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Ação coletiva como meio de molecularização de demandas repetitivas: o Projeto Caderneta de Poupança

The class action as a way of assembling “Incidents of Repetitive Demands”: the Savings Account Project

Resumo

Os processos coletivos devem servir como meio de molecularização de demandas de massa, isto é, para tratar em um único processo litígios que seriam veiculadas mediante ações individuais. Nosso sistema não prevê a suspensividade ou a prejudicialidade da ação coletiva em relação às demandas, reduzindo o efeito benéfico que as ações coletivas poderiam ter para a sobrecarga do Judiciário. Não obstante a presente lacuna legislativa, o STJ, em caso recente, confirmou a suspensão dos processos individuais até o julgamento da demanda coletiva. A decisão do sobrestamento dos processos individuais configura método para o gerenciamento de processos repetitivos, que vai ao encontro ao Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, previsto no novo Código de Processo Civil.

Ações coletivas; direitos individuais homogêneos; gerenciamento; demanda repetitiva; prejudicialidade

Abstract

The present study aims to demonstrate that the class action should be used as a tool to gather a great amount of individual suits. The problem is that Brazilian legal system does not provide judicial measure to dismiss or stay individual suits when a class action is certified, reducing the positive outcomes of class actions for the overloaded Judiciary. Despite the clear legislative gap, the Superior Court of Justice (STJ), in a recent case, has confirmed the suspension of individual cases until the class action final decision arouse, before responding to the problems exposed. From this paper point of view, the decision of staying the individual actions set a method of case management in a repetitive suits perspective. This method is based on the recognition of the absence of the class action as a threshold requirement for individual action addressing the same subject. This is an innovative approach aiming to streamline the court answer for the problem of repetitive suits.

Class actions; individual homogeneous rights; management; demand repetitive; prejudiciality

Introdução

O tratamento judicial que tradicionalmente se encontra no Brasil acontece via conflitos individuais, como “demanda-átomo” (WATANABE, 2017WATANABE, Kazuo. II – Do processo individual de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017., p. 810).No entanto, sobretudo nos últimos 30 anos, ganha destaque a resolução dos conflitos na dimensão “molecular” (WATANABE, 2017WATANABE, Kazuo. II – Do processo individual de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017., p. 810), ou seja, por meio de demandas coletivas que, além de permitirem o acesso mais rápido e barato aos mecanismos judiciais, trazem a possibilidade de atribuição de adequado peso político, diferentemente do que ocorre na fragmentação dos pedidos (WATANABE, 2017WATANABE, Kazuo. II – Do processo individual de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017., p. 810).

Esse tipo de demanda conquista, desde a década de 1980, com a Lei de Ação Civil Pública, relevância cada vez maior no cenário jurídico brasileiro. As ações coletivas, na medida em que possibilitam “molecularizar” a demanda, têm potencial para contribuir para a celeridade processual, ao se proferir única decisão para milhares de casos que seriam veiculados separadamente.

A falta de parâmetro legal de suspensividade ou de prejudicialidade no que tange às demandas individuais que se repetem diminui o resultado positivo que as ações coletivas poderiam gerar para a tão conhecida sobrecarga e morosidade do Judiciário, já que sua potencialidade de molecularizar a demanda é obstada, pois a legislação tolera a concomitância de ações coletivas e individuais que versem sobre direitos individuais homogêneos.

Assim, os operadores do direito deparam com problemas relacionados à dificuldade de coordenação entre ações coletivas e individuais com objetos total ou parcialmente coincidentes, o que é ainda mais notado quando há o ajuizamento de milhares de ações individuais similares.

Por outro aspecto, a litigiosidade de massa é causa de aumento da morosidade, conforme aponta a pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que relaciona tal problemática aos impactos da judicialização dos conflitos, ao gerenciamento do volume de processos, à falta de uniformização das decisões, à gestão de recursos humanos, à organização judiciária, conduta das partes, dentre outros motivos (GABBAY; CUNHA, 2010GABBAY, Daniela Monteiro; CUNHA, Luciana Gross (Coord.). Diagnóstico sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis, mapeamento das demandas repetitivas e propositura de soluções pé-processuais, processuais e gerenciais à morosidade da Justiça. (Relatório Final de Pesquisa). São Paulo: Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, 2010., p. 60).

Dentre as conclusões, a pesquisa apresenta que “a litigância repetitiva se destaca dentre o volume de demandas submetidas ao Poder Judiciário e requer um gerenciamento operacional diferenciado” (GABBAY; CUNHA, p. 61).

A fim de aprimorar os institutos, tendo a efetividade como o alvo, foram efetuadas reformas no Código de Processo Civil de 1973. No entanto, tais reformas não se mostraram suficientes.

Neste sentido, Teori Albino Zavascki:

Ora, são comuns e cada vez mais frequentes, no mundo atual, as situações em que se configura o nascimento de direitos subjetivos que, pertencentes a um grande número de pessoas diferentes, derivam de um mesmo fundamento de fato ou de direito ou guardam, entre si, relação de afinidade em alto grau, em razão das referências jurídicas e fáticas que lhe servem de base. A sua defesa coletiva em regime de litisconsórcio ativo é, conforme reconhece o próprio Código de Processo, inviável do ponto de vista prático. E a alternativa de sujeitar casa um dos interessados a demandar individualmente é ainda mais acabrunhadora: do ponto de vista do titular do direito, pelo custo que representa ir a juízo, entendido este custo em seu sentido mais amplo – financeiro, emocional, profissional, social –, incompatível, não raro, com o escasso resultado que pode advir de uma sentença de procedência; do ponto de vista do Estado, pela enxurrada de demandas que cada uma dessas lesões coletivas pode produzir, aumentando o custo e reduzindo a eficiência da máquina judiciária; e, do ponto de vista social, pelo desestímulo à busca dos direitos lesados, pela potencial desigualdade de tratamento produzida por sentenças contraditórias, pela impunidade dos infratores e o consequente estímulo os titulares do direito, com todas as vicissitudes daí decorrentes, idênticas de um litisconsórcio ativo regido pelo procedimento comum. (ZAVASCKI, 2008ZAVASCKI, Teori Albino. A tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 173-174).

Ao menos desde 2008 há a adoção de sistemática própria para a solução desse tipo de demandas em fase de recurso especial, o que ocorreu pela sistemática dos recursos repetitivos (Lei n. 11.672, de 8 de maio de 2008), que previu a suspensão dos recursos especiais repetitivos até o pronunciamento definitivo pelo Superior Tribunal de Justiça no recurso-paradigma. Como meio não só de evitar o impacto no referido Tribunal com a chegada milhares de recursos semelhantes como também de agilizar a resolução da controvérsia, pretendeu-se contornar a problemática da morosidade da justiça e evitar, ainda, julgamentos contraditórios. O referido tratamento diferenciado, no entanto, somente tinha aplicação para o julgamento de recurso especial, ou seja, após a tramitação em todas as instâncias inferiores.

Na mesma linha dos recursos repetitivos, com a intenção de conferir tratamento igualitário às questões semelhantes e cooperar na racionalização do tratamento de demandas de massa, o Código de Processo Civil de 2015 não apenas manteve a referida sistemática, conferindo ainda maior detalhamento, mas também a ampliou com novo instituto, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Os recursos repetitivos e o IRDR pertencem ao gênero de casos repetitivos, conforme a nova legislação processual.

O IRDR1 1 Embora o IRDR seja incidente de resolução de “demandas” repetitivas, há entendimentos doutrinários divergentes quanto ao real objeto do incidente, havendo quem defenda se tratar de incidente de resolução de questão repetitiva. Nesse sentido: MARINONI, 2016; OLIVEIRA, 2015. No outro sentido: MEDINA, 2015; TEMER, 2016; CAVALCANTI, 2015. vale-se do sobrestamento das demandas até que seja realizado o julgamento do caso-paradigma pelo Tribunal de origem. Assim como no novo desenho dos recursos repetitivos, a suspensão pode ocorrer já em ações em trâmite no primeiro grau e não apenas quando do ensejo de recurso especial como ocorria no sistema anterior. A decisão do incidente ou da matéria solucionada pela via de recursos repetitivos deverá ser replicada nos demais casos que cuidarem de controvérsia de direito idêntica.

Carlos Alberto de Salles (2015SALLES, Carlos Alberto de. Precedentes e jurisprudência no novo CPC: novas técnicas decisórias? In: GRINOVER, Ada Pelegrini et. al. O novo Código de Processo Civil: questões controvertidas. São Paulo: Atlas, 2015., p. 79) explica que o referido instrumento é mecanismo de julgamento com eficácia expandida. Isso porque, embora não se rompa o paradigma da litigância individual, busca-se conferir tratamento diferenciado às demandas repetitivas, pelo qual parece pretender superar a utilização de precedentes jurisprudenciais apenas de forma persuasiva, adotando-se como verdadeira técnica decisória.

Ao lado de mecanismos processuais, a experiência judiciária já demonstrou a existência de métodos de gerenciamento de processos (SILVA, 2010SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Gerenciamento dos processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010., p. 55) adotados na gestão dos cartórios e na condução dos feitos, os quais também são relevantes para o tratamento célere das demandas repetitivas, como a tramitação em bloco de processos semelhantes.

Verifica-se assim a existência de ao menos três vias que podem ser utilizadas para lidar com o fenômeno das demandas repetitivas: a ação coletiva, que pode molecularizar as demandas; a sistemática do caso-piloto ou procedimento-padrão (casos repetitivos), na qual uma demanda escolhida como paradigma será objeto de julgamento enquanto as demandas semelhantes ficam sobrestadas, a fim de que o entendimento lá obtido seja replicado nas demais; e também, há existência de técnicas de gerenciamento de processos.

Frente a este contexto e sob a óptica processual, o presente artigo faz o estudo do caso denominado Projeto Caderneta de Poupança, o qual foi realizado no Estado do Rio Grande do Sul em meados de 2008. Mesmo após dez anos de sua realização, o Projeto mantém sua relevância não apenas para a compreensão da evolução do tratamento das demandas repetitivas, como também por se tratar de experiência que combinou os benefícios da ação coletiva como meio de tratamento das demandas repetitivas e do manejo de técnicas gerenciais e daqueles utilizadas pela sistemática dos casos repetitivos já nas instâncias inferiores, antes mesmo da criação do IRDR.

Embora o Código de Processo Civil de 2015 tenha realizado a opção de dar tratamento diferenciado às demandas repetitivas com a possibilidade de suspensão desde o primeiro grau, não conjugou o seu manejo com as ações coletivas e tampouco tratou de técnicas eminentemente gerenciais. Por isso, o Projeto Caderneta de Poupança é inovador ainda que comparado à atual legislação processual. Destacam-se entre as inovações: escolha da demanda coletiva como o caso representativo; prioridade à tramitação das ações coletivas; padronização das movimentações das demandas individuais e movimentação em bloco; conversão das ações individuais em liquidação por artigos; execução provisória da sentença; voto em segundo grau “coletivizado”.

Para a realização do estudo de caso, a presente pesquisa é dividida em três partes. Na primeira, serão traçados os contornos do Projeto Caderneta de Poupança por meio de entrevistas realizadas com os atores do caso e pela análise das decisões judiciais proferidas, buscando compreender os fundamentos legais que justificaram a medida.

A segunda parte descreve as técnicas gerenciais que foram relevantes para o Projeto.

Por fim, a terceira analisará o Projeto em vista da legislação superveniente a sua realização, com o intuito de extrair inspirações no Projeto Caderneta de Poupança para o aprimoramento do trato atual das demandas repetitivas.

1 Apresentação do caso

O presente estudo possui como tema central o Projeto Caderneta de Poupança, o qual foi estrutura especial criada e executada pela justiça rio-grandense para o tratamento das ações decorrentes de uma macrolide2 2 A expressão macrolide é utilizada por Sidnei Beneti para denominar os conflitos característicos da sociedade de massa (BENETI, 2009). relativa aos expurgos inflacionários dos planos econômicos heterodoxos nas décadas de 1980 e 1990.

O cenário que antecedeu ao projeto é marcado pelo aumento expressivo de demandas individuais e também coletivas com a discussão sobre as mesmas teses jurídicas. Diante do referido quadro, foi proferida decisão nos autos de ações coletivas, determinando a suspensão das ações individuais até que as primeiras fossem julgadas. Com o julgamento das ações coletivas, as ações individuais foram convertidas em execuções individuais de demandas coletivas operacionalizando o gerenciamento das rotinas cartorárias de forma a padronizar as movimentações processuais daquela massa de casos.

Houve grande adesão dos juízos competentes para as ações individuais da determinação de suspensão, o que ensejou a interposição de muitos recursos até o julgamento do Recurso Especial n. 1.110.549-RS pelo Superior Tribunal de Justiça em 2009, pelo rito dos recursos repetitivos.

Trata-se, o referido acórdão, de um leading case3 3 Leading case significa processo-paradigma. por configurar decisão constitutiva de precedente inovador no cenário jurídico brasileiro. Ele não só confirmou, como também disciplinou o sobrestamento de milhares de ações com idêntica fundamentação para o aguardo do julgamento de ação coletiva, ação esta que versa sobre mesma tese jurídica e apresenta idêntica causa de pedir das demandas individuais.

Até o Projeto Caderneta de Poupança, o Superior Tribunal de Justiça, ao tratar das ações individuais e coletivas, semelhantes e em trâmite concomitante, aplicava, em suma, o art. 104, do Código de Defesa do Consumidor.4 4 BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm> Acesso em: 1 set. 2011. Art. 104: “As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.” Tal dispositivo preceitua a não ocorrência de litispendência entre tais demandas. Aquele diploma legal também não contém previsão de prejudicialidade ou mesmo suspensividade da ação coletiva em relação às demandas individuais. A jurisprudência consolidada concluía que o prosseguimento da ação coletiva não obsta o da individual. Mesmo o Código de Processo Civil de 2015 em nada altera a situação, porque a instauração de IRDR não depende do ajuizamento de ação coletiva, não há sequer dispositivo legal que preveja a prevalência da ação coletiva sobre as demandas individuais quando da escolha dos casos-paradigma.

Contudo, naquele caso a inovação tornou-se necessária, em virtude da realidade jurídico-processual, principalmente no que tange à dificuldade de manejo com demandas individuais e coletivas que versam sobre direitos individuais homogêneos, ainda mais considerando o volume de casos que as ações individuais representavam.

Tal discussão não seria plausível quando se trata de direitos difusos ou coletivos. O primeiro “é aquele direito transindividual, indivisível, pertencente a toda coletividade” (MARINONI; ARENHART, 2008MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 761). Ora, neste caso, como o direito pertence a todos, só cabe então uma decisão. Além disso, não sendo o indivíduo legitimado para a propositura de ação, somente o são os sujeitos elencados no art. 5º da Lei n. 7.347/855 5 BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Lei de Ação Civil Pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L7347orig.htm> Acesso em: 1 set. 2011. Art. 5º: “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, [...].” e no art. 82 do CDC, não há logicamente ações coletiva e individual idênticas ou semelhantes.

Já os coletivos, “caracterizam-se por serem direitos transindividuais, de natureza indivisível, mas com sujeito determinado, representado por um grupo, categoria ou classe de sujeitos, ligados entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica de base” (MARINONI; ARENHART, 2008MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 762). Neste caso, também não haveria sentido em falar de diversas ações para um grupo ou classe, a decisão se opera ultra partes, atingindo todos os membros do grupo. Conforme exposto, percebe-se que nas ações que tutelam os referidos direitos não é possível encontrar identidade de demandas coletiva e individual, seja pela legitimação, seja pelo pedido ou causa de pedir, porque a tutela visa à coletividade.

Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, “não são transindividuais, mas, ao contrário, são direitos nitidamente individuais, com sujeito determinado e unitário. Todavia, por serem direitos individuais semelhantes, podem ser tutelados de maneira uniforme e única, por meio de uma única ação” (MARINONI; ARENHART, 2008MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 763). Neste ponto, reforça-se a noção de que a ação coletiva pode transformar demandas individuais em demanda-molécula, visto que ela veicula pretensão idêntica à veiculada pelo indivíduo em sua demanda-átomo.

Como é sabido, a problemática quanto a essa categoria de direitos se dá frente às relações de massa, comerciais, previdenciárias, empregatícias, as quais caracterizam a atual sociedade. Exemplificando, um mesmo fato de produto ou de serviço pode ensejar a propositura de milhares de demandas pelos lesados, por conta da ampliada abrangência de um mesmo dano ou ameaça de dano. Por exemplo, um defeito de produção num lote de mil aparelhos celulares, que os fazem entrar em combustão ao terem suas baterias recarregadas, poderia ensejar a propositura de mil ações individuais ou alguma coletiva, ações com semelhante pedido (reparação do dano e indenização) e idêntica causa de pedir (defeito técnico na produção do aparelho).

Neste caso, os indivíduos possuem legitimidade concorrente aos legitimados coletivos, por conta disso é que podemos falar de identidade de ações. Conforme afirmam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: “Poderiam [...] essas ações, em tese, operar litispendência não apenas a outra ação coletiva proposta para a defesa desses interesses, mas ainda para as ações individuais propostas pelos lesados, isoladamente para a satisfação de suas específicas pretensões” (MARINONI; ARENHART, 2008MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 768).

Dizem os autores que a litispendência se opera “em tese” por ser ela vedada conforme o supracitado art. 104, do Código de Defesa do Consumidor.

Ante o exposto, os magistrados recebem grande número de processos com idêntica argumentação e se veem obrigados a prestar o serviço jurisdicional a todos, dando milhares de respostas semelhantes a demandas semelhantes.

Sob a perspectiva de interesse público na prestação jurisdicional rápida e com qualidade é que o Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão proferida pelo juiz de piso e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de suspender, ex officio, as ações individuais com idêntica fundamentação para o aguardo da decisão coletiva.

O relator do acórdão, Ministro Sidnei Beneti fundamenta tal posicionamento nos seguintes termos:

Note-se que não bastaria, no caso, a utilização apenas parcial do sistema da Lei dos Processos Repetitivos, com o bloqueio de subida dos Recursos ao Tribunal Superior, restando a multidão de processos, contudo, a girar, desgastante e inutilmente, por toda a máquina jurisdicional em 1º Grau e perante o Tribunal de Justiça competente, inclusive até a interposição, no caso, do Recurso Especial.6 6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2.- Entendimento que não nega vigência aos artigos 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008). 3.- Recurso Especial improvido. N. 1110549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3 >. Acesso em: 20 jan. 2009.

1.1 O Projeto Caderneta de Poupança

As ações coletivas que ensejaram o citado projeto foram ajuizadas, em suma, pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 86) e versam sobre a correção monetária dos expurgos inflacionários de alguns dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990.

Foi realizada pesquisa empírica com alguns atores envolvidos no projeto, por meio de entrevistas, pelo que foi constatado que a Defensoria Pública somente ajuizou as ações em virtude da necessidade prática que se impôs. Coincidentemente, ao término do prazo prescricional (vintenário) para o ajuizamento do pedido de correção quanto aos planos econômicos, a instituição realizou mutirão, com os defensores públicos recém-egressos. Na ocasião, a pretensão que mais foi levada pela população foi relativa à correção inflacionária dos planos econômicos das décadas de 1980 e 1990.

Devido à grande demanda, os defensores decidiram ajuizar onze ações coletivas, em vez de ajuizar uma a uma, milhares de vezes, as ações individuais.

Nas palavras da defensora pública:

A ideia de ajuizar ação coletiva surgiu somente com o mutirão realizado semana antes da prescrição, no qual se revelou a grande quantidade de pessoas que procuravam a Defensoria. Aquela quantidade de processo respingaria em todos já que atrapalharia o fluxo normal dos cartórios, aumentando demasiadamente o número de processos.7 7 Entrevista I. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

A Defensoria Pública ajuizou uma ação civil pública em face de cada instituição bancária, pleiteando a correção dos expurgos inflacionários dos planos monetários da década de 1980. Na petição, foi deduzido o pedido de reconhecimento do débito e da obrigação de pagar quantia em dinheiro para todos os lesados. Havia ainda, pedido de efetivação de julgado, para que fosse a sentença exequível de modo não judicial, ou seja, para que os lesados que não ajuizaram suas próprias ações pudessem receber seus créditos sem a necessidade de proceder à execução judicial, mas que fosse possível a reparação do dano de forma extrajudicial.

No mesmo período, os juízes dos foros cíveis da cidade de Porto Alegre foram surpreendidos com a propositura de milhares de ações idênticas sobre o referido objeto. Diante desse quadro – milhares de ações individuais com objeto idêntico ao das ações civis públicas ajuizadas pela Defensoria Pública –, os magistrados decidiram sobrestar o andamento dos processos individuais para que aguardassem a sentença coletiva, que se procedente ensejaria a conversão das ações individuais em liquidação provisória de sentença coletiva.

Conforme afirmou a juíza de direito: A estrutura não absorveria a demanda tão intensa num curto período de tempo. A ideia foi a de viabilizar o processamento através da alteração dos mecanismos de trabalho”.8 8 Entrevista III. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

As decisões de sobrestamento foram originalmente proferidas nos autos das ações civis públicas. Pouco mais de 92% dos magistrados das varas cíveis de Porto Alegre aderiram à suspensão. Em razão disso, uma comissão foi formada para a delimitação dos contornos de tal medida, que posteriormente foi denominada Projeto Caderneta de Poupança.

O Projeto ensejou a formação de uma estrutura específica voltada ao processamento das milhares de ações, conforme afirmou a juíza de direito:

Foram utilizadas ferramentas de gestão: se saiu da concepção do processo artesanal para o processamento massificado como é a demanda. Tínhamos uma questão de natureza coletiva, porém, por questões culturais ajuizaram ações individuais, e na iminência de prescrição correram massivamente para a distribuição da ação. O direito material é de natureza bastante uniforme, incidência de uma determinada remuneração que não foi feita. Todavia, o processo civil, com rito ordinário, se caracteriza por etapas onerosas para se dizer, neste caso, a mesma coisa milhares de vezes. Por meio das ações coletivas suspendemos as ações individuais que passaram a tramitar como liquidação por artigos. 9 9 Entrevista III. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Ele foi estruturado da seguinte forma: em primeiro lugar os juízes competentes dariam prioridade às ações coletivas; houve a manutenção do juiz natural dos pleitos individuais; houve a padronização das movimentações, inclusive com agenda predeterminada dos atos processuais; as ações individuais foram sobrestadas e convertidas em liquidação por artigos; foi realizada a execução provisória da sentença.

Cabe pontuar que os magistrados envolvidos no projeto possuem, em maioria, formação em Administração Judiciária, o que certamente os auxiliou para o preparo do projeto visando ao gerenciamento das demandas de massa.

A decisão do sobrestamento não foi, num primeiro momento, bem recebida pelos patronos dos autores das ações individuais, que argumentavam o prejuízo ao direito de ação de seus clientes, além das possíveis repercussões à questão remuneratória do advogado. Tal desabono ensejou a propositura de milhares de recursos. “Questão interessante é que no início havia muitos agravos de instrumento por parte do autor, que não concordavam com a suspensão de seus processos individuais. Num segundo momento, quando começamos a converter em liquidação, os agravos partiram do réu.”10 10 Entrevista V. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Diante de tal desabono, foram realizadas audiências públicas para discutir a problemática, das quais participaram membros da Defensoria Pública, da magistratura, representantes da OAB e advogados. Após discussões, demonstrou-se que não haveria prejuízo quanto aos honorários advocatícios, que seriam garantidos na liquidação de sentença, nem quanto ao direito de ação, já que as demandas individuais somente seriam sobrestadas.

Neste sentido, ponderou o juiz de direito: “A ação individual foi convertida em liquidação de sentença para o aproveitamento do processo individual (que perderia o objeto), pois já se tinha materializado a reclamação daquele cidadão.”11 11 Entrevista IV. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Duas Câmaras, compostas cada uma com cinco desembargadores, foram designadas para o Projeto. Por se tratar de questão já pacificada entre os desembargadores, o texto dos votos foi coletivizado, ou seja, composto por todos os desembargadores e utilizados por todos quando se tratava de igual questão.

Ressalva o desembargador que as questões específicas, que poderiam ser pleiteadas nas ações individuais, não seriam excluídas da análise, mas apreciadas em sede de liquidação.12 12 Entrevista VI. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Quanto à apreciação dos possíveis benefícios ou mazelas que tal suspensão poderia ensejar ao réu, os entrevistados concluem que a instituição bancária poderia sentir-se prejudicada quanto a sua possível estratégia procedimental protelatória. Tal prática foi verificada pelo citado desembargador, com a interposição de muitos recursos em cada ação coletiva. Se a mesma prática fosse adotada nas ações individuais certamente geraria disfunção no sistema, o que ocasionaria o retardo do julgamento.

Todos os entrevistados, defensores e magistrados, de modo unânime, afirmaram que o projeto somente não alcançou os objetivos almejados em virtude da decisão do STJ, no Recurso Especial n. 1.070.896-SC, que entendeu ser quinquenária a prescrição da ação civil pública sobre expurgos inflacionários, e não vintenária, como era até então determinado. Em razão de tal decisão, as liquidações provisórias da sentença coletiva foram reconvertidas em ações ordinárias, e o projeto teve sua conclusão obstada pela mudança jurisprudencial no que tange à prescrição.

Não obstante a referida necessidade de reconversão dos feitos, o projeto em tela serve como exemplo de solução cabível ao manejo das demandas massificadas. Os entrevistados, em maioria, entendem que a relevância do projeto está em criar precedente que valoriza o tratamento molecularizado de questão que teria resposta atomizada, a custosa movimentação da máquina judiciária para decidir questão idêntica milhares de vezes.

Confirma esta ideia o defensor público: “Do ponto de vista de otimização essa medida foi totalmente adequada; as 11 ações ajuizadas pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul substituíram cerca de 24 mil ações individuais, as quais suscitariam cerca de 100 mil recursos.”13 13 Entrevista II. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

No mesmo sentido afirma o juiz de direito:

[...] o projeto mostrou que há alternativa para essa demanda judicial, criou precedente, decisão inovadora, dá novo norte no processo coletivo, a regra é que a parte escolha, algo que na prática não funciona. O sistema somente funciona se a ação coletiva for julgada rapidamente.14 14 Entrevista VII. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Entende a defensora15 15 Entrevista I. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010. que a suspensão não deveria se operar para todo e qualquer caso que envolvesse direito individual homogêneo, mas somente para aqueles de abrangência muito grande, como o do caso em tela, pois seria dado poder muito grande ao juízo ad quo da ação coletiva.

A 2ª Seção do STJ confirmou esse julgamento com as decisões prolatadas nos recursos especiais n. 1.110.549-RS, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti, e n. 1.189.679 - RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, os quais mantiveram não só a suspensão dos processos individuais em face do ajuizamento coletivo, mas também a conversão das ações ordinárias em liquidação provisória de sentença coletiva, além de disciplinar a solução de suspensão e de conversão.

Há consenso dentre os entrevistados quanto à necessidade de modificação da cultura de ajuizamento individual de demandas de massa. No entendimento do desembargador entrevistado,16 16 Entrevista VI. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010. quanto à possível modificação de cultura para tender ao ajuizamento coletivo, ressalta-se que os protagonistas para tanto são o Ministério Público e a Defensoria Pública, embora sua atuação seja ainda muito incipiente. A mudança cultural deve partir dos legitimados, pois aos advogados interessa replicar as ações em milhares, já que recebem os honorários de cada ação individual. Há falta de uma visão mais ampla do exercício da cidadania.

Em conclusão, foi montada estrutura destinada especificamente ao tratamento de massa da questão pleiteada por via individual, ao mesmo tempo que a decisão no âmbito da tutela coletiva adquiria rito preferencial. Houve o gerenciamento dos processos, com a adoção de atos e movimentações padronizadas e agenda de atos previamente estabelecida.

Os casos relativos aos expurgos inflacionários ainda não foram, em sua grande parte, definitivamente solucionados, uma vez que aguardam solução a ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, em março de 2018 houve a homologação de acordo em âmbito coletivo, o qual é de adesão facultativa para os autores de demandas individuais e compulsória para os exequentes das ações coletivas cujos legitimados extraordinários participaram da transação. Nota-se, depois de centenas de milhares de ações individuais que tramitaram nos tribunais do país, as quais geraram custos inerentes à movimentação da máquina judiciária, chegou-se a solução consensual para as ações coletivas, solução à qual poderão aderir os autores de demandas individuais. A análise pormenorizada do acordo não se mostra conveniente em razão da limitação do estudo ao Projeto já apresentado, todavia, a transação na amplitude em que foi realizada, buscando a solução equânime e em âmbito coletivo, confirma a real necessidade de reflexão quanto à adequação de ações individuais para a solução de pretensões retiradas de uma macrolide pelos operadores do direito.

2 Análise das decisões

O leading case foi analisado sob a perspectiva das decisões proferidas pelos juízos de primeiro grau do Rio Grande de Sul e pelo Superior Tribunal de Justiça. Não obstante partirem do mesmo caso concreto, a fundamentação desses juízos é distinta.

2.1 Fundamentos de decisão interlocutória proferida pelo juiz da 15ª Vara do Rio Grande do Sul

A decisão interlocutória que determinou o sobrestamento das ações individuais em razão da propositura de ação coletiva que versa sobre o mesmo tema se pautou nos seguintes fundamentos: acesso à justiça; litispendência; prejudicialidade externa; e racionalidade sistêmica.

2.1.1 Acesso à Justiça

O primeiro se funda na garantia do acesso à justiça, prevista na Constituição Federal, art. 5º, XXXV. A motivação se pauta no entendimento de que a garantia de acesso à justiça não significa o direito de peticionar, conforme disposto na decisão “o acesso à justiça importa, no sentido lato, ao acesso ao direito material. Já o acesso ao Judiciário tem a limitação de um mero instrumento do acesso à justiça mesmo que garantido pela ordem constitucional”.17 17 Entrevista VII. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.

Segundo a expressão de Kazuo Watanabe, acesso à justiça se traduz em acesso à ordem jurídica justa. O que significa para Dinamarco (2009DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 115) não só que se possibilite o ingresso em juízo, mas que receba tratamento adequado. A suspensão das ações individuais em razão da propositura da ação coletiva teria sido uma medida adequada?

Uma resposta afirmativa à pergunta acima é possível, primeiro porque a pretensão seria levada a juízo, segundo porque a participação se daria por meio da representação e, terceiro, porque o provimento jurisdicional se coaduna à noção de litígio de massa. Logo, é possível afirmar que, sendo esse o procedimento adequado, estaria a garantia do acesso à justiça preservado.

Todos os correntistas do período dos planos econômicos teriam sua tutela jurisdicional apreciada independentemente do andamento individual de cada ação. O direito de ação estaria assegurado; em vez de mitigar a garantia do acesso à justiça, a suspensão tem o condão de reforçar a tutela material, já que o pedido abrange todos os correntistas, não somente os que pleitearam seus expurgos inflacionários individualmente.

2.1.2 Litispendência

O segundo fundamento se pauta na observação do instituto da litispendência. A doutrina majoritária entende que não se opera litispendência entre as ações individuais e ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos. Nesse sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso (2007MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 557) considera a possibilidade de o trâmite concomitante entre ações coletivas e individuais em virtude de não haver a identificação dos elementos da ação. No mesmo sentido leciona Antônio Gidi (1995GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995., p. 210).

Não obstante a interpretação predominante, o juiz prolator da decisão analisada entende que o art. 104 não é aplicável ao referido feito, pois não abrange expressamente essa hipótese, reconhecendo a litispendência por haver total identificação dentre os elementos da ação, uma vez “sendo idênticos os pedidos e a causa de pedir, figurando o autor da ação individual como substituído processual na demanda coletiva”.18 18 Decisão proferida pelos magistrados da 15ª e 16ª Varas Cíveis do Foro Central de Porto Alegre, nas ações coletivas que postulam cobrança de valores que deixaram de ser pagos pelas instituições financeiras em decorrência dos planos governamentais denominados Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Disponível em: <s.conjur.com.br/dl/oficio-circular-318-.doc>. Acesso em: 1 fev. 2013.

Fundamenta sua posição na própria redação do art. 104 do CDC, o qual preceitua que as demandas dos incisos I e II do art. 81, ou seja, as difusas e coletivas, não induzem litispendência para as ações individuais. Tal dispositivo não contém vedação expressa quanto à litispendência referente aos direitos individuais homogêneos. Todavia, a doutrina e a jurisprudência, predominantemente, concluem que não se trata de exclusão das ações individuais homogêneas, mas de erro de remição do texto legal.19 19 Conforme GRINOVER, 2017, p, p. 1.025.

Cabe salientar que a disciplina processual estabelece, na hipótese do reconhecimento de demandas idênticas, que o segundo processo seja extinto sem julgamento do mérito. Por óbvio, o reconhecimento da total identificação das demandas obsta o prosseguimento da que foi posteriormente proposta.

Apesar de ser possível a identificação da causa de pedir e até mesmo do pedido entre as ações coletivas e individuais que pleiteiam direitos individuais homogêneos, não há total identificação que justifique a extinção da ação, sob pena de prejuízo ao direito de ação e à garantia da inafastabilidade do Judiciário.

A suspensividade adotada do leading case não gerou a mera extinção sem resolução do mérito. A lógica adotada não foi propriamente a da litispendência, mas de meio para o aproveitamento máximo da relação processual coletiva:

[...] aduz Candido Rangel Dinamarco20 20 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. [2002, p. 346-347], com o apoio em José Carlos Barbosa Moreira, que será muito bom “que mediante um só procedimento e sentença única possa o juiz resolver uma série grande de litígios individuais da mesma ordem, com economia e sem o risco de decisões conflitantes (Timor ne varie dicetur) inerente aos julgamentos isolados.” (MANCUSO, 2007MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição coletiva e coisa julgada – teoria geral das ações coletivas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 62).

Logo, mesmo ao considerar a hipótese de litispendência, seus efeitos não foram totalmente aplicados ao caso. A solução dada se coaduna com a noção de prejudicialidade entre as demandas, visando o gerenciamento de processos de massa.

2.1.3 Prejudicialidade externa

Argumento também contido na decisão de suspensão das ações individuais se refere à prejudicial externa “na medida em que a ação civil pública trata da mesma matéria de conteúdo mais amplo” (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 93).

A conexão das ações é verificada quando lhes for comum o objeto ou a causa de pedir. Já a continência ocorre quando há identidade quanto às partes e à causa de pedir, sendo que o objeto de uma ação, por ser mais amplo, abrange o das outras. A consequência tanto da conexão quanto da continência é a reunião dos processos no juízo prevento. Questão que se coloca é: aplica-se esta disciplina à tutela coletiva de direitos individuais homogêneos?

Intuitivamente considera-se que uma ação individual está parcialmente contida na coletiva, porém tal visão não parece estar adequada à disciplina dada pelo Código de Defesa do Consumidor, no qual se pretendeu o isolamento do julgamento individual do coletivo, excetuando a hipótese dos indivíduos requerem a espera do julgado coletivo.

Segundo Marinoni e Arenhart (2008MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 762),“se é assim, fica prejudicada a principal função da conexão: evitar decisões conflitantes.” Todavia, os autores entendem que esta parece solução mais harmoniosa com o sistema processual coletivo, pois a reunião de todos os processos individuais e coletivos numa única vara poderia inviabilizar seu funcionamento.

Já Ricardo de Barros Leonel, ao referir-se à possibilidade de conexão entre as demandas coletivas e individuais, analisa que a reunião dos feitos não deve ser feita sem antes “analisar qual o proveito concreto para o equacionamento dos conflitos, a efetiva economia processual e o afastamento do conflito lógico de julgados, para resolver-se pela reunião ou pelo prosseguimento dos feitos separadamente” (LEONEL, 2002LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002., p. 257).

Por outro lado, Ada Pelegrini Grinover sustentava “que a resposta estaria na reunião dos processos ou, quando esta não fosse possível, pela suspensão prejudicial, tudo em virtude da continência” (GRINOVER, 2017, p. 1.027). Adverte, no entanto, que tal posição não é unânime, acrescentando que a reunião dos processos também pode ser inviável, já que podem ser milhares ações. Conclui a professora que:

Assim, parece efetivamente melhor resolver a questão da concomitância da ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos e das ações individuais pelas regras da prejudicialidade: ou seja, os processos individuais permanecerão suspensos nos termos do art. 313, V, a, do NCPC (correspondente ao art. 265, IV, a, CPC/1973). (GRINOVER, 2017GRINOVER, Ada Pellegrini. Capítulo IV – Da coisa julgada. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017., p. 215)

No leading case não houve a reunião dos processos para julgamento conjunto, mas a suspensão das ações individuais para que fosse aproveitada a sentença da ação coletiva. Se fosse aplicada a disciplina da conexão, os autores individuais prosseguiriam normalmente com suas ações num mesmo juízo, somente o julgamento seria conjunto. Porém, conforme exposto, não foi isso o que ocorreu e, do que se infere da decisão de suspensão, os autores das ações individuais não poderiam prosseguir suas ações.

Instituto próximo ao aplicado é realmente o da prejudicialidade externa, pelo qual há suspensão do processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa. Este é o instituto que mais se assemelha a disciplina realizada no leading case, pois, visando a isonomia entre aqueles que mantêm relações de direito homogênea, as ações individuais dependeriam do pronunciamento de mérito dado em âmbito coletivo, que se procedente daria ensejo à execução do pedido.

No entanto, não houve a aplicação integral de sua disciplina, porque dada a sentença coletiva, a ação individual com o mesmo objeto não terá seu curso retomado para que seja prolatada a sentença, como ocorre com a prejudicialidade, mas será convertida em liquidação de sentença coletiva. Trata-se de adaptação dos parâmetros processuais à realidade das ações em massa, resposta viável à necessidade de disciplinar a concomitância de milhares de ações semelhantes.

Presentes as condições da ação, interesse de agir, legitimidade da parte e possibilidade jurídica do pedido, o sujeito tem direito de ação. O juiz relator fundamenta no sentido de que o pleito individual carece de interesse de agir.

O interesse significa necessidade. “Há o interesse de agir quando o provimento jurisdicional postulado for capaz de efetivamente ser útil ao demandante [...], ou seja, quando for capaz de trazer-lhe uma verdadeira tutela, a tutela jurisdicional” (DINAMARCO, 2009DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 309).

O interesse de agir é composto por dois fatores: adequação do provimento jurisdicional e necessidade. Só há necessidade quando “sem o processo, e sem o exercício da jurisdição, o sujeito seria incapaz de obter o bem desejado” (DINAMARCO, 2009DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 311).

Nesse sentido, afirma o juiz prolator:

Na processualística pura e intrínseca, a toda evidência, havendo tramitação de lides denominadas de cunho coletivo, tem-se cabalmente dispensável, sobre o critério do interesse-necessidade processual, a existência de lides individuais que tenham por fim, o mesmo objeto, o mesmo pedido, ainda que individualizado. Lógico que não se está a negar ou deferir, já, tais pretensões individuais. Apenas, adequando-as dentro da processualística hodierna.21 21 Decisão proferida pelos magistrados da 15ª e 16ª Varas Cíveis do Foro Central de Porto Alegre, nas ações coletivas que postulam cobrança de valores que deixaram de ser pagos pelas instituições financeiras em decorrência dos planos governamentais denominados Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Disponível em: <s.conjur.com.br/dl/oficio-circular-318-.doc>. Acesso em: 1 fev. 2013.

O argumento apresentado é válido no sentindo de que a ação coletiva busca julgamento de mérito que, se procedente, valerá para todos os lesados. Ora, porque então seria necessário que o lesado individualmente buscasse a mesma tutela?

A adequação desse argumento esbarra na ausência de parâmetros legais que deem solução diversa da extinção sem julgamento de mérito da demanda que apresentasse carência de ação.

A disciplina dada pelo Código de Defesa do Consumidor traz a possibilidade de opção da paralisação das ações individuais em razão da propositura de ação coletiva. Em tese, somente o que suspender sua ação será beneficiado pela coisa julgada favorável que se formar na ação coletiva, o autor que pretenda prosseguir com a ação individual ficará excluído da extensão do julgado para a sentença que vier a ser proferida na ação coletiva.

Nota-se que será beneficiado segundo eventus litis, ou seja, o resultado favorável da decisão. Portanto, se o pedido fosse julgado improcedente, o indivíduo poderia prosseguir com sua ação individual. Neste diapasão, o argumento de carência de ação seria aplicável, de acordo com a legislação atual, para a hipótese em que já haja decisão coletiva procedente.

Mesmo com o novo procedimento para casos repetitivos regido pelo Código de Processo Civil de 2015, persiste a ausência de suspensividade ou prejudicialidade entre ação coletiva e individuais repetitivas, porque o novo instituto possui requisitos próprios que independem da ação coletiva. Contudo, é possível a combinação das ferramentas, ou seja, o uso da ação coletiva como caso-paradigma do IRDR.

2.1.4 Racionalidade Sistêmica

O argumento chamado de racionalidade sistêmica abrange questões que envolvem a racionalidade das decisões, em si comparadas, diante a possibilidade de decisões contraditórias para casos semelhantes e da racionalidade da própria estrutura do sistema processual e judiciário, que se demonstra insuficiente para o tratamento de questões de massa.

A necessidade de se evitarem decisões contraditórias é fundamento utilizado pelo juiz prolator para a suspensão das ações individuais em razão do ajuizamento de ação coletiva semelhante. A preocupação decorre da legitimidade concorrente entre os indivíduos lesados e os substitutos processuais para pleitear a reparação do dano em juízo.

Leciona Tereza de Arruda Alvim que “se é certo que é indesejável coexistirem decisões diferentes para casos idênticos, pois isto desmoraliza o Poder Judiciário e decepciona o jurisdicionado, também é certo que nosso sistema tolera este fenômeno” (WAMBIER, 2005WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Litispendência em ações coletivas. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias (Coords.). Processo civil coletivo. São Paulo: Quartier Latim, 2005., p. 285).

O nosso sistema convive com contradições lógicas; a contradição prática, contudo, não é tolerável, como a hipótese de haver decisões em diferentes sentidos para o mesmo pedido dirigido às mesmas partes. O que não ocorre devido à exclusão realizada aos autores das ações individuais que não requererem a suspensão de suas ações (Código de Defesa do Consumidor, art. 104).

As ações coletivas prestigiam a coerência das decisões na medida em que, ao abrangerem grande número de lesados, gera-se decisão equânime aos indivíduos que sofreram idêntica lesão. Não obstante a veracidade desta assertiva, ao possibilitar a concomitância entre as ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos e as ações individuais, tal efeito benéfico é mitigado.

Diante dessa problemática há tentativa de se ampliar tal efeito com os institutos da continência, conexão e prejudicialidade, detalhados no tópico anterior.

Quanto à racionalidade atinente à estrutura do Judiciário, tal questão remonta à própria concepção individualista do processo civil brasileiro inspirada “no paradigma liberal da litigiosidade, estruturadas de forma a considerar única cada ação, retratando um litígio específico entre duas pessoas” (CUNHA, 2009CUNHA, Leonardo José Carneiro da. As causas repetitivas e a necessidade de um regime que lhe seja próprio. Revista da Faculdade Direito Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 25, n. 2, p. 235-268, jul.-dez. 2009., p. 240).

Apesar das inúmeras reformas realizadas ao longo de anos, houve o afastamento da redação original deste viés liberal dos dispositivos do Código de Processo Civil de 1973. No entanto, conforme Leonardo José Carneiro da Cunha, tal estrutura demonstra-se muitas vezes inoperante, inadequada à tutela de direitos coletivos. Em razão disso, é que há um conjunto de leis sobre o tema, formado pela Lei da Ação Popular, pela Lei de Ação Civil Pública e pelo Código de Defesa do Consumidor.

Contudo, conclui o mesmo autor que “mesmo com a implantação de um regime próprio para os processos coletivos, persistem as demandas repetitivas, que se multiplicam a cada dia” (CUNHA, 2009CUNHA, Leonardo José Carneiro da. As causas repetitivas e a necessidade de um regime que lhe seja próprio. Revista da Faculdade Direito Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 25, n. 2, p. 235-268, jul.-dez. 2009., p. 242).

Mesmo os procedimentos do Código de Processo Civil de 2015 não têm a intenção de impedir a multiplicação de demandas repetitivas, contudo, há nítido avanço no tratamento das demandas repetitivas conforme será tratado no item 4.

2.2 Fundamentos da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial contra acórdão proferido em agravo de instrumento

O acórdão proferido pelo STJ baseou-se na interpretação teleológica da Lei de Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8 de maio de 2008), que acrescentou o art. 543-C ao Código de Processo Civil de 1973.

Este dispositivo (o art. 543-C, CPC/73) previa a suspensão dos recursos especiais individuais repetitivos até o pronunciamento definitivo de Supremo Tribunal Federal, como meio não só de evitar o estrangulamento dos tribunais com enxurrada de recursos semelhantes, como também de tornar mais célere a resolução da controvérsia, contornando assim a problemática da morosidade da justiça e evitando, ainda, julgamentos contraditórios.

O momento da suspensão conforme o desenho do Projeto poderá ocorrer já no início da ação, ou seja, assim que esta for ajuizada, porque diante da tese central da ação coletiva a demanda individual poderá ser julgada de plano.

A disciplina do julgamento contém duas hipóteses para o aproveitamento da decisão coletiva: se julgada improcedente, as ações individuais terão seus méritos julgados antecipadamente, por meio da técnica do julgamento antecipado de mérito; se julgada procedente a demanda coletiva, as ações individuais serão convertidas em liquidação de cumprimento daquela demanda.

Nota-se que esta conversão se fará de ofício, conforme o voto da Ministra Nancy Andrighi, no Recurso Especial n. 1.189.679 - RS (2009/0004136-6):

Tendo-se admitido a suspensão de ofício por razões ligadas à melhor ordenação dos processos, privilegiando-se a sua solução uniforme e simultânea, otimizando a atuação do judiciário e dasafogando-se sua estrutura, as mesmas razões justificam que se corrobore a retomada de ofício desses processos, convertendo-se a ação individual em liquidação da sentença coletiva. Essa medida colaborará para o mesmo fim: o de distribuir justiça de maneira mais célere e uniforme. Se o recurso interposto contra a sentença que decidiu a ação coletiva foi recebido com efeito suspensivo mitigado, autorizando-se, de maneira expressa, a liquidação provisória do julgado, não há motivos para que se vincule esse ato ao trânsito em julgado da referida sentença. A interpretação conjunta dos dispositivos da LACP e do CDC conduz à regularidade desse procedimento.22 22 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 24 nov. 2011. p. 1. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp#. Acesso em: 1 set. 2011.

Logo, não sendo necessária a habilitação individual da sentença coletiva, seu processo individual sobrestado será automaticamente convertido em liquidação de sentença coletiva.

A interpretação conserva, nos dizeres do Ministro Relator Sidnei Beneti, a possibilidade de ajuizamento da ação individual, preceituada no art. 81 do CDC. Não haveria prejuízo ao direito de ação, garantido constitucionalmente, pois o ajuizamento individual restaria resguardado e o processo não seria extinto pela litispendência, o que é vedado pela lei, a qual, todavia, não impede o sobrestamento.

A identificação das ações merece especial atenção, pois não se utiliza a Teoria da tria eadem, que se vale dos elementos da ação: partes, pedido e causa de pedir. Deve-se considerar, na identificação das demandas individuais e coletivas, apenas o capítulo principal substancial do processo coletivo.

As acidentalidades dos processos individuais deverão ser julgadas no bojo da defesa da execução coletiva, já que cada parte pode suscitar em sua ação individual peculiaridades que não foram abrangidas pela ação coletiva, o que, todavia, não descaracteriza a identidade da questão jurisdicionalizada. Caso contrário, o não sobrestamento devido às peculiaridades das demandas individuais levaria à ineficácia do sistema.

Aos autores das ações individuais que quiserem intervir na ação coletiva resta a possibilidade de intervenção como amicus curiae.

Não obstante os fins pretendidos pelos Ministros, este julgado apresenta solução que não é unânime nem pacífica para os operadores do direito, tanto que no próprio Acórdão encontramos o voto vencido do Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, que traz os seguintes contra-argumentos:

[...] o titular de ação individual não estaria compelido a submeter-se aos interesses de ação coletiva, sob pena de violação ao princípio da cidadania, garantido constitucionalmente. [...] De outra parte, não há como se considerar o acúmulo de ações a serem julgadas, o assoberbamento dos tribunais, como princípio maior do que os direitos constitucionais assegurados ao cidadão e que a eles afrontam. [...] não se pode aceitá-lo levando em consideração, além dos princípios constitucionais referenciados, o disposto no art. 2º do CPC de que será prestada a jurisdição quando requerida, observado os procedimentos legais, bem como pelo art. 104 do CDC quando, se referindo ao art. 81, inciso I e II, disciplina QUE AS AÇÕES COLETIVAS NÃO INDUZEM LITISPENDÊNCIA PARA AS AÇÕES INDIVIDUAIS, excluindo-se os autores de ações individuais dos benefícios decorrentes dos efeitos erga omnes da Ação Coletiva.23 23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 13. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3 >. Acesso em: 20 jan. 2009.

Tal decisão ainda foi embargada24 24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 14 abr. 2010. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=952206&num_registro=200900070092&data=20100430&formato=PDF . Acesso em: 30 abr. 2018. pelo IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, sob o fundamento de que não houve possibilidade de qualquer interessado se manifestar na demanda coletiva, ou seja, nem todos puderam contribuir para o debate da questão. Nos embargos, pede-se, ainda, que conste no Acórdão que a utilização de seus termos deve ser uma faculdade do Tribunal local, conforme a passagem:

[...] a finalidade da Lei (art. 543-C do Código de Processo Civil), que seria a de uniformizar a interpretação dada às leis infraconstitucionais, não foi atingida [...] porque não se adotou a jurisprudência dominante na E. Corte e, a duas, porque, ainda que se admita julgamento em sentido diametralmente oposto à jurisprudência dominante, não foi aberta oportunidade de participação de representantes da sociedade civil interessados na controvérsia de inquestionáveis relevância e impacto coletivos, o que não só indica o bom senso, mas conta com expressa previsão no procedimento exatamente para garantir à sociedade participação em debate que tem por objetivo encerrar a discussão no âmbito judicial em abrangência nacional. Alega, por fim, a necessidade que conste no Acórdão que a adoção dos seus termos deve ser uma faculdade do Tribunal local, [...] sob pena de esvaziar as garantias de efetividade e de duração razoável do processo (fls. 230).25 25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 14 abr. 2010. p. 3. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=952206&num_registro=200900070092&data=20100430&formato=PDF. Acesso em: 30 abr. 2018.

Necessário apontar que a preocupação de ampliação da sistemática dos recursos repetitivos foi incorporada pela atual legislação processual, principalmente por meio do IRDR conforme se verá no item 4.

2.2.1 Negativa de litispendência

Apesar de o juiz prolator da decisão que suspendeu as ações individuais ter fundamentado sua decisão também no argumento da litispendência, este não foi o mesmo posicionamento adotado pelos ministros ao julgar o Recurso Especial n. 1.110.549-RS, no qual negaram haver tal identificação das demandas.

Conforme já demonstrado, a jurisprudência e doutrina, majoritariamente, concluem não haver litispendência entre as ações individuais e as coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos, por não haver total identificação dos elementos da ação. Neste sentido, afirma o relator do Recurso Especial não haver litispendência entre tais demandas:

A interpretação presente preserva a faculdade de o autor individual acionar (poderá, diz o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor) e observa precedentes deste Tribunal, não fulminando o processo individual pela litispendência (REsp 14.473, 3ª Turma, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, DJ 16.3.98 e REsp 160.288, 4ª Turma, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 13.8.01), precedentes esses que, ainda recentemente levaram a julgamento nesse sentido pela 3ª Turma, inclusive com o voto concordante do subscritor do presente (REsp 1.037.314, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, DJ 20.6.2008).26 26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 8. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3. Acesso em: 20 jan. 2009.

2.2.2 Interpretação teleológica do art. 543-C do CPC/73

O relator do referido recurso especial, Ministro Sidnei Beneti, fundamenta a manutenção da suspensão das ações individuais em razão da viabilidade jurídica da questão estar em consonância com a evolução legislativa, tendo em vista a Lei dos Recursos Repetitivos que alterou o art. 543-C do Código de Processo Civil de 1973, atribuindo-lhe a seguinte redação:

Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. § 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.27 27 BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 1 set. 2011.

A aplicação deste dispositivo deve ser adequada ao tratamento da multiplicidade de processos que pleiteiem o reconhecimento de direitos individuais homogêneos, ainda que aguardem a resposta jurisdicional em primeiro grau.

Além da questão da quantidade de processos semelhantes que justificam a suspensão, a evolução legislativa, ainda há a questão dos julgamentos contraditórios a ser pontuada.

Neste diapasão, afirma o relator:

Note-se que não bastaria, no caso, a utilização apenas parcial do sistema da Lei dos Processos Repetitivos, com o bloqueio de subida dos Recursos ao Tribunal Superior, restando a multidão de processos, contudo, a girar, desgastante e inutilmente, por toda a máquina jurisdicional em 1º Grau e perante o Tribunal de Justiça competente, inclusive até a interposição, no caso, do Recurso Especial. Seria, convenha-se, longo e custoso caminho desnecessário, de cujo inútil trilhar os órgãos judiciários e as próprias partes conscientes concordarão em poupar-se, inclusive, repita-se, em atenção ao interesse público de preservar a viabilidade do próprio sistema judiciário ante as demandas multitudinárias decorrentes de macro lides. A suspensão dos processos individuais, portanto, repousa em entendimento que não nega vigência, aos artigos 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor, dispositivos legais 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, apenas lhes atualizando a interpretação extraída de toda a potencialidade desses.28 28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1110549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 6. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3. Acesso em: 20 jan. 2009.

Ou seja, a aplicação da sistemática dos recursos repetitivos, para as ações individuais já no primeiro grau de jurisdição foi realizada com o ímpeto de possibilitar a manutenção da racionalidade do sistema, para que se evitasse o desgaste de todo aparelho judicial em primeiro e segundo grau, para só então em sede de recurso especial a questão ser julgada uniformemente.

Pelo desenrolar comum do processo ordinário, apesar da possibilidade de julgamentos diferenciados comparando os juízos de Primeiro Grau, em sede de recurso o tribunal competente provavelmente firmaria um posicionamento uniforme a respeito do tema, o que com mais certeza seria realizado no Superior Tribunal de Justiça e até mesmo no Supremo Tribunal Federal. Ao cabo da realização desse percurso de instâncias as decisões seriam uniformizadas. Dessa forma, por que não uniformizar já na primeira instância o entendimento do Tribunal, dado em sede de Ação Coletiva, minimizando todo esse desgaste do aparelho judicial?

Conforme já se afirmou, a inovação foi em certa medida incorporada pela legislação processual com a sistemática dos casos repetitivos.

Cunha leciona que há diversas técnicas para o racionamento das ações repetitivas, dentre elas ressalta o caso-piloto, “com a técnica de decisão em bloco que parte de um caso concreto entre litigantes individuais” CUNHA, 2009, p. 261), ainda há a técnica de instauração de um incidente coletivo, determinando que as causas repetitivas fiquem sobrestadas até a solução do incidente e também as técnicas da agregação de causas para que haja a prática comum de atos processuais.

O leading case se aproxima, conforme ensina Ada Pellegrini Grinover, da técnica do “caso-piloto” na medida em que se parte de um caso concreto e, dada a solução, esta será estendida ao bloco dos lesados. Contudo, não se trata de um caso-piloto qualquer, mas de ação coletiva, que, embora, trate de direitos individuais homogêneos possui peculiaridades quando comparadas às ações individuais.

De todo modo, a preocupação com a adoção de mecanismos processuais mais adequados aos processos repetitivos foi considerada pela legislação superveniente ao Projeto. O acórdão acima detalhado, ao lado da solução engendrada, é sintomático da necessidade de tratamento diferenciado a este tipo de demandas, devido ao grande impacto que o volume gera à prestação do serviço pelo Poder Judiciário.

3 Gerenciamento de processos

Conforme delineou-se, foi devido à necessidade prática que se impôs diante do aumento abrupto de ações repetitivas, que os juízes da comarca de Porto Alegre se valeram de técnicas gerenciais a fim de dar tratamento específico à demanda dos expurgos inflacionários, concebendo o Projeto Caderneta de Poupança que deu azo ao caso estudado.

Tal solução se coaduna a dada pela referida pesquisa da FGV que também elenca:

A coletivização de demandas, os meios alternativos de solução de conflitos, medidas de gerenciamento, julgamento em lote de processos repetitivos são medidas que vem sendo aplicadas, mas cuja efetividade depende de sua integração em relação ao trajeto maior em que se encontram. (GABBAY; CUNHA, 2010GABBAY, Daniela Monteiro; CUNHA, Luciana Gross (Coord.). Diagnóstico sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis, mapeamento das demandas repetitivas e propositura de soluções pé-processuais, processuais e gerenciais à morosidade da Justiça. (Relatório Final de Pesquisa). São Paulo: Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, 2010., p. 62).

O gerenciamento de processos é medida salutar ao tratar de demandas de massa, e “pode ser compreendido como o planejamento da condução de demandas judiciais em direção à resolução mais adequada do conflito, com o menos dispêndio de tempo e custos” (SILVA, 2010SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Gerenciamento dos processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010., p. 10).

Além das técnicas atinentes à priorização das ações coletivas e a suspensão dos processos individuais, os métodos para gerenciamento dos processos foram relevantes para o objetivo do processo, qual seja, dar tratamento adequado ao litígio que é de massa. Isso porque, para e economia de horas de trabalho, não seria possível o trâmite comum de milhares de ações repetitivas, o tratamento especial com vistas à peculiaridade da repetição dos casos foi realizado também na movimentação das demandas e nas práticas cartorárias.

Segundo Rosane Wanner da Silva Bordash, os diferenciais do projeto são:

a) as decisões judiciais das ações individuais foram alinhadas aos dispositivos das coletivas; b) há máxima concentração de atos, para evitar a desnecessária circulação do processo (movimento cartório-gabinete-cartório que agrega tempo e custo); c) os Cartórios possuem facilitadores setoriais, para completa integração das medidas; d) o site do TJRS disponibiliza acesso direto às coletivas, permitindo o acompanhamento, bem como simulador para elaboração e conferência do cálculo; e) são realizadas reuniões periódicas para avaliação e sistematização das ações previstas. (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 99).

Porém, por ter sido realizada em decisão judicial, que não gera efeitos vinculantes, essa disciplina gerencial foi rejeitada na maioria dos Estados em que houve, de alguma forma, o pedido de sobrestamento das ações individuais para aguardar-se a tutela coletiva. Somente nos estados do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo foi adotada, de algum modo, a suspensão das ações individuais, conforme pesquisa jurisprudencial realizada nos sites dos tribunais.

Dentre as técnicas adotadas, destacam-se: padronização dos atos processuais, prévio cronograma pelo qual se estipulava quanto tempo em média determinados atos demorariam; circulação dos processos em bloco; diminuição do número de recursos interpostos perante o Tribunal de Justiça de Porto Alegre, em razão da supressão da fase de conhecimento de milhares de ações individuais.

A suspensão dos processos e a priorização das ações coletivas foram os primeiros atos gerenciais. Os processos sobrestados não ficaram simplesmente inertes, mas na espera de decisão coletiva. Isso quer dizer que, muito embora num primeiro momento houvesse a impressão de que haveria a paralização dos processos, contrariando o princípio da duração razoável do processo, a decisão coletiva favorável culminaria na eliminação da fase de conhecimento de todos os processos individuais, cerca de 24 mil. Este dado, por si, já demonstra economia em horas trabalhadas de diversos servidores.

A modificação das ações, individualmente ajuizadas, em liquidação provisória de sentença coletiva, demonstra não se tratar de mera fungibilidade processual, mas de verdadeira conversão, visto que a base processual é modificada. Tal medida visa à racionalização dos processos com busca à celeridade da prestação jurisdicional. Conforme afirma a Ministra Nancy Andrighi, deve-se:

[...] manter a percepção de que uma lide multitudinária, como a que se está a discutir, com potencial de geração de milhares de ações individuais idênticas, todas a entravar a já saturada estrutura judiciária nacional, demanda iniciativas diferenciadas e medidas efetivas para sua melhor solução, colocando-se em primeiro plano o interesse público e a imprescindível racionalização dos procedimentos. Sem isso, o exercício da atividade jurisdicional justa, célere e uniforme torna-se impossível.29 29 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 24 nov. 2011. p. 1. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp#. Acesso em: 1 set. 2011.

A padronização dos procedimentos realizados em âmbito cartorário e a estipulação de prévio cronograma são medidas eficazes, conforme apontou a experiência, principalmente no que tange ao aspecto da celeridade processual. Isso porque “as rotinas observam a produção em linha e a circulação reduzida, com simplificação e concentração dos atos” (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 135). A padronização é realizada por meio do treinamento e instrução de um funcionário por cartório (o facilitador setorial).

Prolatada a sentença em âmbito coletivo:

[...] o juiz prolator deve comunicar aos demais Juizados Cíveis, posteriormente, a Corregedoria-Geral da Justiça remete certidão online para todos os Cartórios do Estado, informando a decisão, com ementa da sentença, bem como sobre a interposição de apelação e efeitos do recebimento, então os cartórios juntam a certidão, alteram o rito e a judicância, mandando ao Projeto. (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 96).

Conforme elenca Rosana Bordash, os objetivos estratégicos do projeto foram:

(1) Celeridade processual, através da concentração das ações, cujo tramitar em lote manterá suas características de ação de massa (direito individual homogêneo); (2) baixo custo; (3) redução do número de recursos, pois a discussão do mérito ficará restrita às ações coletivas, ao invés do enfrentamento tradicional, processo a processo. [...]

Observe-se: O gerenciamento da rotina deve ser implantado, como já discutido, nas atividade e circulações cartorárias e terá por resultado os procedimentos padronizados; O gerenciamento por processos, como envolve diversos setores, comporta adoção nas ações idênticas, de ingresso massivo, que versem sobre direitos individuais homogêneos ou coletivos, através da especialização da jurisdição, com o que as rotinas serão igualmente padronizadas. (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 123-125).

Constata-se que foi realizada verdadeira economia, já que a fase de conhecimento de cerca de 24 mil processos foi suprimida pelo julgamento de onze ações coletivas. A economia reflete em todo o sistema, e para todos os litigantes, já que a expectativa era o aumento de aproximadamente 20% de ações para cada Vara Cível de Porto Alegre. Ora, o aumento da demanda em 20% sem a modificação no número de funcionários certamente geraria impacto no tempo de tramitação dos outros processos da vara.

Além dos reflexos em primeiro grau, o sobrestamento gerou diminuição significativa no número de recursos. Pois, diante das onze ações coletivas ajuizadas, foram interpostos 53 recursos. Se tivesse sido dado andamento normal às 24 mil ações individuais, isso poderia ter gerado mais de 100 mil recursos (BORDASH, 2009BORDASH, Rosane Wanner da Silva. Gestão cartorária: controle e melhoria para a razoável duração dos processos. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009., p. 134).

Diante disso, ao lado dos instrumentos de suspensão e priorização da ação coletiva, é necessário considerar que a atividade gerencial dos processos repetitivos, que é o planejamento da circulação das demandas individuais, em busca da resolução adequada do conflito, constitui atividade relevante para a customização da atividade jurisdicional em relação às demandas da massa.

4 Projeto Caderneta de Poupança frente ao CPC/15

As preocupações que deram ensejo ao Projeto Caderneta de Poupança no âmbito do TJRS foram em grande parte também consideradas quando da reforma processual realizada por meio do Código de Processo Civil de 2015, com a disciplina diferenciada para julgamento dos “Casos Repetitivos”, os quais abrangem o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e os Recursos Repetitivos.

O IRDR ganha especial relevância porque é inovação consistente na realização de incidente próprio para a solução de questão de direito, material ou processual, que se repete em inúmeras demandas, quando houver risco à segurança jurídica e à isonomia. A solução do incidente será aplicada aos demais casos, pendentes e futuros, que versarem sobre a mesma questão, buscando garantir, com isso, resolução equânime para situações similares.

Cássio Scarpinela Bueno salienta, ao comentar os dispositivos legais que regulam a matéria, que a vocação do incidente é desempenhar os princípios da isonomia e segurança jurídica, com papel próximo e complementar aos precedentes.30 30 “O Incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança judicial, papel próximo (e complementar), ao dos ‘precedentes’” (BUENO, 2015, p, p. 614).

Os autores Aluísio Gonçalves de Castro Mendes e Roberto de Aragão Ribeiro Rodrigues sustentam os mesmos objetivos, de isonomia e segurança jurídica, e também destacam que o incidente possui o condão de concretizar os princípios da celeridade e da economia processual, contribuindo para a racionalização da prestação jurisdicional, ao aliviar a carga de trabalho do Poder Judiciário (MENDES; RODRIGUES, 2011MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. Reflexões sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 37, p. 191-208, set. 2011., p. 7) e afirmam o objetivo de evitar a proliferação de processos repetitivos (MENDES; RODRIGUES, 2011MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; RODRIGUES, Roberto de Aragão Ribeiro. Reflexões sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no projeto de Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, v. 37, p. 191-208, set. 2011., p. 3). O mecanismo tem a preocupação em atenuar o problema do assoberbamento, sem o comprometimento da qualidade das decisões, “como meio para facilitar e acelerar a resolução de demandas múltiplas, que dependem da análise de uma mesma questão de direito” (MARINONI, 2016MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: decisão de questão idêntica x precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016., p. 17).

Paulo Henrique dos Santos Lucon afirma que o projeto da nova lei processual “foi criado com o objetivo de lidar com o congestionamento que aflige o Poder Judiciário. Oferecer soluções que pudessem viabilizar o processo tornando-o mais acessível, ‘desafogar’ os órgãos jurisdicionais; proporcionar maior eficácia e eficiência [...]” (LUCON, 2015LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Cultura no processo e otimização do Poder Judiciário. In: CALDEIRA, Adriano Cesar Braz. (Org.). Processo e Ideologia. São Paulo: LTr, 2015. v. 1., p. 146).

Guilherme Rizzo Amaral sustenta que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas é mecanismo que pretende dar resposta ao problema da massificação das demandas, fenômeno que gera efeitos negativos à efetividade e à segurança. Contudo, conclui, a ferramenta não se mostra suficiente para combater os nefastos efeitos na massificação, por não ter o condão de impossibilitar o ajuizamento de novas ações (AMARAL, 2011AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um “incidente de resolução de demandas repetitivas”. Revista de Processo, v. 196, jun. 2011., p. 12). Em realidade, a depender do mérito do julgamento do IRDR, ele terá o propósito de estímulo ou de desestímulo ao ajuizamento de novas demandas.

Embora o IRDR consista em avanço no tratamento das demandas repetitivas, sua regulação normativa pode ser vista como simplista em comparação ao Projeto Caderneta de Poupança, visto que este adotou solução procedimentalmente complexa, buscando agregar ao menos três técnicas para o cuidado com a massa de processos repetitivos, enquanto aquele se vale unicamente da solução pelo procedimento dos repetitivos.

Ou seja, a principal diferença do Projeto Caderneta de Poupança para a nova técnica processual consiste no fato de o primeiro se valer concomitantemente de mais de um mecanismo voltado às demandas repetitivas, o que não foi previsto na nova norma processual. Enquanto o Projeto buscou aproximar a técnica dos repetitivos e as ações coletivas e os mecanismos gerenciais, os casos repetitivos adotam a técnica de julgamento do caso-paradigma, com a suspensão dos processos similares e posterior replicação em todos eles, com a adoção de alguns “atalhos” processuais, que, porém, não retiram a necessidade de tramitação da fase de conhecimento, ainda que a abreviem. Os atalhos consistem na possibilidade de a demanda ser resolvida por sentença de improcedência liminar e também no julgamento monocrático pelo relator do recurso referente ao tema repetitivo, além da dispensa do reexame necessário.

Assim, aspecto de destaque do Projeto Caderneta de Poupança é o aproveitamento da ação coletiva na sistemática dos repetitivos, opção que se revela adequada para a isonomia das partes e estratégica para lidar com demandas de massa.

Devido a representatividade adequada das ações coletivas, determinada pela lei, os entes legitimados, ao menos em tese, possuem melhores condições para a defesa dos interesses dos litigantes individuais, ao se considerar as vantagens inatas dos litigantes habituais.31 31 O litigante habitual (repeat player) é aquele a que se refere Marc Galanter como sendo o sujeito que repetidamente utiliza o Judiciário e desfruta de vantagens estruturais em relação aos litigantes ocasionais (one-shoot players). Cf. GALANTER, 1974, p, p. 95-160. A escolha teria o objetivo de privilegiar a paridade de armas, haja vista ser conferido certo protagonismo ao litigante do caso escolhido como paradigma.

A possibilidade de litigantes habituais estarem propensos a obter maiores vantagens por meio do IRDR foi exemplificada com a batalha de Davi e Golias, visto que o litigante habitual empregará seus maiores esforços para obter resultado favorável, pois o resultado de todas as demandas relativas à questão será determinado pela solução dada no incidente (ASPERTI et al., 2016ASPERTI, Maria Cecilia de Araujo et al. Why the “haves” come out ahead in Brazil? Revisiting speculations concerning repeat players and one-shooters in the Brazilian litigation setting. FGV Direito SP Research Paper Series, n. 141, jan. 2016. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2716242. Acesso em: 10 jul. 2018.
https://ssrn.com/abstract=2716242...
).32 32 A batalha de Davi e Golias é bíblica e traz a ideia de batalha entre desiguais. Enquanto Golias era soldado treinado há muito tempo, além de ter estatura imponente, Davi era apenas um jovem rapaz, cujas características físicas destoavam das de seu adversário.

Antonio de Passos Cabral defende dois vetores ao se escolher o caso piloto, a amplitude do contraditório (elementos do debate: “(a) a completude da discussão; (b) qualidade da argumentação; (c) diversidade da argumentação; (d) contraditório efetivo; (e) existência de restrições à cognição e à prova”) e a pluralidade e a representatividade dos sujeitos do processo originário (CABRAL, 2014CABRAL, Antonio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. Revista de Processo, v. 231, p. 201-223, maio 2014., p. 201-223).

A escolha da ação coletiva, sem dúvidas, atingiria o vetor da representatividade e poderia implicar o maior equilíbrio das forças.

A razão estratégica consiste no aproveitamento da disciplina diferenciada da coisa julgada em âmbito coletivo, que opera secundum eventus litis, o que importa na abertura de possibilidade de execução da coisa julgada coletiva pelo interessado individual, com a economia da fase de conhecimento.

O IRDR e o Projeto Caderneta de Poupança não tinham o desiderato de prevenir o ajuizamento de demandas. Nota-se, pela sistemática adotada tanto por um como por outro, que no caso de não acolhimento da tese repetitiva e de improcedência da demanda, haveria a possibilidade de julgamento antecipado de mérito.

Contudo, no Projeto, para o caso de procedência da demanda, os beneficiados com a sentença coletiva poderiam executá-la diretamente, economizando o trâmite processual da fase de conhecimento. Disso se retira a estratégia da escolha da ação coletiva para efetivamente molecularizar as demandas repetitivas. Na sistemática atual ainda há a necessidade de ser proferida sentença para o caso concreto, consequentemente, haverá a possibilidade de interposição de recursos etc.

Dentro dessa experiência em cotejo com o atual IRDR, a escolha da ação coletiva como caso-paradigma parece exibir vantagens em relação às demandas individuais, podendo ser método também aplicado no IRDR.

Além disso, o Projeto prestigiou a relevância da ação coletiva no exercício de cidadania, reforçando o seu fundamental papel na defesa dos interesses individuais homogêneos, ainda mais quando diante de uma macrolide. A solução incorporada pela legislação não rompe o paradigma de litigância individual, tampouco representa incentivo às ações coletivas.

Ainda, para o Projeto alcançar economia de horas de trabalho destinada aos processos repetitivos, reduzindo o impacto deles nos demais processos, as técnicas gerenciais voltadas à movimentação processual em lote, como concentração de atos, padronização das rotinas e calendário da tramitação, foram de grande importância.

Tal solução pode servir de inspiração para os Tribunais locais no trâmite dos casos repetitivos. A adoção de rotinas próprias para as demandas de massa, por meio de padronizações desenhadas especificamente para os casos repetitivos em concreto, pode significar economia de tempo se comparada à manutenção das rotinas comuns, o que converge para a efetivação da garantia da duração razoável do processo.

Nesse contexto, sem negar os avanços da legislação no tema da repetitividade das demandas, o Projeto Caderneta de Poupança ainda pode servir de inspiração quanto à cumulação das técnicas para o julgamento de demandas repetitivas sob o enfoque de melhoria na prestação jurisdicional.

Considerações finais

A priorização da ação coletiva quando se trata de demandas de massa, repetitivas, gera repercussões econômicas, temporais e sociais.

Econômicas quanto à economia de horas que seriam trabalhadas para dar andamento aos processos repetitivos. Temporais relativas à duração do processo, pois o aumento abrupto do número de processos de uma vara gera consequências no tempo de duração dos outros processos da vara. E repercussões sociais em razão da diminuição da litigiosidade, uma vez que todos os lesados podem se beneficiar do resultado da ação coletiva, diminuindo os obstáculos de acesso à justiça, além de levar à apreciação judiciária questões que em virtude de seu pequeno valor individual dificilmente seriam solucionadas.

Diante do resultado de uma demanda de massa, a carga demasiada do Judiciário que repercute na problemática da morosidade, bem como das consequências positivas que a ação coletiva pode causar ao tratar de modo conjunto demandas que seriam ajuizadas individualmente, exige-se do juiz papel ativo para gerenciar do modo mais adequado a condução dos processos.

O gerenciamento dos processos, conforme conceitua Paulo Eduardo Alves da Silva (2010)SILVA, Paulo Eduardo Alves da. Gerenciamento dos processos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2010. consiste no planejamento da condução de demandas, visando à resolução mais adequada do conflito, com menos dispêndio de tempos e custos, ou seja, trata-se da atividade necessária para que o Judiciário seja eficaz em dar solução as demandas de massa.

O leading case pretendeu solucionar o problema da demanda repetitiva por meio do sobrestamento das ações individuais para aguardar a sentença proferida em âmbito coletivo. Além desta, outras técnicas gerenciais foram implantadas, como o estabelecimento de agenda para os atos processuais, padronização dos atos, treinamento de um facilitador setorial entre outros.

A visão expansionista das ações coletivas foi confirmada na presente pesquisa, em vista dos benefícios que isso pode gerar a estrutura judiciária ao tratar de demandas repetitivas, além de não se verificar nenhum prejuízo aos lesados individuais.

O gerenciamento das demandas de massa, com prioridade à ação coletiva, demonstra-se medida inovadora, oriunda de atividade pretoriana, que revela a necessidade de adequação do processo às novas demandas levadas ao Judiciário. Mais do que isso, deve servir de inspiração aos operadores do direito no manejo das técnicas dos casos repetitivos previstos no Código de Processo Civil de 2015.

nota de agradecimento

A pesquisa inicial deste artigo foi elaborada com benefício de bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no ano de 2010.

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  • WATANABE, Kazuo. II – Do processo individual de defesa do consumidor. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017.
  • 1
    Embora o IRDR seja incidente de resolução de “demandas” repetitivas, há entendimentos doutrinários divergentes quanto ao real objeto do incidente, havendo quem defenda se tratar de incidente de resolução de questão repetitiva. Nesse sentido: MARINONI, 2016MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: decisão de questão idêntica x precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.; OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Guilherme José Braz. Nova técnica de julgamento de casos repetitivos à luz do novo Código de Processo Civil: o incidente de resolução de demandas repetitivas. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.. No outro sentido: MEDINA, 2015MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de processo civil: comentado com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.; TEMER, 2016TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. Salvador: Juspodivum, 2016.; CAVALCANTI, 2015CAVALCANTI, Marcos de Araújo. O incidente de resolução de demandas repetitivas e as ações coletivas. Salvador: Juspodivm, 2015..
  • 2
    A expressão macrolide é utilizada por Sidnei Beneti para denominar os conflitos característicos da sociedade de massa (BENETI, 2009BENETI, Sidnei Agostinho. Assunção de competência e fast-track recursal. Revista de processo, São Paulo, v. 34, n. 171, p. 9-23, maio 2009.).
  • 3
    Leading case significa processo-paradigma.
  • 4
    BRASIL. Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078compilado.htm> Acesso em: 1 set. 2011. Art. 104: “As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”
  • 5
    BRASIL. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985. Lei de Ação Civil Pública. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L7347orig.htm> Acesso em: 1 set. 2011. Art. 5º: “Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, [...].”
  • 6
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. RECURSO REPETITIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. MACRO-LIDE. CORREÇÃO DE SALDOS DE CADERNETAS DE POUPANÇA. SUSTAÇÃO DE ANDAMENTO DE AÇÕES INDIVIDUAIS. POSSIBILIDADE. 1.- Ajuizada ação coletiva atinente a macro lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva. 2.- Entendimento que não nega vigência aos artigos 51, IV e § 1º, 103 e 104 do Código de Defesa do Consumidor; 122 e 166 do Código Civil; e 2º e 6º do Código de Processo Civil, com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivos (Lei n. 11.672, de 8.5.2008). 3.- Recurso Especial improvido. N. 1110549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3 >. Acesso em: 20 jan. 2009.
  • 7
    Entrevista I. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 8
    Entrevista III. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 9
    Entrevista III. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 10
    Entrevista V. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 11
    Entrevista IV. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 12
    Entrevista VI. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 13
    Entrevista II. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 14
    Entrevista VII. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 15
    Entrevista I. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 16
    Entrevista VI. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 17
    Entrevista VII. Entrevistadora: Amanda de Araújo Guimarães. Porto Alegre, abril de 2010.
  • 18
    Decisão proferida pelos magistrados da 15ª e 16ª Varas Cíveis do Foro Central de Porto Alegre, nas ações coletivas que postulam cobrança de valores que deixaram de ser pagos pelas instituições financeiras em decorrência dos planos governamentais denominados Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Disponível em: <s.conjur.com.br/dl/oficio-circular-318-.doc>. Acesso em: 1 fev. 2013.
  • 19
    Conforme GRINOVER, 2017, pGRINOVER, Ada Pellegrini. Capítulo IV – Da coisa julgada. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 11 ed. São Paulo: Forense, 2017., p. 1.025.
  • 20
    DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
  • 21
    Decisão proferida pelos magistrados da 15ª e 16ª Varas Cíveis do Foro Central de Porto Alegre, nas ações coletivas que postulam cobrança de valores que deixaram de ser pagos pelas instituições financeiras em decorrência dos planos governamentais denominados Bresser, Verão, Collor I e Collor II. Disponível em: <s.conjur.com.br/dl/oficio-circular-318-.doc>. Acesso em: 1 fev. 2013.
  • 22
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 24 nov. 2011. p. 1. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp#. Acesso em: 1 set. 2011.
  • 23
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 13. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3 >. Acesso em: 20 jan. 2009.
  • 24
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 14 abr. 2010. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=952206&num_registro=200900070092&data=20100430&formato=PDF . Acesso em: 30 abr. 2018.
  • 25
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 14 abr. 2010. p. 3. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=952206&num_registro=200900070092&data=20100430&formato=PDF. Acesso em: 30 abr. 2018.
  • 26
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.110.549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 8. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3. Acesso em: 20 jan. 2009.
  • 27
    BRASIL. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 1 set. 2011.
  • 28
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1110549/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, 28 out. 2009. p. 6. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=1110549&b=ACOR#DOC3. Acesso em: 20 jan. 2009.
  • 29
    BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1.189.679/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 24 nov. 2011. p. 1. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp#. Acesso em: 1 set. 2011.
  • 30
    “O Incidente, destarte, é vocacionado a desempenhar, na tutela daqueles princípios, da isonomia e da segurança judicial, papel próximo (e complementar), ao dos ‘precedentes’” (BUENO, 2015, pBUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015., p. 614).
  • 31
    O litigante habitual (repeat player) é aquele a que se refere Marc Galanter como sendo o sujeito que repetidamente utiliza o Judiciário e desfruta de vantagens estruturais em relação aos litigantes ocasionais (one-shoot players). Cf. GALANTER, 1974, pGALANTER, Marc. Why the haves come out ahead? Speculations on the limits of legal change. Law and Society Review, v. 9, n. 1, p. 95-160, 1974., p. 95-160.
  • 32
    A batalha de Davi e Golias é bíblica e traz a ideia de batalha entre desiguais. Enquanto Golias era soldado treinado há muito tempo, além de ter estatura imponente, Davi era apenas um jovem rapaz, cujas características físicas destoavam das de seu adversário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2018
  • Data do Fascículo
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2016
  • Aceito
    16 Abr 2018
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