Acessibilidade / Reportar erro

A filosofia analítica do Direito é etnograficamente limitada?

Is Analytic Jurisprudence ethnographically limited?

Resumo

Este artigo pretende apresentar o potencial caráter WEIRD – Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic – das intuições usadas na filosofia analítica do Direito, fornecendo evidência à crítica feita pela Teoria Naturalizada do Direito de Brian Leiter sobre a limitação etnográfica do recurso às intuições dentro da teoria jurídica. Essas intuições sobre o Direito advêm de um estilo de raciocínio situado no extremo fim analítico da escala “analítico x holístico” que não corresponde ao padrão da humanidade, não produzindo inferências universalizáveis sobre o conceito de Direito.

Filosofia analítica do Direito; intuições; Leiter; limitação etnográfica; Teoria Naturalizada do Direito

Abstract

This article aims to present the WEIRD character – acronym to Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic – of the central intuitions used by Analytic Jurisprudence, providing evidence to the critique made by Leiter’s Naturalized Jurisprudence in relation to ethnographic constraints of the Jurisprudence. We conclude that the intuitions about Law used by the Analytic Jurisprudence match a style of thinking situated at the extreme analytic end of the “analytic x holistic” scale that doesn’t correspond to the pattern of all human populations, and do not allow universal inferences about the concept of Law.

Analytic Jurisprudence; intuitions; Leiter; ethnographic constraints; Naturalized Jurisprudence

Introdução

O objetivo do presente artigo é apresentar o caráter WEIRD – acrônimo para Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic (Ocidental, Educado, Industrializado, Rico e Democrático) – das intuições que são a base central para a análise conceitual realizada pela filosofia analítica do Direito.

Primeiro, explica-se o recurso às intuições empregado pela análise conceitual na filosofia analítica do Direito, conhecida por expoentes como Herbert Hart e Joseph Raz, e são abordadas as críticas feitas por John Finnis, no livro Lei natural e direitos naturais (2007), e Brian Leiter, no livro Naturalizing jurisprudence (2007), à arbitrariedade do ponto focal escolhido e das intuições selecionadas por esses teóricos. Aqui, o objetivo específico será contextualizar o problema discutido no presente artigo.

Em seguida, é exposto o argumento apresentado por Joseph Henrich, Steven Heine e Ara Norenzaryan no artigo “The weirdest people in the world?” (2010aHEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. Beyond WEIRD: Towards a broad-based behavioral science. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 111-122, 2010b.), segundo o qual pesquisas nas ciências comportamentais que são baseadas em amostras de populações WEIRD não permitem inferências universalizáveis acerca da psicologia humana padrão. Aqui, o objetivo específico será apresentar o problema da desviância comportamental e cognitiva de populações ocidentais.

Analisa-se, então, a diferença descrita por Clifford Geertz entre três sensibilidades jurídicas não ocidentais e a ocidental, no modo como raciocinam a relação entre fatos e leis. A hipótese é que essa diferença pode ser explicada pela variação no espectro de estilo de pensamento analítico x holístico entre diferentes populações humanas. Nesse ponto, o objetivo específico será argumentar que a combinação desses dois tipos de pesquisa – um de caráter qualitativo e um de caráter quantitativo – gera uma evidência prima facie de que a filosofia analítica do Direito nos moldes atualmente praticados recorre a intuições etnograficamente limitadas.

A partir dessa discussão, será possível questionar o papel que as intuições desempenham na filosofia analítica do Direito. O ponto é metodológico: essa metodologia de apelo às intuições pode garantir a universalidade para uma Teoria do Direito que se pretenda geral em escopo? É esta a pergunta que nos propomos a discutir neste artigo.

1 O recurso às intuições na filosofia analítica do Direito

A filosofia analítica do Direito, desde pelo menos a obra de Herbert L. A. Hart, tem recorrido aos métodos da análise conceitual e do recurso às intuições para elucidar a natureza do Direito como fenômeno geral. Mais especificamente, essa metodologia é a predominante na chamada general jurisprudence (Teoria Geral do Direito), que teoriza sobre o fenômeno jurídico tal como ele é, sem vinculação a uma cultura jurídica específica e, nesse sentido, pretendendo universalidade.

No prefácio de O conceito de direito, Hart (2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. IX) comenta que “o jurista verá o livro como um ensaio sobre a teoria analítica do direito, já que seu objetivo é elucidar a estrutura geral do pensamento jurídico” e que o leitor perceberia que “levantei, em muitos passos, indagações que dizem respeito ao significado das palavras”. Ele espera que, da análise dos conceitos, seja possível entender o fenômeno real por trás do conceito:

Apesar de sua preocupação com a análise, o livro pode também ser encarado como um ensaio de sociologia descritiva, pois a ideia de que a investigação sobre os significados das palavras lança luz apenas sobre estas é falsa. Muitas distinções importantes entre tipos de situações ou relações sociais, que não são óbvias à primeira vista, podem ser elucidadas mediante um exame dos usos convencionais das expressões conexas e da maneira como estas dependem de um contexto social, que permanece ele próprio frequentemente implícito. Neste campo de estudo, é especialmente verdadeira a afirmação de que podemos utilizar, como disse o prof. J. L. Austin, “uma consciência mais aguda das palavras para aguçar nossa percepção dos fenômenos” (HART, 2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. X).

Hart (2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 7-17) define três problemas que obstam uma conclusão definitiva à discussão sobre o conceito do Direito: (1) o fato de que “sua existência significa que certos tipos de comportamento humano já não são opcionais, mas, em certo sentido, obrigatórios”; (2) a relação próxima entre o Direito e a moral, pois “ambos compartilham um mesmo vocabulário” e todos os sistemas jurídicos “reproduzem a substância de certas exigências morais fundamentais”; (3) o fato de o Direito ser (ou não) composto de normas, no que consistem essas normas, e qual é a distinção entre um comportamento em conformidade com as normas e um comportamento habitual meramente convergente.

Essas questões parecem exigir uma definição do Direito que nos esclareça seu conceito e permita respondê-las. Nisso, busca-se uma fórmula que permita tanto traduzir a palavra em termos bem conhecidos, como indicar o tipo de coisa referenciada pela palavra (HART, 2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 18). A dívida com Austin é clara:

[...] não estamos olhando apenas para as palavras [...] mas também para as realidades a respeito das quais falamos utilizando palavras. Estamos usando uma consciência mais aguçada das palavras para apurar nossa percepção dos fenômenos (AUSTIN, 1956-1957, p. 8 apud HART, 2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 19).1 1 AUSTIN, J. L. A plea for excuses: the presidential address. Proceedings of the Aristotelian Society, v. 57, p. 1-30, 1956-1957.

Nota-se, portanto, que o método explorado por Hart para chegar a suas conclusões é a análise conceitual, feita a partir de um caso que todas as pessoas instruídas poderiam tomar como uma instância clara do conceito “Direito”, que seria o modern municipal legal system (ou seja, o sistema jurídico moderno específico de um país, que engloba tanto sistemas common law como civil law; cf. PERRY, 1998PERRY, Stephen. Hart’s methodological positivism. Legal Theory, v. 4, n. 4, p. 427-467, 1998., p. 433-434). A partir dessa análise, seria possível verificar se outros potenciais casos também seriam abrangidos pelo mesmo conceito e seus desdobramentos analíticos (PERRY, 1998PERRY, Stephen. Hart’s methodological positivism. Legal Theory, v. 4, n. 4, p. 427-467, 1998., p. 432).

Assim, apesar de Hart (2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 309) pretender que sua teoria jurídica seja geral, no sentido de não se vincular a nenhuma cultura jurídica específica, pode-se dizer que esse conceito geral tem uma gênese local: começa com o conhecimento comum a pessoas instruídas em sociedades modernas sobre uma instituição central nelas e atrelada a outra instituição específica de invenção histórica recente, que é o Estado (PERRY, 1998PERRY, Stephen. Hart’s methodological positivism. Legal Theory, v. 4, n. 4, p. 427-467, 1998., p. 432).

Alguém poderia pensar que Hart adota um método descritivo-explanatório (já que ele mesmo denomina seu livro de um ensaio de “sociologia descritiva” no prefácio [HART, 2009, p. X]) em vez da análise conceitual. Contudo, ele não sustenta suas reivindicações (como a de que todo sistema jurídico tem uma norma de reconhecimento) como previsões empíricas e não avalia a correção de sua teoria pelos critérios de avaliação teórica usados na ciência (PERRY, 1998PERRY, Stephen. Hart’s methodological positivism. Legal Theory, v. 4, n. 4, p. 427-467, 1998., p. 436-437).

A determinação da instância clara de um conceito repousa sobre aquilo que as pessoas já veem como sendo casos incontroversos da extensão do conceito. Assim, a análise conceitual está relacionada ao recurso das intuições que as pessoas, mais especificamente os filósofos profissionais, têm acesso quanto aos conceitos que pretendem investigar.

Uma importante qualificação desse ponto sobre a generalidade pretendida por Hart para sua análise do conceito de Direito deve ser feita aqui. Para entender a metodologia de Hart, a influência relevante é a filosofia da linguagem ordinária, com a centralidade que esta confere à análise linguística. Postema (2011POSTEMA, Gerald. Legal philosophy in Twentieth Century:the Common Law World. New York: Springer, 2011 (A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence, Volume 11)., p. 264) salienta que Hart endossou essa forma de fazer filosofia com base na obra de J. L. Austin (mas também indiretamente do segundo Wittgeinstein, por intermédio de seu contemporâneo Frederick Waissmann). Schauer (2006SCHAUER, Frederick. (Re)taking Hart. Harvard Law Review, v. 119, p. 852-883, 2006., p. 854-856) ressalta a amizade e intercâmbio filosófico entre Hart e Austin em Oxford, e como a filosofia da linguagem ordinária levou o primeiro a entender a tarefa da teoria jurídica em termos essencialmente filosóficos, em um estilo analítico e focado na linguagem.

A filosofia da linguagem ordinária pode ser definida como um movimento da filosofia linguística que prioriza o uso ordinário da linguagem no tratamento de problemas filosóficos. Enquanto costumeiramente a filosofia da linguagem ordinária seja chamada apenas de filosofia linguística, é possível considerar um sentido mais amplo desta que incorpora toda visão que foca sobre a linguagem como chave para o conteúdo (“problemas linguísticos”) e método (“análise linguística”) da disciplina da filosofia como um todo, na qual se incluiria tanto a filosofia da linguagem ordinária quanto o positivismo lógico (PARKER-RYAN, 2012PARKER-RYAN, Sally. Ordinary language philosophy. Internet Encyclopedia of Philosophy, 2012. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>. Acesso em: 4 jan. 2017.
http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>...
). Os principais pontos articulados pela filosofia da linguagem ordinária são que os problemas filosóficos surgem por intermédio de um uso não ordinário da linguagem (como na metafísica) e que é tarefa própria da filosofia examinar o uso ordinário, por meio da análise linguística, de modo a evitar e mesmo dissolver esses problemas, considerando-se que o significado linguístico reside em seu uso. Dessa concepção origina-se a vocação antimetafísica2 2 Para Parker-Ryan (2012), a filosofia da linguagem ordinária não rejeita a metafísica em si como sem significado (tal como o positivismo lógico o fazia), mas como um uso não ordinário da linguagem que gera disputas apenas linguísticas, não reais (no sentido de sobre fatos). dessa forma de fazer filosofia (PARKER-RYAN, 2012PARKER-RYAN, Sally. Ordinary language philosophy. Internet Encyclopedia of Philosophy, 2012. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>. Acesso em: 4 jan. 2017.
http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>...
).

Um conceito importante nessa seara é o de semelhança de família, introduzido pelo segundo Wittgeinstein, em que alguns conceitos e categorias não podem ser entendidos em termos de condições necessárias e suficientes, mas satisfazem uma variedade de critérios diferentes e sobrepostos (BIX, 2005BIX, Brian. Some reflections on methodology in jurisprudence. In: CÁCERES, Enrique; FLORES, Imer B.; SALDAÑQ, Javier; VILLANUEVA, Enrique (Eds.). Problemas contemporáneos de la filosofía del derecho. UNAM, 2005., p. 74). Ou seja, há conceitos para os quais não há algo em comum entre todas as suas instâncias. Bix (2005BIX, Brian. Some reflections on methodology in jurisprudence. In: CÁCERES, Enrique; FLORES, Imer B.; SALDAÑQ, Javier; VILLANUEVA, Enrique (Eds.). Problemas contemporáneos de la filosofía del derecho. UNAM, 2005., p. 74) aponta que Hart sugeriu em O conceito de direito (2009) que essa noção de semelhança de família seria relevante na compreensão de termos jurídicos e que o próprio conceito de Direito seria assim mais bem entendido, contudo, no mesmo livro, ele oferece o que parece ser um conjunto de condições necessárias e suficientes para o conceito.

Essa tensão é importante para o que aponto no presente artigo, porque poderíamos entender que, ao apelar para a noção de semelhança de família, Hart não pretendia o tipo de universalidade para sua análise que sugeri anteriormente. Contudo, como dito, existe uma tensão em que Hart também abre espaço à interpretação de que sua reivindicação era de universalidade em um sentido robusto.

Perry salienta o aspecto em que Hart abre espaço à interpretação de universalidade, enquanto outros teóricos, tais como Bix, tendem a uma interpretação mais em linha à de semelhança de família para a posição teórica hartiana. Então, meu uso da crítica feita por Perry pode ser entendido como controverso. Para dar um exemplo, talvez a tensão possa ser resolvida se entendermos que Hart, por focar sobre os sistemas jurídicos mais maduros ou sofisticados nos quais pelo menos alguns de seus membros os aceitam como oferecendo razões para ação que não sejam apenas a de evitar sanções (BIX, 2005, p. 83), não veria problemas na análise feita por ele ser restrita apenas ao “modern municipal legal system” ou o Direito estatal.

Penso que há algumas respostas possíveis para esse ponto.3 3 Neste ponto, agradeço ao primeiro parecerista pelas sugestões efetuadas e pelo apontamento sobre interpretações alternativas do propósito de Hart. A crítica que pretendo fazer aqui é voltada a esse tipo de interpretação de Hart, em termos de oferecer condições necessárias e suficientes para o conceito de Direito com base em intuições que envolvem um caso muito específico desse fenômeno. Isso é relevante, porque, enquanto Hart de fato manteve sua adesão à filosofia da linguagem ordinária, a filosofia analítica do Direito que o sucedeu já não mais se compromete com esse entendimento da empreitada filosófica. Assim, em termos contemporâneos, a parte em que Hart parece oferecer condições necessárias e suficientes exerce maior influência do que a parte mais relativa ao tratamento como semelhança de família. Mesmo se supuséssemos que Hart não teria problemas em aceitar que está fazendo uma teoria etnograficamente limitada do Direito, a filosofia analítica do Direito que o sucedeu e que ainda incorpora muitas de suas ideias encontra problema nisso.

A crítica de John Finnis incide em como essa instância clara, ou “caso central” como ele o denomina, é selecionada, criticando não apenas Hart, mas também teorias posteriores como a de Joseph Raz. Finnis (2007, p. 25-26) destaca que Hart dá prioridade explanatória às preocupações e avaliações, logo, à linguagem, das pessoas que têm um ponto de vista interno sobre o Direito, que usam as regras jurídicas como padrões para avaliação do comportamento próprio e alheio.

A caracterização do conceito de Direito para Hart seria dada por um sistema jurídico cujas regras secundárias emergem a fim de remediar os defeitos de um regime pré-jurídico composto apenas de regras primárias (FINNIS, 2007FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Unisinos: São Leopoldo, 2007., p. 20-21; cf. HART, 2009HART, Herbert L. A. O conceito de direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009., p. 118-138, 250-258). Disso fica claro que Hart tem em mente como caso central ou caso modelo aqueles ordenamentos jurídicos onde esteja bem delimitada a distinção entre: (1) regras secundárias e primárias; (2) o Direito e a moral (e, presumivelmente, a religião).

É preciso recordar que a distinção entre regras primárias e secundárias para Hart é crucial para sua caracterização do conceito de Direito: regras primárias são aquelas que regulam o comportamento, ao passo que regras secundárias dizem respeito às regras primárias, como suas condições de adjudicação, de validade e de modificação (HART, 2009, p. 105-106). A passagem de um sistema apenas de regras primárias para uma união entre normas primárias e secundárias perfaz a emergência do Direito. Desse modo, como falado anteriormente, Hart concentra-se em sistemas jurídicos maduros, nos quais certo nível de institucionalização e oficialização já foi alcançado.

Já em relação a Raz, Finnis (2007FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Unisinos: São Leopoldo, 2007., p. 26) comenta que há duas perspectivas selecionadas ao longo da obra daquele teórico, o “ponto de vista do homem comum” e “o ponto de vista jurídico”, sendo este último o das pessoas que acreditam na validade das normas e as seguem, especialmente do juiz como juiz.

Para Finnis, a caracterização do conceito feita por Raz é de um sistema de métodos para resolver disputas com autoridade, por meio de normas que fornecem tanto orientação obrigatória para instituições primárias que resolvem as disputas como orientam o comportamento individual avaliável por aquelas instituições. Isso significa que não há sistema jurídico sem a autoridade do Direito, que decide em caráter definitivo, pois é essa autoridade que pretende dar a estrutura geral para a condução de todos os aspectos da vida social (FINNIS, 2007, p. 21; cf. também RAZ, 1999RAZ, Joseph. Between authority and interpretation. New York: Oxford University Press, 1999., p. 136-139, 141, 154). Não será possível entrar em maiores detalhes aqui sobre a proposta de Raz, mas o ponto destacado por Finnis diz respeito ao papel central que Raz dá à noção de autoridade em sua análise sobre o Direito: a autoridade do Direito significa que este pretende oferecer razões para ação que excluam quaisquer outras razões, assim pretendendo ser a instância última sobre as questões práticas da vida social sujeitas à regulação jurídica (ver RAZ, 1999, p. 141-146).

Finnis prossegue considerando que Raz tem em mente como caso central ou caso modelo aqueles ordenamentos jurídicos nos quais não somente as regras secundárias e primárias e sua distinção sejam bem delimitadas, mas também as fronteiras entre o Direito e a moral (e, presumivelmente, a religião) estejam bem demarcadas. Sua postura vai além disso: o caso central é caracterizado por aquele no qual as normas jurídicas que comandam os cidadãos aplicam-se obrigatoriamente às instituições primárias que resolvem as disputas entre eles, portanto, um Estado de Direito.

Da comparação entre Hart e Raz, tal como exposta por Finnis, segue-se que o Estado de Direito, que é o caso central para Raz, seria um caso particular dos sistemas jurídicos maduros que são o caso central de Hart. Portanto, vê-se que dois dos maiores teóricos do Direito assumem diferentes casos centrais com base nos quais iniciar a análise conceitual, enquanto reste claro que em ambos há uma proeminência dada ao Direito estatal. Se essa seleção do caso central determina em grande medida as análises subsequentes, seria preciso perguntar pelo critério utilizado para selecioná-lo.

Finnis (2007FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Unisinos: São Leopoldo, 2007., p. 22-23) entende que essa seleção do caso central pela filosofia analítica do Direito é arbitrária, na medida em que essas diferenças de descrição do fenômeno jurídico correspondem a diferenças de opinião entre os teóricos descritivos a respeito do que é importante e significativo no campo dos dados e da experiência com a qual todos eles estão familiarizados. Ou seja, ao contrário da pretensa neutralidade da descrição assumida dentro de teorias que se pretendem puramente descritivas, encontramos uma dimensão avaliativa indispensável e inevitável, mas que não é abordada adequadamente.

Em seu entender, o critério de seleção do caso central e do significado focal pelo teórico descritivo precisa ser um ponto de vista prático, pelo qual se avalia a importância ou o alcance das semelhanças e diferenças no assunto, inquirindo o que seria considerado importante ou significativo nesse campo por aqueles cujas preocupações e atividades criam ou constituem o assunto (FINNIS, 2007FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Unisinos: São Leopoldo, 2007., p. 25). Assim, para Finnis, a dimensão avaliativa ganha em objetividade pela adoção da razoabilidade prática como norte.

Hart e Raz estariam cientes disso, mas teriam falhado em especificar o ponto de vista específico entre os vários possíveis dentro do ponto de vista “interno” (Hart) ou “jurídico” (Raz) mais geral que precisa ser assumido como caso central. O caso central que, para Finnis, precisa conter o tipo de consideração que faz constituir o Direito como um tipo significativamente diferenciado de ordem social. Nem todas as perspectivas mais específicas nesses pontos de vista mais gerais fazem isso, citando como exemplos o mero desejo de proceder como os outros ou o autointeresse no longo prazo (FINNIS, 2007, p. 26-27).

O problema que Finnis encontra nas visões de Hart e Raz, em suma, seria duplo: (1) a ausência de uma discussão explícita sobre o aspecto necessariamente avaliativo que existiria em selecionar um caso central para fins da análise conceitual pretendida por ambos, o que traria à tona um problema de arbitrariedade nessa seleção; (2) meramente priorizar o ponto de vista da pessoa que aceita o Direito como gerador de obrigações para si mesma, considerando a situação de sistemas jurídicos sofisticados e/ou do Estado de Direito, não é suficiente, porque essa aceitação pode vir de diversas motivações, e algumas destas não permitem diferenciar o Direito de outras formas de organizar a sociedade.

A solução encontrada por Finnis (2007FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais. Unisinos: São Leopoldo, 2007., p. 27) seria a de que o caso central deve ser o ponto de vista de um compromisso, como requisito de razoabilidade prática, com o estabelecimento e a manutenção de uma ordem jurídica que seja distinta de uma ordem discricionária ou estaticamente consuetudinária. Isso implica que, no caso central, as obrigações jurídicas podem ser tratadas como obrigações também morais. Em outras palavras, a busca pelo Direito justo seria o paradigma do Direito que pessoas em toda parte valorizam quando se comprometem com a manutenção da ordem jurídica. Portanto, para Finnis, a Teoria do Direito Natural seria a resposta, assumindo-se a impossibilidade de uma descrição moralmente neutra do fenômeno jurídico.

Outra crítica ao método empregado por Hart e Raz advém da própria Teoria Descritiva do Direito. Nesta, há uma distinção entre duas metodologias: (1) conceitual: se engaja na análise das intuições para descobrir as verdades (analíticas) sobre o Direito; e (2) empírica: se baseia em conhecimentos antropológicos e sociológicos para descobrir as verdades (sintéticas) sobre o Direito (TAMANAHA, 2011TAMANAHA, Brian. What is “general” jurisprudence? A critique of universalistic claims by philosophical concepts of law. Transnational Legal Theory, v. 2, n. 3, p. 287- 308, 2011.).

A Teoria Naturalizada do Direito (Naturalized Jurisprudence), de Brian Leiter (2007)LEITER, Brian. Naturalizing jurisprudence: essays on American legal realism and naturalism in legal philosophy. Oxford University Press: New York, 2007., é um exemplo de teoria jurídica descritiva de tipo empírico, em vez de conceitual, desenvolvendo o naturalismo metodológico para dentro da teoria jurídica. Leiter discute o argumento de Finnis e, embora concorde com o problema da arbitrariedade no recurso às intuições como empregado na teoria descritiva conceitual, considera que a solução para isso se encontra no uso de métodos empíricos. Vejamos mais detalhadamente como seu argumento é construído.

Leiter (2007LEITER, Brian. Naturalizing jurisprudence: essays on American legal realism and naturalism in legal philosophy. Oxford University Press: New York, 2007., p. 166-168) entende que Finnis coloca um desafio relevante ao positivismo jurídico analítico, mas que ele comete um non sequitur quando passa de uma “verdade trivial” – avaliações sobre o que é mais importante e central são indispensáveis ao teórico descritivo – para uma tese mais substantiva – a tese de que essa avaliação implica decidir quais são os verdadeiros requisitos da razoabilidade prática. A adesão a valores epistêmicos, que especificam os desiderata acerca da verdade almejados na construção e na seleção das teorias (adequação probatória, simplicidade, conservadorismo metodológico, consiliência etc.), serve à obtenção do conhecimento e é o único tipo de avaliação necessária para a teoria descritiva do Direito. Nesse sentido, entende que a teoria do Direito precisa ser descritiva, mas que as duas principais formas de argumentação usadas pela teoria descritiva – a análise dos conceitos e o apelo às intuições – são epistemologicamente falhas (LEITER, 2007LEITER, Brian. Naturalizing jurisprudence: essays on American legal realism and naturalism in legal philosophy. Oxford University Press: New York, 2007., p. 175).

Em relação às intuições, Leiter (2007LEITER, Brian. Naturalizing jurisprudence: essays on American legal realism and naturalism in legal philosophy. Oxford University Press: New York, 2007., p. 178) recorre ao estudo pioneiro em filosofia experimental de Jonathan Weinberg, Shaun Nichols e Stephen Stich, “Normativity and Epistemic Intuitions” (2001), no qual estes teriam apresentado que determinadas intuições filosóficas são relativas ao background cultural/étnico (como euro-americanos, americanos de origem oriental e indianos diferiam em relação a elas) e status socioeconômico (como pessoas de diferentes status socioeconômicos diferiam em relação a elas). Esse estudo em específico diz respeito às intuições sobre os contraexemplos de Gettier à análise do conhecimento como “crença verdadeira justificada”.4 4 A análise de Gettier (1963) consistiu da formulação de dois casos hipotéticos nos quais não estaríamos dispostos a atribuir conhecimento ao agente mesmo enquanto pudéssemos sustentar que ele tinha uma crença, que essa crença era verdadeira e que essa crença era justificada. Isso ocorre porque o agente “evitou ter uma crença falsa simplesmente por meio de uma espécie de ‘sorte’ que parece incompatível com a ideia de se possuir conhecimento” (FUMERTON, 2014, p. 47). Dessa forma, esses casos hipotéticos serviriam como contraexemplos a uma análise do conceito de “conhecimento” como “crença verdadeira justificada”. Leiter entende que esse estudo demonstrou que a análise conceitual feita por Gettier reflete apenas fatos meramente etnográficos sobre intuições epistêmicas de certos grupos socioeconômicos e em certas culturas (LEITER, 2007, p. 178). Etnia e status socioeconômico não são fatores relativos à verdade (truth-tracking factors) das proposições, e se intuições epistêmicas variam com esses fatores, então juízos sobre os casos de Gettier variariam com fatores que não são relativos à verdade das proposições.

Recentemente foi produzida evidência de que as intuições epistêmicas não variam entre culturas e grupos socioeconômicos (MACHERY et al., 2016MACHERY, Edouard et al. Gettier across cultures. Noûs, v. 50, n. 4, 2016.; SEYEDSAYAMDOST, 2015SEYEDSAYAMDOST, Hamid. On normativity and epistemic intuitions: failure of replication. Episteme, v. 12, n. 1, p. 95-116, 2015.; KIM; YUAN, 2015KIM, Minsun; YUAN, Yuan. No cross-cultural differences in the Gettier car case intuition: A replication study of Weinberg et al. Episteme, v. 12. n. 3, p. 355-361, 2015.; NAGEL; SAN JUAN; MAR, 2013NAGEL, Jennifer; SAN JUAN, Valerie; MAR, Raymond A. Lay denial of knowledge for justified true beliefs. Cognition, v. 129, p. 652-661, 2013.), o que contraria o estudo citado por Leiter. Isso significa que não podemos recorrer ao estudo original sobre intuições especificamente epistêmicas, para inferir que é provável que intuições jurídicas ou jusfilosóficas sejam relativas a fatores que não rastreiam a verdade. Entretanto, isso não enfraquece o ponto geral sobre a necessidade de verificar empiricamente se as intuições variam conforme fatores que não rastreiam a verdade, uma vez que é bem apoiado pela evidência que esses fatores influenciam pelo menos algumas intuições filosoficamente relevantes, enquanto permaneça obscura a extensão em que variáveis demográficas e maneiras de apresentação influenciam os juízos induzidos por experimentos de pensamento (MACHERY; O’NEILL, 2014MACHERY, Edouard; O’NEILL, Elizabeth. Introduction: experimental philosophy: what is it good for? In: HALES, S. D. (Ed.). Current controversies in experimental philosophy. New York: Routledge, 2014., p. XVII).

Em suma, temos que o argumento de Brian Leiter contra o recurso às intuições dentro da Teoria Descritiva do Direito é notadamente empírico: o uso de intuições etnograficamente limitadas dentro dos argumentos filosóficos significa que tais argumentos dependem de um fator não relativo à verdade para serem tidos como intuitivos. Esse fator não relativo à verdade é o pertencimento a certa população étnica/cultural, do qual depende a força intuitiva em que um argumento pode estar ancorado. Desse modo, tais argumentos não podem ser verdadeiros em razão de estarem apoiados nessas intuições. Perceba-se ainda que as conclusões baseadas nessas intuições podem ser verdadeiras, mas não em razão das intuições usadas, que são objeto da crítica feita por Leiter.

Dado o desafio fornecido por Leiter, é preciso que nos perguntemos se temos razões fortes o suficiente para considerar que a filosofia analítica do Direito utiliza intuições etnograficamente relativas, para além de simples indícios genéricos que sugerem isso.

2 Limites epistêmicos às inferências possíveis a partir de amostras compostas exclusivamente de populações WEIRD

Joseph Henrich, Steven Heine e Ara Norenzayan no artigo “The weirdest people in the world?” (2010aHEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. Beyond WEIRD: Towards a broad-based behavioral science. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 111-122, 2010b.) trouxeram uma importante contribuição para a discussão metodológica na pesquisa das ciências comportamentais. Ao artigo seguiram-se 28 comentários por vários pesquisadores. A resposta dos autores foi denominada “Beyond WEIRD: Towards a broad- based behavioral science” (2010bHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a.). No início do artigo, descrevem brevemente dois povos caçadores-coletores de Nova Guiné, os Etoro e os Kaluli; os primeiros fazem um ritual de passagem em que meninos jovens recebem sêmen de um homem mais velho na boca, ao passo que os segundos pensam que o correto é fazê-los receber o sêmen no ânus. São ritos de passagem de inseminação do juvenil (boy-inseminating practices) praticados em sociedades tradicionais da Melanésia e da Austrália aborígene, vistas muitas vezes como sociedades “exóticas”, contudo,

[…] this target article is not about these peoples. It is about a truly unusual group: people from Western, Educated, Industrialized, Rich, and Democratic (WEIRD) societies. In particular, it is about the Western, and more specifically American, undergraduates who form the bulk of the database in the experimental branches of psychology, cognitive science, and economics, as well as allied fields (hereafter collectively labeled the “behavioral sciences”). Given that scientific knowledge about human psychology is largely based on findings from this subpopulation, we ask just how representative are these typical subjects in light of the available comparative database. How justified are researchers in assuming a species-level generality for their findings? Here, we review the evidence regarding how WEIRD people compare with other populations (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 61).

Como se nota, o uso do acrônimo WEIRD é um trocadilho com o termo weird, que em inglês significa “esquisito” ou “estranho”. A população de países ocidentais, educados, industrializados, ricos e democráticos é mais outlier do que seus membros estão acostumados a pensar de si mesmos. Para os cientistas comportamentais, seria realmente mais justificável reivindicar generalidade – no âmbito da espécie humana – para resultados experimentais com amostras dessas populações do que fazê-lo com base em amostras de populações supostamente “exóticas” da Polinésia?

Ainda que sejam contrários ao interpretativismo e ao relativismo cultural, os autores questionam a capacidade atual de distinguir entre esses aspectos universais e aqueles que são mais contingentes (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 62-63), porque a maior parte da pesquisa é realizada com amostras muito limitadas:

A recent analysis of the top journals in six subdisciplines of psychology from 2003 to 2007 revealed that 68% of subjects came from the United States, and a full 96% of subjects were from Western industrialized countries, specifically those in North America and Europe, as well as Australia and Israel (Arnett 2008). […] In the Journal of Personality and Social Psychology, the premier journal in social psychology – the subdiscipline of psychology that should (arguably) be the most attentive to questions about the subjects’ backgrounds – 67% of the American samples (and 80% of the samples from other countries) were composed solely of undergraduates in psychology courses (Arnett 2008). In other words, a randomly selected American undergraduate is more than 4,000 times more likely to be a research participant than is a randomly selected person from outside of the West (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 63).

É válido generalizar a partir uma amostra limitada da humanidade para toda a espécie quando: (1) houver boas razões empíricas para acreditar que existe pouca variabilidade entre diversas populações em um domínio particular, de forma que a escolha da amostra utilizada seja indiferente; e (2) na presença de grande variabilidade, houver um argumento consistente de que aquela amostra encontra-se próxima do centro da distribuição humana para determinado traço, pois o padrão inferido a partir da amostra estaria ao menos na vizinhança da tendência central da espécie (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 64). Mas seria seguro fazê-lo com base em amostras WEIRD?

Os autores compilam as evidências empíricas organizadas segundo os seguintes contrastes: (1) entre sociedades industrializadas e sociedades de pequena escala (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 64-69); (2) entre sociedades ocidentais5 5 “Ocidental” se refere aos países do noroeste da Europa (Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, Holanda etc.) e aos de ascendência britânica, como os Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália (HENRICH; HEINE; NORENZARYAN, 2010a, p. 83, nota n. 7). e não ocidentais (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 69-74); (3) entre os americanos dos Estados Unidos contemporâneo e o resto do Ocidente (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., 74-76); (4) entre os sujeitos experimentais americanos típicos dos Estados Unidos contemporâneo, que são altamente escolarizados por serem universitários, e outros americanos (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 76-78).

Na seção que contrasta sociedades industrializadas e sociedades de pequena escala, eles revisam evidências para variações substantivas nas áreas de percepção visual, equidade e cooperação em tomada de decisão econômica, e raciocínio da psicologia do senso comum para categorizar seres vivos (folkbiological reasoning) e cognição espacial. Quanto às semelhanças, abordam evidências sobre universalidade de algumas ilusões perceptuais, percepção das cores, expressão emocional, desempenho na tarefa de falsa crença (false belief tasks), raciocínio numérico “análogo” (analog numeracy), relacionamentos sociais e essencialismo psicológico.

Na seção que contrasta sociedades ocidentais e não ocidentais, eles revisam evidências para variações substantivas nas áreas de “tomada de decisão social” (equidade, cooperação e punição), autoconceitos independentes versus interdependentes (e as motivações associadas), raciocínio analítico versus holístico, e raciocínio moral, sendo que falam brevemente da cognição espacial revisada na seção anterior. Quanto às semelhanças, abordam evidências sobre preferências em relação aos parceiros sexuais, estrutura da personalidade e punição dos “caronistas” (free-riders) na cooperação social.

Como esta seção é de especial importância para o argumento apresentado em relação à filosofia analítica do Direito, relativo ao caráter potencialmente WEIRD (portanto, etnograficamente limitado) das intuições empregadas nela, conforme será desenvolvido abaixo com mais detalhes, é válido destacar a consideração dos autores:

Although robust patterns have emerged among people from industrialized societies, Westerners emerge as unusual – frequent global outliers – on several key dimensions. The experiments reviewed are numerous, arise from different disciplines, use diverse methods, and are often part of systematically comparable data sets created by unified projects. Many of these differences are not merely differences in the magnitude of effects but often show qualitative differences, involving effect reversals or novel phenomena such as allocentric spatial reasoning and antisocial punishment (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 74).

Na seção que contrasta americanos e o resto do Ocidente, eles revisam evidências para variações relevantes nas áreas de individualismo psicológico e fenômenos psicológicos relacionados. Quanto às semelhanças, identificam a inexistência de qualquer programa de pesquisa (exceto pelas semelhanças já traçadas nos tópicos anteriores) que tenham buscado demonstrá-las de modo específico.

Na seção que contrasta sujeitos experimentais típicos (americanos altamente escolarizados contemporâneos) e outros americanos, eles revisam evidências para variações relevantes ao considerar os americanos altamente escolarizados comparados aos outros americanos, conforme achados de psicologia social e de economia comportamental, incluindo a comparação de diferentes subpopulações de crianças americanas e o contraste entre americanos contemporâneos e as prévias gerações de americanos. Quanto às semelhanças, tendo em vista a escassez de estudos mais diretos, abordam algumas meta-análises que indiretamente permitem abordar a questão, como a respeito da relação entre estilos de atribuição e depressão, e as relações entre intenções, atitudes e normas.

A ordem não é ocasional. (1) Pessoas em sociedades industrializadas e pessoas em sociedades de pequena escala guardam mais diferenças entre si do que (2) ocidentais e não ocidentais, que por sua vez são mais diferentes entre si do que (3) americanos e outros ocidentais, que por sua vez diferenciam-se mais entre si do que os (4) americanos altamente escolarizados (sujeitos experimentais típicos) e outros americanos.

Para a discussão acerca da filosofia analítica do Direito, percebe-se a princípio que os contrastes relevantes seriam o 1 e o 2. Contudo, as variações encontradas tendo em vista o fator “industrialização” são cognitivas ou perceptuais, não diretamente relacionadas com o raciocínio e/ou comportamento jurídico, com exceção da equidade e cooperação em tomada de decisão econômica, que é uma variável comportamental relevante. No entanto, as variações relativas ao fator “origem ocidental” são: (1) variações cognitivas que dizem respeito diretamente ao raciocínio jurídico, como autoconceitos independentes versus interdependentes (e seu aspecto motivacional) e o raciocínio analítico versus holístico; (2) variações comportamentais que dizem respeito diretamente ao comportamento jurídico, como a “tomada de decisão social” e o raciocínio moral. Portanto, é plausível pensar que este segundo contraste seja o mais esclarecedor para compreender o aspecto WEIRD da filosofia analítica do Direito.

Voltando ao artigo, estes achados são discutidos ao final (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 78-81), nos seguintes tópicos: (1) variação pronunciada de populações é lugar-comum nas ciências comportamentais; (2) sujeitos WEIRD frequentemente podem ser a pior população da qual fazer generalizações; (3) tópicos de pesquisa têm sido limitados por dependerem substancialmente de populações WEIRD; (4) estudar crianças e primatas é crucial, mas não uma substituição do trabalho comparativo; (5) entender a diversidade humana é crucial para construir teorias evolucionistas do comportamento humano; (6) uso exclusivo de amostras WEIRD é justificado quando buscando prova existencial, isto é, de que dado fenômeno existe.

Diante desse quadro, são feitas as recomendações pertinentes no sentido de maior trabalho comparativo, maior discussão sobre a possibilidade de inferência generalizável de um achado, ampliação de amostras pela cooperação entre diversos sujeitos institucionais (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 81-82).

Edouard Machery (2010)MACHERY, Edouard. Explaining why experimental behavior varies across cultures: A missing step in “The weirdest people in the world?” Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 101-102, 2010., em seu comentário ao artigo “The weirdest people in the world?”, defende que, para avaliação do significado dos achados interculturais do artigo comentado, é preciso um melhor entendimento das causas da variação em performance em testes experimentais entre culturas, pois de causas diferentes seguem diferentes conclusões:

  1. Se a causa for diferentes modos de conceitualizar a tarefa experimental, isso significa que, ao controlar por essa diferente conceitualização, o desempenho em diferentes populações desapareceria, porque não haveria reais diferenças psicológicas explicando esses resultados diferentes, mas apenas diferentes interpretações da tarefa.

  2. Se a causa for mecanismos evoluídos de domínio específico projetados para interagir com o ambiente ecológico, social e cultural e produzir fenótipos psicológicos localmente adaptativos, isso significa que a interação entre processos universais e ambientes locais gera variação psicológica genuína. Contudo, isso enfraquece a ideia de que a mente ocidental é peculiar, pois as diferenças psicológicas entre culturas surgiriam de uma mesma dotação psicológica.

  3. Se a causa for mecanismos de aprendizado geral, transmissão cultural, e assim por diante, isso significa que a variação não resulta meramente da interação entre uma dotação psicológica básica e os ambientes locais, de modo que estudar sujeitos experimentais americanos, por exemplo, não revelaria as propriedades universais da mente, mas apenas a psicologia dos americanos (MACHERY, 2010MACHERY, Edouard. Explaining why experimental behavior varies across cultures: A missing step in “The weirdest people in the world?” Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 101-102, 2010., p. 101-102).

Para exemplificar esse terceiro tipo de explicação, o autor utiliza o exemplo da variação intercultural em intuições semânticas (MACHERY, 2011MACHERY, Edouard. Variation in intuitions about reference and ontological disagreements. In: HALES, S. D. (Ed.). A companion to relativism. Oxford: Blackwell, 2011.). Os filósofos da linguagem ignoraram a possibilidade de que as intuições semânticas – sobre as quais as teorias da referência são baseadas – devam variar entre culturas. Enquanto americanos tendem a ver a referência dos nomes próprios como determinadas por conexões históricas e causais entre esses nomes e indivíduos particulares, chineses têm maior probabilidade de ver a referência como determinada pela informação que os interlocutores associam a esses nomes (DEUTSCH et al., 2010DEUTSCH, Max et al. Speaker’s reference and cross-cultural semantics. In: BIANCHI, Andrea (Ed.). On reference. Oxford: Oxford University Press, 2015.; MACHERY et al., 2004MACHERY, Edouard et al. Semantics, cross-cultural style. Cognition, v. 92, p. B1-12, 2004.). Estudos posteriores sugeriram que americanos são muito mais passíveis de realizar o primeiro tipo de intuição que outras populações ocidentais, como a de participantes franceses (MACHERY; STICH, 2012MACHERY, Edouard; STICH, Stephen P. The role of experiment. In: FARA, D. G.; RUSSELL, G. (Org.). The Routledge companion to philosophy of language. Routledge: New York, 2012.; MACHERY; OLIVOLA; DE BLANC, 2009MACHERY, Edouard; OLIVOLA, Cristopher Y.; DE BLANC, Molly. Linguistic and metalinguistic intuitions in the philosophy of language. Analysis, v. 69, p. 689-694, 2009.).

Stephen Stich (2010)STICH, Stephen. Philosophy and WEIRD intuition. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 110-111, 2010., em seu comentário intitulado “Philosophy and WEIRD intuition argumenta que, se a maioria dos filósofos hoje é composta de indivíduos WEIRD, altamente educados, do sexo masculino, e tem se baseado em julgamentos intuitivos como evidência a favor ou contra teorias filosóficas, é plausível sugerir que essas pessoas devam ter intuições que diferem das de outros grupos, o que pode ser testado empiricamente.

Stich (2010)STICH, Stephen. Philosophy and WEIRD intuition. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 110-111, 2010. apresenta evidências para três áreas da filosofia – epistemologia, ética e filosofia da linguagem – em que intuições dos filósofos divergem das de outras pessoas, ao longo da dimensão dessa diferença (seja o caráter WEIRD, o de ser altamente escolarizado, ou o de ser do sexo masculino).

As que mais teriam relação com a presente investigação dizem respeito às diferenças em experimentos de pensamento (os quais são comuns na filosofia analítica do Direito) entre ocidentais e não ocidentais.

Estudantes americanos de ascendência europeia e estudantes americanos de ascendência asiática do Extremo Oriente têm intuições epistêmicas diferentes sobre uma variedade de experimentos de pensamento que desempenham um papel central na filosofia contemporânea (WEINBERG; NICHOLS; STICH, 2001WEINBERG, Jonathan; NICHOLS, Shaun; STICH, Stephen. Normativity and epistemic intuitions. Philosophical Topics, v. 29, n. 1 & 2, p. 429-460, 2001.; NICHOLS; STICH; WEINBERG, 2003NICHOLS, Shaun; STICH, Stephen; WEINBERG, Jonathan. Meta-skepticism: meditations on ethno-epistemology. In: LUPER, S. (Org.). The skeptics. Aldershot: Ashgate, 2003. p. 227-247.).

Americanos de ascendência europeia e chineses de Hong Kong têm diferentes intuições sobre um experimento de pensamento central na teoria filosófica da referência (MACHERY et al., 2004MACHERY, Edouard et al. Semantics, cross-cultural style. Cognition, v. 92, p. B1-12, 2004.), achados estes que foram reforçados por Deutsch et al. (2010). Além disso, Machery, Olivola e De Blanc (2009)MACHERY, Edouard; OLIVOLA, Cristopher Y.; DE BLANC, Molly. Linguistic and metalinguistic intuitions in the philosophy of language. Analysis, v. 69, p. 689-694, 2009. incluem um informe preliminar de estudos adicionais na Mongólia, na Índia e na França.

Ao responder acerca desses comentários, na resposta intitulada “Beyond WEIRD: Towards a broad-based behavioral science”, Henrich, Heine e Norenzayan (2010b, p. 112) demonstram sua concordância. Eles salientam que esses achados, se corroborados ao longo do tempo, sugerem que importantes elementos da teorização filosófica e da análise conceitual são enraizados em intuições “de senso comum” de caráter local que não se estendem ao resto da humanidade.

3 O contraste entre três sensibilidades jurídicas não ocidentais e a ocidental como efeito da variação em estilo geral de pensamento entre essas populações

O antropólogo cultural Clifford Geertz (1997)GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., no ensaio “O saber local: fatos e leis em uma perspectiva comparativa”, descreve como três sensibilidades jurídicas não ocidentais diferem da ocidental no modo como raciocinam a relação entre fatos e leis.

Para Geertz (1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 249), o Direito e a etnografia são semelhantes por serem artesanatos locais que funcionam à luz do saber local, descobrindo princípios gerais em fatos paroquiais. O que os une seria a sensibilidade ao caso individual, singular. E uma das investigações mais importantes que existiriam na seara da antropologia legal é “o eterno debate sobre o conteúdo do direito” (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 250).

Mas Geertz (1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 251) critica a limitada inserção da sensibilidade jurídica na etnografia e da sensibilidade etnográfica no Direito, o que resulta em debates limitados. Para corrigir isso, defende um método que não seja uma mera tentativa de unir o estudo do Direito à Antropologia, mas que busque temas específicos de análise que estejam no caminho entre as duas disciplinas. Isso permitiria um ir e vir hermenêutico que não subordina nenhuma dessas disciplinas à outra, mas sim possibilita a interação entre elas na formulação das questões pertinentes a cada uma (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 253). Seguindo essa metodologia, o autor aborda o relacionamento entre fatos e leis.

A perspectiva ocidental baseada em uma separação entre determinadas regras que separam o certo do errado (fenômeno do julgamento) e métodos para diferenciar o real do irreal (fenômeno das provas) seria apenas uma entre as várias maneiras de executar a tarefa que cabe ao Direito (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 260-261).

A adjudicação é uma questão de representar situações concretas em uma linguagem de consequências específicas que é também uma linguagem de coerência geral: a defesa de um caso envolve não só organizar a evidência para provar um argumento, mas também a descrição de uma série de eventos e uma concepção geral do mundo que se apoiam mutuamente (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 261). Portanto, para Geertz (1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 261), o Direito precisa unir a estrutura “se-então” da existência com os eventos que compõem o “como-portanto” da experiência, ambos à luz do saber local. Trata-se de elucidar estruturas de significado mais gerais que moldam o pensar do significado da relação entre fatos e leis (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 272).

Geertz (1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 274) descreve três sensibilidades jurídicas bem distintas da ocidental – a islâmica, a índica e a do Direito costumeiro que existe na parte malaia da Malásia-Polinésia (civilizações de língua austronésia do Sudeste Asiático; GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 277) – em sua conexão com visões sobre o que é a realidade.

Para fazê-lo, três termos relativos à lei são analisados: haqq, que significa “verdade” e muitas outras coisas mais, para os islâmicos; dharma, que significa “dever” e muitas outras coisas mais, para os índicos; e adat, que significa “prática” e muitas outras coisas mais, para os malaios” (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 275). As conclusões que ele delineia sobre cada uma, em síntese, são que:

  1. O Direito islâmico, por meio do conceito de haqq, representa o correto e o real como um conjunto de imperativos a serem respondidos (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 281). Essa identidade do correto e do real permeia a sensibilidade jurídica islâmica concretamente nos processos de deliberação e nos procedimentos. Assim, a adjudicação pressuporá fatos normativos (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 284), pelos quais a própria lei acaba sendo tratada como um fato (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 298). Isso envolve uma prática testemunhal que se baseia no caráter (ou valor) atribuído de antemão à testemunha como confiável, sendo esse juízo de confiabilidade antecedente à questão da acurácia no relato dos acontecimentos relevantes à adjudicação (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 285-293).

  2. O Direito índico, por meio do conceito de dharma, entende o direito e a obrigação como relativos à posição na ordem social, e a posição na ordem social é definida transcendentalmente (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 297). Aqui o fato seria transformado em uma espécie de lei pela noção de que é o código que regulamenta a pessoa, que define o que essa pessoa é (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 298), e isso implica determinar a autenticidade de um fato mediante uma categorização do tipo moral (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 309).

  3. O Direito costumeiro malaio, por meio do conceito de adat, entende a adjudicação da justiça como harmonia espiritual, alcançada como em um procedimento consensual, expressão de um acordo social exibido publicamente, de tal sorte que o julgamento mais normaliza a conduta do que sistematiza direitos (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 317). Isso faz do processo público uma seara eminentemente discursiva com um exame detalhado de formas (semelhante ao da etiqueta no Ocidente), elaboradas para obter o consenso em uma comunidade (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 319). Aqui a busca da verdade torna-se uma tarefa retórica pautada na aproximação de pontos de vista pelo uso persuasivo de palavras sancionadas (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997., p. 321).

Essas três formas descritas de sensibilidade jurídica, enquanto divirjam em importantes aspectos, têm em comum o fato de não separar fatos e leis como a sensibilidade jurídica ocidental o faz. Em uma os fatos são normativos, em outra as leis são factuais, e, na última, fatos e leis são condicionados a um processo de normalização da conduta pelo consenso social.

Em seu livro A interpretação das culturas (2008), a visão metodológica de Geertz fica mais clara, e esta condiciona de maneiras importantes sua abordagem:

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado (GEERTZ, 2008GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008., p. 4).

Sua abordagem enfatiza mais a etnografia qualitativa do que a quantitativa ao tratar do estudo etnográfico como uma descrição densa de estruturas de significação (GEERTZ, 2008GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008., p. 7). Isso é distinto da ênfase de Henrich, Heine e Norenzayan (2010b, p. 114) em uma etnografia baseada em protocolos de pesquisa sistêmicos, quantitativos e replicáveis, que quantifiquem os aspectos teoricamente relevantes da vida, inclusive integrando técnicas experimentais, para além das entrevistas em profundidade e da observação dos participantes.

Aqui presumirei que o resultado das observações etnográficas feitas por Geertz esteja correto: essas três sensibilidades jurídicas não ocidentais distinguem-se da sensibilidade jurídica ocidental pela ausência de elaboração precisa da distinção entre fatos e leis. Contudo, endossando a posição de Henrich, Heine e Norenzayan quanto à natureza quantitativa da ciência comportamental, penso que a diferença descrita por Geertz é explicada não por estruturas de significado qualitativamente diferentes entre si, mas pela variação psicológica no estilo de raciocínio analítico versus holístico, conforme quantificável em uma escala contínua. Aqui isso é postulado como uma hipótese a respeito da variável subjacente à diferença analisada por Geertz.

Para entender melhor o que se pretende afirmar aqui, é preciso estabelecer de que modo a conexão proposta entre o estilo de raciocínio e a análise de Geertz pode ser traçada. Se essa variação entre as diferentes populações ocorrer na mesma direção de Geertz, isso corroboraria a observação feita por ele sobre as diferenças entre Ocidente e não Ocidente no raciocínio jurídico, enquanto inadequadamente tenha entendido que os símbolos manejados seriam causas, em vez de efeitos. O ponto é que um raciocínio analítico prediz uma categorização mais rígida entre conceitos, enquanto o holístico prediz o contrário, ao mesmo tempo que há correlação de ambos com diferentes orientações em relação à sociedade, conforme se verá melhor a seguir.

O pensamento holístico envolve uma orientação para o contexto ou campo como um todo, incluindo atenção aos relacionamentos entre um objeto focal e o campo, e uma preferência por explicar e predizer eventos com base nessas relações (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 72). Além disso, é relacionado com autoconceitos interdependentes, pelos quais as pessoas se concebem como seres interpessoais entrelaçados com outros em redes de caráter social, com obrigações baseadas em papéis em relação aos outros (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 70, 72).

O pensamento analítico envolve um distanciamento dos objetos em relação aos contextos, uma tendência a focar nos atributos dos objetos e uma preferência por usar regras categóricas para explicar e predizer o comportamento (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 72). Além disso, é relacionado com autoconceitos independentes, pelos quais as pessoas se concebem como indivíduos autônomos que consistem de partes componentes, como atitudes, traços de personalidade e habilidades (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 70, 72).

Essa distinção está relacionada à diferença entre dois sistemas de raciocínio na mente humana. Um deles é associativo, cujas computações refletem similaridade e contiguidade temporal (por exemplo, se dois estímulos compartilham semelhanças perceptuais e ocorrem ao mesmo tempo). O outro se baseia em sistemas representacionais simbólicos e abstratos, cujas computações refletem uma estrutura baseada em regra (NEISSER, 1963NEISSER, Ulric. The multiplicity of thought. British Journal of Psychology, v. 54, p. 1-14, 1963.; SLOMAN, 1996SLOMAN, Steven. The empirical case for two systems of reasoning. Psychological Bulletin, v. 119, p. 22-30, 1996.; HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 72). O Quadro 1 esclarece os detalhes dessa diferenciação.

Quadro 1
– Caracterização de duas formas de raciocínio

Enquanto ambos os sistemas cognitivos estejam disponíveis em todos os adultos mentalmente sadios, fatores como diferentes ambientes, experiências e rotinas culturais encorajam mais a utilização de um sistema em relação ao outro. Isso faz surgirem diferenças entre as populações no uso dessas diversas estratégias cognitivas para resolver problemas idênticos (HENRICH; HEINE; NORENZAYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 72).

Grande parte dos estudos contrasta populações ocidentais (americanos, canadenses, europeus da Europa Ocidental) e asiáticas do Extremo Oriente (chineses, japoneses, coreanos) quanto ao uso relativo de cada uma dessas formas de raciocínio (NISBETT, 2003NISBETT, Richard E. The geography of thought: how Asians and Westerners think differently... and why. Free Press: New York, 2003.; PENG; NISBETT, 1999PENG, Kaiping; NISBETT, Richard. E. Culture, dialectics, and reasoning about contradiction. American Psychologist, v. 54, n. 9, p. 741-754, 1999.). Contudo, também há evidência crescente sobre outras populações não ocidentais, como árabes, malaios e russos (NORENZAYAN; CHOI; PENG, 2007NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; PENG, Kaiping. Cognition and perception. In: COHEN, S. K. D. Handbook of cultural psychology. Guilford Press: New York, 2007. p. 569-594.), bem como fazendeiros de subsistência na África e na América do Sul e forrageadores sedentários (NORENZAYAN; CHOI; PENG, 2007NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; PENG, Kaiping. Cognition and perception. In: COHEN, S. K. D. Handbook of cultural psychology. Guilford Press: New York, 2007. p. 569-594.; WITKIN; BERRY, 1975WITKIN, Herman. A.; BERRY, John W. Psychological differentiation in cross-cultural perspective. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 6, n. 1, p. 5-78, 1975.). Em suma, as linhas de evidência apresentadas por Henrich, Heine e Norenzayan (2010a)HENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., além das já citadas, são cinco:

  1. Evidência derivada do Rod & Frame Test do Embedded Figures Test e do Framed Line Test – Em relação aos dois primeiros testes, Witkin e Berry (1975)WITKIN, Herman. A.; BERRY, John W. Psychological differentiation in cross-cultural perspective. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 6, n. 1, p. 5-78, 1975. compilaram os resultados do desempenho de populações forrageadoras migrantes e sedentárias (do Ártico, Austrália e África), de agricultores sedentários e de ocidentais industrializados. Apenas ocidentais e forrageadores migrantes consistentemente emergiram no final do espectro do “independente em relação ao campo” (analítico). O resultado de estudos usando os três testes (JI; NISBETT; ZHANG, 2004JI, Li Jun; NISBETT, Richard E.; ZHANG, Zhiyong. Is it culture or is it language? Examination of language effects in cross-cultural research on categorization. Journal of Personality and Social Psychology, v. 87, p. 57-65, 2004.; KUHNEN et al., 2001KUHNEN, Ulrich et al. Cross-cultural variations in identifying embedded figures – Comparisons from the United States, Germany, Russia, and Malaysia. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 32, n. 3, p. 365-371, 2001.; KITAYAMA; DUFFY; KAWAMURA, 2003KITAYAMA, Shinobu; DUFFY, Sean; KAWAMURA, Tadashi. Perceiving an object and its context in different cultures: A cultural look at new look. Psychological Science, v. 14, p. 201-206, 2003.) apresentou que ocidentais estão no extremo fim do espectro do “independente de campo”, comparado aos asiáticos do Extremo Oriente, malaios e russos “dependentes de campo”. Canadenses apresentam menos processamento dependente de campo que chineses, que foram menos dependentes de campo que árabes (NORENZAYAN; CHOI; PENG, 2007NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; PENG, Kaiping. Cognition and perception. In: COHEN, S. K. D. Handbook of cultural psychology. Guilford Press: New York, 2007. p. 569-594.; ZEBIAN; DENNY, 2001)ZEBIAN, Samar; DENNY, J. Peter. Integrative cognitive style in Middle Eastern and Western groups. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 32, p. 58-75, 2001..

  2. Diferenças em padrões de memória, atenção e ativação cerebral – A rememoração de asiáticos do Extremo Oriente para objetos é pior que a de americanos se o pano de fundo tiver sido mudado, indicando que eles estão prestando mais atenção para o campo (MASUDA; NISBETT, 2001MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard E. Attending holistically versus analytically: Comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, v. 81, p. 992-934, 2001.). Mensurada a atenção por movimentos do olho, americanos olham fixamente nos objetos focais mais tempo que os asiáticos do Extremo Oriente, enquanto estes olham fixamente para o pano de fundo mais que os americanos (CHUA; BOLAND; NISBETT, 2005CHUA, Hanna Faye; BOLAND, Julie E.; NISBETT, Richard. E. Cultural variation in eye movements during scene perception. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, n. 102, p. 12629-12633, 2005.). A ativação cerebral é diferente entre ocidentais e asiáticos do Extremo Oriente quando desempenhando tarefas cognitivas idênticas, na direção predita (GUTCHESS et al., 2006GUTCHESS, Angela. H. et al. Cultural differences in neural function associated with object processing. Cognitive, Affective and Behavioral Neuroscience, v. 6, p. 102-109, 2006.; HEDDEN et al., 2008HEDDEN, Trey et al. Cultural influences on neural substrates of attentional control. Psychological Science, v. 19, n. 1, p. 12-17, 2008.).

  3. A não universalidade do chamado “erro de atribuição fundamental” – A tendência de ignorar informação situacional em favor de informação disposicional, ao se fazerem fortes atribuições sobre a disposição de uma pessoa mesmo quando há limites situacionais demandantes, foi denominada de “erro de atribuição fundamental” (ROSS; AMABILE; STEINMETZ, 1977ROSS, Lee D.; AMABILE, Teresa M.; STEINMETZ, Janina L. Social roles, social control, and biases in social-perception processes. Journal of Personality and Social Psychology, v. 35, p. 485-494, 1977.), por sua observação frequente nos sujeitos dos estudos clássicos, que eram ocidentais (ROSS; AMABILE; STEINMETZ, 1977ROSS, Lee D.; AMABILE, Teresa M.; STEINMETZ, Janina L. Social roles, social control, and biases in social-perception processes. Journal of Personality and Social Psychology, v. 35, p. 485-494, 1977.; JONES; HARRIS, 1967JONES, Edward E.; HARRIS, Victor A. The attribution of attitudes. Journal of Experimental Social Psychology, v. 3, p. 1-24, 1967.). Mas trabalho experimental comparativo mostrou que asiáticos do Extremo Oriente são mais propensos que americanos a inferir que comportamentos são fortemente controlados pela situação (MIYAMOTO; KITAYAMA, 2002MIYAMOTO, Yuri; KITAYAMA, Shinobu. Cultural variation in correspondence bias: the critical role of attitude diagnosticity of socially constrained behavior. Journal of Personality and Social Psychology, v. 83, p. 1239-1248, 2002.; MORRIS; PENG, 1994MORRIS, Michael; PENG, Kaiping. Culture and cause: American and Chinese attributions for social and physical events. Journal of Personality and Social Psychology, v. 67, p. 949-971, 1994.; NORENZAYAN; CHOI; NISBETT, 2002NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; NISBETT, Richard E. Cultural similarities and differences in social inference: Evidence from behavioral predictions and lay theories of behavior. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 28, n. 1, p. 109-120, 2002.; VAN BOVEN; KAMADA; GILOVITCH, 1999VAN BOVEN, Leaf; KAMADA, Akiko; GILOVICH, Thomas. The perceiver as perceived: everyday intuitions about the correspondence bias. Journal of Personality and Social Psychology, v. 77, p. 1188-1199, 1999.), em especial quando a informação situacional é salientada (CHOI; NISBETT, 1998CHOI, Ichoi; NISBETT, Richard. E. Situational salience and cultural differences in correspondence bias and the actor-observer bias. Personality and Social Psychology Bulletin, n. 24, p. 949-960, 1998.). Há achados paralelos com russos (GROSSMAN; VARNUM, 2011). De fato, populações ocidentais (americanas e euro-australianas) endossam fortemente a noção de que traços de personalidade permanecem estáveis ao longo do tempo e prediz comportamento, enquanto populações não ocidentais (asiáticos australianos, chineses malásios, filipinos, japoneses, mexicanos e malaios) endossam mais fortemente crenças contextuais sobre a personalidade, como que traços não descrevem uma pessoa tão bem quanto seus papéis ou deveres (CHURCH et al., 2006CHURCH, A. Timothy et al. Implicit theories and self-perceptions of traitedness across cultures: Toward integration of cultural and trait psychology perspectives. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 37, n. 6, p. 694-716, 2006.). Portanto, o “erro de atribuição fundamental” não é universal.

  4. Resultados experimentais de uso de regras versus relações de similaridade para raciocínio e categorização – Sujeitos chineses são mais propensos a agrupar objetos que compartilham um relacionamento funcional (como lápis e notebook) ou contextual (como céu e luz solar), enquanto americanos são mais propensos a agrupar objetos se eles pertencem a uma categoria definida por uma regra simples (como notebook e revista; JI; NISBETT; ZHANG, 2004JI, Li Jun; NISBETT, Richard E.; ZHANG, Zhiyong. Is it culture or is it language? Examination of language effects in cross-cultural research on categorization. Journal of Personality and Social Psychology, v. 87, p. 57-65, 2004.). Estudantes (GROSSMANN, 2010GROSSMAN, Igor. Categorization differences between Americans and Russians. University of Michigan, 2010 (não publicado).) e fazendeiros de pequena escala (LURIA, 1976LURIA, Alexander Romanovich. Cognitive development: its cultural and social foundations. Cambridge: Harvard University Press, 1976.) russos tendem a agrupar objetos de acordo com suas funções práticas. Fazendeiros de subsistência Mapuche e Sangu, no Chile e na Tanzânia, respectivamente, seguem o padrão chinês, ainda que exagerado em direção ao raciocínio holístico (NORENZAYAN; HENRICH; MCELREATH, 2008NORENZAYAN, Ara; HENRICH, Joseph; MCELREATH, Richard. More Chinese than the Chinese. University of British Columbia, 2008 (não publicado).).

  5. Tendências de agrupamento de objetos conforme regras determinísticas versus semelhança: asiáticos do Extremo Oriente são mais propensos a agrupar objetos se eles compartilham uma forte semelhança de família, enquanto americanos são mais propensos a agrupá-los se puderem ser atribuídos a um grupo sob o fundamento de uma regra determinística (NORENZAYAN et al., 2002NORENZAYAN, Ara et al. Cultural preferences for formal versus intuitive reasoning. Cognitive Science, v. 26, n. 5, p. 653-684, 2002.). Quando comparados aos resultados (USKUL; KITAYAMA; NISBETT, 2008USKUL, Ayse K.; KITAYAMA, Shinobu; NISBETT, Richard. E. Ecocultural basis of cognition: Farmers and fishermen are more holistic than herders. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, v. 105, n. 25, p. 8552-8556, 2008.) sobre comunidades pescadoras, pastoras e de cultivo de chá na costa do Mar Negro, na Turquia, usados os mesmos estímulos, é evidente que euro-americanos estão de novo no extremo, conforme o Gráfico 1.

    Gráfico 1
    – Proporções de julgamentos holístico versus analítico6 6 O gráfico é uma adaptação de resultados encontrados em dois estudos – Norenzayan et al. (2002) e Uskul, Kitayama e Nisbett (2008) – feita por Henrich, Heine e Norenzayan (2010a). O primeiro estudo comparava amostras euro-americanas (EuroAm), americanos descendentes de asiáticos do leste asiático (Asian American), e asiáticos do leste asiático como tal (East Asian), enquanto o segundo estudo comparava comunidades pescadoras (Firshermen), pastoras (Herders) e de cultivo de chá (Farmers) na costa do Mar Negro, na Turquia. A comparação feita diz respeito à proporção de julgamentos analíticos versus holísticos (%Analytic-%Holistic Judgments) sob a tarefa cognitiva analisada nos estudos mencionados, sendo que os escores positivos indicam um viés relativo na direção de juízos baseados em regra (isto é, analíticos), enquanto os escores negativos indicam um viés relativo na direção de juízos baseados em semelhanças de família (isto é, holísticos).

As populações ocidentais estão no extremo fim do raciocínio analítico em relação às outras populações humanas, muitas das quais tendem ao raciocínio holístico. A separação da sensibilidade jurídica ocidental entre fatos e leis é expressão de um esforço de delimitação abstrata de dois conceitos tratados como separados, dentro de uma visão de mundo que enfatiza a autonomia dos sujeitos em relação ao contexto, enquanto as sensibilidades jurídicas não ocidentais descritas por Geertz não fazem essa separação, por tratarem fatos e leis como interdependentes, dentro de uma visão de mundo que enfatiza a inserção da pessoa em uma rede de papéis sociais que a constituem.

Portanto, é possível que a variação descrita por Geertz seja causada ou explicada por essa variação no raciocínio analítico versus holístico, que determina que diferentes populações ao redor do mundo tenham diferentes modos de entender intuitivamente os conceitos pertinentes ao seu sistema jurídico, como a relação entre fatos e leis.

Alguns esclarecimentos devem ser feitos em relação a esse ponto que conecta o trabalho de Geertz e a pesquisa sobre raciocínio analítico versus holístico com o argumento avançado em relação à filosofia analítica do Direito.

Em primeiro lugar, o objetivo de articular Geertz com a pesquisa mais recente está relacionado com o fato de que, enquanto o modo de pesquisa qualitativa de Geertz já implica a existência de intuições jurídicas entre diferentes populações humanas ao longo de uma contraposição entre ocidental e oriental, ainda não se encontra o mesmo dentro da pesquisa quantitativa como preconizada por Henrich, Heine e Norenzayan. Entretanto, os resultados mais gerais desse último tipo de pesquisa, como representados pela discussão sobre variância em raciocínio analítico versus holístico ao longo da mesma contraposição entre ocidental e oriental, vão na mesma direção que o trabalho de Geertz.

Em segundo lugar, é necessário qualificar em que sentido podemos dizer que a pesquisa sobre variância em raciocínio analítico versus holístico reforça as conclusões de Geertz. Não quero dizer com isso que está demonstrado que as observações de Geertz estão corretas ou que é essa variância que explica as observações feitas por Geertz. O ponto aqui é mais delicado: o que Geertz observou é aquilo que seria de esperar se houvesse a variância em raciocínio analítico versus holístico na direção encontrada. Nesse sentido, a variância é uma potencial explicação para a observação feita por Geertz. Isso pode ser estabelecido ao nível teórico em que estamos trabalhando no presente artigo, que não se dedica a introduzir nenhum novo achado empírico, mas apenas analisar a consistência teórica entre os achados discutidos aqui.

Em terceiro lugar, não se pretende afirmar que o questionamento a uma distinção rígida sobre fatos e leis não possa ser efetuado em populações ocidentais. Para mencionar um exemplo, é um ponto bem discutido na literatura jurídica se realmente pode ser feita uma distinção analítica entre questões de fato e questões de Direito, costumeiramente usadas em sistemas processuais.7 7 Para um exemplo desse tipo de literatura, videSmith (2009). Contudo, o objetivo aqui não é determinar com que frequência filósofos analíticos do Direito recorrem a uma distinção rígida entre fato e norma, mas sim que dentro dessa seara há uma diferenciação entre intuições jurídicas de diversas culturas. Talvez essas intuições não sejam as mais relevantes para o trabalho do filósofo analítico do Direito, o que é um ponto que pode ser concedido. Mas a evidência de que há variância nesse tipo de intuição jurídica (sobre a distinção entre fato e norma) é uma evidência para a possibilidade de que haja uma variância mais generalizada em termos de outras intuições jurídicas também, sugerindo, portanto, que o recurso às intuições jurídicas não pode supor a priori sua universalidade. Além disso, nosso ponto não é determinar quais dessas intuições seriam melhores ou resolver a questão substantiva sobre se há uma distinção rígida ou não entre fatos e normas no contexto jurídico. O ponto é metodológico, como se destacará adiante.

Em quarto lugar, a relação feita entre esse tipo de pesquisa empírica e o apontado em relação à filosofia analítica do Direito. Mesmo que o tipo de filosofia experimental robusta acerca das intuições jurídicas almejada por Leiter ainda não seja realizado e resultados mais conclusivos ainda não estejam disponíveis, já temos indícios de que a variância esperada por Leiter realmente existe,8 8 Note-se aqui que não é necessário que cheguemos a mostrar que filósofos do Direito nessas outras populações também produzem análises diferentes. A reivindicação dos filósofos analíticos do Direito é que eles estão atendendo às intuições do homem comum acerca do fenômeno jurídico. Se a discussão feita aqui estiver correta, temos razões para esperar que as intuições do homem comum divirjam entre diferentes culturas, o que já é suficiente para afastar que uma metodologia baseada em intuições de um contexto cultural bem específico tenha reivindicação adequada ou garantida à universalidade. quando são consideradas diferentes culturas (nesse caso, via uma contraposição entre populações ocidentais WEIRD e populações orientais). Isso significa que já há alguma evidência, melhor do que aquela mencionada por Leiter (que dizia respeito a pesquisas sobre intuições epistêmicas, em relação às quais pesquisas posteriores não replicaram os resultados), de que as intuições jurídicas utilizadas pelos filósofos analíticos do Direito são etnograficamente limitadas, pelo fato de a maioria delas advir de populações WEIRD. Essa evidência prima facie lança dúvidas sobre em que medida a filosofia analítica do Direito pode pretender universalidade em suas análises.

Em quinto lugar, o objetivo do argumento não é demonstrar que as análises efetuadas na filosofia analítica do Direito sejam incorretas. Talvez elas não o sejam; contudo, o apelo a intuições etnograficamente limitadas não pode ser a base para sua correção, mesmo se elas forem verdadeiras. Portanto, o ponto aqui pretende ser metodológico: a crítica feita é a de que o método utilizado, dada a evidência discutida, não garante a universalidade necessária9 9 Talvez alguns filósofos do Direito na linha analítica não tenham problemas com esse resultado, e poderiam estar contentes com uma teoria sobre o Direito que fosse WEIRD. Se algumas interpretações sobre Hart estiverem corretas, talvez fosse o caso do próprio Hart. Não entraremos nesse mérito aqui. Basta notar que isso seria um problema para uma grande parte dos filósofos analíticos do Direito contemporâneos e, sob bases independentes, pode ser considerado um problema para qualquer teoria sobre o Direito que pretenda elucidar sua natureza em todos os lugares e todos os tempos. -10 10 Outro ponto a ser destacado é que não se pretende alegar a impossibilidade de que os filósofos analíticos do Direito possam acomodar essas críticas. Mas para isso é necessário reconhecer os limites de uma metodologia baseada em intuições dada a evidência prima facie, mesmo que não conclusiva, de que esse método não garante universalidade das conclusões. para uma Teoria do Direito que se pretenda geral.

Conclusão

As evidências existentes para considerar as populações WEIRD desviantes em relação ao padrão da psicologia humana para vários aspectos mensuráveis da variação perceptual, cognitiva ou comportamental são significativas e conclusivas para que constatemos que não é possível, em geral, fazer inferências universalizáveis de estudos experimentais com amostras colhidas exclusivamente nessas populações.

O mesmo é verdadeiro em relação a uma variação cognitiva de particular importância para a compreensão do Direito, que é a variação em raciocínio analítico versus holístico, na qual a posição comparativa das populações WEIRD é a do extremo fim voltado para o analítico.

No caso aqui analisado, sugere-se que populações com raciocínio mais orientado ao analítico tendem a elaborar a relação entre fatos e leis de modo diferente que populações com raciocínio mais orientado ao holístico, na medida em que seus institutos jurídicos continuam acompanhando o tradicional maior uso do raciocínio holístico (o que pode ser reduzido, por exemplo, com a adoção de padrões jurídicos ocidentais). Nada obsta que outras intuições acerca do Direito sigam a mesma diferenciação.

Isso significa que não é possível fazer inferências universalizáveis sobre a realidade por trás do conceito do Direito com base em intuições sobre o fenômeno jurídico de filósofos WEIRD (em especial aquelas moldadas por seu maior uso do raciocínio analítico) para a humanidade como um todo, pois não há motivos para esperar que essas intuições correspondam às intuições-padrão ou intuições médias prevalentes entre as pessoas comuns da nossa espécie. Se a evidência apontada aqui for confirmada de maneira mais específica em relação às intuições jurídicas, será possível afirmar que a filosofia analítica do Direito é WEIRD.

Deve-se destacar também que esse argumento não depende de que os filósofos do Direito tenham de seguir as mesmas intuições prerreflexivas da pessoa comum dentro de populações WEIRD. Mesmo que as intuições dos filósofos do Direito sejam mais elaboradas que as da pessoa média de sua população, ainda são intuições trabalhadas com base no substrato psicológico prevalente nessa população. Acrescentar a desviância psicológica do teórico jurídico médio em relação ao padrão de sua população – que já é desviante em relação ao padrão da humanidade – apenas aprofunda o problema das intuições desviantes. Contudo, também é uma questão interessante para uma teoria que se baseia nas intuições das pessoas comuns saber o quanto ela de fato reflete ou não as intuições médias da própria população em que se fundamenta. Esse é um tema interessante para adicional investigação empírica.

Não obstante, uma possibilidade é que se possa argumentar em favor da correção das intuições trabalhadas a partir do substrato psicológico dessa população desviante, por exemplo, ao considerar que o raciocínio filosófico com base em um estilo de pensar analítico é epistemicamente mais confiável. O presente trabalho não entra no mérito da possibilidade de tal argumento, mas sugere que um argumento do tipo é necessário caso se pretenda justificar a universalidade das inferências feitas a partir de intuições etnograficamente limitadas que sejam moldadas por um maior raciocínio analítico.

Sem esse argumento, os filósofos analíticos, ao recorrer a esse tipo de intuições, ou restringem sua aplicabilidade ao Direito existente em populações WEIRD, ou precisam previamente realizar um levantamento etnográfico das intuições humanas sobre o Direito para descobrir qual é a real diversidade existente nelas e, assim, possam proceder a uma avaliação explícita dos méritos e deméritos delas.

Outra saída, no espírito da Teoria Descritiva do Direito de tipo empírico de modo geral e da Teoria Naturalizada do Direito em particular, seria que os filósofos analíticos do Direito retificassem seu método para fazer uma real “sociologia descritiva” (na expressão de Hart), que explique o fenômeno jurídico independentemente das intuições das diferentes populações. A partir de tal método, poderiam recorrer àqueles conceitos e atributos gerais sobre o Direito que apareçam não nas intuições de uma população específica, mas nas hipóteses científicas que melhor explicam o comportamento social humano de forma intercultural. É o caminho para uma teorização filosófica sobre o fenômeno jurídico que pretenda fazer inferências realmente universalizáveis acerca dos atributos gerais do fenômeno jurídico.

Referências

  • BIX, Brian. Some reflections on methodology in jurisprudence. In: CÁCERES, Enrique; FLORES, Imer B.; SALDAÑQ, Javier; VILLANUEVA, Enrique (Eds.). Problemas contemporáneos de la filosofía del derecho UNAM, 2005.
  • CHOI, Ichoi; NISBETT, Richard. E. Situational salience and cultural differences in correspondence bias and the actor-observer bias. Personality and Social Psychology Bulletin, n. 24, p. 949-960, 1998.
  • CHUA, Hanna Faye; BOLAND, Julie E.; NISBETT, Richard. E. Cultural variation in eye movements during scene perception. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, n. 102, p. 12629-12633, 2005.
  • CHURCH, A. Timothy et al. Implicit theories and self-perceptions of traitedness across cultures: Toward integration of cultural and trait psychology perspectives. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 37, n. 6, p. 694-716, 2006.
  • DEUTSCH, Max et al. Speaker’s reference and cross-cultural semantics. In: BIANCHI, Andrea (Ed.). On reference Oxford: Oxford University Press, 2015.
  • FARREL, Ian A. H.L.A. Hart and the methodology of jurisprudence. Texas Law Review, v. 84, n. 983, 2006.
  • FINNIS, John. Lei natural e direitos naturais Unisinos: São Leopoldo, 2007.
  • FUMERTON, Richard. Epistemologia Petrópolis: Vozes, 2014.
  • GEERTZ, Clifford. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes, 1997.
  • GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas Rio de Janeiro: LTC, 2008.
  • GETTIER, Edmund. Is justified true belief knowledge? Analysis, v. 23, p. 121-123,1963.
  • GROSSMAN, Igor. Categorization differences between Americans and Russians. University of Michigan, 2010 (não publicado).
  • GROSSMANN, Igor; VARNUM, Michael E. W. Social class, culture, and cognition. Social Psychological and Personality Science, v. 2, n. 1, p. 81-89, 2011.
  • GUTCHESS, Angela. H. et al. Cultural differences in neural function associated with object processing. Cognitive, Affective and Behavioral Neuroscience, v. 6, p. 102-109, 2006.
  • HART, Herbert L. A. O conceito de direito São Paulo: Martins Fontes, 2009.
  • HEDDEN, Trey et al. Cultural influences on neural substrates of attentional control. Psychological Science, v. 19, n. 1, p. 12-17, 2008.
  • HENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a.
  • HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. Beyond WEIRD: Towards a broad-based behavioral science. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 111-122, 2010b.
  • JI, Li Jun; NISBETT, Richard E.; ZHANG, Zhiyong. Is it culture or is it language? Examination of language effects in cross-cultural research on categorization. Journal of Personality and Social Psychology, v. 87, p. 57-65, 2004.
  • JONES, Edward E.; HARRIS, Victor A. The attribution of attitudes. Journal of Experimental Social Psychology, v. 3, p. 1-24, 1967.
  • KIM, Minsun; YUAN, Yuan. No cross-cultural differences in the Gettier car case intuition: A replication study of Weinberg et al. Episteme, v. 12. n. 3, p. 355-361, 2015.
  • KITAYAMA, Shinobu; DUFFY, Sean; KAWAMURA, Tadashi. Perceiving an object and its context in different cultures: A cultural look at new look. Psychological Science, v. 14, p. 201-206, 2003.
  • KUHNEN, Ulrich et al. Cross-cultural variations in identifying embedded figures – Comparisons from the United States, Germany, Russia, and Malaysia. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 32, n. 3, p. 365-371, 2001.
  • LEITER, Brian. Naturalizing jurisprudence: essays on American legal realism and naturalism in legal philosophy. Oxford University Press: New York, 2007.
  • LURIA, Alexander Romanovich. Cognitive development: its cultural and social foundations. Cambridge: Harvard University Press, 1976.
  • MACHERY, Edouard. Explaining why experimental behavior varies across cultures: A missing step in “The weirdest people in the world?” Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 101-102, 2010.
  • MACHERY, Edouard. Variation in intuitions about reference and ontological disagreements. In: HALES, S. D. (Ed.). A companion to relativism Oxford: Blackwell, 2011.
  • MACHERY, Edouard; O’NEILL, Elizabeth. Introduction: experimental philosophy: what is it good for? In: HALES, S. D. (Ed.). Current controversies in experimental philosophy New York: Routledge, 2014.
  • MACHERY, Edouard; OLIVOLA, Cristopher Y.; DE BLANC, Molly. Linguistic and metalinguistic intuitions in the philosophy of language. Analysis, v. 69, p. 689-694, 2009.
  • MACHERY, Edouard; STICH, Stephen P. The role of experiment. In: FARA, D. G.; RUSSELL, G. (Org.). The Routledge companion to philosophy of language Routledge: New York, 2012.
  • MACHERY, Edouard et al. Semantics, cross-cultural style. Cognition, v. 92, p. B1-12, 2004.
  • MACHERY, Edouard et al. Gettier across cultures. Noûs, v. 50, n. 4, 2016.
  • MASUDA, Takahiko; NISBETT, Richard E. Attending holistically versus analytically: Comparing the context sensitivity of Japanese and Americans. Journal of Personality and Social Psychology, v. 81, p. 992-934, 2001.
  • MIYAMOTO, Yuri; KITAYAMA, Shinobu. Cultural variation in correspondence bias: the critical role of attitude diagnosticity of socially constrained behavior. Journal of Personality and Social Psychology, v. 83, p. 1239-1248, 2002.
  • MORRIS, Michael; PENG, Kaiping. Culture and cause: American and Chinese attributions for social and physical events. Journal of Personality and Social Psychology, v. 67, p. 949-971, 1994.
  • NAGEL, Jennifer; SAN JUAN, Valerie; MAR, Raymond A. Lay denial of knowledge for justified true beliefs. Cognition, v. 129, p. 652-661, 2013.
  • NEISSER, Ulric. The multiplicity of thought. British Journal of Psychology, v. 54, p. 1-14, 1963.
  • NICHOLS, Shaun; STICH, Stephen; WEINBERG, Jonathan. Meta-skepticism: meditations on ethno-epistemology. In: LUPER, S. (Org.). The skeptics Aldershot: Ashgate, 2003. p. 227-247.
  • NISBETT, Richard E. The geography of thought: how Asians and Westerners think differently... and why. Free Press: New York, 2003.
  • NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; PENG, Kaiping. Cognition and perception. In: COHEN, S. K. D. Handbook of cultural psychology Guilford Press: New York, 2007. p. 569-594.
  • NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; NISBETT, Richard E. Cultural similarities and differences in social inference: Evidence from behavioral predictions and lay theories of behavior. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 28, n. 1, p. 109-120, 2002.
  • NORENZAYAN, Ara; HENRICH, Joseph; MCELREATH, Richard. More Chinese than the Chinese. University of British Columbia, 2008 (não publicado).
  • NORENZAYAN, Ara et al. Cultural preferences for formal versus intuitive reasoning. Cognitive Science, v. 26, n. 5, p. 653-684, 2002.
  • PARKER-RYAN, Sally. Ordinary language philosophy. Internet Encyclopedia of Philosophy, 2012. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/ord-lang/> Acesso em: 4 jan. 2017.
    » http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>
  • PENG, Kaiping; NISBETT, Richard. E. Culture, dialectics, and reasoning about contradiction. American Psychologist, v. 54, n. 9, p. 741-754, 1999.
  • PERRY, Stephen. Hart’s methodological positivism. Legal Theory, v. 4, n. 4, p. 427-467, 1998.
  • POSTEMA, Gerald. Legal philosophy in Twentieth Century:the Common Law World. New York: Springer, 2011 (A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence, Volume 11).
  • RAZ, Joseph. Between authority and interpretation. New York: Oxford University Press, 1999.
  • ROSS, Lee D.; AMABILE, Teresa M.; STEINMETZ, Janina L. Social roles, social control, and biases in social-perception processes. Journal of Personality and Social Psychology, v. 35, p. 485-494, 1977.
  • SCHAUER, Frederick. (Re)taking Hart. Harvard Law Review, v. 119, p. 852-883, 2006.
  • SEYEDSAYAMDOST, Hamid. On normativity and epistemic intuitions: failure of replication. Episteme, v. 12, n. 1, p. 95-116, 2015.
  • SLOMAN, Steven. The empirical case for two systems of reasoning. Psychological Bulletin, v. 119, p. 22-30, 1996.
  • SMITH, Joseph Wayne. The analytic distinction between questions of law and questions of fact. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 34, p. 69-102, 2009.
  • STICH, Stephen. Philosophy and WEIRD intuition. Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 110-111, 2010.
  • TAMANAHA, Brian. What is “general” jurisprudence? A critique of universalistic claims by philosophical concepts of law. Transnational Legal Theory, v. 2, n. 3, p. 287- 308, 2011.
  • USKUL, Ayse K.; KITAYAMA, Shinobu; NISBETT, Richard. E. Ecocultural basis of cognition: Farmers and fishermen are more holistic than herders. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, v. 105, n. 25, p. 8552-8556, 2008.
  • VAN BOVEN, Leaf; KAMADA, Akiko; GILOVICH, Thomas. The perceiver as perceived: everyday intuitions about the correspondence bias. Journal of Personality and Social Psychology, v. 77, p. 1188-1199, 1999.
  • WEINBERG, Jonathan; NICHOLS, Shaun; STICH, Stephen. Normativity and epistemic intuitions. Philosophical Topics, v. 29, n. 1 & 2, p. 429-460, 2001.
  • WITKIN, Herman. A.; BERRY, John W. Psychological differentiation in cross-cultural perspective. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 6, n. 1, p. 5-78, 1975.
  • ZEBIAN, Samar; DENNY, J. Peter. Integrative cognitive style in Middle Eastern and Western groups. Journal of Cross-Cultural Psychology, v. 32, p. 58-75, 2001.
  • 1
    AUSTIN, J. L. A plea for excuses: the presidential address. Proceedings of the Aristotelian Society, v. 57, p. 1-30, 1956-1957.
  • 2
    Para Parker-Ryan (2012)PARKER-RYAN, Sally. Ordinary language philosophy. Internet Encyclopedia of Philosophy, 2012. Disponível em: <http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>. Acesso em: 4 jan. 2017.
    http://www.iep.utm.edu/ord-lang/>...
    , a filosofia da linguagem ordinária não rejeita a metafísica em si como sem significado (tal como o positivismo lógico o fazia), mas como um uso não ordinário da linguagem que gera disputas apenas linguísticas, não reais (no sentido de sobre fatos).
  • 3
    Neste ponto, agradeço ao primeiro parecerista pelas sugestões efetuadas e pelo apontamento sobre interpretações alternativas do propósito de Hart.
  • 4
    A análise de Gettier (1963)GETTIER, Edmund. Is justified true belief knowledge? Analysis, v. 23, p. 121-123,1963. consistiu da formulação de dois casos hipotéticos nos quais não estaríamos dispostos a atribuir conhecimento ao agente mesmo enquanto pudéssemos sustentar que ele tinha uma crença, que essa crença era verdadeira e que essa crença era justificada. Isso ocorre porque o agente “evitou ter uma crença falsa simplesmente por meio de uma espécie de ‘sorte’ que parece incompatível com a ideia de se possuir conhecimento” (FUMERTON, 2014FUMERTON, Richard. Epistemologia. Petrópolis: Vozes, 2014., p. 47). Dessa forma, esses casos hipotéticos serviriam como contraexemplos a uma análise do conceito de “conhecimento” como “crença verdadeira justificada”.
  • 5
    “Ocidental” se refere aos países do noroeste da Europa (Reino Unido, França, Alemanha, Suíça, Holanda etc.) e aos de ascendência britânica, como os Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Austrália (HENRICH; HEINE; NORENZARYAN, 2010aHENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a., p. 83, nota n. 7).
  • 6
    O gráfico é uma adaptação de resultados encontrados em dois estudos – Norenzayan et al. (2002)NORENZAYAN, Ara; CHOI, Incheol; NISBETT, Richard E. Cultural similarities and differences in social inference: Evidence from behavioral predictions and lay theories of behavior. Personality and Social Psychology Bulletin, v. 28, n. 1, p. 109-120, 2002. e Uskul, Kitayama e Nisbett (2008)USKUL, Ayse K.; KITAYAMA, Shinobu; NISBETT, Richard. E. Ecocultural basis of cognition: Farmers and fishermen are more holistic than herders. Proceedings of the National Academy of Sciences USA, v. 105, n. 25, p. 8552-8556, 2008. – feita por Henrich, Heine e Norenzayan (2010a)HENRICH, Joseph; HEINE, Steven J.; NORENZAYAN, Ara. The weirdest people in the world? Behavioral and Brain Sciences, v. 33, p. 61-83, 2010a.. O primeiro estudo comparava amostras euro-americanas (EuroAm), americanos descendentes de asiáticos do leste asiático (Asian American), e asiáticos do leste asiático como tal (East Asian), enquanto o segundo estudo comparava comunidades pescadoras (Firshermen), pastoras (Herders) e de cultivo de chá (Farmers) na costa do Mar Negro, na Turquia. A comparação feita diz respeito à proporção de julgamentos analíticos versus holísticos (%Analytic-%Holistic Judgments) sob a tarefa cognitiva analisada nos estudos mencionados, sendo que os escores positivos indicam um viés relativo na direção de juízos baseados em regra (isto é, analíticos), enquanto os escores negativos indicam um viés relativo na direção de juízos baseados em semelhanças de família (isto é, holísticos).
  • 7
    Para um exemplo desse tipo de literatura, videSmith (2009)SMITH, Joseph Wayne. The analytic distinction between questions of law and questions of fact. Australian Journal of Legal Philosophy, v. 34, p. 69-102, 2009..
  • 8
    Note-se aqui que não é necessário que cheguemos a mostrar que filósofos do Direito nessas outras populações também produzem análises diferentes. A reivindicação dos filósofos analíticos do Direito é que eles estão atendendo às intuições do homem comum acerca do fenômeno jurídico. Se a discussão feita aqui estiver correta, temos razões para esperar que as intuições do homem comum divirjam entre diferentes culturas, o que já é suficiente para afastar que uma metodologia baseada em intuições de um contexto cultural bem específico tenha reivindicação adequada ou garantida à universalidade.
  • 9
    Talvez alguns filósofos do Direito na linha analítica não tenham problemas com esse resultado, e poderiam estar contentes com uma teoria sobre o Direito que fosse WEIRD. Se algumas interpretações sobre Hart estiverem corretas, talvez fosse o caso do próprio Hart. Não entraremos nesse mérito aqui. Basta notar que isso seria um problema para uma grande parte dos filósofos analíticos do Direito contemporâneos e, sob bases independentes, pode ser considerado um problema para qualquer teoria sobre o Direito que pretenda elucidar sua natureza em todos os lugares e todos os tempos.
  • 10
    Outro ponto a ser destacado é que não se pretende alegar a impossibilidade de que os filósofos analíticos do Direito possam acomodar essas críticas. Mas para isso é necessário reconhecer os limites de uma metodologia baseada em intuições dada a evidência prima facie, mesmo que não conclusiva, de que esse método não garante universalidade das conclusões.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2016
  • Aceito
    28 Nov 2017
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br