Acessibilidade / Reportar erro

Imunidades jurisdicionais do Estado perante a Corte Internacional de Justiça:uma análise a partir do caso Alemanha vs. Itália

Jurisdictional immunities of the state before the international court of justice: an analysis of the Germany vs. Italy case

Resumo

Este artigo busca analisar criticamente o caso das imunidades jurisdicionais do Estado perante a Corte Internacional de Justiça, avaliando os principais argumentos tendentes a considerar o caráter não absoluto da imunidade estatal quando estão em jogo sérias violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário que possuem o status de normas de jus cogens. Sustenta-se a necessidade de uma leitura progressista da prática estatal em matéria de imunidades estatais, considerando a evolução atual do Direito Internacional e a erosão progressiva da imunidade que caminha pari passu com a limitação da soberania estatal e a emergência do indivíduo enquanto sujeito de Direito Internacional.

Imunidade estatal; imunidade de jurisdição; imunidade de execução; jus cogens; Corte Internacional de Justiça

Abstract

This article aims to critically analyze the case of the jurisdictional immunities of the state brought before the International Court of Justice focusing on the arguments that consider the non-absolute character of state immunity when facing serious violations of human rights and international humanitarian law that have attained the status of jus cogens norms. It argues the need for a progressive reading of state practice on state immunity, considering the current evolution of international law and the progressive erosion of immunity that goes hand in hand with the limitation of state sovereignty and the emergence of the individual as a subject of International Law.

State immunity; jurisdictional immunity; immunity from execution; jus cogens; International Court of Justice

Introdução

O caso Alemanha vs. Itália perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ) origina-se de fato ocorrido durante a Segunda Guerra Mundial, no qual forças alemãs ocuparam grande parte do território italiano, tendo cometido sérias violações do Direito Internacional Humanitário (TOMUSCHAT, 2011TOMUSCHAT, Christian. The International Law of State Immunity and its Development by National Institutions. Vanderbilt Journal of Transnational Law, 2011, v. 44, p. 1105-1140., p. 1107). Dentre tais violações, figuram os massacres de civis e a deportação de civis e militares para a realização de trabalhos forçados na Alemanha e em seus territórios sob ocupação.

Mesmo após a conclusão de tratados entre a Alemanha e a Itália, bem como a adoção de leis alemãs que buscaram outorgar compensação às vítimas nacional-socialistas perseguidas pelo regime nazista, os tribunais alemães continuavam denegando requerimentos de compensação ajuizados por cidadãos italianos sob o pretexto de que estes seriam prisioneiros de guerra e, portanto, estariam enquadrados em categoria que não permitiria qualquer indenização.

Tendo em vista tal contexto, Luigi Ferrini, um nacional italiano que foi preso em agosto de 1944 e deportado para a Alemanha, onde ficou detido e foi forçado a trabalhar na indústria de munições até o final da guerra, processou a Alemanha no território italiano, especificamente no Tribunal de Arezzo. O caso Ferrini representa a primeira vez em que os tribunais italianos abordaram a relação entre a imunidade de um Estado estrangeiro e as normas relativas aos direitos fundamentais (De Sena; De Vittor, 2005DE SENA, Pasquale; DE VITTOR Francesca. State Immunity and Human Rights: the Italian Supreme Court Decision on the Ferrini Case. The European Journal of International Law, v. 16, n. 1, 2005, p. 89-112., p. 90). Após ter julgado pela inadmissibilidade do caso em função da imunidade de jurisdição alemã, a demanda de Ferrini alcançou a jurisdição suprema italiana, a Corte di Cassazione. Em julgamento de 11 de março de 2004, tal Corte reconheceu a jurisdição dos tribunais italianos com relação às demandas de indenização ajuizadas contra a Alemanha por Ferrini sob o seguinte fundamento: a imunidade estatal não se aplica caso estejam em jogo atos que constituem um crime internacional.1 1 Ferrini vs. República Federal da Alemanha, decisão n. 5.044/2004 (Rivista di diritto internazionale, v. 87, 2004, p. 539; International Law Reports (ILR), v. 128, p. 658). De fato, dentre os atos perpetrados pelas forças armadas alemãs e outros órgãos do Reich, figuram os massacres cometidos contra a população civil e a deportação de civis ou prisioneiros de guerra para a Alemanha com a finalidade de exercer trabalho forçado na indústria de armamentos. O mesmo fundamento foi utilizado pela Corte de Florença em seu julgamento de fevereiro de 2011, a qual determinou que a Alemanha deveria indenizar Ferrini, pois as regras relativas à imunidade de jurisdição não seriam absolutas e não poderiam ser invocadas por um Estado em caso de atos que constituem crimes perante o Direito Internacional.

O caso Ferrini permitiu que uma série de demandas de indenização fosse ajuizada na Itália por indivíduos em situações similares ou não, abrindo as portas para condenações da Alemanha por violações cometidas durante a guerra contra cidadãos italianos e gregos. O envolvimento grego justifica-se em razão do massacre cometido pelas forças alemãs na cidade grega de Distomo. As vítimas do massacre pleitearam compensação contra a Alemanha perante os tribunais gregos e, posteriormente, à Corte Europeia de Direitos Humanos2 2 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00. e aos tribunais alemães.3 3 Cidadãos gregos vs. República Federal da Alemanha, caso n. III ZR 245/98. Como tais tentativas restaram infrutíferas, os requerentes gregos buscaram executar os julgamentos dos tribunais gregos, que reconheciam seus direitos, perante os tribunais italianos.

Buscando assegurar sua imunidade de jurisdição e evitar a execução das referidas sentenças condenatórias, a Alemanha provocou a CIJ, em 23 de dezembro de 2008, sob o argumento de que a Itália não teria respeitado sua imunidade conferida pelo Direito Internacional por ter julgado pela admissibilidade das demandas civis perante seus tribunais que buscavam reparação pelos danos causados por violações do Direito Internacional Humanitário cometidas pelo Reich alemão durante a Segunda Guerra Mundial, bem como por ter tomado medidas constritivas relacionadas aos bens de propriedade alemã situados no território italiano. A Alemanha afirmava igualmente que sua imunidade teria sido desrespeitada pela Itália ao permitir a execução de decisões de Cortes civis gregas em situações similares.

Após ter autorizado a intervenção da Grécia na qualidade de Estado não parte e ter reconhecido sua competência com base na cláusula compromissória invocada pela Alemanha, a Corte decidiu, por maioria, que a Itália violou a imunidade alemã nos termos do Direito Internacional ao permitir o ajuizamento de ações perante seus tribunais, ao adotar medidas constritivas com relação aos bens de propriedade da Alemanha e ao executar decisões dos tribunais gregos na Itália com base nos mesmos argumentos. Por meio de tal posicionamento, que causou desapontamento em boa parte da doutrina (Bornkamm, 2012BORNKAMM, Christoph. State Immunity against Claims Arising from War Crimes: The Judgement of the International Court of Justice in Jurisdictional Immunities of the State. German Law Journal, v. 13, n. 6, 2012, p. 773-782., p. 773-782; Watt, 2012WATT, Horatia Muir. Les droits fondamentaux devant les juges nationaux à l’épreuve des immunités juridictionnelles : à propos de l’arrêt de la Cour internationale de justice, Immunités Juridictionnelles de l’Etat (Allemagne c. Italie ; Grèce (intervenant), du 3 février 2012. Revue critique de droit international privé, v. 101, n. 3, 2012, p. 539-552., p. 539-552; Trapp; Mills, 2002TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168., p. 153-168; De Sena; De Vittor, 2005DE SENA, Pasquale; DE VITTOR Francesca. State Immunity and Human Rights: the Italian Supreme Court Decision on the Ferrini Case. The European Journal of International Law, v. 16, n. 1, 2005, p. 89-112., p. 89-112; Conforti, 2012CONFORTI, Benedetto. The Judgment of the International Court of Justice on the Immunity of Foreign States: a missed opportunity. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 135-142., p. 135-142; Pavoni, 2012PAVONI, Ricardo. An American Anomaly? On the ICJ’s Selective Reading of United States Practice in Jurisdictional Immunities of the State. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 143-159., p. 143-159; Espósito, 2012ESPÓSITO, Carlos. Jus Cogens and Jurisdictional Immunities of States at the International Court of Justice: ‘a conflict does exist’. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 161-174., p. 161-174), a Corte evitou enfrentar frontalmente o espinhoso conflito que envolvia a imunidade estatal e a violação de normas de jus cogens, rejeitando a ideia de uma exceção emergente à imunidade estatal. Contrariamente, optou por uma postura conservadora e formalista, sem levar em consideração as consequências de sua decisão no que tange ao interesse dos indivíduos prejudicados e, sobretudo, ignorando a erosão progressiva da imunidade que caminha pari passu com a limitação da soberania estatal e a emergência do indivíduo enquanto sujeito de Direito Internacional (Bornkamm, 2012BORNKAMM, Christoph. State Immunity against Claims Arising from War Crimes: The Judgement of the International Court of Justice in Jurisdictional Immunities of the State. German Law Journal, v. 13, n. 6, 2012, p. 773-782., p. 778).

Tendo em vista o posicionamento adotado pela Corte, este artigo busca analisar criticamente os principais argumentos tendentes a considerar a existência de um conflito entre a imunidade estatal e as normas de jus cogens, argumentando que a distinção entre normas de procedimento e substância afigura-se artificial e formalista (1), bem como o caráter não absoluto da imunidade estatal quando estão em jogo sérias violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário que possuem o status de normas de jus cogens (2).

1 A existência de um conflito entre a imunidade estatal e as normas de jus cogens

A CIJ rejeitou a demanda italiana e grega e afirmou que a imunidade estatal não poderia ser invocada em casos que envolviam a violação de uma norma imperativa do Direito Internacional ou jus cogens. Ambos os Estados consideravam que uma norma imperativa automaticamente afastaria qualquer norma de direito costumeiro hierarquicamente inferior que pudesse prejudicar sua aplicação (art. 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969). Haveria conflito entre as normas de jus cogens, consubstanciadas nas sérias violações do Direito Internacional Humanitário, e a norma costumeira que conferiria imunidade à Alemanha. Entretanto, na opinião da Corte, tal conflito não existe (§ 93), pois as regras acerca da imunidade estatal são de caráter procedimental, relacionando-se ao exercício da jurisdição, enquanto as normas de Direito Internacional Humanitário violadas (proibição de assassinato, deportação e trabalho escravo), que possuem um status de jus cogens, são de caráter substantivo. Para sustentar tal argumento, a Corte recorreu ao caso Atividades armadas4 4 Corte Internacional de Justiça, Atividades armadas no território do Congo (2002) (República Democrática do Congo vs. Rwanda), competência da Corte e admissibilidade do pedido, acórdão de 3 de fevereiro de 2006, §§ 64 e 125. e ao caso Mandado de prisão,5 5 Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, §§ 58 e 78. nos quais considerou que o caráter de jus cogens presente nas violações de Direito Internacional relatadas não possui o condão de conceder jurisdição à Corte ou de afastar a imunidade da qual beneficia um Ministro de Relações Exteriores em função do direito costumeiro internacional (§ 95). Foram citados ainda precedentes de Cortes nacionais e da Corte Europeia de Direitos Humanos, como os casos Al-Adsani vs. Reino Unido e Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha (§ 96 e 90).6 6 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Al-Adsani vs. Reino-Unido, Petição n. 35.763/97; Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.

Diversas razões levam a crer que o posicionamento adotado pela Corte não corresponde ao Direito Internacional contemporâneo. A artificialidade da distinção entre normas de procedimento e substância (1.1) esbarra na própria efetividade da proibição imperativa estabelecida pela norma de jus cogens (1.2), que no caso concreto significaria garantir impunidade ao Estado violador. Além disso, é frágil a pretensão de afastar o acesso à justiça em prol da imunidade estatal quando ambas as normas teriam natureza procedimental, sem haver qualquer análise no que tange à proporcionalidade e aos interesses protegidos no caso concreto (1.3).

1.1 A artificialidade da distinção entre normas de procedimento e substância

Ao julgar o caso Alemanha vs. Itália, o voto da maioria impôs uma barreira procedimental para a efetiva proteção dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário (Orakhelashvili, 2006ORAKHELASHVILI, Alexander. Peremptory Norms in International Law. Oxford: Oxford University Press, 2006., p. 340-341). Não se trata da primeira vez em que a CIJ estabeleceu uma distinção entre direito substantivo e procedimental. Com efeito, no caso Mandado de prisão, a Corte afirmou que a imunidade jurisdicional possui natureza procedimental e que a responsabilidade criminal tem caráter substantivo.7 7 Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, § 60. Ora, não houve no cas d’espèce qualquer análise crítica acerca da distinção entre normas procedimentais e substantivas, tampouco foram estabelecidos critérios para tal distinção. O raisonnement da Corte foi criticado por grande parte da doutrina, tendo a decisão sido considerada excessivamente formalista e conservadora, destacada da realidade atual e incapaz de conduzir a resultados satisfatórios que levem em consideração os direitos dos indivíduos (Talmon, 2012TALMON, Stefan. Jus Cogens after Germany v. Italy: Substantive and Procedural Rules Distinguished. Leiden Journal of International Law, 2012, n. 25, p. 979-1002., p. 984; Trapp; Mills, 2002TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168., p. 153-168; Bornkamm, 2012BORNKAMM, Christoph. State Immunity against Claims Arising from War Crimes: The Judgement of the International Court of Justice in Jurisdictional Immunities of the State. German Law Journal, v. 13, n. 6, 2012, p. 773-782., p. 773-782; Watt, 2012WATT, Horatia Muir. Les droits fondamentaux devant les juges nationaux à l’épreuve des immunités juridictionnelles : à propos de l’arrêt de la Cour internationale de justice, Immunités Juridictionnelles de l’Etat (Allemagne c. Italie ; Grèce (intervenant), du 3 février 2012. Revue critique de droit international privé, v. 101, n. 3, 2012, p. 539-552., p. 539-552; De Sena; De Vittor, 2005DE SENA, Pasquale; DE VITTOR Francesca. State Immunity and Human Rights: the Italian Supreme Court Decision on the Ferrini Case. The European Journal of International Law, v. 16, n. 1, 2005, p. 89-112., p. 89-112; Conforti, 2012CONFORTI, Benedetto. The Judgment of the International Court of Justice on the Immunity of Foreign States: a missed opportunity. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 135-142., p. 135-142; Espósito, 2012ESPÓSITO, Carlos. Jus Cogens and Jurisdictional Immunities of States at the International Court of Justice: ‘a conflict does exist’. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 161-174., p. 161-174; McGregor, 2006MCGREGOR, Lorna. State Immunity and Jus Cogens. The International and Comparative Law Quarterly, v. 55, n. 2, abril 2006, p. 437-445., p. 437-445; Pavoni, 2012PAVONI, Ricardo. An American Anomaly? On the ICJ’s Selective Reading of United States Practice in Jurisdictional Immunities of the State. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 143-159., p. 143-159). Tal postura parece encontrar fundamento no próprio papel assumido pela Corte, qual seja, como um árbitro neutro de controvérsias exclusivamente interestatais, destacado de valores humanistas que permeiam a ordem internacional. Trata-se evidentemente de uma visão restritiva de sua missão de forma a evitar qualquer interpretação do Direito Internacional que possa colocar em questão sua legitimidade.

Discute-se na doutrina acerca da existência de uma distinção, em Direito Internacional, entre normas que regulam procedimento e aquelas que regulam a substância, sobretudo no que tange aos conflitos entre imunidade estatal e violações graves dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário: alguns autores sustentam a necessidade de tal distinção no âmbito do Direito Internacional, de modo a justificar o reconhecimento da imunidade estatal e o consequente afastamento das normas imperativas violadas (Talmon, 2012TALMON, Stefan. Jus Cogens after Germany v. Italy: Substantive and Procedural Rules Distinguished. Leiden Journal of International Law, 2012, n. 25, p. 979-1002., p. 979-1002), enquanto outros que afirmam a inexistência de categorização radical, pois não se trata de separar elementos físicos como óleo e água (Espósito, 2012ESPÓSITO, Carlos. Jus Cogens and Jurisdictional Immunities of States at the International Court of Justice: ‘a conflict does exist’. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 161-174., p. 170). Os riscos frequentemente apontados pela escola realista ou ortodoxa do Direito Internacional apontam para a possibilidade de uma deterioração das relações bilaterais entre o Estado territorial e o Estado responsável pela violação e, ainda, para o risco de incontáveis litígios que aflorariam perante os tribunais nacionais caso demandas de indivíduos buscando reparação em função de violações de normas imperativas cometidas por outros Estados fossem admitidas no Estado territorial (Orakhelashvili, 2007ORAKHELASHVILI, Alexander. State Immunity and Hierarchy of Norms: Why the House of Lords Got it Wrong. European Journal of International Law, v. 18, n. 5, 2007, p. 955-970., p. 956). Entretanto, tais riscos – políticos – são meramente hipotéticos, desprovidos de qualquer valor científico, e não possuem o condão de influenciar o debate em torno da hierarquia normativa (Orakhelashvili, 2007ORAKHELASHVILI, Alexander. State Immunity and Hierarchy of Norms: Why the House of Lords Got it Wrong. European Journal of International Law, v. 18, n. 5, 2007, p. 955-970., p. 957).

1.2 A garantia da efetividade das normas de jus cogens violadas

A concessão de imunidade ao Estado que cometeu sérias violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário acabaria por prejudicar a efetividade da norma de jus cogens, esvaziando seu conteúdo. Há que se considerar a consistência de todo o sistema normativo, evitando incongruências normativas (BIANCHI, 2005BIANCHI, Andrea. Ferrini v. Federal Republic of Germany. The American Journal of International Law, v. 99, n. 1, jan. 2005, p. 242-248., p. 247). Não há como negar que existem obrigações procedimentais derivadas do caráter peremptório das normas de jus cogens (Bartsch; Elberling, 2003BARTSCH, Kerstin; ELBERLING, Björn Jus Cogens vs. State Immunity, Round Two: The Decision of the European Court of Human Rights in the Kalogeropoulou et al. v. Greece and Germany Decision. German Law Journal, v. 4, n. 5, 2003, p. 477-491., p. 485-488; Espósito, 2012ESPÓSITO, Carlos. Jus Cogens and Jurisdictional Immunities of States at the International Court of Justice: ‘a conflict does exist’. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 161-174., p. 172-173). Essa dimensão procedimental encontra fundamento nas obrigações erga omnes de proteção extraídas da norma de jus cogens em questão, como a própria Corte já admitiu nos casos Barcelona Traction Light and Power Company Limited (Bélgica vs. Espanha) e Timor oriental (Portugal vs. Austrália).8 8 Vide Corte Internacional de Justiça, Barcelona Traction Light and Power Company Limited (Bélgica vs. Espanha), acórdão de 5 de fevereiro de 1970, § 34; Timor oriental (Portugal vs. Austrália), acórdão de 30 de junho de 1995, §§ 28-29. Segundo o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 151), as obrigações erga omnes são obrigações oponíveis a toda comunidade internacional. Assim, toda norma de jus cogens impõe obrigações erga omnes e vice-versa (Cassese, 2010CASSESE, Antonio. The character of the violated obligation. In: CRAWFORD, J.; PELLET A.; OLLESON S. The Law of International Responsibility. Oxford: Oxford University Press, 2010., p. 417). No caso concreto, as obrigações erga omnes de proteção, que devem ser asseguradas horizontal e verticalmente, consistem na impossibilidade de invocar a imunidade estatal em caso de violações de normas imperativas pelo Estado e, em última instância, na necessidade de prover reparações para as vítimas (Trapp; Mills, 2002TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168., p. 161; Bartsch; Elberling, 2003BARTSCH, Kerstin; ELBERLING, Björn Jus Cogens vs. State Immunity, Round Two: The Decision of the European Court of Human Rights in the Kalogeropoulou et al. v. Greece and Germany Decision. German Law Journal, v. 4, n. 5, 2003, p. 477-491., p. 487).

Ora, não haveria qualquer sentido em reconhecer o status imperativo de uma norma perante o Direito Internacional sem prover qualquer garantia para sua efetividade, prejudicando os direitos dos indivíduos de obter reparação pelos prejuízos que lhe foram causados em virtude destas. Nesse sentido, o art. 41 do projeto de artigos sobre responsabilidade do Estado por um ato ilícito internacional, adotado pela Comissão de Direito Internacional, que trata das consequências de sérias violações decorrentes de normas imperativas, estabelece que os Estados não devem reconhecer a licitude de uma situação criada em virtude da violação de uma norma imperativa ou fornecer ajuda ou assistência de forma a manter tal situação. A obrigação de não reconhecimento remete ao princípio geral de que direitos não podem derivar de um ato ilícito (ex injuria jus non oritur).9 9 Nesse sentido, vide Corte Permanente de Justiça Internacional, Usina de Chorzów, acórdão de 26 de julho de 1927 (jurisdição), série A – n. 9, p. 4, 31; Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, §§ 46-47. Sua ratio é de evitar que as referidas violações se tornem um fait accompli e sejam cristalizadas no tempo.10 10 Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas da construção de um muro no território palestino ocupado, parecer consultivo de 9 de julho de 2004, § 121. Segundo a Comissão de Direito Internacional, a obrigação de não reconhecimento reflete uma prática bem estabelecida e incorporada no Direito Internacional costumeiro.11 11 Vide comentário ao draft do art. 53, § 2, ILC Yearbook 1996, v. II (2), 58, 114. Entende-se que tal obrigação refere-se ao não reconhecimento formal de situações decorrentes de graves violações, bem como a obrigação de não adotar atos que incorreriam no referido reconhecimento (Dawidowicz, 2010DAWIDOWICZ, Martin. The obligation of non-recognition of an unlawful situation. In: CRAWFORD, James; PELLET, Alain; OLLESON, Simon. The Law of International Responsibility. Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 677-686., p. 684). Historicamente, a obrigação de não reconhecimento tem sido relacionada à aquisição territorial forçada, como testemunham os pareceres consultivos da Namíbia12 12 Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a Resolução n. 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, § 53, p. 16; Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas da construção de um muro no território palestino ocupado, parecer consultivo de 9 de julho de 2004, p. 136. e do Muro na Palestina. Posteriormente, a partir dos anos 1960, passou a cobrir proibições de apartheid, discriminação racial, princípios básicos de Direito Internacional Humanitário e a denegação do direito à autodeterminação.

O fato de a prática internacional ainda não abarcar explicitamente a relação entre a obrigação de não reconhecimento e outras normas peremptórias não contribui para afastar sua aplicabilidade ao caso concreto. É evidente que a obrigação de não reconhecimento não seria respeitada ao atribuir-se imunidade a um Estado em caso de violação de normas de jus cogens (Orakhelashvili, 2007ORAKHELASHVILI, Alexander. State Immunity and Hierarchy of Norms: Why the House of Lords Got it Wrong. European Journal of International Law, v. 18, n. 5, 2007, p. 955-970., p. 964). Seria evidentemente contraditório reconhecer uma violação grave dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário e, paralelamente, conferir imunidade ao perpetrador de tais violações, recusando qualquer alternativa de reivindicação do direito das vítimas. Isso porque o objetivo da norma jus cogens, no caso concreto, é de evitar impunidade. Assim, tendo em vista as consequências jurídicas que decorrem da violação de uma norma de jus cogens à luz da responsabilidade estatal, não restam dúvidas acerca do não cabimento da imunidade estatal (Bianchi, 2005BIANCHI, Andrea. Ferrini v. Federal Republic of Germany. The American Journal of International Law, v. 99, n. 1, jan. 2005, p. 242-248., p. 247). Como bem coloca Espósito: “é inegável que não permitir que as normas produzam seus máximos efeitos e permitir que violações sigam sem punição é contrário à própria natureza das normas peremptórias” (Espósito, 2012, p. 172, tradução livre).

O julgamento do caso Promotor vs. Furundzija perante o Tribunal Penal para a ex-Iugoslávia, de 10 de dezembro de 1998 (n. IT-95-17/1-T), corrobora o presente argumento. A Trial Chamber considerou que os efeitos da proibição da tortura, enquanto norma imperativa, repercutiam tanto na esfera interestatal quanto na esfera individual. No âmbito interestatal, busca-se deslegitimar qualquer medida legislativa, administrativa ou ato judicial capaz de autorizar o cometimento do crime. Com efeito, segundo o tribunal, seria absurdo considerar, por um lado, que em virtude do caráter cogente da proibição contra a tortura, tratados ou regras costumeiras contrários seriam nulos ab initio (art. 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969) e, por outro lado, permitir que um Estado tomasse medidas nacionais que autorizassem ou tolerassem atos consubstanciados em tortura ou absolvesse seus perpetradores por meio de uma lei de anistia.13 13 Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 155. Tal lógica é perfeitamente transponível ao caso concreto, no qual um Estado assume internacionalmente a obrigação de não cometer sérias violações dos Direitos Humanos e do Direito Internacional humanitário, seja por meio de tratados ou costume internacional ou, ainda, em virtude de regras imperativas do Direito Internacional. Seria igualmente absurdo admitir, a partir de tal conduta, que o Estado em causa adotasse comportamento contraditório escondendo-se por detrás do manto da imunidade para descumprir as obrigações que lhe incumbissem em virtude do Direito Internacional.

Se, teoricamente, imunidade não significa impunidade, verifica-se que, na prática, as duas noções se encontram intrinsecamente interligadas. Assim, com a concessão de imunidade, exclui-se invariavelmente qualquer análise no que tange ao mérito da questão e, em última análise, corrobora-se a ideia de impunidade das violações de normas imperativas do Direito Internacional.14 14 Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, § 60. Como bem colocado pelo juiz Van Den Wyngaert, em sua opinião dissidente no caso Arrest Warrant, na prática a imunidade leva à impunidade de facto (§ 34). Como a própria Corte pareceu reconhecer no caso concreto, os indivíduos deportados e que executaram trabalhos forçados na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, cuja demanda forma o substrato do presente caso, não terão outra alternativa para reivindicar seus direitos (§ 99). A Corte apenas expressou surpresa e pesar ao constatar que a Alemanha negou compensação às vítimas do caso concreto por não considerá-las qualificadas para tanto nos termos da legislação alemã (§ 99). Haveria, neste caso, violação do art. 41 do Projeto de responsabilidade de Estados, pois as demandas das vítimas no presente caso seriam uma medida de last resort e, caso negadas, significaria negar o próprio direito à compensação em virtude da violação de uma norma imperativa, ou seja, desconsiderar os efeitos de uma norma de jus cogens (Trapp; Mills, 2002TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168., p. 162). Nesse sentido, decidiram os tribunais grego e italiano.15 15 Prefecture of Voitia vs. República Federal da Alemanha, Corte de Primeira Instância de Livadia, Caso n. 137/1997, julgamento de 30 de outubro de 1997. Vide caso n. 137/1997, Massacre de Distomo, Multi-member Court of Livadia, 30 de outubro de 1997, 50 Revue Hellenique de droit international (1997) 599.

Nessa linha de raciocínio, as normas nacionais que outorgariam imunidade ao Estado violador não teriam qualquer reconhecimento jurídico.16 16 Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 155. Isso porque a primazia das normas de jus cogens com relação à imunidade estatal conduziria ao reconhecimento de que esta última seria nula e não produziria efeitos jurídicos contraditórios com o conteúdo da norma peremptória violada (§ 1). De acordo com os seis juízes em seus votos dissidentes no caso Al-Adsani perante a Corte Europeia de Direitos Humanos: um Estado não pode invocar unilateralmente sua imunidade com o objetivo de furtar-se à responsabilização perante jurisdições estrangeiras em virtude do cometimento de atos que constituem violações de normas imperativas de Direito Internacional (§§ 1-3). As normas de jus cogens também produzem consequências procedimentais e não podem ter sua efetividade esvaziada. Caso existisse distinção entre procedimento e substância, a consequência é que nenhum direito fundamental jamais seria oponível a um Estado estrangeiro por um particular perante o tribunal local por crimes militares, atos de barbárie ou qualquer outro abuso oficial, pois o status de jus cogens não seria suficiente para flexibilizar a imunidade soberana. Conclui-se, portanto, que forma e substância são inseparáveis, contrariamente ao que se extrai da decisão da Corte no caso presente.

1.3 A prevalência do acesso à justiça com relação à imunidade estatal

Mesmo que a Corte considerasse que a imunidade estatal enquanto norma de procedimento prejudicaria o exame do mérito da questão, qual seja a violação grave dos Direitos Humanos e do Direito Internacional Humanitário, tal argumento não impediria a superveniência de um conflito entre a imunidade estatal e o acesso à justiça dos demandantes. O direito de acesso à justiça deve ser entendido lato sensu: é o direito para que a justiça seja feita (CANÇADO TRINDADE, 2008CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A. Evolution du droit international au droit des gens - l’accès des individus à la justice internationale, le regard d’un juge. Paris: Pedone, 2008., p. 81). Trata-se de um verdadeiro “direito ao direito”, ou seja, a uma ordem jurídica – tanto no nível nacional ou internacional – que salvaguarde efetivamente os direitos fundamentais da pessoa humana, já que os indivíduos são os últimos beneficiários dos direitos a serem preservados (CANÇADO TRINDADE, 2008CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A. Evolution du droit international au droit des gens - l’accès des individus à la justice internationale, le regard d’un juge. Paris: Pedone, 2008., p. 117). Progressivamente, há o reconhecimento do direito de acesso à justiça enquanto norma de jus cogens, trazendo consigo o direito à reparação de vítimas de sérias violações dos Direitos Humanos.17 17 A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que o direito de acesso à justiça penetrou no domínio do jus cogens (casos Goiburu et alii vs. Paraguai de 22.09.2006 e La Cantuta vs. Peru de 29.11.2006). Vide opinião dissidente do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, §§ 205-217. Se a reparação individual constituía uma exceção no passado, a Comissão de Direitos Humanos da ONU atualmente tem trabalhado no assunto, tendo o documento intitulado Princípios Básicos sobre o Direito ao Remédio e Reparação sido adotado pela Assembleia Geral.18 18 GA Res. n. 60/147, UN Doc A/Res/60/147 (Dec. 16, 2005).

Como destacado pela Corte Constitucional eslovena em 8 de março de 200119 19 Caso n. Up-13/99, julgamento de 8 de março de 2001. e pelo Supremo Tribunal polonês em 29 de outubro de 2010,20 20 Natoniewski vs. República Federal da Alemanha, julgamento de 29 de outubro de 2010, Polish Yearbook of International Law, v. XXX, 2010, p. 299. cujas decisões foram citadas no acórdão da CIJ (§ 74), a imunidade alemã em função dos crimes internacionais somente poderia ser concedida caso houvesse um remédio alternativo às vítimas de tais violações, ou, nas palavras do tribunal polonês, a imunidade estatal não poderia constituir obstáculo intransponível para o exercício do acesso à justiça das vítimas para proteger seus direitos de forma efetiva (CONFORTI, 2012CONFORTI, Benedetto. The Judgment of the International Court of Justice on the Immunity of Foreign States: a missed opportunity. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 135-142., p. 139). O Tribunal polonês citou os casos Waite e Kennedy vs. Alemanha e Beer e Regan vs. Alemanha da Corte Europeia de Direitos Humanos, para demonstrar a necessidade de se estabelecer um equilíbrio entre a imunidade e o acesso à justiça.21 21 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 18 de fevereiro de 1999, Waite et Kennedy vs. Alemanha, Petição n. 26083/94, § 68; e Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 18 de fevereiro de 1999, Beer et Regan vs. Alemanha, Petição n. 28.934/95, § 58. Como destaca o juiz Yusuf, tal balança deve levar em consideração as funções e os objetivos intrínsecos da imunidade, por um lado, e a proteção e realização dos princípios fundamentais de Direitos Humanos e de Direito Humanitário, por outro (§ 29). Deveria ter havido uma análise de proporcionalidade e legitimidade do objetivo de conceder imunidade em casos que envolvem violações graves nos quais não há possibilidade de compensação para as vítimas (§ 30). Assim, no caso de um conflito entre a imunidade e o acesso à justiça decorrente de violações de normas de jus cogens, não restam dúvidas de que a balança penderia para a efetiva realização dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário (CONFORTI, 2012CONFORTI, Benedetto. The Judgment of the International Court of Justice on the Immunity of Foreign States: a missed opportunity. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 135-142., p. 136). Isso porque haveria neste caso um embate entre duas normas de natureza procedimental, tendo o acesso à justiça caráter de norma de jus cogens.22 22 Corte Interamericana de Direitos Humanos, casos Goiburu et alii vs. Paraguai de 22.09.2006 e La Cantuta vs. Peru de 29.11.2006). O acesso à justiça seria, portanto, hierarquicamente superior às regras costumeiras acerca da imunidade jurisdicional, não havendo qualquer justificativa para conferir prevalência à imunidade estatal. Assim sendo, mesmo levados às últimas consequências, os argumentos contidos na decisão da maioria no cas d’espèce assentam sobre bases frágeis e não trazem qualquer estabilidade ao sistema, contrariamente à intenção da Corte de firmar-se como um árbitro neutro da realidade estatal.

2 A relativização da imunidade estatal em caso de violações graves de Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário

Mesmo que se considerasse a existência de um conflito entre a imunidade estatal e as normas de jus cogens, a própria evolução da noção de imunidade em casos como o presente conduz a afirmar que a decisão da Corte não se coaduna com o Direito Internacional contemporâneo. Com efeito, é imperioso ressaltar a necessidade de relativização da imunidade estatal em situações que envolvem violações graves de Direitos Humanos e de Direito Humanitário, contrariamente à decisão da maioria. A relativização da imunidade alemã conduziria à admissibilidade das demandas das vítimas buscando compensação perante os tribunais italianos.

Entretanto, a Corte considerou que não há, atualmente, costume internacional que permita antecipar uma evolução na prática estatal no que tange à imunidade, mesmo em caso de violações graves dos Direitos Humanos e do direito dos conflitos armados internacionais (§ 91). Para atingir tal conclusão, e tendo em vista que as regras sobre imunidade estatal decorrem de direito costumeiro, a CIJ avaliou a existência de uma prática bem estabelecida e de uma opinio juris, elementos constitutivos do costume internacional.23 23 Corte Internacional de Justiça, Plataforma continental do Mar do Norte (República Federal da Alemanha vs. Dinamarca; República Federal da Alemanha vs. Países Baixos), acórdão de 20 de fevereiro de 1969, § 77; Corte Internacional de Justiça, Plataforma Continental (Líbia Árabe Jamahiriya vs. Malta), acórdão de 21 de março de 1984, § 27. Entretanto, a análise empreendida falha ao desconsiderar a evolução do Direito Internacional em matéria de imunidade (2.1), bem como a inadequação da distinção entre atos de império e de gestão para efeitos de atribuição da imunidade (2.2). Encastelada em sua lógica jurídica, a Corte desconsidera o reconhecimento de uma nova exceção à imunidade estatal em virtude da violação de normas de jus cogens (2.3).

2.1 O Direito Internacional não é estático: a imunidade como conceito relativo e evolutivo

A formação, o desenvolvimento, a interpretação e a aplicação do Direito Internacional não podem ser dissociados da dimensão intertemporal. Isso porque, como bem frisa o juiz Cançado Trindade em sua opinião dissidente no presente caso, não existem regras imutáveis de Direito Internacional.24 24 Opinião dissidente do juiz A. A. Cançado Trindade, Corte Internacional de Justiça, Imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália; intervenção da Grécia), acórdão de 3 de fevereiro de 2012, § 14. A necessidade de avaliar uma situação tendo em vista o direito prevalente à época foi igualmente reconhecida pelo Instituto de Direito Internacional.25 25 Vide Annuaire de l’Institut de Droit International, 1973 e 1975, citados pelo juiz A. A. Cançado Trindade em sua opinião dissidente, Corte Internacional de Justiça, Imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália; intervenção da Grécia), acórdão de 3 de fevereiro de 2012, § 12, p. 5. O direito e o tempo são, portanto, interdependentes, devendo a efetividade das normas de Direito Internacional ser avaliada conjuntamente com as transformações sociais. Como a própria Corte já reconheceu no caso Ilha de Palmas de 1928, a existência de um direito deve ser avaliada em função de sua evolução.26 26 Corte Permanente de Arbitragem, caso Ilha de Palmas (Países Baixos vs. Estados Unidos), 04.04.1928, p. 14. Posteriormente, em seu parecer consultivo sobre a Namíbia de 1971, a Corte considerou que a interpretação de um instrumento internacional deve levar em conta as transformações temporais e a evolução do sistema jurídico.27 27 Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a Resolução n. 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, § 53.

A dimensão intertemporal também perpassa a imunidade estatal. A própria evolução de uma abordagem absoluta a uma visão restrita é testemunha da passagem do tempo e das necessidades da sociedade contemporânea. De fato, originalmente, o termo “imunidade” surgiu no final do século XIII, aplicando-se às pessoas da nobreza ou do clero ou proprietários ou estabelecimentos eclesiásticos pelo rei e, posteriormente, pela lei (Kessedjian, 2012KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012., p. 5). O objetivo era impedir a interferência de um Estado nas atividades de outro Estado e de seus representantes, através de seus tribunais, tendo em vista a soberania dos Estados (par in parem non habet imperium). A ideia primordial assentava na cortesia, na dignidade e nas boas relações entre os Estados (LAUTERPACHT, 1951LAUTERPACHT, Hersch. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British Yearbook of International Law, n. 28, 1951, p. 220-272., p. 221 e 230; CASSESE, 2005CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005., p. 99-100).28 28 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Fogarty vs. Reino-Unido, Petição n. 37.112/97, § 34. A imunidade emerge, portanto, da soberania do Estado do foro e não constitui um direito atribuído ao Estado estrangeiro. É o Estado territorial que pode renunciar, expressa ou implicitamente, ao exercício de sua jurisdição, sendo que qualquer afirmação em sentido contrário implicaria uma interferência ilegítima na soberania desse Estado. Trata-se, portanto, de uma exceção à jurisdição que um Estado normalmente exerceria em seu território.

Não é um conceito estático, mas ajustável à evolução da sociedade contemporânea, cuja proporcionalidade deverá ser sempre avaliada tendo em vista o interesse protegido pela norma afetada pela imunidade e os interesses do Estado ao qual a imunidade seria reconhecida (Kessedjian, 2012KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012., p. 6). Tanto é assim que a regra atualmente consiste na relativização da referida imunidade como um reflexo da evolução das atividades tradicionalmente atribuídas aos Estados a partir do final do século XIX. A prática estatal, sobretudo das Cortes italianas e belgas, cunhou a distinção entre atos de império (acta jure imperii) e atos de gestão (acta jure gestionis ou jure privatorum), atribuindo imunidade apenas aos primeiros.29 29 Vide jurisprudência belga: Rau, Vanden Abel vs. Duruty, 1879, § 175; e Chemin de fer Liégeois-Luxembourg vs. Etat néerlandais, 1903, §§ 301-303; e jurisprudência italiana: Typaldos vs. Manicomio di Aversa, 1886, §§ 1492-1493; e Bey di Tunisi rappresentato da Guttieres vs. Elmilik, 1886, §§ 1544-1545. Apesar de criticada em função de sua imprecisão (CASSESE, 2005CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005., p. 101), tal tendência adquiriu importância crescente após a Primeira Guerra Mundial com o aumento da participação dos Estados em transações comerciais ou privadas. O objetivo à época não era coibir crimes internacionais, mas sim evitar a incidência da imunidade caso o Estado agisse enquanto ente privado. Nessa linha, convenções e projetos internacionais concretizaram a noção de imunidade relativa.30 30 Vide, por exemplo, a Convenção Europeia sobre a Imunidade Estatal de 1972 e o Projeto de Convenção interamericana sobre as Imunidades jurisdicionais dos Estados de 1983.

Posteriormente, no início dos anos 1980, notou-se uma reversão da intervenção estatal na economia, havendo a privatização de diversas atividades anteriormente consideradas como tipicamente estatais (Kessedjian, 2012KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012., p. 6). Esse processo causou influência direta nas imunidades estatais, havendo um movimento contrário àquele identificado a partir da atuação do Estado no comércio privado. Isso demonstra que a distinção entre atos de império e gestão está sujeita a uma interpretação continuamente mutável que varia de acordo com o momento e reflete as novas prioridades da sociedade. Tendo em vista tal realidade, questionou-se se as entidades privadas, que realizam atividades tipicamente estatais, poderiam beneficiar das imunidades reconhecidas aos Estados caso estes exercessem tais funções (Kessedjian, 2012KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012., p. 6). Ademais, o desenvolvimento da arbitragem internacional nas relações que envolvem os Estados na qualidade de comerciantes contribuiu para a erosão da imunidade de jurisdição (WATT, 2004WATT, Horatia Muir. Une perspective ‘internationaliste-privatiste’. In: VERHOEVEN, J. (dir.). Le droit international des immunités: contestation ou consolidation?. Paris/Bruxelles, 2004, p. 265-274., p. 265).

Tanto no âmbito público quanto privado, as imunidades estatais tornaram-se cada vez mais flexíveis, ajustando-se à evolução de uma sociedade internacional na qual há maior preocupação com a proteção dos direitos individuais em detrimento do Estado, seja em função do envolvimento do indivíduo em transações comerciais com o Estado, seja na qualidade de vítima de delitos cometidos pelo referido Estado. Em 1951, já afirmava Lauterpacht que havia uma tendência crescente desde o final da Primeira Guerra Mundial de se afastar a imunidade jurisdicional de Estados estrangeiros (LAUTERPACHT, 1951LAUTERPACHT, Hersch. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British Yearbook of International Law, n. 28, 1951, p. 220-272., p. 220). Isso porque tal doutrina teria se tornado obsoleta e potencial geradora de injustiça no que tange aos direitos individuais. Trata-se de um valor relativo e evolutivo, cuja importância deve ser ponderada em função de valores concorrentes e de suas respectivas consequências concretas. O Direito Penal Internacional é testemunha de tal evolução, que é marcada pelo exercício da jurisdição extraterritorial do Estado no caso de graves crimes internacionais (competência universal) e pela erosão da imunidade dos representantes estatais quando do cometimento de crimes internacionais de forma a combater a impunidade e assegurar uma maior accountability. A raison d’État cede lugar ao interesse da humanidade de garantir que perpetradores de graves crimes internacionais não permaneçam impunes, moldando assim continuamente a prática da imunidade estatal.

Consequentemente, a imunidade, enquanto exceção no Direito Internacional costumeiro, não pode ter o mesmo tratamento conferido no passado e afigura-se totalmente inadequada à realidade atual. A Corte Internacional de Justiça, no presente caso, desconsiderou tais desenvolvimentos e não foi capaz de fornecer nenhum sinal em direção ao desenvolvimento progressivo do Direito Internacional.

2.2 A inadequação da distinção entre atos de império e de gestão

Como já apontado, a divisão entre atos de império e gestão foi contingente da necessidade de atuação do Estado enquanto ente privado. Entretanto, tal distinção nunca foi apropriada para dar conta do problema das imunidades (LAUTERPACHT, 1951LAUTERPACHT, Hersch. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British Yearbook of International Law, n. 28, 1951, p. 220-272., p. 224, 226-227 e 272). Isso porque é difícil definir se os atos realizados pelo Estado estrangeiro incluem-se na esfera pública ou privada para efeitos de concessão ou denegação de imunidade. Atualmente, dois critérios são frequentemente utilizados para avaliar se uma conduta constitui jure imperii: a natureza do ato em questão e a função que o ato pretende atingir (CASSESE, 2005CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005., p. 101).

Segundo M. Weiss, antigo juiz da Corte Permanente de Justiça Internacional em seu curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia, o critério da natureza do ato seria o mais adequado, pois seria possível avaliar se uma determinada conduta seria tipicamente estatal ou se poderia ser realizada nas mesmas condições por um indivíduo (WEISS, 1923WEISS, A. Compétence ou incompétence des tribunaux à l’égard des Etats étrangers. R.C.A.D.I., v. 1, 1923, p. 521-552., p. 521-552). Entretanto, tal distinção, como demonstrado acima, não mais se coaduna com a evolução das funções atualmente atribuídas aos Estados. No caso presente, ocorreram massacres de civis e deportação de civis e militares para a realização de trabalhos forçados na Alemanha e em seus territórios sob ocupação. Como visto anteriormente, tais atos constituem violações graves do Direito Internacional Humanitário, repercutindo em crime internacional. Tanto a natureza do ato – crimes internacionais – quanto a função ou o objetivo que se pretende atingir não configuram critérios adequados para a qualificação de um ato como sendo tipicamente estatal e, portanto, passível de imunidade. Em algumas situações, os critérios referentes à natureza e função do ato podem levar a resultados divergentes e podem ter tratamento diverso conforme o tribunal provocado (CASSESE, 2005CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005., p. 101; LAUTERPACHT, 1951LAUTERPACHT, Hersch. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British Yearbook of International Law, n. 28, 1951, p. 220-272., p. 222-223). A prática estatal por meio de diversas decisões judiciais corrobora o argumento.31 31 Vide, por exemplo, o julgamento da Corte Suprema de Israel no caso Eichmann; Suprema Corte, 29 de maio de 1962, 36 International Law Reports, p. 312; discursos de Lords Hutton e Phillips of Worth Matravers in R. v. Bartle and the Conzmissioner of Police for the Metropolis und Otlzers, ex parte Pinochet (“Pinochet III”); e discursos de Lords Steyn and Nicholls of Birkenhead in Pinochet In: julgamento da Corte de Apelação de Amsterdã no caso Bouterse (Gerechtshof Amsterdam, 20 de novembro de 2000, § 4.2, citados na opinião separada dos juízes Higgins, Kooijmans e Buergenthal, Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, p. 3, § 85.

A inadequação dos referidos critérios leva a questionar se atrocidades militares, cometidas segundo uma política de Estado, entrariam na categoria de atos de império, ou seja, se seriam enquadradas em funções tipicamente estatais. Seriam atos de soberania pelos quais o Estado perpetrador não deve responder perante os tribunais civis de seus pares? Evidentemente, não se pode incluir nos atos de império violações de normas imperativas, mesmo quando cometidas por um Estado. Isso porque o cometimento de crimes internacionais não é função tipicamente estatal, ou seja, não é função naturalmente exercida por um Estado ou que apenas um Estado poderia exercer. Crimes internacionais não são atos de gestão, tampouco atos de império. Trata-se de um ato contrário ao Direito Internacional, o que, por si só, afastaria qualquer alegação de imunidade, como parece constituir tendência na doutrina (Trapp; MILLS, 2002TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168., p. 153-168).

Segundo o juiz dissidente Cançado Trindade, “um crime é um crime, independentemente de quem o cometeu” (§ 53). No caso concreto, fala-se em delicta imperii, ou seja, um crime internacional cometido em violação de uma norma imperativa, contra o qual não seria possível invocar imunidade. É evidente, portanto, que a distinção entre atos jure imperii e jure gestionis afigura-se patentemente inadequada à evolução do Direito Internacional e, sobretudo, ao caso presente.

2.3 A emergência de nova exceção à imunidade estatal em virtude da violação de normas de jus cogens

Se a possibilidade de relativização da imunidade estatal em virtude da violação de normas de jus cogens ainda não foi reconhecida por meio do direito positivo internacional, leia-se, pela Convenção Europeia sobre Imunidade Estatal de 1972 adotada no âmbito do Conselho da Europa (Convenção da Basileia) e pela Convenção das Nações Unidas sobre as Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens de 2005, tal fato não impede o reconhecimento de que o Direito Internacional tem evoluído progressivamente na matéria.

A Comissão de Direito Internacional, encarregada de preparar a futura convenção no âmbito da ONU, teve seus trabalhos iniciados em 1979 e concluídos em 1991, data na qual foi adotado um projeto de artigos sobre as imunidades jurisdicionais dos Estados e dos seus bens. O projeto somente se transformou em convenção cerca de 13 anos depois. Entretanto, a referida Convenção ainda não se encontra em vigor por não ter alcançado as 30 ratificações exigidas pelo art. 30. O texto final, eminentemente conservador, não prevê qualquer disposição restringindo a imunidade estatal em caso de violações de normas de jus cogens. Apesar disso, os membros do grupo de trabalho da Comissão de Direito Internacional não deixaram de sublinhar os desenvolvimentos recentes da prática estatal e da legislação em matéria de imunidade em casos que envolvem violações de normas de jus cogens. No relatório, foram citadas demandas que pretendiam afastar a imunidade em virtude de graves violações dos Direitos Humanos, sobretudo em situações que envolvem a proibição da tortura. A Comissão reconheceu que alguns tribunais demonstraram simpatia por esse argumento, sendo que na maior parte dos casos a imunidade estatal ainda prevalecia. Cita a emenda ao Foreign Sovereign Immunities Act (FSIA) e o caso Pinochet como testemunhas da flexibilização da imunidade estatal. Conclui que os desenvolvimentos relativos à contraposição entre imunidade e normas de jus cogens, apesar de não estarem incluídos no projeto de artigos da convenção, constituem “desenvolvimentos recentes relativos à imunidade que não devem ser ignorados”.32 32 Relatório da Comissão de Direito Internacional (1999), A/54/10, Anexo (relatório do grupo de trabalho sobre imunidades jurisdicionais de Estados e de sua propriedade), Comissão de Direito Internacional, 1999, v. II (2), p. 172, § 13.

Com efeito, diversos julgamentos nos EUA envolveram questões de terrorismo e Direitos Humanos, nos quais foi aplicada a exceção à imunidade estatal prevista no FSIA.33 33 Foreign Sovereign Immunities Act, section 1605 (a)(7). Com efeito, o FSIA foi emendado para incluir uma nova exceção à imunidade estatal em caso ataques terroristas. Tal exceção está prevista na seção 221 do Anti Terrorism and Effective Death Penalty Act de 1996, que determina que a imunidade não será concedida em casos nos quais há demanda de reparação de danos contra um Estado estrangeiro por danos pessoais ou morte causada por atos de tortura, assassinato extrajudicial, sabotagem de aeronaves, tomada de reféns. A terrorism exception prevista no FSIA autoriza que vítimas norte-americanas possam processar Estados estrangeiros, bem como seus agentes, designados pelos EUA como promotores de terrorismo em função de injúria pessoal ou morte causada ou apoiada pelos referidos Estados. Em virtude da dificuldade enfrentada pelas vítimas com base no FSIA para fazer valer seus direitos contra Estados estrangeiros, uma nova lei foi aprovada em 2008 (National Defense Authorization Act for Fiscal Year 2008 – NDAA) estabelecendo em nível federal o direito de acionar Estados considerados promotores de terrorismo e autorizando o arbitramento de danos punitivos.34 34 A seção 1083 do NDAA substituiu a seção 1605 (a)(7) com uma nova exceção terrorista, tendo sido codificada como 1605A. A flexibilização da imunidade estatal foi aplicada em diversas situações, notadamente o recente caso Samantar vs. Yousuf, relativo aos atos de tortura praticados na Somália, analisado e julgado em sede de recurso pela Corte Suprema dos EUA em junho de 2010, no qual esta considerou que o FSIA não se aplicaria a uma eventual imunidade de oficiais estrangeiros.35 35 Corte suprema dos EUA, 1º de junho de 2010, Samantar vs. Yousuf, 660 US_2010. A decisão reforça a tendência de se afastar a imunidade estatal em caso de violações de normas peremptórias do Direito Internacional, tendo sido corroborada por diversos amicus curiae submetidos à Corte Suprema (KNUCHEL, 2011KNUCHEL, Sevrine. State Immunity and the Promise of Jus Cogens. Northwestern Journal of International Human Rights, v. 9, n. 2, 2011, p. 149-183., p. 149).

A evolução da prática norte-americana tendente a desconsiderar a imunidade estatal foi amplamente debatida pela doutrina (KNUCHEL, 2011KNUCHEL, Sevrine. State Immunity and the Promise of Jus Cogens. Northwestern Journal of International Human Rights, v. 9, n. 2, 2011, p. 149-183., p. 149-183; BELSKY; MERYA; ROHT-ARRIAZA, 1989BELSKY, Adam C.; MERVA, Mark; ROHT-ARRIAZA, Naomi Implied Waiver under the FSIA: A Proposed Exception to Immunity for Violations of Peremptory Norms of International Law. California Law Review, v. 77, n. 2, 1989, p. 365-415., p. 365-415; JOHNSON, 1995JOHNSON, Thora. A. A Violation of Jus Cogens Norms as an Implicit Waiver of Immunity Under the Federal Sovereign Immunities Act. Maryland Journal of International Law, v. 19, n. 2, 1995, p. 259-291., p. 259-291). Argumenta-se que a violação de normas de jus cogens constituiria uma renúncia implícita – implied waiver – à imunidade nos termos do FSIA (JOHNSON, 1995JOHNSON, Thora. A. A Violation of Jus Cogens Norms as an Implicit Waiver of Immunity Under the Federal Sovereign Immunities Act. Maryland Journal of International Law, v. 19, n. 2, 1995, p. 259-291., p. 259 e s.). Porém muitos dos desenvolvimentos da jurisprudência norte-americana no que tange à imunidade estatal foram desconsiderados pela CIJ no caso Alemanha vs. Itália, enquanto outros foram avaliados seletivamente e de forma contestável. De acordo com Riccardo Pavoni, a escolha dos casos citados na decisão da Corte demonstra uma postura conservadora e instrumental que teve como objetivo conferir sustentação a um posicionamento anterior que já havia sido deliberadamente tomado pela maioria dos juízes (PAVONI, 2012PAVONI, Ricardo. An American Anomaly? On the ICJ’s Selective Reading of United States Practice in Jurisdictional Immunities of the State. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 143-159., p. 143-159). Segundo o mesmo autor, a decisão da CIJ no caso presente não reflete o Direito Internacional contemporâneo em matéria de imunidade estatal no caso de violações graves de Direitos Humanos (PAVONI, 2012PAVONI, Ricardo. An American Anomaly? On the ICJ’s Selective Reading of United States Practice in Jurisdictional Immunities of the State. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 143-159., p. 144).

A tendência da limitação da imunidade estatal destacada por Lauterpacht no início da década de 1950 e apontada pela Comissão de Direito Internacional em 1999 segue seu curso em outros países. Nessa linha, é possível citar o caso Ferrini perante a Corte de Cassação italiana de 2004, relatado na introdução deste artigo que deu origem à demanda perante a CIJ (Bianchi, 2005BIANCHI, Andrea. Ferrini v. Federal Republic of Germany. The American Journal of International Law, v. 99, n. 1, jan. 2005, p. 242-248., p. 242-248; DE SENA; DE VITTOR, 2005DE SENA, Pasquale; DE VITTOR Francesca. State Immunity and Human Rights: the Italian Supreme Court Decision on the Ferrini Case. The European Journal of International Law, v. 16, n. 1, 2005, p. 89-112., p. 89-112),36 36 Ferrini vs. República Federal da Alemanha, decisão n. 5.044/2004. bem como o caso Milde vs. Civitella, envolvendo o massacre na cidade italiana de Civitella também julgado pela referida Corte de Cassação em 2008 e 2009. Como apontado pelo juiz Cançado Trindade em sua opinião dissidente, o key-point da decisão da Corte de Cassação italiana consistiu na denegação da imunidade estatal quando da ocorrência de uma política criminal perseguida pelo Estado conducente à perpetração de crimes contra a humanidade (§ 191).

A jurisprudência grega no caso do extermínio nazista de cerca de 218 pessoas no vilarejo grego de Distomo seguiu na mesma linha até o advento da decisão no caso Margellos. A demanda civil de parentes das vítimas contra a Alemanha foi levada à Corte de Primeira Instância de Livadia em 1995, que determinou a responsabilidade da Alemanha e concedeu indenização de 30 milhões às vítimas do massacre de Distomo. Tanto a Corte distrital, em 2007, quanto a Corte de Cassação grega, no caso Areios Pagos julgado em 2000, consideraram que a Alemanha não poderia se utilizar da imunidade de jurisdição, já que tal imunidade não é absoluta mesmo no que tange aos atos realizados jure imperii. A Corte de Cassação considerou que há renúncia tácita à imunidade estatal sempre que os atos em questão constituírem violações de normas de jus cogens. Assim, a decisão da Corte de Primeira Instância concedendo indenização tornou-se definitiva. Em função do descumprimento de tal decisão pela Alemanha, os demandantes buscaram executá-la por meio do bloqueio de propriedades alemãs na Grécia. Para tanto, seria necessário obter o consentimento do Ministro da Justiça nos termos do art. 923 do Código de Processo Civil grego, o que não foi concedido no presente caso. Por esse motivo, os demandantes provocaram a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) com base no art. 6 (1) da Convenção Europeia de Direitos Humanos, tendo a Corte declarado o pedido inadmissível.37 37 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00. Paralelamente, um caso similar estava sendo julgado nas Cortes gregas. Trata-se do caso Margellos e outros, perante a Corte Suprema Especial grega, por meio do qual a referida Corte, por maioria de seis votos contra cinco, decidiu que, à luz do Direito Internacional costumeiro, um Estado estrangeiro possui imunidade soberana em caso de danos causados no Estado territorial independentemente do fato de tal conduta ter violado normas de jus cogens ou das forças amadas estarem participando no conflito armado. Contrariamente, cinco juízes afirmaram em suas opiniões dissidentes que a proibição de crimes de guerra possuía o status de norma peremptória do Direito Internacional. Consequentemente, o julgamento do caso Margellos em 2002 conduziu à cassação da decisão da Corte de Primeira Instância de Livadia que havia concedido indenização para os demandantes.

Recentemente, em 2011, a Corte de Cassação francesa reconheceu que a violação de uma norma de jus cogens “pode constituir uma restrição legítima à imunidade de jurisdição”.38 38 Civ. 1ª, 9 de março de 2011, n. 09-14.743. Trata-se de um verdadeiro revirement jurisprudencial, pois em casos anteriores a mesma Corte havia recusado qualquer pronunciamento quanto à possibilidade de pagamento de salários para indivíduos que exerceram trabalhos forçados na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.39 39 Civ. 1ª, 16 de dezembro de 2003, n. 01-45.961 e 3 de janeiro de 2006, n. 04-47.504. A partir de tal entendimento, é possível que a Corte analise ações civis por violações de normas de jus cogens, afastando a imunidade como prerrogativa de soberania do Estado (Kessedjian, 2012KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012., p. 27). A referida decisão da Corte de Cassação francesa, bem como a decisão da Corte Superior do Quebec, foram citadas pela Itália no curso do processo de forma a reforçar a restrição progressiva da imunidade em caso de atos jure imperii.40 40 Corte Suprema de Quebec, decisão de 25 de janeiro de 2011, Kazemi (Estado de) e Hashemi vs. Irã, Ayatollah Ali Khamenei e outros, 2011, QCCS 196.

Diversos casos foram julgados perante a CEDH acerca da relação entre a imunidade estatal e as normas de jus cogens, como os casos Al-Adsani vs. Reino Unido,41 41 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Al-Adsani vs. Reino-Unido, Petição n. 35.763/97. McElhinney vs. Irlanda42 42 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, McElhinney vs. Irlanda, Petição n. 31.253/96. e Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha.43 43 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00. No caso Al-Adsani, amplamente debatido pela doutrina, a Corte considerou que nenhum dos acordos internacionais que trata da proibição da tortura enquanto norma imperativa no Direito Internacional se referem a um procedimento civil ou à imunidade estatal. Ora, tais acordos foram adotados anteriormente à evolução da imunidade estatal com vistas à aceitação da tese restrita, bem como anteriormente ao desenvolvimento de ações civis por violação dos Direitos Humanos. A decisão foi adotada por uma pequena maioria (nove votos contra oito), tendo a opinião dissidente dos juízes Rozakis e Caflisch sido acompanhada por outros quatro juízes. A opinião dissidente frisou que um Estado não pode esconder-se por detrás das regras sobre a imunidade estatal para evitar as consequências de suas ações e, sobretudo, para evitar ações civis por reparação de danos decorrentes de atos de tortura perante uma jurisdição estrangeira (§ 3). A própria Corte, na decisão da maioria, reconhece o caráter transitório das regras costumeiras acerca da imunidade estatal e a possibilidade de sua limitação, deixando as portas abertas para um futuro desenvolvimento da matéria na linha das opiniões dissidentes.

O caso McElhinney vs. Irlanda segue uma via similar, tendo a CEDH reconhecido, em seu julgamento de 21.11.2001, que, apesar de haver uma tendência no Direito Internacional e comparado em direção à limitação da imunidade estatal por danos causados por uma ação ou omissão cometida no território do Estado do foro, tal prática estatal não seria universal. Os juízes dissidentes Rozakis e Loucaides frisaram que a Corte não levou em consideração os desenvolvimentos do Direito Internacional, tendo restringido de forma desproporcional o direito de acesso aos tribunais. De fato, há uma tendência nos tempos modernos de que a doutrina da imunidade estatal está sujeita a um número crescente de exceções, tendo sua aplicabilidade reduzida em vista da proteção dos Direitos Humanos (§ 4). Como destacado pelo juiz Loucaides, na sociedade democrática atual, a imunidade absoluta parece ser uma “doutrina anacrônica incompatível com as demandas da justiça e da regra de direito” (§ 3). Outros juízes dissidentes também sublinharam a tendência no sentido da restrição da imunidade estatal, sobretudo no início do século XX, com o advento das atividades comerciais estatais (§ 1).

Na mesma linha, no caso Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, a CEDH reconheceu que o direito de acesso à justiça poderia estar sujeito a limitações, desde que tais limitações não prejudiquem a própria essência desse direito, devendo perseguir um objetivo legítimo e proporcional.44 44 Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00. Se, para a Corte, não haveria aceitação da tese de que os Estados não possuem imunidade com relação a demandas civis por danos perante um tribunal de outro Estado por crimes contra a humanidade, tal constatação não impediria um desenvolvimento futuro do direito costumeiro internacional. A própria Corte reconhece a evolução em curso no Direito Internacional, tendo as opiniões dissidentes dos casos acima relatados apontado para uma solução mais progressista capaz de levar em conta a proteção dos Direitos Humanos. Com efeito, há uma tensão permanente ou prevailing tension na jurisprudência da CEDH, como bem colocado pelo juiz Cançado Trindade em seu voto dissidente (§§ 130 e s.). Verifica-se, portanto, que a eventual consagração de imunidade estatal não reflete visão pacífica, longe disso. O que tem sido observado, seja pela CEDH, seja pelas opiniões dissidentes de seus juízes, é que a imunidade estatal está em pleno processo de evolução. E essa evolução caminha pari passu com o reconhecimento dos direitos dos indivíduos na esfera internacional, o que conduz à progressiva erosão da soberania estatal.

Por todo o exposto, a análise feita pela CIJ para verificar se há costume internacional tendente a relativizar a imunidade estatal nos casos de sérias violações de Direitos Humanos e Direito Humanitário afigura-se altamente criticável. De fato, a prática estatal tem dado indícios acerca da emergência de uma nova exceção à imunidade estatal consistente na violação de normas imperativas, o que deveria ter sido considerado na decisão da maioria.

Conclusão

A partir da análise do caso Alemanha vs. Itália, considera-se que a decisão da maioria dos juízes da CIJ não corresponde aos desenvolvimentos do Direito Internacional contemporâneo. Isso porque, no cas d’espèce, há evidente conflito entre a imunidade estatal e a violação grave do Direito Internacional Humanitário, que adquiriu status de norma de jus cogens. O argumento da CIJ baseado na distinção formal entre normas de procedimento – imunidade estatal – e substância – jus cogens – demonstrou ser puramente artificial e esbarra na necessidade de assegurar efetividade às normas de jus cogens violadas. Não houve qualquer análise com relação aos critérios para embasar tal distinção, mas apenas uma intenção da Corte de manter-se como um árbitro neutro das controvérsias interestatais, destacada de valores humanistas que poderiam colocar em questão sua legitimidade. A postura formalista da Corte afastou as obrigações erga omnes decorrentes da norma de jus cogens violada e ignorou o direito à reparação das vítimas, contrariando indiretamente sua jurisprudência nos casos Barcelona Traction e Timor Oriental. Nos termos do Projeto de artigos sobre responsabilidade de Estados, seria evidentemente contrário ao Direito Internacional reconhecer a licitude de uma situação criada em virtude de violação de uma norma imperativa ou fornecer ajuda ou assistência de forma a manter tal situação. No caso concreto, a concessão de imunidade à Alemanha constitui violação da obrigação de não reconhecimento prevista no art. 41 do referido projeto.

Também questionável é o argumento de que a imunidade, sendo uma norma de procedimento, deveria prevalecer com relação ao acesso à justiça, igualmente dotado de caráter procedimental. Ora, a imunidade não poderia constituir obstáculo intransponível para o acesso à justiça das vítimas de violações graves de Direito Internacional Humanitário, sobretudo em casos de inexistência de qualquer remédio alternativo. Ademais, tendo o acesso à justiça ingressado no domínio do jus cogens, conforme reconhecido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, um eventual conflito entre a imunidade estatal e violações graves do Direito Internacional Humanitário conduziria à prevalência da norma de maior hierarquia, consubstanciada na proibição de jus cogens em detrimento da norma costumeira. A imunidade estatal cederia, portanto, em prol do reconhecimento dos direitos individuais, conforme tendência no Direito Internacional contemporâneo.

Mesmo que assim não se considerasse, a própria evolução da norma costumeira não conduziria ao resultado prescrito pela Corte. Em outras palavras, mesmo havendo embate entre normas de procedimento e substância, a suposta norma procedimental – imunidade estatal – não possui mais o mesmo tratamento conferido no passado. O Direito Internacional não é estático, mas deve levar em consideração as transformações temporais e a evolução do sistema jurídico. A tese da imunidade absoluta cedeu lugar à imunidade restrita em função de desenvolvimentos jurisprudenciais adaptados a um contexto específico. A jurisprudência cunhou a distinção entre jure imperii e jure gestionis, que refletia as prioridades da sociedade tendo em vista a atuação do Estado enquanto ente privado. Atualmente, com o reconhecimento e a evolução dos Direitos Humanos, do Direito Internacional Humanitário e do Direito Penal Internacional, o conceito de imunidade passa por uma reavaliação, já que tem se tornado um potencial gerador de injustiças. A distinção entre atos de império e de gestão tornou-se obsoleta, pois não abarca situações nas quais Estados violam normas imperativas do Direito Internacional. Graves crimes internacionais não podem ser considerados funções tipicamente estatais para integrar a categoria de atos de império. Como bem coloca o juiz Cançado Trindade em sua opinião dissidente no presente caso, estaríamos diante de delicta imperii.

Com efeito, a imunidade soberana, um conceito desenhado por advogados no século XIX, tem sido empregada por Estados como uma técnica para negar cumprimento de suas obrigações em virtude do Direito Internacional. Ora, Estados não podem se esconder por detrás do manto da imunidade para furtar-se ao cumprimento de normas imperativas do Direito Internacional, no caso concreto, violações graves do Direito Humanitário. A raison d’état perde espaço para o interesse da humanidade de garantir que não haja impunidade no caso de crimes internacionais. Não há como negar que a concessão de imunidade gera impunidade, mesmo que indiretamente. A própria Corte pareceu reconhecer no caso Alemanha vs. Itália que as vítimas dificilmente teriam condições de obter seus direitos reconhecidos perante tribunais nacionais. O que se verifica atualmente consiste, sobretudo, na erosão progressiva da soberania estatal em prol dos direitos individuais. Mesmo que a imunidade seja fundada na soberania estatal e não na ideia de cortesia e dignidade das nações, como argumentam alguns autores, a própria ideia de soberania não mais é absoluta, como testemunha a noção de responsabilidade de proteger, fruto de uma interpretação teleológica da Carta da ONU. Soberania implica responsabilidade de proteger a população e não abarca o cometimento de crimes internacionais contra a mesma população que deveria ser protegida pelo Estado territorial.

Os desenvolvimentos recentes do Direito Internacional remetem ao reconhecimento de uma nova exceção à imunidade estatal, consistente na violação de normas de jus cogens. A prática de diversos tribunais começa a dar indícios de um revirement jurisprudencial ao afastar a imunidade em situações que envolvem violações graves de Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário. No âmbito regional, apesar de a CEDH ainda se resguardar no assunto, algumas decisões têm sido obtidas com uma pequena maioria, tendo os juízes dissidentes frisado a necessidade de limitação da restrição da imunidade estatal em prol de normas imperativas. Essa tensão permanente indica que a imunidade estatal está em pleno processo de evolução, o que não foi levado em consideração pela Corte em sua decisão no caso ora debatido. Atuando de forma conservadora, a Corte optou por salvaguardar a estabilidade do sistema internacional, mas assumiu um custo extremamente alto para manter sua posição. Deixou de avaliar ponderadamente valores concorrentes, ignorando as consequências de sua decisão para a proteção das vítimas de sérias violações de Direitos Humanos e Direito Humanitário que adquiriram o status de jus cogens. Apenas expressou surpresa e pesar, perdendo a oportunidade de promover uma interpretação progressista do Direito Internacional, adaptada à realidade atual. De forma não surpreendente, o caso Alemanha vs. Itália insere a CIJ na contramão da evolução do Direito Internacional.

NOTA DE AGRADECIMENTO

Agradeço imensamente ao juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, da Corte Internacional de Justiça, por ter-me motivado a aprofundar minhas pesquisas nesse tema tão relevante para o Direito Internacional. O presente artigo foi elaborado no âmbito do Cours de perfectionnement pour praticiens en droit international public et privé da Academia de Direito Internacional da Haia, de 13 a 19 de janeiro de 2013, referente às Imunidades no Direito Internacional.

Referências Bibliográficas

  • BARTSCH, Kerstin; ELBERLING, Björn Jus Cogens vs. State Immunity, Round Two: The Decision of the European Court of Human Rights in the Kalogeropoulou et al. v. Greece and Germany Decision. German Law Journal, v. 4, n. 5, 2003, p. 477-491.
  • BELSKY, Adam C.; MERVA, Mark; ROHT-ARRIAZA, Naomi Implied Waiver under the FSIA: A Proposed Exception to Immunity for Violations of Peremptory Norms of International Law. California Law Review, v. 77, n. 2, 1989, p. 365-415.
  • BIANCHI, Andrea. Ferrini v. Federal Republic of Germany. The American Journal of International Law, v. 99, n. 1, jan. 2005, p. 242-248.
  • BORNKAMM, Christoph. State Immunity against Claims Arising from War Crimes: The Judgement of the International Court of Justice in Jurisdictional Immunities of the State. German Law Journal, v. 13, n. 6, 2012, p. 773-782.
  • CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A. Evolution du droit international au droit des gens - l’accès des individus à la justice internationale, le regard d’un juge. Paris: Pedone, 2008.
  • CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto . Jus cogens: the determination and the gradual expansion of its material content in contemporary international case-law. O.E.A., Comité jurídico interamericano, XXXV Curso de Derecho Internacional (2008). Departamento de Derecho Internacional, Secretaría de Asuntos Jurídicos, Washington D.C., 2009, p. 3-29.
  • CASSESE, Antonio. International Law. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2005.
  • CASSESE, Antonio. The character of the violated obligation. In: CRAWFORD, J.; PELLET A.; OLLESON S. The Law of International Responsibility Oxford: Oxford University Press, 2010.
  • CONFORTI, Benedetto. The Judgment of the International Court of Justice on the Immunity of Foreign States: a missed opportunity. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 135-142.
  • DAWIDOWICZ, Martin. The obligation of non-recognition of an unlawful situation. In: CRAWFORD, James; PELLET, Alain; OLLESON, Simon. The Law of International Responsibility Oxford: Oxford University Press, 2010, p. 677-686.
  • DE SENA, Pasquale; DE VITTOR Francesca. State Immunity and Human Rights: the Italian Supreme Court Decision on the Ferrini Case. The European Journal of International Law, v. 16, n. 1, 2005, p. 89-112.
  • ESPÓSITO, Carlos. Jus Cogens and Jurisdictional Immunities of States at the International Court of Justice: ‘a conflict does exist’. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 161-174.
  • JOHNSON, Thora. A. A Violation of Jus Cogens Norms as an Implicit Waiver of Immunity Under the Federal Sovereign Immunities Act. Maryland Journal of International Law, v. 19, n. 2, 1995, p. 259-291.
  • KESSEDJIAN, Catherine. Immunités. Répertoire Dalloz de droit international, 2012.
  • KNUCHEL, Sevrine. State Immunity and the Promise of Jus Cogens. Northwestern Journal of International Human Rights, v. 9, n. 2, 2011, p. 149-183.
  • LAUTERPACHT, Hersch. The problem of jurisdictional immunities of foreign States. British Yearbook of International Law, n. 28, 1951, p. 220-272.
  • MCGREGOR, Lorna. State Immunity and Jus Cogens. The International and Comparative Law Quarterly, v. 55, n. 2, abril 2006, p. 437-445.
  • ORAKHELASHVILI, Alexander. State Immunity and Hierarchy of Norms: Why the House of Lords Got it Wrong. European Journal of International Law, v. 18, n. 5, 2007, p. 955-970.
  • ORAKHELASHVILI, Alexander. Peremptory Norms in International Law. Oxford: Oxford University Press, 2006.
  • PAVONI, Ricardo. An American Anomaly? On the ICJ’s Selective Reading of United States Practice in Jurisdictional Immunities of the State. The Italian Yearbook of International Law, v. XXI (2011), 2012, p. 143-159.
  • TALMON, Stefan. Jus Cogens after Germany v. Italy: Substantive and Procedural Rules Distinguished. Leiden Journal of International Law, 2012, n. 25, p. 979-1002.
  • TOMUSCHAT, Christian. The International Law of State Immunity and its Development by National Institutions. Vanderbilt Journal of Transnational Law, 2011, v. 44, p. 1105-1140.
  • TRAPP, Kimberley Natasha; MILLS Alex. Smooth Runs the Water where the Brook is Deep: The Obscured Complexities of Germany v. Italy. Cambridge Journal of International and Comparative Law 1, 2002, p. 153-168.
  • WATT, Horatia Muir. Les droits fondamentaux devant les juges nationaux à l’épreuve des immunités juridictionnelles : à propos de l’arrêt de la Cour internationale de justice, Immunités Juridictionnelles de l’Etat (Allemagne c. Italie ; Grèce (intervenant), du 3 février 2012. Revue critique de droit international privé, v. 101, n. 3, 2012, p. 539-552.
  • WATT, Horatia Muir. Une perspective ‘internationaliste-privatiste’. In: VERHOEVEN, J. (dir.). Le droit international des immunités: contestation ou consolidation?. Paris/Bruxelles, 2004, p. 265-274.
  • WEISS, A. Compétence ou incompétence des tribunaux à l’égard des Etats étrangers. R.C.A.D.I., v. 1, 1923, p. 521-552.
  • 1
    Ferrini vs. República Federal da Alemanha, decisão n. 5.044/2004 (Rivista di diritto internazionale, v. 87, 2004, p. 539; International Law Reports (ILR), v. 128, p. 658).
  • 2
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.
  • 3
    Cidadãos gregos vs. República Federal da Alemanha, caso n. III ZR 245/98.
  • 4
    Corte Internacional de Justiça, Atividades armadas no território do Congo (2002) (República Democrática do Congo vs. Rwanda), competência da Corte e admissibilidade do pedido, acórdão de 3 de fevereiro de 2006, §§ 64 e 125.
  • 5
    Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, §§ 58 e 78.
  • 6
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Al-Adsani vs. Reino-Unido, Petição n. 35.763/97; Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.
  • 7
    Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, § 60.
  • 8
    Vide Corte Internacional de Justiça, Barcelona Traction Light and Power Company Limited (Bélgica vs. Espanha), acórdão de 5 de fevereiro de 1970, § 34; Timor oriental (Portugal vs. Austrália), acórdão de 30 de junho de 1995, §§ 28-29. Segundo o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 151), as obrigações erga omnes são obrigações oponíveis a toda comunidade internacional.
  • 9
    Nesse sentido, vide Corte Permanente de Justiça Internacional, Usina de Chorzów, acórdão de 26 de julho de 1927 (jurisdição), série A – n. 9, p. 4, 31; Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a resolução 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, §§ 46-47.
  • 10
    Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas da construção de um muro no território palestino ocupado, parecer consultivo de 9 de julho de 2004, § 121.
  • 11
    Vide comentário ao draft do art. 53, § 2, ILC Yearbook 1996, v. II (2), 58, 114.
  • 12
    Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a Resolução n. 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, § 53, p. 16; Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas da construção de um muro no território palestino ocupado, parecer consultivo de 9 de julho de 2004, p. 136.
  • 13
    Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 155.
  • 14
    Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, § 60.
  • 15
    Prefecture of Voitia vs. República Federal da Alemanha, Corte de Primeira Instância de Livadia, Caso n. 137/1997, julgamento de 30 de outubro de 1997. Vide caso n. 137/1997, Massacre de Distomo, Multi-member Court of Livadia, 30 de outubro de 1997, 50 Revue Hellenique de droit international (1997) 599.
  • 16
    Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, Câmara de Primeira Instância, sentença de 10 de dezembro de 1998, Promotor vs. Anto Furundzija, IT-95-17/1-T, § 155.
  • 17
    A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que o direito de acesso à justiça penetrou no domínio do jus cogens (casos Goiburu et alii vs. Paraguai de 22.09.2006 e La Cantuta vs. Peru de 29.11.2006). Vide opinião dissidente do juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, §§ 205-217.
  • 18
    GA Res. n. 60/147, UN Doc A/Res/60/147 (Dec. 16, 2005).
  • 19
    Caso n. Up-13/99, julgamento de 8 de março de 2001.
  • 20
    Natoniewski vs. República Federal da Alemanha, julgamento de 29 de outubro de 2010, Polish Yearbook of International Law, v. XXX, 2010, p. 299.
  • 21
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 18 de fevereiro de 1999, Waite et Kennedy vs. Alemanha, Petição n. 26083/94, § 68; e Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 18 de fevereiro de 1999, Beer et Regan vs. Alemanha, Petição n. 28.934/95, § 58.
  • 22
    Corte Interamericana de Direitos Humanos, casos Goiburu et alii vs. Paraguai de 22.09.2006 e La Cantuta vs. Peru de 29.11.2006).
  • 23
    Corte Internacional de Justiça, Plataforma continental do Mar do Norte (República Federal da Alemanha vs. Dinamarca; República Federal da Alemanha vs. Países Baixos), acórdão de 20 de fevereiro de 1969, § 77; Corte Internacional de Justiça, Plataforma Continental (Líbia Árabe Jamahiriya vs. Malta), acórdão de 21 de março de 1984, § 27.
  • 24
    Opinião dissidente do juiz A. A. Cançado Trindade, Corte Internacional de Justiça, Imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália; intervenção da Grécia), acórdão de 3 de fevereiro de 2012, § 14.
  • 25
    Vide Annuaire de l’Institut de Droit International, 1973 e 1975, citados pelo juiz A. A. Cançado Trindade em sua opinião dissidente, Corte Internacional de Justiça, Imunidades jurisdicionais do Estado (Alemanha vs. Itália; intervenção da Grécia), acórdão de 3 de fevereiro de 2012, § 12, p. 5.
  • 26
    Corte Permanente de Arbitragem, caso Ilha de Palmas (Países Baixos vs. Estados Unidos), 04.04.1928, p. 14.
  • 27
    Corte Internacional de Justiça, Consequências jurídicas para os Estados da presença contínua da África do Sul na Namíbia (Sudoeste Africano) não obstante a Resolução n. 276 (1970) do Conselho de Segurança, parecer consultivo de 21 de junho de 1971, § 53.
  • 28
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Fogarty vs. Reino-Unido, Petição n. 37.112/97, § 34.
  • 29
    Vide jurisprudência belga: Rau, Vanden Abel vs. Duruty, 1879, § 175; e Chemin de fer Liégeois-Luxembourg vs. Etat néerlandais, 1903, §§ 301-303; e jurisprudência italiana: Typaldos vs. Manicomio di Aversa, 1886, §§ 1492-1493; e Bey di Tunisi rappresentato da Guttieres vs. Elmilik, 1886, §§ 1544-1545.
  • 30
    Vide, por exemplo, a Convenção Europeia sobre a Imunidade Estatal de 1972 e o Projeto de Convenção interamericana sobre as Imunidades jurisdicionais dos Estados de 1983.
  • 31
    Vide, por exemplo, o julgamento da Corte Suprema de Israel no caso Eichmann; Suprema Corte, 29 de maio de 1962, 36 International Law Reports, p. 312; discursos de Lords Hutton e Phillips of Worth Matravers in R. v. Bartle and the Conzmissioner of Police for the Metropolis und Otlzers, ex parte Pinochet (“Pinochet III”); e discursos de Lords Steyn and Nicholls of Birkenhead in Pinochet In: julgamento da Corte de Apelação de Amsterdã no caso Bouterse (Gerechtshof Amsterdam, 20 de novembro de 2000, § 4.2, citados na opinião separada dos juízes Higgins, Kooijmans e Buergenthal, Corte Internacional de Justiça, Mandado de prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo vs. Bélgica), acórdão de 14 de fevereiro de 2002, p. 3, § 85.
  • 32
    Relatório da Comissão de Direito Internacional (1999), A/54/10, Anexo (relatório do grupo de trabalho sobre imunidades jurisdicionais de Estados e de sua propriedade), Comissão de Direito Internacional, 1999, v. II (2), p. 172, § 13.
  • 33
    Foreign Sovereign Immunities Act, section 1605 (a)(7).
  • 34
    A seção 1083 do NDAA substituiu a seção 1605 (a)(7) com uma nova exceção terrorista, tendo sido codificada como 1605A.
  • 35
    Corte suprema dos EUA, 1º de junho de 2010, Samantar vs. Yousuf, 660 US_2010.
  • 36
    Ferrini vs. República Federal da Alemanha, decisão n. 5.044/2004.
  • 37
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.
  • 38
    Civ. 1ª, 9 de março de 2011, n. 09-14.743.
  • 39
    Civ. 1ª, 16 de dezembro de 2003, n. 01-45.961 e 3 de janeiro de 2006, n. 04-47.504.
  • 40
    Corte Suprema de Quebec, decisão de 25 de janeiro de 2011, Kazemi (Estado de) e Hashemi vs. Irã, Ayatollah Ali Khamenei e outros, 2011, QCCS 196.
  • 41
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, Al-Adsani vs. Reino-Unido, Petição n. 35.763/97.
  • 42
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 21 de novembro de 2001, McElhinney vs. Irlanda, Petição n. 31.253/96.
  • 43
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.
  • 44
    Corte Europeia de Direitos Humanos, acórdão de 12 de dezembro de 2002, Kalogeropoulou e outros vs. Grécia e Alemanha, Petição n. 59.021/00.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2015
  • Aceito
    28 Abr 2016
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br