https://doi.org/10.1111/1467-9701.00307
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) e Rigobon (2002Rigobon, R. (2002). International Financial contagion: Theory and evidence in evolution. Research Foundation of the Association for Investment Management and Research. https://www.cfainstitute.org/-/media/documents/book/rf-publication/2002/rf-v2002-n2-3918-pdf.pdf
https://www.cfainstitute.org/-/media/doc...
), o estudo do contágio financeiro se desenvolveu concomitantemente à eclosão de crises nos mercados financeiros de países emergentes na década de 90. O intenso estresse financeiro pelo qual os países emergentes passaram ao longo das crises financeiras, e consequentemente a hipótese de contágio financeiro têm sido, a partir de então, abordados em diversos estudos na literatura econômica.

Outra questão que surgiu após a crise financeira internacional do subprime se relaciona com o envolvimento dos bancos centrais em garantir a estabilidade de preços e a estabilidade financeira. Como ressaltado por Gameiro et al. (2011Gameiro, I. M., Soares, C., & Sousa, J. (2011). Política monetária e estabilidade financeira: Um debate em aberto. Boletim Económico, Banco de Portugal, 17(1), 7-27. https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/papers/ab201100_p.pdf
https://www.bportugal.pt/sites/default/f...
), a crise do subprime mostrou que a estabilidade monetária não garante, por si só, a estabilidade financeira e que os processos de liberalização e inovação financeira concederam papel mais importante aos fatores financeiros na dinâmica macroeconômica. Segundo Papademos (2009Papademos, L. (2009). Financial stability and macro-prudential supervision: Objectives, instruments and the role of the ECB. CFS conference “The ECB and Its Watchers XI”.), um consenso surgido após a crise é que a principal responsabilidade dos bancos centrais é preservar a estabilidade dos preços, porém essa instituição tem o preponderante papel de promover a estabilidade financeira.

3. Metodologia e Base de Dados

A análise empírica proposta neste artigo está baseada nos modelos de volatilidade condicional, em especial no modelo GARCH (General Autoregressive Conditional Heteroscedasticity) multivariado. Seguindo a especificação proposta por Baba-Engle-Kraft-Kroner, os modelos GARCH-BEKK são estimados a fim de estudar o contágio financeiro entre o mercado acionário americano e os setores do mercado de ações brasileiro, cujas proxies são o índice Standard and Poor’s 500 (S&P 500) e índices setoriais da Bolsa de Valores B3, respectivamente. Os índices referentes ao mercado de ações do Brasil são: Energia Elétrica (IEE), Telecomunicações (ITEL), Consumo (ICON), Setor Industrial (INDX), Imobiliário (IMOB) e Financeiro (IFNC). Conforme ressaltado por Bauwens, Laurente e Rombouts (2006Bauwens, L., Laurente, S., & Rombouts, J. V. K. (2006). Multivariate GARCH models: A survey. Journal of Applied Econometrics, 21(1), 79-109. https://doi.org/10.1002/jae.842
https://doi.org/10.1002/jae.842...
), o estudo por meio da abordagem multivariada permite a obtenção de análises e modelos empíricos mais consistentes, quando comparados à abordagem univariada.

Cabe ressaltar que cada técnica empírica a ser empregada está interligada a uma das definições do termo contágio. Assim, os modelos da família GARCH têm sido utilizados em estudos que investigam a presença do contágio via alterações da estrutura de dependência entre um conjunto de retornos do mercado financeiro, definição essa proposta por Chang e Majnoni (2002Chang, R., & Majnoni, G. (2002). Financial crises, fundamentals, beliefs, and financial contagion. European Economic Review, 46(4-5), 801-808.). De acordo com Dungey et al. (2004Dungey, M., Fry, R., Gonzalez-Hermozilio, B., & Martin, V. L. (2004). Empirical modeling of contagion: A review of methodologies. International Monetary Fund, (78), 2-32. https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/30/Empirical-Modeling-of-Contagion-A-Review-of-Methodologies-17304
https://www.imf.org/en/Publications/WP/I...
), o contágio tem o efeito de causar mudanças estruturais durante períodos de crise nas variâncias e covariâncias condicionais. Portanto, é possível testar tal hipótese comparando a estrutura das covariâncias entre períodos pré-crise e crise do subprime.

3.1. Modelo multivariado GARCH-BEKK

Com o objetivo de eliminar as deficiências quanto à imposição de fortes restrições para garantir a positividade da matriz de variância e covariância dos resíduos, Engle e Kroner (1995Engle, R. F., & Kroner, K. F. (1995). Multivariate simultaneous generalized ARCH. Econometric Theory, 11(1), 122-150. https://www.jstor.org/stable/3532933
https://www.jstor.org/stable/3532933...
) formalizaram uma especificação de volatilidade multivariada conhecida na literatura por modelo Baba-Engle-Kraft-Kroner - BEKK, (Tsay, 2010Tsay, R. S. (2010). Analysis of financial time series (3rd ed.). Wiley.).

A especificação do modelo GARCH-BEKK é dada por:

H t = C ' C + k = 1 K A k ' ε t - k ε t - k ' A k + k = 1 K B k ' H t - k B k (1)

em que Ht é uma matriz de covariância N x N, entre os retornos dos índices do mercado acionário brasileiro e o índice do mercado acionário norte-americano, definida positiva e mensurável em relação ao conjunto de informações no tempo t-1. Os resíduos do vetor de correção de erros ou vetor de inovação são dados por εt , C é uma matriz triangular inferior, Ak e Bk são matrizes de parâmetros N x N. A decomposição do termo constante, C, em um produto de duas matrizes triangulares garante que Ht seja positivo.

Uma especificação parcimoniosa em que k = 1, similar a Kasch-Haroutounian e Price (2001Kasch-Haroutounian, M., & Price, S. (2001). Volatility in the transition markets of Central Europe. Applied Financial Economics, 11(1), 93-105. https://doi.org/10.1080/09603100150210309
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), é adotada neste trabalho. Essa hipótese elimina o problema de identificação decorrente de modelos em que k > 1. O uso de tal modelo permite que as variâncias e as covariâncias condicionais dos preços dos ativos de cada mercado se relacionem, além de não requerer a estimação de um grande número de parâmetros.

A forma matricial do modelo a ser estimado no presente trabalho é dada por:

h 11 , t h 17 , t h 71 , t h 77 , t = C 11 C 71 C 77 × C 11 C 17 C 77 + A 11,1 A 17,1 A 71,1 A 77,1 × ε 1 , t - 1 2 ε 1 , t - 1 ε 7 , t - 1 ε 7 , t - 1 ε 1 , t - 1 ε 7 , t - 1 2 × A 11,1 A 17,1 A 71,1 A 77,1 + B 11,1 B 17,1 B 71,1 B 77,1 × h 11 , t - 1 h 17 , t - 1 h 71 , t - 1 h 77 , t - 1 × B 11,1 B 17,1 B 71,1 B 77,1 (2)

O procedimento inicial na estimação dos modelos GARCH-BEKK consiste na pré-filtragem dos dados a fim de remover a correlação serial existente no primeiro momento das séries. Dessa forma, para atender a esse objetivo, será estimado um modelo VAR(p) para as equações das médias dos sete índices considerados, sendo analisada a presença de autocorrelação nos resíduos por meio do teste de Multiplicador de Lagrange Breusch-Godfrey.

Para definição da ordem do modelo VAR(p) a ser estimado, adota-se o procedimento sugerido por Alexander (2005Alexander, C. (2005). Modelos de mercado: Um guia para a análise de informações financeiras. Saraiva, Bolsa de Mercadorias & Futuros.) e Tsay (2010Tsay, R. S. (2010). Analysis of financial time series (3rd ed.). Wiley.), segundo a qual se deve buscar a especificação mais parcimoniosa possível para a equação da média. Utilizam-se, a princípio, as ordens indicadas pelos critérios de Akaike e Schwarz. Caso seja constatada a presença de autocorrelação, adiciona-se um termo autorregressivo (AR) à equação inicial, repetindo o processo para a verificação da correlação serial nos resíduos da nova equação. A incorporação de termos autorregressivos se fará até que os resíduos da equação da média estejam livres de autocorrelação.

O segundo passo consiste em verificar se os resíduos da equação da média apresentam heterocedasticidade condicional, fato estilizado como efeito ARCH na literatura. A verificação de tal efeito se dá por intermédio do Teste de Multiplicadores de Lagrange (ML) proposto por Engle (1982Engle, R. F. (1982). Autoregressive conditional heteroscedasticity with estimates of the variance of United Kingdom. Econometrica, 50(4), 987-1007. https://doi.org/10.2307/1912773
https://doi.org/10.2307/1912773...
), cuja hipótese nula se refere à não existência de efeito ARCH na série.

Após a realização dos procedimentos anteriores, parte-se para a estimação da equação da variância condicional no contexto multivariado.

3.2. Testando a hipótese de contágio via quebra estrutural nas correlações

Almeida (2000Almeida, W. S. (2000). The recent evolution of the financial system: The Brazilian case. Institute of Brazilian Business and Public Management Issues - IBI.) enfatiza a importância de se identificar corretamente o contágio financeiro com base na transmissão de volatilidade entre mercados. Segundo o autor, episódios de contágio ocasionam alterações nos movimentos entre os mercados, cujos reflexos são o aumento da interligação entre eles. Nesse sentido, a fim de verificar se existe evidência de quebra estrutural associada à crise financeira do subprime, será utilizado o procedimento proposto Wooldridge (1990Wooldridge, J. (1990). A unified approach to robust, regression-based specifications tests. Econometric Theory, 6(1), 17-43. https://www.jstor.org/stable/3532053
https://www.jstor.org/stable/3532053...
,1991Wooldridge, J. M. (1991). On the application of robust, regression-based diagnostics to models of conditional means and conditional variances. Journal of Econometrics, 47(1), 5-46. https://doi.org/10.1016/0304-4076(91)90076-P
https://doi.org/10.1016/0304-4076(91)900...
).

O procedimento em questão testa a capacidade de previsão de uma determinada variável sobre os resíduos do modelo estimado. Seguindo a exposição de Marçal e Pereira (2008Marçal, E. F., & Pereira, P. L. V. (2008). Testing contagion hypothesis from multivariate volatility models. Revista de Econometria, 28, 67-87.), o teste pode ser realizado da seguinte maneira: definindo os resíduos generalizados por t=εt2ht-1 e; λgt-1 , a variável indicadora, como sendo a variável candidata a ter poder preditivo sobre os resíduos e; Eθtθhtht , como sendo o valor esperado do gradiente dos resíduos generalizados do modelo estimado calculado na hipótese nula. Uma vez apresentadas as variáveis a serem utilizadas para testar a hipótese de contágio, devem ser utilizados os seguintes passos para se obter a estatística de teste:

  1. A partir de uma estimativa consistente de θ, calculam-se os resíduos da forma sugerida acima, o gradiente e a variável indicadora;

  2. Realiza-se a regressão da variável indicadora (λ) no gradiente, calculando-se os respectivos resíduos;

  3. Realiza-se a regressão de um vetor de uns no produto do resíduo generalizado pelo resíduo da regressão do item (ii), calculando T×Ru2=T-SQR.

Essa estatística possui distribuição assintótica qui-quadrado com grau de liberdade igual ao número de variáveis indicadoras utilizadas no passo (ii).

A seguinte variável indicadora, λ11,t=Dsubprime, foi utilizada no teste de especificação para verificar a existência de instabilidade nas estruturas de correlações durante o período da crise do subprime. Dessa forma, Dsubprime é uma variável dummy referente à crise financeira internacional. Em relação à data inicial, foi escolhido o dia 15/09/2008, referente à quebra do banco Lehman Brothers. Para o fim da crise, foi escolhida uma data ad-hoc com base na estabilização da volatilidade dos índices, o dia 13/03/2009.

3.3. Descrição e fonte dos dados

A base de dados utilizada na pesquisa é composta pelos retornos logarítmicos (rt ) dos índices do mercado acionário brasileiro e americano, sendo definidos por rt=lnPtPt-1 . Os índices são: Energia Elétrica (IEE), Telecomunicações (ITEL), Consumo (ICON), Setor Industrial (INDX), Imobiliário (IMOB) e Financeiro (IFNC), referentes ao mercado acionário brasileiro, e o Índice Standard & Poor’s 500, referente ao mercado de ações dos EUA. As observações são diárias, referentes ao período compreendido entre os dias 03/01/2007 e 30/12/2010, resultando em 1042 observações. Todas as séries de dados em relação aos índices para o mercado brasileiro e o americano foram obtidas nos sites https://www.b3.com.br/pt_br/ e https://www.spglobal.com/en/, respectivamente, onde também são disponibilizadas as metodologias para cálculo dos índices.

Devido ao fato de serem utilizadas séries financeiras de dois mercados distintos, Brasil e EUA, optou-se por realizar uma combinação entre as datas dos dois países, a fim de obter uma amostra completa e conjunta das informações contidas nos índices desses mercados. Desse modo, foram eliminadas da amostra datas que não continham observações para os dois mercados simultaneamente, fato que resultou em 964 observações ao final desse processo.

4. Resultados e discussões

Inicialmente, fez-se necessária a definição do período da crise financeira internacional. A Tabela 1 apresenta um resumo das datas.

Tabela 1
Definição dos períodos analisados

Em relação ao início dos impactos da crise do subprime no mercado brasileiro, recorreu-se ao uso de informações de jornais diários para estabelecer seu marco inicial, data essa relacionada à quebra do banco de investimento americano Lehman Brothers no dia 15/09/2008. Tal data também foi utilizada em outros estudos na literatura, como Kao et al. (2019Kao, Y. S., Zhao, K., Ku, Y. C., & Nieh, C. C. (2019). The asymmetric contagion effect from the U.S. stock market around the subprime crisis between 2007 and 2010. Economic Research-Ekonomska Istraživanja, 32(1), 2422-2454. https://doi.org/10.1080/1331677X.2019.1645710
https://doi.org/10.1080/1331677X.2019.16...
) e Longstaff (2010Longstaff, F. A. (2010). The subprime credit crisis and contagion in financial markets. Journal of Financial Economics, 97(3), 436-450. https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2010.01.002
https://doi.org/10.1016/j.jfineco.2010.0...
).

Quanto ao fim da crise, por não haver um fato que indicasse seu término, foi escolhida, ad-hoc, a data 13/03/2019 com base na estabilização da volatilidade dos índices brasileiro e americano, mesmo procedimento utilizado por Carvalho (2011Carvalho, J. V. F. (2011). Redes Bayesianas: Um método para avaliação de interdependência e contágio em séries temporais multivariadas [Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo].).

4.1. Análise preliminar

A Tabela 2 apresenta a matriz de correlação entre os índices setoriais do mercado de ações brasileiro e o índice S&P500, entre 2007 e 2010. Os resultados evidenciaram um comportamento divergente entre o índice americano e os índices do mercado brasileiro, no sentido de apresentar alta correlação com o índice Imobiliário, e correlação negativa com o índice de Energia Elétrica. Ressalta-se ainda a associação intermediária entre o S&P500 e o índice Industrial, no período analisado. Tais resultados parecem indicar relações heterogêneas entre o mercado acionário americano e os diversos setores do mercado de ações no Brasil.

Tabela 2
Matriz de correlação dos índices acionários

Com o objetivo preliminar de analisar o comportamento da variância no período abarcado pela pesquisa, foram calculados os retornos das séries como descrito na metodologia. A Figura 1 apresenta os valores dos retornos financeiros de cada índice analisado.

Figura 1.
Evolução dos retornos diários do ITEL, IEE, INDX, ICON, IMOB, IFNC e S&P500, 03/01/2007 a 30/12/2010

Pela análise visual da Figura 1, foi possível observar o aumento da volatilidade dos retornos em todos os índices analisados durante o período da crise financeira internacional. As maiores volatilidades foram verificadas para os Índices Imobiliário e Financeiro. O índice representativo do mercado acionário americano, o S&P 500, se mostrou menos volátil em comparação com os índices brasileiros. Tais resultados expõem, preliminarmente, a vulnerabilidade do mercado de ações brasileiro em relação às saídas de capitais em momentos de instabilidades financeiras internacionais, como o ocorrido na crise de 2008. Nesse contexto, Akyüz e Cornford (1999Akyüz, Y., & Cornford, A. (1999). Capital flows to developing countries and the reform of the International Financial System. United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), Discussion Papers, (pp. 43-46), Genebra. https://digitallibrary.un.org/record/383587
https://digitallibrary.un.org/record/383...
) alertam para os efeitos mais significativos nos mercados financeiros das economias emergentes diante dos fluxos de capitais potencialmente instabilizadores.

Portanto, diante da vulnerabilidade do mercado acionário no Brasil, evidenciado pelo aumento da volatilidade dos índices acionários durante a crise financeira internacional, torna-se relevante analisar o contágio financeiro para o mercado acionário brasileiro e identificar quais foram os setores mais impactados.

4.2. Estudo do contágio entre os ativos financeiros

A Tabela 3 apresenta os resultados do teste de contágio para os índices do mercado acionário brasileiro com base na quebra estrutural das correlações dinâmicas estimadas pelo modelo GARCH-BEKK.

Tabela 3
Teste de contágio entre o índice S&P 500 e os índices acionários brasileiros durante a crise do subprime

Com base no p-valor da estatística do teste de quebra estrutural associada à crise financeira do subprime, a hipótese nula de ausência de contágio foi rejeitada para todos os índices do mercado de ações no Brasil, ao nível de significância de 5%. Tal resultado evidencia que durante a crise do subprime houve quebra na estrutura das correlações estimadas entre os mercados acionários americano e brasileiro. Portanto, a hipótese de contágio financeiro do mercado acionário americano para os índices setoriais do mercado brasileiro foi confirmada. Na Figura A.1, nos anexos, são apresentadas as correlações estimadas pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e os retornos dos índices setoriais do mercado acionário brasileiro.

Nesse contexto, o caráter sistêmico da crise do subprime adquirido após a quebra do banco Lehman Brothers fez com que os mercados apresentassem maior grau de associação, facilitando assim o contágio financeiro do mercado americano em direção aos índices brasileiros. Möler e Callado (2007Möler, H. D., & Callado, A. A. C. (2007). Investimentos estrangeiros em carteiras de ações, crises internacionais e IBOVESPA. Revista de Administração Mackenzie, 8(1), 133-155. https://doi.org/10.1590/1678-69712007/administracao.v8n1p133-155
https://doi.org/10.1590/1678-69712007/ad...
) destacam que a desregulamentação do mercado de capitais brasileiros teve influência sobre o ingresso de capitais no mercado de ações, ao mesmo tempo em que contribuiu para saídas de fluxos líquidos de capital desse mercado em momentos de crise. Ainda segundo os autores, as mudanças nos fluxos de investimentos estrangeiros em carteira de ações influenciaram estatisticamente o IBOVESPA no sentido de provocar aumento na volatilidade desse índice. Dessa forma, a expressiva fuga de capitais do mercado acionário brasileiro durante o agravamento da crise do subprime resultou em um aumento da volatilidade dos ativos nesse mercado.

Uma vez identificado o contágio, torna-se relevante analisar as especificidades inerentes a cada estrutura de associação estimada entre os índices setoriais. Dessa forma, através da estimação da covariância condicional entre os mercados, é possível identificar o padrão dos comovimentos entre os índices analisados. A seguir, são apresentados os gráficos referentes às covariâncias estimadas pelo modelo GARCH-BEKK entre o índice do mercado americano e cada índice do mercado brasileiro. A Figura 2 traz o gráfico contendo as covariâncias estimadas entre os índices S&P 500 e Financeiro.

Figura 2.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e IFNC, 10/01/2007 a 30/12/2010

Entre os índices setoriais analisados, o Índice Financeiro foi o que apresentou a maior covariância estimada com o índice americano, durante a crise financeira de 2008, sugerindo, portanto, um maior contágio para esse índice. A elevação média da covariância, entre o período pré-crise e crise, foi de 316%, aproximadamente, corroborando os efeitos causados pela abrupta reversão de ingresso de capitais para a economia brasileira no decorrer da crise do subprime em virtude dos movimentos de aversão ao risco e da preferência pela liquidez por parte dos investidores internacionais.

As restrições ao crédito doméstico e internacional são fatores marcantes das economias emergentes, atingindo principalmente o setor bancário. Segundo Freitas (2009Freitas, M. C. P. (2009). Os efeitos da crise global no Brasil: Aversão ao risco e preferência pela liquidez no mercado de crédito. Estudos Avançados, 23(66), 125-145. https://doi.org/10.1590/S0103-40142009000200011
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), o congelamento dos mercados interbancários e financeiros internacionais e a desvalorização do real, ao longo da crise do subprime, conduziram à rápida deterioração dos bancos que contraíram o crédito, restringindo a liquidez. De acordo o Banco Central do Brasil (BACEN, 2009BACEN - Banco Central do Brasil. (2009). Relatório de economia bancária e crédito. https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/REBC2009.pdf
https://www.bcb.gov.br/pec/depep/spread/...
), um dos efeitos da crise sobre o Brasil foi a redução das linhas de crédito internacionais oferecidas ao país. Ainda segundo o estudo, os repasses de créditos externos pelas instituições do Sistema Financeiro Nacional apresentaram redução dos seus saldos de US$ 46,8 bilhões, em junho de 2008, para US$ 31,5 bilhões, em dezembro de 2009. Dessa forma, a restrição da liquidez interna e externa impactou as instituições financeiras componentes da carteira do IFNC, na qual se observa uma participação intensa de instituições financeiras de intermediação - composta majoritariamente por ações de bancos privados (Banrisul, Itaú, Bradesco e Santander), segundo dados da B3 (2020B3 - Bolsa de Valores Brasileira. (2020). Market data e índices. https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/
https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-...
).

A Figura 3 permite visualizar a covariância estimada entre os índices S&P 500 e Imobiliário (IMOB), e assim verificar o comportamento da associação entre eles no período.

Figura 3.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e IMOB, 10/01/2007 a 30/12/2010.

Em relação ao contágio para o Índice Imobiliário, a covariância estimada entre esse índice e o S&P 500 foi a segunda maior durante a crise do subprime, como mostrado na Figura 3, cuja elevação média entre os períodos pré-crise e crise foi de 170%, aproximadamente.

A queda da venda de imóveis no período, associada à falta de crédito no mercado disponível para as indústrias de construção civil, entre outros fatores, implicaram acentuadas perdas para as empresas brasileiras do setor. De acordo com dados da ABECIP (2012ABECIP - Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança. (2012). Financiamento Imobiliário. https://www.abecip.org.br/credito-imobiliario/financiamento
https://www.abecip.org.br/credito-imobil...
), o volume do crédito imobiliário destinado à construção, aquisição, reforma e material para construção apresentou redução de 21,43% entre os meses de setembro e novembro de 2008. Segundo estudo realizado pela consultoria PricewaterhouseCoopers (2008PricewaterhouseCoopers. (2008). O impacto da crise financeira internacional na economia brasileira. PricewaterhouseCoopers. ), com base em entrevistas realizadas entre Diretores Executivos, Diretores e Superintendentes Financeiros de empresas de capital aberto e grandes corporações, o setor de construção civil foi um dos cinco setores mais impactados pela crise financeira internacional, sendo ressaltada a queda dos investimentos no setor como forte potencializador para tais efeitos. Dessa forma, as ações das empresas desse segmento estiveram suscetíveis a fortes perdas nesse cenário.

Em suma, a queda na venda de imóveis e a redução do crédito podem ser apontadas como possíveis fatos que potencializaram o contágio para o Índice Imobiliário - composto, em média, por 60% de ações de empresas relacionadas à Construção e Engenharia, segundo dados da B3 (2020B3 - Bolsa de Valores Brasileira. (2020). Market data e índices. https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/
https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-...
).

Os demais índices do mercado acionário brasileiro (Industrial, Consumo, Energia Elétrica e Telecomunicação) sofreram menor contágio financeiro do mercado americano, uma vez que as covariâncias estimadas entre os índices foram menores durante a crise financeira internacional de 2008.

A Figura 4 apresenta a covariância estimada entre os índices S&P 500 e Industrial (INDX).

Figura 4.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P 500 e INDX, 10/01/2007 a 30/12/2010.

Entre todos os índices analisados, o Industrial é o mais diversificado, sendo constituído por ações de empresas que atuam em diversos segmentos do mercado interno e externo. Em relação ao contágio, a elevação média da covariância entre os períodos pré-crise e crise foi de 182%, aproximadamente. A desvalorização do Real entre setembro e outubro de 2008 em 29,6%, segundo dados do BACEN (2011BACEN - Banco Central do Brasil. (2011). Sistema Gerenciador de Séries Temporais. https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww4.bcb.gov.br%2Fpec%2Fseries%2Fport%2Faviso.asp
https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/...
), fez com que muitas das empresas que utilizavam derivativos cambiais acumulassem perdas elevadas. Somam-se a isso os efeitos para as indústrias ligadas à Metalurgia e Siderurgia, com alta composição de ações no índice, causados pelas quedas na produção de aço em função do desaquecimento da demanda mundial e da redução do preço das commodities minerais.

Entretanto, os segmentos de Alimentação e Bebidas, que em conjunto representam a maior participação no INDX, podem ter atenuado parte dos efeitos da crise internacional para o Índice do Setor Industrial. O primeiro deles devido ao caráter essencial na composição das cestas de bens das famílias, e o segundo por ser um dos únicos segmentos da indústria a apresentar crescimento em 2009, aproximadamente 7,1%, segundo dados do IBGE (2020IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . (2020). Pesquisa Industrial Mensal - Produção Física. https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/industria/9294-pesquisa-industrial-mensal-producao-fisica-brasil.html
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/eco...
). Dessa forma, o contágio para o segmento acionário industrial brasileiro foi significativo, porém em menor escala se comparado ao Índice Financeiro e Imobiliário.

A Figura 5 retrata as covariâncias estimadas entre os índices S&P 500 e Consumo (ICON), para o período de janeiro de 2007 a dezembro de 2010.

Figura 5.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e ICON, 10/01/2007 a 30/12/2010.

Como pode ser observado na Figura 5, o ICON apresentou um padrão de comportamento semelhante ao observado para o Índice do Setor Industrial. A elevação da covariância média durante a crise do subprime foi de 181,84%. Tal similaridade pode ser explicada pela composição do índice.

O ICON é constituído por ações das empresas do segmento de consumo cíclico (vestuário, automotivo, hoteleiro) e não cíclico (alimentos, bebidas e saúde). Em virtude de a maior parcela da composição do índice ser preenchida por ações de empresas do segmento de Alimentos Processados e Bebidas, ambas com grande participação também no INDX, ambos tendem a apresentar o mesmo comportamento.

Logo, em função dos impactos menos expressivos da crise para as empresas de alimentação e bebidas, esperava-se um menor contágio para o Índice de Consumo, em relação ao Índice Financeiro e Imobiliário.

A Figura 6 traz as covariâncias estimadas entre os índices S&P 500 e Energia Elétrica (IEE).

Figura 6.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e IEE, 10/01/2007 a 30/12/2010.

Como observado na Figura 6, apesar de o contágio financeiro ser inferior ao registrado para os demais índices, houve um significativo aumento da covariância entre os períodos pré-crise e crise, 181%, aproximadamente.

Certas particularidades tornaram o Índice de Energia Elétrica, cuja composição da carteira de ações é totalmente de empresas relacionadas ao provimento de energia elétrica, menos sensível aos efeitos da crise financeira internacional. Conforme destacam Lucon e Goldemberg (2009Lucon, O., & Goldemberg, J. (2009). Crise financeira, energia e sustentabilidade no Brasil. Estudos Avançados, 23(65), 121-130. https://www.scielo.br/j/ea/a/3t4kHdSrn7rKbGSLcRkKDTd/?format=pdf⟨=pt
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), a crise financeira tem como consequência a redução da atividade econômica, intimamente relacionada ao consumo de energia elétrica. Porém, a redução nesse consumo não foi sentida de maneira expressiva pelo setor. Conforme aponta o estudo da EPE (2008EPE - Empresa de Pesquisa Energética. (2008). Resenha mensal do mercado de energia elétrica, (13). https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/resenha-mensal-do-mercado-de-energia-eletrica
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), empresa ligada ao Ministério de Minas e Energia, em outubro de 2008 a crise financeira internacional ainda não havia se refletido na demanda de energia elétrica.

Outro fator que reduz a sensibilidade desse setor às instabilidades financeiras é o fato de os preços de venda cobrados pelas distribuidoras não estarem relacionados à quantidade demandada, sendo fixados por contratos. Assim, a maior capacidade de previsão da lucratividade das empresas do setor energético atrai os investidores, os quais buscam por essas ações em cenários instáveis. Tal explicação também confirma a menor volatilidade dos retornos apresentados pelo IEE, como mostrado na Figura 1.

Por fim, cabe analisar o contágio financeiro da crise do subprime para o Índice do setor de Telecomunicações (ITEL), apresentado pela Figura 7.

Figura 7.
Covariância estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre os retornos do S&P500 e ITEL, 10/01/2007 a 30/12/2010.

Com base na Figura 7, houve aumento de 158% na covariância estimada entre os dois índices. Composto majoritariamente por ações de empresas de telefonia fixa, alguns fatores subsidiam o fato de o ITEL, assim como o IEE analisado anteriormente, apresentar um contágio menor em relação aos demais índices brasileiros.

A compra da Brasil Telecom pela Oi, em 2008, somada ao número recorde de aparelhos celulares no Brasil, 150 milhões de aparelhos em dezembro do mesmo ano, segundo dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL, 2008ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações. (2008). Portal da Internet. https://www.gov.br/anatel/pt-br
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), foram eventos para consolidar ainda mais esse setor na economia brasileira após sua privatização em meados da década de 1990. Além disso, de acordo com os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável - IDS, calculado pelo IBGE (2010IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2010). Indicadores de Desenvolvimento Sustentável. https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/estatisticas-e-indicadores-ambientais/15838-indicadores-de-desenvolvimento-sustentavel.html?edicao=22607
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), a proporção de domicílios particulares brasileiros com acesso permanente à internet passou de 8%, em 2001, para 24%, em 2008, aproximadamente.

Dessa forma, o que se observou ao longo do cenário de instabilidade em virtude da crise do subprime foi uma maior estabilidade para o setor em geral, que, somada ao crescimento do setor no mercado interno e às fusões e aquisições que ocorreram, tornaram as ações dessas empresas menos sensíveis aos impactos da crise em comparação às demais.

Em síntese, os comovimentos verificados entre os mercados acionários do Brasil e dos EUA podem ser divididos em três períodos distintos, segundo a covariância estimada. O primeiro deles, referente ao período pré-crise, se caracterizou por covariâncias mais baixas em comparação ao período da crise. Durante a crise financeira, foi observada elevação significativa dos co-movimentos entre o mercado americano e os índices acionários brasileiro. Entretanto, o contágio financeiro não ocorreu de maneira similar entre os índices analisados. Enfim, o período de recuperação econômica, que se seguiu durante meados de 2009 até 2010, foi marcado pela redução da covariância em todos os índices analisados, retornando a valores próximos ao verificado no período anterior à crise.

Nesse contexto, cabe ressaltar a importância das medidas anticíclicas adotadas pelo governo brasileiro para minimizar o impacto da crise econômica mundial em diversos setores. Em relação às políticas monetária e creditícia, a redução nos depósitos compulsórios dos bancos, a redução da taxa básica de juros (Selic) e a expansão da oferta de crédito pelos bancos públicos buscaram incentivar o investimento e o consumo privado. Quanto à política fiscal, a redução das alíquotas de alguns impostos e a redução da meta do superávit primário do governo tiveram como foco o impacto expansionista sobre a demanda agregada e o nível de emprego. Por fim, as diversas ações para atenuar os impactos da crise sobre o câmbio buscaram manter um nível mínimo de liquidez nesse mercado no auge da crise (TCU, 2009TCU - Tribunal de Contas da União. (2009). Relatório e parecer prévio sobre as contas do governo da república. https://portal.tcu.gov.br/tcu/paginas/contas_governo/contas_2009/Textos/CG%202009%20Relat%C3%B3rio.pdf
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).

5. Conclusões

A análise do contágio financeiro para economias emergentes, como a brasileira, se mostra fundamental em um contexto de aversão ao risco e da preferência pela liquidez por parte dos investidores internacionais. O presente trabalho procurou analisar o contágio financeiro da crise do subprime para o mercado acionário do Brasil, recorrendo para tal fim a uma análise dos principais índices da bolsa de valores, que representam importantes setores da economia real.

Por meio do uso de modelos de volatilidade condicional multivariados GARCH-BEKK, estudou-se o contágio da crise do subprime para o mercado acionário brasileiro. De modo geral, a estrutura das covariâncias estimadas entre os anos de 2007 e 2010 mostrou claras evidências de contágio em todos os índices considerados, uma vez que, no período caracterizado pela crise financeira internacional, foram identificadas quebras estruturais nas correlações dinâmicas estimadas entre os índices do mercado brasileiro e o índice americano. Ainda, as covariâncias estimadas entre os índices corroboraram o contágio, uma vez que foram observadas elevações dessa associação durante a crise do subprime.

Porém, as diferenças setoriais foram importantes no comportamento da covariância estimada entre os índices do mercado brasileiro e o índice S&P500. Os índices Imobiliário e Financeiro apresentaram os maiores contágios entre todos os analisados. As fortes perdas das indústrias de construção civil, somadas à escassez de crédito interno e externo, que prejudicaram principalmente as instituições financeiras, podem ser apontadas como fatores cruciais para esse fenômeno.

Para os demais índices analisados - Energia Elétrica, Industrial, Consumo e Telecomunicações - a covariância com o mercado americano, durante a crise financeira internacional, foi menor, evidenciando um menor contágio da crise para esses índices. Fatores como a menor elasticidade dos preços de energia em relação às oscilações na demanda, composição das carteiras de ações de alguns índices por ativos de empresas do setor de alimentos e bebidas, que se mostraram menos sensíveis aos efeitos da crise, e o crescimento do número de aparelhos celulares e do serviço de banda larga foram importantes para amenizar o contágio financeiro sobre esses índices acionários.

Cabe ressaltar a importância de trabalhos como este no contexto atual sobre o debate das diversas reformas necessárias na estrutura do sistema financeiro internacional, na medida em que fornecem subsídios para o entendimento de como as crises podem se propagar para os mercados emergentes em uma economia cada vez mais globalizada e integrada financeiramente, além de servirem de guia para a atuação governamental e de instituições internacionais nos setores da economia e do mercado acionário mais sensíveis à transmissão de crises financeiras.

Como sugestões para trabalhos futuros, estudos relacionados aos impactos da adoção de uma taxa de juros internacional em relação aos fluxos de capitais para as economias emergentes e o contágio financeiro se mostram relevantes no contexto da reforma e reestruturação da arquitetura financeira nacional e internacional. Outra extensão deste estudo se refere à construção de uma carteira de ativos que leve em consideração os diferentes efeitos do contágio financeiro sobre os índices setoriais e, respectivamente, na comparação de performance com outras carteiras de ativos durante cenários de estabilidade e de crises financeiras.

REFERENCES

  • *
    CNPq Research Productivity Fellow (PQ-2).
  • Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

ANEXOS

Figura A.1.
Correlação estimada pelo modelo GARCH-BEKK (1,1) entre o retorno do S&P500 e os retornos dos índices acionários do Brasil, 03/01/2007 a 30/12/2010

Editado por

Editor-chefe

Talles Vianna Brugni https://orcid.org/0000-0002-9025-9440

Editor associado

Lucas Godeiro https://orcid.org/0000-0002-3510-776X

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Out 2021
  • Revisado
    22 Mar 2022
  • Aceito
    28 Abr 2022
  • Publicado
    20 Jul 2023
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