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Cultura do estupro ou cultura antiestupro?

Rape culture or anti-rape culture?

Resumo

A expressão “cultura do estupro” não é nova, entretanto ganhou as ruas e as redes sociais com os novos movimentos feministas, depois da publicidade de um estupro coletivo ocorrido em uma favela carioca. Mas será que vivemos em uma cultura do estupro? Em caso afirmativo, em que consiste? Ou esses movimentos evidenciam uma cultura antiestupro? Esse artigo discute as ambiguidades das expressões “cultura do estupro” e “cultura antiestupro”, como se construíram e o papel do Direito para a manutenção ou enfrentamento do código relacional da honra no crime de estupro. Reflete sobre a necessidade de repensar esse dualismo e as políticas públicas de atendimento às mulheres vitimadas.

Cultura do estupro; cultura antiestupro; código da honra; sistema de justiça criminal

Abstract

Although the expression “rape culture” is not new, it has gained the streets and social networks with the new feminist movements, after the publicity of a gang rape occurred in Rio. The question is: are we really living in a rape culture? If so, what is it? Could it be possible that these movements would be presenting an anti-rape culture? This article discusses the ambiguity of the expressions “rape culture” and “anti-rape culture”, how they have been built and the role of law in maintaining or dealing with the relational code of honor in rape crime. The article points to the need of rethinking this dualism, as well as the public policies of assistance to victimized women.

Rape culture; anti-rape culture; code of honor; criminal justice system

Introdução

A expressão “cultura do estupro” tem sido pouco utilizada no Direito, mas tornou-se frase corrente no ativismo feminista para se referir a um conjunto de comportamentos e ações que toleram o estupro praticado contra mulheres em nossa sociedade.

Ela ganhou as ruas e as redes sociais no país após o estupro coletivo praticado contra uma adolescente de 16 anos, na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de maio de 2016.1 1 Ver: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/05/nao-ficara-impune-garante-ministro-da-justica-sobre-estupro-coletivo.html. Acesso em: 23 jul. 2016.

A expressão “cultura do estupro” não é nova. As feministas norte-americanas já falavam de uma cultura do estupro nos Estados Unidos nos anos 1970, dando início, a seguir, a um movimento antiestupro (SANDAY, 1997SANDAY, Peggy Reeves. A woman scorned: acquaintance rape on trial. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press,1997. 338p.).

Mas vivemos em uma cultura do estupro? Se a resposta for afirmativa, que cultura é essa, em que consiste e como se caracteriza? O que a expressão “cultura do estupro” abarca? Podemos afirmar que há uma cultura do estupro ou o fato de o ativismo feminista das ruas e das redes sociais nomear um conjunto de comportamentos como cultura do estupro não indica que estamos diante de uma cultura antiestupro, isto é, de menos tolerância ao estupro? E como se relaciona com o Direito?

Afirmando a existência de um pacto social sobre uma cultura do estupro não estaríamos generalizando? E em relação a uma cultura antiestupro, poderíamos estar criando um “pânico moral” que gerariam perspectivas amplas e exclusivamente punitivistas ao vermos em todo homem um potencial estuprador?

Este artigo discute a cultura do estupro e a cultura antiestupro que se tornaram centrais nas denúncias das jovens ativistas feministas brasileiras e sua relação com a cultura jurídica. Em outras palavras, como se construíram as culturas do estupro e do antiestupro e qual o papel do Direito para sua manutenção ou seu enfrentamento.

O termo “cultura”, no seu uso costumeiro, tem uma dupla perspectiva: a de apontar a diversidade de valores que envolvem as relações sociais nas mais distintas sociedades, e a de reificar, endurecer e enrijecer o entendimento da dinâmica das relações sociais. Essa segunda acepção pode levar a entender, equivocadamente, que, em cada sociedade, todos acreditam igualmente nos mesmos valores, todos têm a mesma posição e não há conflitos nem mudanças. Valores culturais são dinâmicos, uns de longa duração, outros de curta duração e as relações dos sujeitos com o vasto repertório simbólico dependem de suas posições nas relações de poder.

Assim, o contraste entre cultura do estupro e cultura antiestupro exige uma nova questão. Será possível pensar em uma cultura antiestupro de afirmação da liberdade e autonomia sexual feminina?

Como metodologia analítica para a escrita deste texto a nossa escolha foi a de apresentar a articulação e a diversidade das histórias dos movimentos feministas nos Estados Unidos e no Brasil relativamente às denúncias da violência sexual contra as mulheres e apontar quando a figura do “não consentimento” passa a se tornar o foco das denúncias. Apresentamos como base a literatura da produção feminista acadêmica norte-americana sobre o aparecimento da noção de cultura do estupro. No Brasil, ela é mais recente e eclodiu entre as jovens feministas em redes sociais. É também parte de nossa metodologia o intento analítico de apresentar e refletir (resumidamente) sobre o impacto e as repercussões da crítica feminista brasileira desde os anos 1970 à violação sexual para o entendimento jurídico brasileiro. Para isso, apresentamos analiticamente os valores de longa duração do código relacional da honra que podem fazer efeito nas interpretações jurídicas e a alta incidência de violações sexuais no Brasil. Por último, indagamos sobre os possíveis impactos da noção de cultura do estupro e os distintos entendimentos da proposta de uma cultura antiestupro para o entendimento jurídico e para o Direito.

1 A cultura do estupro e a cultura antiestupro

A ideia de que existe ou vivemos em uma cultura do estupro foi desenvolvida pelas norte-americanas nos anos 1970 quando denunciaram o tratamento social e jurídico que culpabilizava as mulheres pelo estupro sofrido.

Susan Brownmiller, em Against our will (1975), afirma a existência de uma cultura (norte-americana) que apoia o estupro (rape-supportive culture), a partir do modo como essa cultura define a sexualidade masculina como naturalmente agressiva, a feminina como passiva, e exige das mulheres o comportamento de polidez, delicadeza e de não confronto.

Se a feminista Millet, em Sexual politics (1970), já argumentava que o estupro se tratava de uma política sexual e não de uma biologia da masculinidade, Brownmiller aponta que, na cultura norte-americana, a sexualidade feminina passiva não significaria ausência de desejo sexual, mas sim que apenas não caberia às mulheres serem agressivas, do que emerge a suposição (cultural) de que “elas sempre querem”, mesmo que não o digam. Brownmiller contribui para uma cultura do antiestupro, já que permite entender como o estupro pode acontecer também entre conhecidos e passar despercebido, pois as mulheres, diante de um ato sexual não consentido, tendem a evitar o confronto direto. O status atribuído às mulheres desempenha, assim, um papel significativo nas atitudes e nas opiniões de muitos, e especialmente dos estupradores, em relação à violência sexual (BURT, 1980BURT, Martha R. Cultural myths and supports for rape. Journal of Personality and Social Psychology, v. 38, n. 2, p. 217-230, 1980.).

A cultura do estupro também está associada à guerra, quando os homens são estimulados a estuprarem as mulheres para “elevar a moral da tropa”,2 2 “Novo rabino-chefe do exército israelense diz que soldados podem estuprar mulheres árabes para elevar a moral”: <https://livrepensamento.com/2016/07/19/novo-rabino-chefe-do-exercito-israelense-diz-que-soldados-podem-estuprar-mulheres-arabes-para-elevar-a-moral/. Acesso em: 24 jul. 2016. o que vincula a sexualidade masculina à violência e o comportamento feminino à passividade e à submissão. Ensina-se às mulheres a se comportarem adequadamente, a não andarem sozinhas, a não vestirem roupas provocativas etc. para evitarem o estupro, como se o comportamento feminino tivesse alguma relação com a conduta sexual masculina (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.; GRIFFIN, 1971GRIFFIN, Susan. Rape: The all-American crime. Ramparts Magazine, p. 26-35, 1971.). As dicotomias agressivo/passiva, dominante/subordinada, “mim Tarzan, você Jane” revelam a estreita relação entre sexualidade e violência em nossa cultura (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Essa associação entre sexualidade e violência presente em filmes, propagandas, livros, músicas dificultaria dissociar um estupro de uma relação heterossexual não violenta (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Assim, haveria uma cultura do estupro porque a sociedade estimula e encoraja, ao ensinar homens e mulheres que é natural e normal uma relação sexual envolver comportamento agressivo dos homens. Por isso, afirma a autora, “nossa cultura pode ser caracterizada como uma cultura do estupro porque a imagem de uma relação heterossexual está baseada no modelo da sexualidade do estupro” (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984., p. 46, tradução nossa).

Conforme Brownmiller:

A descoberta do homem de que sua genitália poderia servir como uma arma para gerar medo deve ser classificada como uma das descobertas mais importantes dos tempos pré-históricos, juntamente com o uso do fogo e o primeiro machado de pedra bruta. Dos tempos pré-históricos até o presente, creio eu, o estupro tem desempenhado uma função crítica. Isto é nada mais nada menos do que um processo consciente de intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em um estado de medo (BROWNMILLER, 1975BROWNMILLER, Suzan. Against our will: men, women and rape. New York: Fawcett Columbine, 1975., p. 15, tradução nossa).

Rabinowitz conclui, a partir deste texto, que, para Brownmiller, a violência pelo estupro estaria relacionada ao aspecto biológico, ou seja, à existência de um pênis como uma arma contra as mulheres. Então, seria a biologia e não a cultura a fonte do estupro (RABINOWITZ, 2011, p. 3). Essa visão de a sexualidade violenta ser advinda da biologia seria semelhante à de MacKinnon (1983)MACKINNON, Catharine A. Not a moral issue. Yale Law & Policy Review, v. 2, n. 2, artigo 8, 1983. Disponível em: <http://digitalcommons.law.yale.edu/ylpr/vol2/iss2/8. Acesso em: 10 out. 2017.
http://digitalcommons.law.yale.edu/ylpr/...
, pois coloca todos os homens como estupradores em potencial e, portanto, como inimigos das mulheres. Nessa linha, a relação heterossexual será sempre violenta.

No entanto, a força do argumento de Brownmiller é que a cultura norte-americana dá suporte a uma cultura do estupro e não que a violência da sexualidade masculina decorra da biologia. No trecho acima, a autora aponta para o uso extenso e generalizado do estupro nas mais variadas sociedades e culturas como forma masculina de poder e de imposição de medo. Se apontasse a biologia como causa, por que falaria da “descoberta” pelos homens de imporem medo através da agressão sexual? Se Brownmiller enfatiza que estupro é violência, para MacKinnon, o estupro é uma forma de sexo e o sexo heterossexual é estupro.

Segundo MacKinnon, a definição legal tradicional (estadunidense) do estupro como penetração do pênis na vagina estaria em conformidade com o que os homens pensam ser uma violação sexual e não com a experiência das mulheres de terem sido violadas sexualmente. A experiência de ter sido estuprada é revivida quando uma mulher não consegue manter relação sexual sem experimentar a sensação de ter sido estuprada. E isto também é sexual e não apenas violência, pois é uma violação da sexualidade, afirma MacKinnon. A tese é reforçada pelo fato de uma mulher estuprada ter que provar, em juízo, que o que ocorreu não foi uma relação sexual, mas um estupro. Isto porque o estupro é definido em distinção à relação sexual consentida (CAMPOS, 2017CAMPOS, Carmen Hein. Criminologia feminista: teoria feminista e críticas às criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.).

As perguntas sobre se foi mesmo um estupro e o quanto as mulheres resistiram demonstram que o padrão para o que é definido como sexo é masculino. Se não houve muita violência, não é estupro. Isso explicaria as baixas notificações referentes aos crimes de estupro, pois as mulheres não acreditam que o que vivenciam como estupro será entendido legalmente como tal. Por isso, MacKinnon problematiza a heterossexualidade e o que se considera uma relação sexual normal (heterossexual) e confronta-a com o estupro e a relação sexual consentida. Nomina esses comportamentos como sexuados e evita diluí-los no termo violência (CAMPOS, 2017CAMPOS, Carmen Hein. Criminologia feminista: teoria feminista e críticas às criminologias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.). Para ela, é a forma pela qual a sexualidade masculina é definida como agressiva que faz o estupro aparecer como uma “relação sexual normal” e a “relação heterossexual normal” aparecer como estupro. Induz assim, em uma certa medida, a supor uma generalização dos homens como estupradores. Contudo, diferencia relação sexual consentida da relação sexual não consentida. Ao fazer isso, aponta tanto para a continuidade de sentido entre estupro e sexualidade masculina, como para a descontinuidade, pois não há estupro se há liberdade da mulher na relação sexual.

Quando o modelo é o de uma sexualidade masculina impulsiva, há uma naturalização do estupro, o que poderia explicar a dificuldade das vítimas denunciarem agressores, especialmente os conhecidos. Pesquisas revelaram que aquelas que denunciam o estupro cometido por conhecidos têm menores chances de serem acreditadas do que aquelas que reportam estupro cometido por estranhos (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.).

Quando o modelo esperado socialmente do comportamento feminino em relação à sexualidade é o de ser discreta, não confrontar, não tomar a iniciativa declarada do ato sexual, mas seduzir e provocar o desejo masculino, constroem-se as dúvidas sobre se houve estupro, pois ou não houve resistência ou houve provocação das mulheres (o que negaria o estupro já que “elas queriam”).

A ligação entre o comportamento feminino e a prática do estupro não se confirma – pesquisas demostraram que em 82% dos casos o estupro foi planejado e em pouquíssimos aconteceu por impulso (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Igualmente, a imagem da vítima sexualmente atraente e provocativa é irreal, pois o estupro é tanto cometido contra crianças de 6 meses como contra idosas de 93 anos (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Assim, culpar a vítima pelo estupro só serve aos interesses masculinos (GRIFFIN, 1971GRIFFIN, Susan. Rape: The all-American crime. Ramparts Magazine, p. 26-35, 1971.).

Pesquisas norte-americanas indicaram ainda que a maioria dos homens que estupra tem personalidade, aparência e comportamento sexual normais (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Ou seja, não possuem uma personalidade doentia ou anormal. Por isso, o estupro estaria relacionado à masculinidade e não a uma personalidade desviante. Desta forma, a cultura americana produz estupradores quando encoraja a socialização de homens a subscrever valores como controle, dominação, insensibilidade, competitividade, raiva e agressão e os desencoraja a expressarem vulnerabilidade, colaboração e cooperação. Ao final, não seriam apenas as mulheres as vítimas, mas também os próprios agressores, que também sofrem (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.).

A “produção” de quem é a vítima é também realizada pela lei, pela doutrina e pelas práticas jurídicas. A legislação controla a sexualidade feminina vinculando o exercício da sexualidade à reprodução e punindo as “desviantes” (criminalizando o aborto, por exemplo). Pela doutrina, validando questionamentos sobre o comportamento da vítima, a insuficiência de seus relatos, o consentimento ou justificando o estupro marital. E pelas práticas jurídicas, obrigando as mulheres a recontarem o fato à polícia, ao ministério público, ao Poder Judiciário; questionando se houve violência ou por que não reagiram; pelos argumentos da defesa, que desqualificam moralmente as mulheres e, por fim, com a sentença absolutória que desacreditou a palavra da vítima. As feministas sustentam que levar um caso de estupro ao sistema de justiça criminal é custoso financeira e psicologicamente às vítimas. Além de terem que recontar o evento, podem sofrer represálias dos familiares do agressor quando não dele mesmo (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Isso fundamentou as reformas legais.

As lutas feministas por reformas legais na década de 1980 nos Estados Unidos focaram dois conjuntos de preocupações. O primeiro desafiou a definição legal do estupro para incluir o estupro marital, excluir a necessidade do uso da força na definição do crime e da demonstração da resistência como ausência de consentimento. O segundo concentrou-se em alterar o processo de reparação jurídica, buscando proteger as mulheres de revitimização e ameaças e sensibilizar os profissionais da área jurídica quando as mulheres denunciavam um estupro. No centro das preocupações estava o desconstruir da ideia do estupro como apenas uma relação forçada e provocada por estranhos (RABINOWITZ, 2011RABINOWITZ, Nancy Sorkin. Greek tragedy: a rape culture? Eugesta, n. 1, p. 1-22, 2011.). As feministas queriam demonstrar que o estupro não era um caso raro ou cometido por poucos homens, mas uma maneira pela qual os homens exerciam o poder. Nesse sentido, o estupro, apesar de ser um crime, era, de fato, uma prática ensinada na sociedade americana em uma cultura do estupro.

A definição legal do estupro entendido como conjunção carnal forçada com uma mulher contra a sua vontade, ainda que abarcasse qualquer mulher, excetuava a esposa. Portanto, uma relação sexual forçada no casamento não era entendida como estupro (RABINOWITZ, 2011RABINOWITZ, Nancy Sorkin. Greek tragedy: a rape culture? Eugesta, n. 1, p. 1-22, 2011.). O outro problema estaria relacionado à noção do consentimento, especialmente se o estupro fosse cometido por conhecido. A mulher realmente disse não? A ausência de um rotundo não significaria um sim? Ela estava realmente tão bêbada ou drogada que não podia consentir? Ou aceitou beber e isso sinalizou que ela queria a relação sexual?

A definição do estupro como uma relação sexual forçada e não consentida, que excetuava a relação marital, tinha como consequência o fato de que nem sempre a relação forçada e não consentida definia o estupro (HERMAN, 1984HERMAN, Dianne F. The rape culture. In: FREEMAN, Jo. (Ed.). Women: a feminist perspective. 3. ed. CA: Mayfield, 1984.). Desta forma, o estupro seria o sexo ilegal, ou seja, quando parte daquele que não detém os direitos sobre a mulher. Dito de outra forma, aos olhos da lei, a violência em uma relação sexual é permitida quando o homem é “proprietário” da mulher.

Nos anos 1990, a antropóloga e feminista Sanday, em A woman scorned: acquaintance rape on trial (1997), aponta o novo conjunto de preocupações das feministas e nele se inscreve. As reformas legais dos anos 1980 não foram capazes de lidar com os estupros entre conhecidos, especialmente aqueles que eram feitos, do ponto de vista dos homens jovens, como se fossem encontros (dates), para possível início de relacionamentos sexuais e/ou amorosos, tais como nos casos ocorridos em campos universitários, que foram levados à investigação policial e aos tribunais. O foco é conseguir que a comunicação entre os parceiros que pretendem iniciar uma relação sexual (heterossexuais ou não) seja feita afirmativa e verbalmente para contrabalançar a suposição da cultura do estupro de que todo não da mulher pode ser sim, pois seu “corpo sexual” quer dizer sim e o não adviria das convenções sociais impostas às mulheres. Um movimento pela autonomia e liberdade da sexualidade de cada uma e cada um.

O debate mais recente nos movimentos e estudos feministas norte-americanos passou, assim, a se centrar no estupro entre conhecidos, presente sempre onde e quando não há consentimento na prática da sexualidade. Se, nos anos 1970 e 1980, os principais focos eram a violência, o poder e a dominação, presentes na violação sexual entre desconhecidos e conhecidos, nos anos 1990 e 2000, a atenção recai sobre a sexualidade entre conhecidos. Ao fazer isso, introduz-se com nova força de argumentos a questão da existência ou não do consentimento. É esta mudança de foco que leva ao entendimento do uso social da noção de cultura antiestupro como objetivo político e social a ser alcançado no exercício da autonomia e liberdade da sexualidade em qualquer contexto.

2 A cultura do estupro no Brasil: da definição legal à permanência do código da honra

No Brasil, a movimentação feminista da segunda metade dos anos 1970 e dos anos 1980 coloca em evidência a violência contra as mulheres, seja física e sexual, seja no âmbito doméstico, seja no público. São especialmente os assassinatos de mulheres de classes média e alta e a absolvição judicial ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980 que fazem com que haja visibilidade e legitimidade na mídia e na opinião pública da denúncia pela movimentação feminista sobre a violência contra as mulheres. As movimentações feministas logram nos anos 1980 a criação de Delegacias Especiais de Atendimento ou Defesa das Mulheres, nos âmbitos municipais e estaduais (CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA, 1993CENTRO FEMINISTA DE ESTUDOS E ASSESSORIA. Pensando nossa cidadania: propostas para uma legislação não discriminatória. Brasília: CFEMEA, 1993.; DEBERT; GREGORI, 2002DEBERT, Guita Grin; GREGORI, Maria Filomena. As delegacias especiais de polícia e o projeto Gênero e Cidadania. In: CORRÊA, Mariza. (Org.). Gênero e cidadania. Campinas: PAGU – Nucleo de Estudos de Gênero da Unicamp, 2002.), o que evidencia a profundidade e a importância da denúncia da violência contra as mulheres.

Se o estupro e a violência sexual contra as mulheres por conhecidos e desconhecidos nos âmbitos doméstico e público foram denunciados pelos movimentos feministas desde os seus primórdios, será em anos recentes que as denúncias recaem mais insistentemente contra as mais variadas formas de assédio sexual, ao expor em redes sociais denúncias de estupros coletivos, de formas de “encoxamento” nos transportes públicos e assédios sexuais em campi universitários. É recentemente que toma espaço a denúncia de que no Brasil há uma cultura do estupro que deve ser enfrentada. A proposta de cultura antiestupro aponta para o caráter educativo e socialmente revolucionário que se quer contra tal conjuntura.

No Brasil, as denúncias contra a cultura do estupro amparam-se tanto em pesquisas sobre a percepção da violência (pesquisas de opinião) quanto em pesquisas de vitimização, que apontam para a (sub)notificação da violência sexual contra mulheres.

A pesquisa de percepção da violência realizada pela Fundação Perseu Abramo/SESC em 2010, com 2.365 mulheres, em todo o país, apontou que 14% das entrevistadas consideram a violência contra a mulher a pior coisa que acontece pelo fato de serem mulheres. Assim, 15% consideram que o combate à violência contra a mulher tornaria melhor a vida de todas elas.

A pesquisa (ABRAMO, 2010ABRAMO, Fundação Perseu. As mulheres e gênero nos espaços público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo/SESC, 2010. Disponível em: <https://fpabramo.org.br/publicacoes/publicacao/pesquisa-mulheres-brasileiras-e-genero-nos-espacos-publico-e-privado-2010/. Acesso em: 29 out. 2017
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) revelou que 19% das entrevistadas sofreu algum tipo de violência, sendo que 6% sofreu violência sexual. Quando estimuladas, o índice da violência sexual subiu de 6% para 10%, 8% afirmou ter sido obrigada a manter relações sexuais quando não queriam, 4% foram forçadas a praticar atos sexuais que não lhes agradavam e 3% foram estupradas. No que se refere à idade e à escolaridade, dentre as 40% que afirmavam ter sofrido algum tipo de violência, 48% tinham entre 25 e 34 anos e, em 43% dos casos, a escolaridade variou da 5ª à 8ª série. Já entre as que afirmaram ter sofrido algum tipo de violência, 10% foi violência sexual, sendo que as mulheres entre 45 e 59 anos representaram 14% e 12% estavam entre a 5ª e a 8ª série. Em 11% dos casos, as mulheres recebiam menos de dois salários mínimos, tinham emprego informal ou estavam desempregadas (11%). As mulheres espíritas foram as mais sexualmente vitimadas (18%).

Por sua vez, a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2015)FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2015. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/9_anuario_2015.retificado_.pdf. Acesso em: 10 out. 2017.
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sobre vitimização, com dados colhidos através do sistema de polícia (estaduais), apontou que a cada 11 minutos uma mulher é vítima de estupro (aproximadamente 48 mil casos de estupros em 2014). Já em 2016, o Anuário de Segurança Pública desta mesma instituição apurou que, em 2015, aconteceram 45.460 estupros no país, o que equivale a 125 estupros/dia (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2016FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2016. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/storage/10_anuario_site_18-11-2016-retificado.pdf. Acesso em: 1º set. 2017.
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). Em 2015, o Anuário havia pontado que apenas 35% dos crimes de estupro são reportados à polícia. Já o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2014)INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf. Acesso em: 20 ago. 2016.
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informa uma subnotificação de 90%. Observa-se que, mesmo que haja uma variação de 65% a 90%, a subnotificação nos crimes de estupro é altíssima.

A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2014)INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf. Acesso em: 20 ago. 2016.
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que analisou dados contidos no Sistema de Notificação do Ministério da Saúde estimou que 0,26% da população feminina sofreu estupro, totalizando 527 mil vítimas de violência sexual (estupros tentados ou consumados) em 2013, sendo que menos de 10% dos casos foram reportados à polícia. As crianças e adolescentes representam 70% das vítimas. Em mais de 93% dos casos os agressores foram do sexo masculino, sendo 92,55% contra crianças; em 96,69% com adolescentes e 96,66% com adultos. Em 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima e em 24,1% são pais ou padrastos. A figura do desconhecido só é notada na fase adulta da vítima (60,5%) (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2014INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (versão preliminar). Brasília, 2014. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadiest11.pdf. Acesso em: 20 ago. 2016.
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). A violência contra crianças pode se repetir em 48,3% e, contra adolescentes, em 47,6%, quando são conhecidos. Já quando o agente é desconhecido é rara a repetição.

Como o padrão de comportamento de grande parte das pessoas vitimadas é o silêncio ou a resolução do conflito no âmbito privado, os registros de crimes sexuais nas delegacias de polícia correspondem a cerca de 10 a 20% dos casos que realmente acontecem (DREZETT, 2000DREZETT, Jeferson. Estudo de fatores relacionados com a violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres adultas. São Paulo. Tese (Doutorado) – Centro de Referência da Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil, 2000.).

A partir dos dados apresentados, dos aspectos colocados pelo ativismo e dos estudos feministas norte-americanos, ao pensarmos o que acontece no Brasil, partimos do entendimento proposto pelas autoras anteriormente mencionadas. O estupro é um ato de poder, de violência ou sexual? Ou seria essa uma falsa questão? O estupro é, ao mesmo tempo, violência, ato de poder e não deixa de ser uma expressão de sexualidade, representada por muitos agressores como apenas sexualidade.

A cultura do estupro no Brasil não pode ser desvinculada de nosso passado colonial e escravocrata. As mulheres negras, escravas, eram consideradas “coisas”, propriedades dos donos das fazendas e eram sistematicamente estupradas, além de sofrerem diversas outras violências. Eram responsabilizadas pelas mulheres brancas e pelos homens brancos pela suposta sedução do “senhor”. O comportamento violento dos senhores brancos, donos das escravas e escravos, não era questionado. A hipersexualização das mulheres negras advém dessa criação para justificar o estupro. Assim, o sexismo e o racismo fundamentam a cultura do estupro no Brasil. Não é por outra razão que as mulheres negras são as que mais sofrem com a violência doméstica e sexual em nosso país.

É exatamente quando determinada cultura suporta e constrói o modelo da sexualidade masculina como agressiva que se pode falar em cultura do estupro, pois a sexualidade violenta e o poder exercido através da agressão sexual como exercício de poder podem ser confundidos. Contudo esta confusão/ambiguidade é especialmente reconhecida pelos agressores e não pelas vítimas. Se muitas se culpam e duvidam se querem denunciar conhecidos, sabem que foram agredidas e forçadas. As vozes diferem, confrontam-se.

Deve-se entender, entretanto, que, ao se nomear uma cultura como tolerante ao estupro, já se pode falar da coexistência, em algum grau, de uma cultura do antiestupro, já que, se o repertório simbólico dominante disponível permite a confusão/ambiguidade entre estupro e relação sexual, ao mesmo tempo permite pensar o mais absoluto distanciamento entre um e outra.

Machado (1998)MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., ao analisar casos de estupro no Brasil, propõe a noção de “transformismo do estupro”: o estupro visto como o mais ignominioso fato pode ser percebido como a mais banal relação sexual, a depender das posições dos envolvidos, sejam agressores, vítimas, testemunhas, parentes das vítimas ou parentes dos agressores, ou mesmo profissionais do direito. Essa interpretação dialoga e responde às interrogações das autoras norte-americanas.

A pesquisa realizada por Machado (1998)MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998. com homens que cometeram estupro também revela a associação à noção de virilidade, da macheza do homem que pode possuir toda e qualquer mulher – exceto as vinculadas por parentesco ou afinidade (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998.). Ao lado do imaginário da sexualidade masculina, do homem que domina, que tem iniciativa e se apodera do corpo feminino está o imaginário sobre a mulher, como “aquela que se esquiva para se oferecer” (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 234). Estuprar é, assim, a afirmação do macho. Dos nove entrevistados na pesquisa, apenas um não culpabilizou a mulher pelo estupro. As razões para o cometimento do estupro variam desde uso de drogas, álcool, fraqueza sexual – que na verdade significa macheza, já que não conseguiu se controlar –, mas todas têm em comum a ideia da virilidade masculina, daquele que deve ter sempre o objeto sexual à sua disposição (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 236). Todos os entrevistados, exceto um, sabiam que a mulher não queria a relação sexual, mas pensavam que, ao final, ela queria (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 240). O imaginário masculino sobre o feminino sedutor (que se esquiva, que diz não querendo dizer sim) constrói-se também na dicotomia entre as mulheres: as que se oferecem (prostitutas, vadias) e as mulheres interditadas (mães, irmãs, tias). Assim, “o feminino é todo ele pensado como um objeto e como interdito” (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 243), cuja diferenciação (mulher prostituta x mulher de família) é constituída pelo ego masculino.

As mulheres da família de ego masculino – as mães, filhas, irmãs, cunhadas, sobrinhas –, se forem forçadas sexualmente por outros, serão consideradas estupradas e o estupro tende então a ser pensado como ignominioso. Elas também são interditadas ao ego masculino. Contudo não são poucos os estupros entre familiares: contra filhas, enteadas, sobrinhas, mas estes estupros são os menos reconhecidos como tal, tornam-se segredos, e as narrativas sobre eles procuram produzir a confusão para que se entenda tais abusos como derivados de relações de propriedade e afetividade. As esposas e companheiras de ego masculino, por outro lado, têm a obrigação de com ele terem relações sexuais não se considerando a relação sexual forçada como estupro. Somente as mães, filhas e mulheres dos outros podem ser objeto sexual (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 247). Contudo, a tendência do ego masculino em uma relação sexual forçada é imaginar que essa mulher não pertenceria a nenhuma família, seria mulher de ninguém, seria vadia. Os egos masculinos, cujas mulheres foram forçadas sexualmente por outros, nomeiam, no entanto, esta relação como estupro.

Por isso, na prisão, há separação entre os apenados por estupro e aqueles que não o são. Estes se identificam com a categoria abstrata dos homens que podem ter sido desonrados porque suas mulheres (parentes consanguíneas ou afins) podem ter sido violadas por outros homens. É deste ponto de vista que o estupro é hediondo e merece ser vingado. Não se fala em reparar a dignidade feminina. “O que se repara é a desonra masculina. Feminizam-se os corpos masculinos e ritualmente reafirmam o estupro de seus corpos” (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 245). Assim, o estupro se define pelo “código relacional da honra” que, reinscrito na modernidade, privilegia a honra das vítimas e de agressores, revelando a dificuldade de pensar o estupro como violência contra a pessoa, pois importa saber quem é a vítima para saber se houve ou não estupro (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998., p. 247). Igualmente, o estupro cometido por um estranho teria mais possibilidade de ser processado e o autor condenado do que o cometido por conhecido, pois o desconhecido enquadra-se melhor no estereótipo do estuprador (VARGAS, 1999VARGAS, Joana Domingues. Familiares ou desconhecidos? A relação entre os protagonistas do estupro no fluxo do Sistema de Justiça Criminal. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 40, p. 63-82, 1999. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n40/1709.pdf. Acesso em: 23 out. 2016.
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; 2007; MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998.). Esse código relacional da honra também pode ser observado na tipificação da violência sexual historicamente no Brasil.

No Código Imperial (BRASIL, 1830BRASIL. Código Criminal do Império do Brazil (1830). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em: 26 set. 2016.
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) o estupro era considerado um crime contra a segurança da honra e tratado juntamente com o defloramento de mulher virgem. O estupro era tanto o defloramento de menor virgem quanto a relação sexual violenta com mulher honesta. O defloramento poderia ser consensual, uma vez que, se houvesse o casamento, excluía-se a punição, mesmo se a vítima e o agressor fossem aparentados. Só seria punido se o grau de parentesco fosse tal que impedisse o casamento. Se houvesse alguma ofensa sexual diferente da cópula carnal ou sedução de mulher virgem, havendo o casamento, igualmente excluía-se a punibilidade.

Pontua-se que o Código Penal Imperial punia, embora com menor severidade, o estupro de prostituta. Assim, o condenado por estuprar uma “mulher honesta” cumpriria entre três e 12 anos de prisão. Já aquele que cometesse o mesmo crime contra uma prostituta teria uma pena de um mês a dois anos. As penas para os crimes de estupro variavam entre indenizar a ofendida, deportação por um determinado período de tempo e a prisão para os casos em que houvesse conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça.

Na 1ª República (1889), o estupro tornou-se não só um crime contra a segurança da honra, mas também contra a honestidade das famílias e ultraje público ao pudor (Título “Dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor” – Capítulo “Violência carnal”), incluindo o atentado violento ao pudor, o defloramento e o estupro. Manteve-se a divisão entre as mulheres honestas e não honestas. Para a gravidade do estupro importava mais a honestidade da vítima do que sua virgindade. Além disso, introduziu-se a figura da “mulher pública”, cuja punição continuava inferior ao estupro cometido contra mulher honesta. A “mulher pública” – semelhante à prostituta – contrasta com a mulher honesta – a “mulher privada” – que pertencia à família, ao marido, ao lar ou aos filhos. No defloramento ou no estupro de mulher honesta, o ofensor era obrigado a dotar (indenizar) a família da ofendida, revelando o caráter patrimonialista do crime e a propriedade sobre as mulheres. O dote não era para redimir a honra das mulheres, mas a honra da família ou do marido, mostrando a atualidade do estudo de Machado (1998)MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998..

O estupro foi definido como abuso de uma mulher, virgem ou não, com violência que incluísse o emprego da força física e de meios que privassem a mulher de suas faculdades psíquicas que a impossibilitassem de resistir e defender-se, tais como o éter, a hipnose, os anestésicos e os narcóticos. O casamento da vítima com o ofensor foi mantido com causa de extinção da punibilidade.

Havia uma continuidade jurídica entre o Código Penal (BRASIL, 1889BRASIL. Código Penal dos Estados Unidos do Brazil (1889). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D847.htmimpressao.htm. Acesso em: 26 set. 2016.
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) e o Código Civil (BRASIL, 1916). O Civil alinhava-se à perspectiva penal vigente ao tratar a mulher como um objeto privado, que poderia apresentar “defeitos” que a tornariam inferior ou dispensável. Havia o prazo prescricional de dez dias, contados da data do casamento, para anular o matrimônio caso o marido viesse a descobrir que sua mulher já havia sido deflorada.3 3 De acordo com o artigo 178, §1°, do Código Civil (1916), capítulo de prazos e prescrições. O defloramento ignorado pelo marido era um erro essencial contra o casamento, sendo este, assim, passível de anulação. Se o defloramento ou o estupro fosse cometido contra menor ou por menor de idade, o Código Civil previa a possibilidade de casamento para evitar a imposição da pena.4 4 “Art. 214. Podem, entretanto, casar-se os referidos menores para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal. Parágrafo único. Em tal caso o juiz poderá ordenar a separação de corpos, até que os cônjuges alcancem a idade legal” (BRASIL, 1984).

A reforma penal de 1940 pouco alterou a condição das mulheres nos crimes sexuais. O estupro passou a ser tratado no título “Dos crimes contra os costumes”, no capítulo “Crimes contra a liberdade sexual”. Embora atentasse diretamente contra a liberdade sexual, ainda era um crime contra os costumes e não contra a pessoa. Foi redefinido como um constrangimento (da mulher) à conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça. Manteve-se o atentado violento ao pudor e foi tipificada a posse sexual de mulher honesta mediante fraude.

Observa-se que a distinção entre mulher honesta e não honesta foi suprimida do crime de estupro, mas incluída no atentado violento ao pudor5 5 “Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Pena: reclusão, de um a dois anos” (BRASIL, 1984). e no crime de posse sexual mediante fraude.6 6 Posse sexual mediante fraude: “Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude. Pena: reclusão, de um a três anos” (BRASIL, 1984). Por sua vez, foi abolido o estupro contra a mulher pública ou prostituta, mantendo-se implicitamente a distinção, confirmada pela doutrina e jurisprudência. Manteve-se inquestionável o estupro cometido pelo marido contra a mulher, pois esta continuava propriedade daquele.

Nos anos 2000, a movimentação feminista lutou pela criação da lei que coibisse a violência doméstica contra as mulheres, alcançada com a promulgação da Lei Maria da Penha em 2006. Lutou também pela mudança de alguns pontos do Código Penal, através da interlocução com a Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República e com o Congresso Nacional, sem que se possa dizer que os resultados retratem o desejado pela movimentação feminista, mas sim os resultados desta interlocução complexa.

Em 2005 (65 anos depois), o estupro passou a ser definido por um tipo “neutro”7 7 Estupro: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena: reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos” (BRASIL, 2009). e amplo, não apenas como conjunção carnal, mas também como qualquer outro ato libidinoso praticado contra a vontade da vítima, admitindo, assim, a vitimização masculina. O crime de sedução (defloramento) também foi abolido em 2005. E, em 2009, o título foi alterado, passando a ser tratado no capítulo “Dos crimes contra a dignidade sexual e a liberdade sexual”. A expressão mulher honesta, presente nos crimes de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude, finalmente desapareceu, mas o tipo de posse sexual mediante fraude foi substituído por violação sexual mediante fraude. Além disso, foi criado o estupro de vulnerável.8 8 “Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Pena: reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos” (BRASIL, 2009).

A nova redação do artigo 213 ampliou a abrangência do crime de estupro e absorveu o crime de atentado violento ao pudor ao incluir em sua redação, além da conjunção carnal, a expressão “praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, o qual pode ser praticado contra qualquer pessoa, independentemente do sexo, tendo em vista a substituição da palavra “mulher” por “alguém”. Contudo, seja a vítima de estupro do sexo feminino ou masculino, o modelo construído da vítima de estupro continua sendo o feminino. A vítima teria provocado, seduzido, seria passiva, seria uma falsa acusadora/acusador?

Nota-se que a honra masculina (MACHADO, 1998MACHADO, Lia Zanotta. Masculinidade, sexualidade e estupro: as construções da virilidade. Cadernos Pagu, Campinas, n. 11, p. 231-273, 1998.), a honestidade da vítima (ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, v. 26, n. 50, p. 71-102, jan. 2005. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185. Acesso em: 1º nov. 2016.
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) e o que se espera do gênero da vítima permaneceram intimamente ligados, definindo as mulheres e seus corpos (femininos) como propriedade, como guardiãs da honra masculina, responsáveis pela desonra masculina, e exigindo-se delas a obediência, a discrição, a timidez (serem mulheres de família, honestas, não serem “mulheres fáceis” ou de “vida fácil”). Apesar das mudanças nos códigos penais, infere-se que a longa duração do código relacional de honra dá espaço para que, tanto na interpretação social como na jurídica, as mulheres que se encontrem fora do espaço considerado da sociabilidade “honrada” não sejam dignas de proteção e o ato violento do estupro possa ser realizado e transformado simbolicamente em não estupro.

É como se o masculino se confundisse com o lugar da lei. De um lado, nas relações conjugais e familiares, quando se instituem como o lugar do controle de suas mulheres. De outro, nas relações com mulheres que não são afins nem consanguíneas, como se lá estivessem as mulheres que deveriam estar disponíveis como puros objetos sexuais (MACHADO, 2000MACHADO, Lia Zanotta. Sexo, estupro e purificação. Série Antropologia, n. 286, p. 1-38, 2000. Disponível em: <http://dan.unb.br/images/doc/Serie286empdf.pdf. Acesso em: 10 out. 2017.
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, p. 34).

E em grande parte os corpos masculinos estuprados em nome do modelo da “sexualidade masculina dominante” passam a ser entendidos como corpos feminizados, tornados também puros objetos sexuais.

A definição de estupro dada pela Lei n. 12.015/2009, apesar de inovadora, mantém o entendimento do Código Penal de 1940, no qual, para o reconhecimento do estupro, deve haver o constrangimento (com o que a movimentação feminista concorda, pois vincula o crime diretamente à inexistência de consentimento), no entanto, infere que ele deve ter sido obtido ou por violência ou por grave ameaça. Embora o constrangimento e a coação possam ser entendidos quando há ameaça verbal, mesmo que esta definição não está literalmente presente, como pesquisadoras, entendemos que há uma diminuição do constrangimento quando não há violência ou grave ameaça explícitas. O adjetivo “grave” que acompanha a palavra ameaça tende a ser interpretado juridicamente e, muitas vezes, socialmente como uma ameaça com arma. “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (BRASIL, 2009BRASIL. Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a Lei n. 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Lei – Planalto, Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em: 29 out. 2017.
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).

Enfatizamos que não há explicitação na Lei n. 12.015/2009 de como se poderia entender constrangimento que não seja por um ato de violência que resulte em lesão física ou por uma grave ameaça referida ao uso intimidante de uma arma ou de uma coação moralmente irresistível. O constrangimento de um ego (geralmente masculino) contra um alguém conhecido tomado como um alvo/objeto sexual (geralmente mulher) não necessariamente é praticado com violência física que produza lesão, nem mesmo com o que, na cultura jurídica, tende a ser o sentido mais comum dado à ameaça grave: o uso de uma arma.

O constrangimento pode existir em outras formas: ameaças de contar a todos que a mulher/menina ou “alguém” já foi desonrada, e que foi ela quem seduziu ou “pediu”, divulgação de imagem na internet (pornografia de vingança) e, caso recuse, que será ferida ou humilhada, pois dela se falará que é uma mulher vadia, que já foi tomada por ele, que ela quis, que não é “direita” ou, ainda, que será morta se não ceder. No entendimento de Sanday (1997)SANDAY, Peggy Reeves. A woman scorned: acquaintance rape on trial. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press,1997. 338p., dever-se-ia inverter a prova. Ao invés da vítima ter que provar que houve uso da arma como ameaça ou que houve lesão física como prova de que resistiu (e que, por isso, foi vítima de constrangimento), a não existência de consentimento verbal afirmativo deveria bastar como prova de que houve constrangimento. Igualmente, qualquer mulher ou alguém que fosse vítima, independentemente da vida sexual pregressa, deve ter reconhecido o direito de dizer sim ou não, e o seu sim e o seu não devem ser reconhecidos como tais.

Decisões discordantes permitem mostrar que a cultura jurídica recente se divide entre percepções tolerantes e não tolerantes em relação ao estupro. Abaixo, apresentamos a análise de um mesmo caso visto por decisões divergentes no primeiro e no segundo graus.9 9 O exemplo foi coletado da monografia de graduação de Sabrina de Carvalho Ribeiro (2010).

As decisões jurídicas em discussão revelam que a cultura jurídica brasileira também se defronta com o conflito entre uma cultura do estupro e uma cultura antiestupro. Não pelo fato de serem as sentenças discordantes (isso faz parte do cotidiano jurídico), mas pela modalidade dos argumentos utilizados. É procedente apontar que é do gênero feminino a autoria da interpretação que considera estupro o caso em questão e é do gênero masculino a autoria da interpretação que não considera o caso como estupro. Contudo, ainda que possa ser uma tendência, não há razão para qualquer conclusão generalizante sobre gêneros ou individualidades entre autores pois se trata de uma disputa entre interpretações no campo jurídico. Vejamos a decisão de primeiro grau:

É certo que o réu também mentiu em seu interrogatório, [...] porém, a história da vítima, de que o réu a obrigou, mediante vagas ameaças, a empurrar sua bicicleta e acompanhá-lo a pé, por mais de vinte minutos, da QE 15 até a QE 23, proximidades do cartódromo, onde continuou fumando “merla” e batendo papo com a vítima por mais de uma hora é realmente inacreditável.

O mais crível em sua versão, porém, é que no trajeto os dois passaram caminhando lado a lado pelo posto de gasolina da QE 23, onde pelo menos os frentistas deviam estar presentes, e também por um quiosque que fica junto ao posto, onde o acusado chegou a cumprimentar o proprietário e onde, segundo as próprias palavras da vítima, estavam reunidas cerca de dez a quinze pessoas, frequentadores do estabelecimento. E a vítima disse simplesmente que não fugiu do réu, não o deixou nesse momento, diante de todas aquelas pessoas, porque estava em pânico e sem reações. Alega também que ficou com medo de que o dono do quiosque pudesse ser amigo do réu.

Ora, o dono do quiosque poderia até ser amigo do réu, o que não seria motivo para ser seu cúmplice. E que dizer de todas aquelas pessoas que ali estavam? Iriam todos concordar com o estupro? Certamente que não. Bastaria a vítima dar qualquer alarde, gritar, juntar-se às pessoas que ali estavam, enfim, fazer qualquer coisa para demonstrar que não queria seguir na companhia do réu, para que a situação que revolvesse.

Sua versão, de que estava em pânico e sem reações, é verdadeiramente insustentável. Mesmo porque, a vítima não me pareceu ser uma moça que se amedronta com facilidade. A própria atitude de deixar os colegas na festa, [...] e voltar para a casa da tia, [...] caminhando sozinha pelas ruas àquela hora da noite, já revela seu caráter de garota destemida.

Registre-se que, apesar da pouca idade, a vítima Andressa já tem certa experiência de vida. [...] diz que aos onze anos já experimentava maconha, tiner, cloro e benzina, e aos treze teve sua primeira relação sexual com um ex-namorado, por sua livre e espontânea vontade.

O réu, por sua vez, não tinha qualquer arma ou instrumento com que pudesse amedrontar a vítima. Não tinha arma de fogo, nem faca, nem um mísero canivete.

[...]

Ora, numa situação dessas, de estupro iminente, é duvidoso que qualquer vítima venha a intimidar-se apenas e tão somente com palavras, com “promessas” de morte.

A grave ameaça, no caso, se dá quando o réu dispõe de meios idôneos para concretizá-la de imediato, no próprio momento, caso a vítima não ceda aos seus instintos (exemplo clássico: quando o réu está armado). Simples ameaça verbal, promessa vaga de vir a causar algum mal à vítima, em futuro remoto, não serve para tipificar o crime de estupro [...]. (Sentença de primeiro grau do Exmo. Juiz Dr. Jesuíno Aparecido Rissato, p. 178/180, p. 9-11 da apelação criminal nº 1988.01.1.040402-9; nosso grifo). (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Sabrina de Carvalho. A violência institucional nos julgamentos de segunda instância de crimes de estupro e atentado violento ao pudor no Distrito Federal. Monografia de Graduação em Ciências Sociais (Habilitação em Antropologia), Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2010. 72 p., p. 41, grifos da autora).

Vejamos, então, como se pronuncia a desembargadora relatora a partir de trechos de sua sentença, apontados e grifados por Ribeiro (2010)RIBEIRO, Sabrina de Carvalho. A violência institucional nos julgamentos de segunda instância de crimes de estupro e atentado violento ao pudor no Distrito Federal. Monografia de Graduação em Ciências Sociais (Habilitação em Antropologia), Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2010. 72 p., abaixo citados. Nestes trechos, constam da sentença, referências feitas pela desembargadora aos laudos de corpo de delito e às declarações do médico perito:

[...] a vítima apontou, com presteza e segurança, a pessoa do Apelado como autor dos crimes.

O acusado, contudo, quando inquirido pela autoridade policial (fls. 48/49), faltou com a verdade, afirmando que havia dormido e ficado o tempo todo na casa de um amigo chamado IVAN.

Em Juízo (fls. 95/97), certamente por ter ciência dos Laudos que confirmavam a materialidade, modificou sua versão anterior.

[...]

[O Laudo de Corpo de Delito] confirmou a existência de espermatozóide no material colhido da vítima, bem como trouxe a informação de que houve prática de conjunção carnal, com violência física.

As explicações contidas no documento de fls. 144/146, fornecidas pelo Médico Perito, não descaracterizam as lesões sofridas pela vítima, as quais foram descritas como superficiais.

Entendo que, mesmo que não existisse qualquer vestígio de violência, a coação ilegal estaria confirmada, vez que esta pode ser exercida de várias formas, inclusive apenas por meio de ameaças verbais.

[...]

Sobre esse tema, o Médico Perito concluiu (fl. 146): “Não temos como determinar a intensidade da violência necessária para que uma mulher se deixe submeter ao estupro, já que as reações divergem ao infinito de um indivíduo para outro e aqui nos referimos especificamente à mulher”.

Entendo que a resistência a uma agressão sexual pode perfeitamente variar de mulher para mulher, dependendo do grau de maturidade e de sua força física, que, no caso, são fatores absolutamente desfavoráveis à vítima. Ela estava em patente desvantagem física em relação ao Apelado [...].

[...] o fato de a vítima já ter experimentado drogas, há alguns anos, e não ser mais virgem aos quatorze anos de idade, são irrelevantes no caso, já que não têm o condão de excluir a ilicitude e tampouco eximir a culpabilidade do réu. Destaco que estas informações foram fornecidas espontaneamente pela vítima, e, in casu, jamais poderiam ser utilizadas em seu desfavor.

[Julgo] procedente a denúncia para condenar [o acusado].

Os motivos do crime são injustificáveis e reprováveis. As circunstâncias e consequências [são] nefastas, haja vista que o Apelado tomou à força para satisfação de seus instintos sexuais uma menina de 14 (quatorze) anos de idade, que obviamente carregará o trauma para o resto da vida. (nosso grifo). (RIBEIRO, 2010RIBEIRO, Sabrina de Carvalho. A violência institucional nos julgamentos de segunda instância de crimes de estupro e atentado violento ao pudor no Distrito Federal. Monografia de Graduação em Ciências Sociais (Habilitação em Antropologia), Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2010. 72 p., p. 42-45, grifos da autora).

Os argumentos da sentença de primeiro grau se apropriam dos valores sociais tradicionais estereotipados referentes às representações dos comportamentos femininos e masculinos. Se o denunciado e a denunciante se encontram em situação de utilizar drogas, se os dois andam “àquela hora da noite”, é ela e não ele quem é criticada. A sexualidade masculina é referida como instintiva. Não caberia a ele negar a si o desejo de levar adiante seus instintos, mas sim à vítima “não ceder aos seus [dele] instintos”. Revela-se aqui, nitidamente, a ideia dominante de que a sexualidade masculina é impulsiva e agressiva, cabendo apenas ao feminino dizer não e resistir a qualquer custo.

A ameaça grave somente poderia ser reconhecida “se houvesse arma” e ele sequer “tinha um mísero canivete”. Ameaças “tão somente com palavras, com ‘promessas’ de morte” foram consideradas e declaradas como “incapazes de intimidar” mesmo uma garota de “pouca idade” (14 anos). A sexualidade por ela declarada já experimentada com o namorado aos 13 anos, a primeira experiência das drogas aos 11 anos e o fato de voltar à noite sozinha, bastaram para a atribuição do adjetivo de “destemida”. E o adjetivo destemida foi suficiente para fazer uma crítica moral à vítima e para descaracterizar que ela foi intimidada, que estava em pânico, e que, ao ver o suposto agressor cumprimentar o dono do quiosque, tenha duvidado que este último a ajudasse. Ou seja, as expectativas construídas sobre o comportamento de uma “garota, experimentada e destemida” (o oposto do esperado das mulheres honestas) tornavam inacreditável a versão da garota de ter ficado intimidada. Nada aparece como reflexão sobre o comportamento masculino. É a argumentação exclusiva sobre o comportamento feminino que leva à descaracterização do constrangimento e do estupro. Nada é dito sobre a caracterização do laudo médico que atestava a presença de lesões, ainda que fossem adjetivadas como leves.

Neste exemplo, ficam visíveis as significações dadas às representações de classe (status social), de gênero e de raça (em que a raça e o gênero fazem parte da hierarquização social hegemônica) e aos comportamentos e hábitos sociais da vítima, que a predispõe à condenação ou à absolvição; e as diferenças de tratamentos dados quanto à credibilidade e legitimidade dos depoimentos do agressor e da agredida. Reconhece-se que ele mentiu, mas nada se indaga acerca dos motivos pelos quais teria mentido. Quanto a ela, tudo que declarou e informou sobre o próprio comportamento anterior ao ato foi considerado como verdade e tudo o que ela revelou sobre o ato foi considerado inacreditável e utilizado contra ela.

Ribeiro (2010RIBEIRO, Sabrina de Carvalho. A violência institucional nos julgamentos de segunda instância de crimes de estupro e atentado violento ao pudor no Distrito Federal. Monografia de Graduação em Ciências Sociais (Habilitação em Antropologia), Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2010. 72 p., p. 46), ao analisar essa mesma sentença, afirma que “Tal discurso evidencia com clareza que os valores morais e sociais possuem o condão de interpenetrar-se em diversos espaços, inclusive as instâncias institucionais”.

O voto da Relatora marca a presença de todo um conjunto de valores no campo jurídico também advindo do amplo repertório simbólico social, no qual o desrespeito à liberdade sexual pela imposição de um ato sexual forçado é considerado estupro, assim anunciando a presença de uma cultura antiestupro no âmbito jurídico. Há evidente sustentação de que a versão da vítima sobre o ato deve ser considerada; de que as informações sobre sua vida pregressa foram dadas espontaneamente e de que, no seu entender, não deveriam ser utilizadas contra ela. Que sua vida pregressa ou o uso de drogas não a faz indigna do direito à liberdade sexual. Enfatiza que há provas da conjunção carnal e que as lesões superficiais são, sim, sinal de violência. Há ainda neste voto, o argumento expressamente favorável à afirmação de que ameaças verbais são também capazes de coagir e, portanto, há coação ilegal. Promessas verbais são, assim, capazes de intimidar e não devem ser consideradas impedidoras para a tipificação do crime de estupro.

No âmbito jurídico, podemos pensar na necessidade de uma reflexão crítica sobre os valores que sustentam a análise do ato de estupro em que houve três conjuntos de críticas aos pressupostos de longa duração do código relacional da honra dos tempos coloniais, que produziu e permitiu o que hoje se chama de cultura do estupro:

  1. Crítica ao pressuposto estereotipado de uma sexualidade masculina impulsiva, diante da qual o homem não poderia dizer não a si mesmo, mas dependeria sempre de uma mulher para dizer não. O desejo sexual, desejo de poder ou desejo de violência masculino sobre uma mulher ou sobre alguém, tal como qualquer pessoa, pode ser autonomamente controlado, autorrestrito, em nome do respeito à dignidade pessoal e à liberdade sexual do outro. O comportamento masculino deve ser investigado para saber os motivos que o levaram ao ato.

  2. Crítica aos pressupostos estereotipados de que cabe exclusivamente à mulher resistir, que cabe a ela provar a resistência com todas as forças até arriscando a sua própria vida; de que somente lesões visíveis e ameaças com arma intimidam; de que ameaças verbais não intimidam e não constrangem; de que o comportamento de uma mulher pode ser entendido como derivado de uma essência de ser destemida ou intimidável, honesta ou vadia, ingênua ou experimentada, como se ela não pudesse alternar medo e fortaleza, experiência e ingenuidade; e de que dela deve-se sempre desconfiar, pois pode ter denunciado por vingança ou por ter sido desprezada (quando se trata de estupros entre conhecidos).

  3. Crítica à inversão do ônus da prova e substituição pelo entendimento de que cabe ao suposto agressor provar que o consentimento da suposta vítima foi explícito, afirmativo, preferentemente verbal.

3 Os novos movimentos feministas e o estupro coletivo do Rio de Janeiro

O surgimento de novos movimentos feministas na arena social é um dos aspectos atuais mais significativos. Feministas jovens, pertencentes a diversos movimentos, reinventam perspectivas feministas e criam outras novas (REDFEM10 10 Feminismo radical. , LIBFEM11 11 Feminismo liberal. , feminismo anticapitalista, Marcha das Vadias, Chega de Fiu Fiu etc.). Impulsionada pelas redes sociais e pelas plataformas digitais, emerge uma quarta onda feminista.

São essas jovens feministas que agora tomam as ruas e as redes sociais para denunciar o assédio sexual, a violência doméstica, a criminalização do aborto e o estupro, exigindo respeito às mulheres. O tema central é o debate sobre o corpo feminino.

Foram elas que iniciaram as manifestações e os protestos de ruas quando uma jovem de 16 anos foi estuprada no Rio de Janeiro por mais de 30 jovens. O estupro foi gravado e as imagens divulgadas na internet. Empunhando cartazes contra a cultura do estupro, fizeram ressurgir o debate em torno do tema, exigindo providências das autoridades públicas.

É interessante notar que em 2012 houve um estupro coletivo no município Queimadas, PB – amplamente noticiado e investigado pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (BRASIL, 2013BRASIL. Relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a violência contra a mulher. Brasília: Senado Federal, 2013.) – sem que a repercussão fosse a mesma. O estupro coletivo de Queimadas envolveu a morte de duas jovens (de 27 e 29 anos) porque reconheceram um dos estupradores. Um rapaz queria realizar o desejo de aniversário do seu irmão de ser presenteado com mulheres. Para isso, os dois tramaram a simulação de um assalto durante a festa, o que justificaria o estupro coletivo. Para amarrar as mulheres e forçá-las a terem relações sexuais, um deles comprou cordas e lacres de plástico.12 12 Conferir: <http://www.compromissoeatitude.org.br/estupro-coletivo-e-assassinatos-em-queimadas/. Acesso em 23 jul. 2016. Durante a festa, a casa foi invadida por um grupo de dez homens mascarados e encapuzados, três deles menores de idade, que rendeu os convidados e estuprou cinco das sete mulheres presentes. O plano saiu errado porque duas vítimas reconheceram um dos rapazes e foram mortas.

Em 2013, a jornalista Nádia Lapa utilizou a expressão “cultura do estupro” para se referir ao comportamento do cineasta Gerald Thomas que tentou colocar as mãos por dentro do vestido de uma jornalista.13 13 Conferir: <http://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-cultura-do-estupro-gritando-e-ninguem-ouve. Acesso em 23 jul. 2016. O fato gerou alguns protestos, mas não tanta repercussão.

No entanto, foi o caso do estupro coletivo do Rio de Janeiro referido acima que ganhou repercussão nacional e internacional. Conforme foi amplamente noticiado,14 14 Ver mais em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/06/policia-conclui-inquerito-de-estupro-coletivo-no-rio-com-sete-indiciados.html > e também em: <http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/estupro-coletivo-vitima-foi-estuprada-por-grupo-de-traficantes-antes-de-gravacao-de-video-diz-policia-03062016. Acesso em: 12 out. 2016. no dia 20 de maio de 2016, uma jovem moradora da Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro, saiu de casa para ir a um baile funk no Morro da Barão. Dois dias depois, foi vítima de um estupro coletivo (por 30 jovens) no alto da comunidade. A violação do corpo da vítima foi registrada em vídeo e em fotos, e divulgada em redes sociais.

A reação foi tão expressiva que fez com que o governo estadual do Rio de Janeiro e o governo federal anunciassem providências imediatas para prevenir os estupros. Ademais, o governo estadual teve que explicar a atitude do delegado titular da Delegacia de Crimes Contra a Internet, que questionou o comportamento sexual da vítima e que (inexplicavelmente) estava à frente da condução do caso.15 15 É inexplicável que um crime de estupro contra uma jovem, sendo um crime hediondo, mesmo tendo as imagens publicizadas na internet tenha sido conduzido inicialmente pela Delegacia de Crimes contra a Internet. Por óbvio, soube-se do crime através da divulgação das imagens, mas não se tratava de um crime contra a internet, mas de um estupro contra uma jovem adolescente. A investigação deveria ter sido conduzida pela Delegacia da Mulher, já que o vazamento de imagens era secundário frente ao crime de estupro. Após questionamentos sobre a conduta da jovem, o delegado Alessandro Thiers foi afastado do caso e a investigação passou a ser conduzida pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM). Por sua vez, o governo federal anunciou a criação de um Núcleo de Proteção à Mulher, vinculado ao Ministério da Justiça.16 16 Consideramos tal proposta ineficaz porque a competência é dos governos estaduais e inadequada porque desconsidera toda a política federal anterior de enfrentamento à violência contra mulheres.

A reação do Congresso Nacional seguiu na mesma linha ao propor um projeto de lei para criar uma nova tipificação para o estupro coletivo e aumentar sua a pena.17 17 PLS n. 618/2015, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin. Este é um dos efeitos colaterais, ou contraditórios, dessa nova onda que faz ressurgir a cultura do estupro. Além disso, essa reação pode colaborar para reformas legislativas que pretendem diminuir a idade penal, já que alguns dos jovens eram adolescentes.

Considerações finais: repensando a cultura do estupro e antiestupro

O que se observa aqui é semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos, embora lá a expressão “cultura antiestupro” tenha sido mais utilizada para se referir aos estupros ocorridos em universidades. Algumas universidades estão formulando códigos de conduta para professores e alunos, realizando pesquisas e divulgando dados sobre estupro. Com isso, as estatísticas e as notificações de comportamentos considerados como quase estupro têm aumentado, indicando maior atenção dos jovens às aproximações sexuais forçadas e maior responsabilização das instituições e acolhimento das agredidas. Nesse sentido, seria uma forma também educativa (SANDAY, 1997SANDAY, Peggy Reeves. A woman scorned: acquaintance rape on trial. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press,1997. 338p.).

Mas há um outro efeito da visbilização das estatísticas: o levar parte da opinião pública a uma situação de pânico moral ou mesmo de epidemia. E neste último sentido, a cultura antiestupro tem sido vista negativamente (GRUBER, 2016GRUBER, Aya. Anti-rape culture. Kansas Law Review, v. 64, p. 101-126, 2016. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2764508. Acesso em: 24 set. 2016.
http://ssrn.com/abstract=2764508...
).

A ampliação do que pode ser considerado uma cultura do estupro, que pode incluir desde a violência sexual até uma piada de natureza sexual, tem levado a uma situação de pânico e juntado comportamentos bastante distintos. Uma piada não significa um ato de violência sexual, assim como comportamentos culturais que nós, mulheres, consideramos inadequados, como o “fiu fiu” etc., pois não necessariamente irão levar a um comportamento sexualmente abusivo, embora revelem um desrespeito ao feminino.

Então, o que cabe nessa expressão? Sem dúvida o ato sexual. Neste caso, a aproximação sexual não deve apresentar dúvidas para nenhum dos parceiros e o consentimento de cada um (uma) deveria ser afirmado explicitamente, de forma verbal preferentemente e sem coação.

E quanto ao abraço? E nossa mania de beijar no rosto quando nos encontramos? Juntar esses comportamentos e tratá-los desde uma perspectiva criminal da cultura do estupro é temerário, pois não deixa espaço para medidas de outra natureza, especialmente educativas.

Talvez seja mais positivo, e é este o argumento deste texto, afirmar uma cultura antiestupro na qual jovens, adolescentes e adultos conhecidos ou desconhecidos entre si, respeitassem não somente seu desejo sexual, mas o desejo sexual da(o) companheira(o), seu consentimento e sua autonomia sexual. Na qual mulheres não fossem o objeto sexual por excelência, pensados como à disposição masculina, mas jovens, adolescentes e adultos com direitos iguais a desejos sexuais e, cada um e cada qual responsável por sua autonomia e pela autonomia da(o) parceira(o). Assim, aproximações afetivas e sexuais, busca de encontros, deveriam ser feitos sempre baseados no princípio do respeito ao outro, à outra, baseadas na igualdade de gênero, no direito à dignidade pessoal e à liberdade sexual.

Este texto apresenta o argumento de que, ao mesmo tempo em que cresce a denúncia de uma “cultura do estupro”, estamos caminhando para uma cultura antiestupro. Buscamos evidenciar que o mesmo movimento social que utiliza a noção de cultura do estupro, que pode e tem efeitos correlatos negativos como o de atribuir a toda sexualidade masculina o exercício de atos de estupro, ou de incentivar posturas exclusivamente punitivistas, é um movimento que aponta para o exercício livre e digno de uma sexualidade tanto heterossexual quanto homossexual, que compreende toda a diversidade sexual, e que produz uma narrativa educativa para que as relações sexuais se exerçam sob o signo do consentimento e da liberdade, da autonomia e da dignidade de cada um(uma).

O estupro ou qualquer ato sexual violento é inaceitável porque revela um profundo desrespeito à autonomia feminina. O estupro é um ato violentíssimo, uma invasão ao corpo com efeitos em geral impensados e nem sempre reconhecidos: depressão, períodos longos de silêncio, descuido com o corpo, dificuldade e pânico diante de tentativas de estabelecer novas parcerias afetivas e sexuais, incompreensão e distanciamento de namorados, maridos, sentimentos de vergonha e uma sensação de medo, constante e paralisadora (MACHADO, 2000MACHADO, Lia Zanotta. Sexo, estupro e purificação. Série Antropologia, n. 286, p. 1-38, 2000. Disponível em: <http://dan.unb.br/images/doc/Serie286empdf.pdf. Acesso em: 10 out. 2017.
http://dan.unb.br/images/doc/Serie286emp...
).

É por isso que as políticas públicas privilegiam, além das políticas educacionais voltadas a combater a discriminação por sexo, gênero e raça, os serviços de acolhimento às mulheres sexualmente vitimadas, o não julgamento, incluindo o abortamento humanizado decorrente do estupro.

Por outro lado, no âmbito policial e jurídico, para onde são encaminhadas as acusações de estupro, como já apontamos, são inaceitáveis os questionamentos sobre a conduta da vítima, os lugares que frequenta etc., e inadmissível a inversão do ônus da prova.

Pensar a violência sexual prioritariamente ou exclusivamente como ocorre em determinados contextos, a partir da perspectiva criminal, exclui possibilidades mais positivas de tratarmos o problema.

A lógica do projeto de lei (PLS n. 618/2015) que tipifica o estupro coletivo aumentando penas é exclusivamente punitivista. Se nasceu do horror ao sofrimento e à violência do estupro coletivo ocorrido no Rio de Janeiro, sabemos que esse horror deriva igualmente da imagem social dos estupradores envolvidos: pessoas que vivem em favelas, usuários e traficantes de drogas e, provavelmente, não brancos. Não se trata aqui da imagem similar a jovens estupradores coletivos, tal como se deu no caso da St. Johns University, em Queens, Nova York, no ano de 1990, no qual universitários brancos de classe média de uma determinada fraternidade violentaram coletivamente uma estudante negra jamaicana (SANDAY, 1997SANDAY, Peggy Reeves. A woman scorned: acquaintance rape on trial. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press,1997. 338p.). Sabemos a quem pertencem esses corpos, a quem se destinam as prisões, lugares também de violência sexual. É incongruente rejeitar a violência sexual enviando os agressores para terem seus corpos sexualmente violentados. Por outro lado, é igualmente incongruente deixar as mulheres como vítimas da sua própria sorte.

Os agressores do caso do Rio de Janeiro foram presos independentemente do aumento de penas ou da tipificação do estupro coletivo (do PLS n. 618/2015). A criação de um tipo penal de estupro coletivo atende aos anseios de punição oriundos de setores da sociedade e de parlamentares que querem responder imediatamente à conduta, mas não consideram outras possibilidades de pensar a responsabilização desses agressores.

Nessa linha, deveríamos, inclusive, discutir a necessidade de os crimes sexuais serem objeto de análise da medicina legal (Institutos de Medicina Legal [IML] ou Departamentos de Medicina Legal [DML]), e dos quesitos previstos nos laudos periciais que pouco revelam sobre o estupro. Por que a violência sexual não pode ser atestada por um médico18 18 A Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) admite como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (art. 12, § 3º). quando houver lesões ou por uma psicóloga quando não há lesões físicas? As lesões psíquicas não seriam tão graves quanto as físicas? Como já apontamos, os elementos do tipo penal estupro são constrangimento, a violência ou a grave ameaça. Ressalta-se que nesse último caso pode não haver lesão física alguma. Por que a necessidade, nesse caso, de um laudo do IML/DML? Em geral, para atestar o a presença ou não dos espermatozoides, comprovando a conjunção carnal, mas que sozinha não tem sido considerada prova suficiente para a configuração do estupro.

Então, será que não devemos repensar toda a lógica penal e processual penal dos crimes de estupro? O feminismo discute essa possibilidade há bastante tempo, mas sem sucesso na sua efetivação.

Acreditamos que devamos pensar em reduzir ao máximo o atendimento e o procedimento da violência sexual pelo sistema de justiça criminal, e em deslocá-los para o âmbito da saúde (física e psíquica), ou, ainda, combinar o atendimento jurídico com atendimento educativo e de saúde. Com isso, talvez também possamos refletir sobre uma cultura antiestupro que viabilize formas mais humanizadas para o atendimento às mulheres e políticas mais educativas e sanções de outra natureza (não exclusivamente a prisão) para homens que cometeram estupro.

O que propomos é um convite a uma reflexão conjunta para humanização de nossas práticas, propostas e perspectivas de mundo.

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  • 1
  • 2
    “Novo rabino-chefe do exército israelense diz que soldados podem estuprar mulheres árabes para elevar a moral”: <https://livrepensamento.com/2016/07/19/novo-rabino-chefe-do-exercito-israelense-diz-que-soldados-podem-estuprar-mulheres-arabes-para-elevar-a-moral/. Acesso em: 24 jul. 2016.
  • 3
    De acordo com o artigo 178, §1°, do Código Civil (1916), capítulo de prazos e prescrições.
  • 4
    “Art. 214. Podem, entretanto, casar-se os referidos menores para evitar a imposição ou o cumprimento de pena criminal. Parágrafo único. Em tal caso o juiz poderá ordenar a separação de corpos, até que os cônjuges alcancem a idade legal” (BRASIL, 1984)BRASIL. Código Penal Brasileiro. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1984..
  • 5
    “Art. 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Pena: reclusão, de um a dois anos” (BRASIL, 1984)BRASIL. Código Penal Brasileiro. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1984..
  • 6
    Posse sexual mediante fraude: “Art. 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude. Pena: reclusão, de um a três anos” (BRASIL, 1984)BRASIL. Código Penal Brasileiro. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 1984..
  • 7
    Estupro: “Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena: reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos” (BRASIL, 2009)BRASIL. Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a Lei n. 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Lei – Planalto, Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em: 29 out. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
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  • 8
    “Art. 217-A – Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos ou com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Pena: reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos” (BRASIL, 2009)BRASIL. Lei n. 12.015, de 7 de agosto de 2009. Altera o Título VI da Parte Especial do Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e o art. 1º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal e revoga a Lei n. 2.252, de 1º de julho de 1954, que trata de corrupção de menores. Lei – Planalto, Brasília, DF, 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em: 29 out. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
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  • 9
    O exemplo foi coletado da monografia de graduação de Sabrina de Carvalho Ribeiro (2010)RIBEIRO, Sabrina de Carvalho. A violência institucional nos julgamentos de segunda instância de crimes de estupro e atentado violento ao pudor no Distrito Federal. Monografia de Graduação em Ciências Sociais (Habilitação em Antropologia), Universidade de Brasília, Departamento de Antropologia, 2010. 72 p..
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    Feminismo radical.
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    Feminismo liberal.
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    É inexplicável que um crime de estupro contra uma jovem, sendo um crime hediondo, mesmo tendo as imagens publicizadas na internet tenha sido conduzido inicialmente pela Delegacia de Crimes contra a Internet. Por óbvio, soube-se do crime através da divulgação das imagens, mas não se tratava de um crime contra a internet, mas de um estupro contra uma jovem adolescente. A investigação deveria ter sido conduzida pela Delegacia da Mulher, já que o vazamento de imagens era secundário frente ao crime de estupro. Após questionamentos sobre a conduta da jovem, o delegado Alessandro Thiers foi afastado do caso e a investigação passou a ser conduzida pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM).
  • 16
    Consideramos tal proposta ineficaz porque a competência é dos governos estaduais e inadequada porque desconsidera toda a política federal anterior de enfrentamento à violência contra mulheres.
  • 17
    PLS n. 618/2015, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin.
  • 18
    A Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) admite como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde (art. 12, § 3º).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2016
  • Aceito
    11 Out 2017
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