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O dilema da “produção independente” de parentalidade: é legítimo escolher ter um filho sozinho?

THE DILEMMA OF THE “INDEPENDENT PRODUCTION” OF PARENTALITY: IS IT LEGITIMATE HAVING A CHILD ALONE BY CHOICE?

Resumo

A família monoparental é uma entidade familiar constitucionalmente protegida no artigo 226, § 4°, da Constituição Federal de 1988. No entanto, pairam ainda, sobretudo na doutrina, algumas dúvidas quanto à possibilidade de uma pessoa intencionalmente constituir uma família monoparental, fazendo uso das técnicas de reprodução humana assistida, a chamada “produção independente”. A partir de tal perspectiva, pergunta-se: seria legítimo escolher desempenhar individualmente uma paternidade ou maternidade? Com a finalidade de responder tal indagação, o presente trabalho objetivou analisar a legitimidade de uma pessoa solteira em empreender um projeto particular de parentalidade, recorrendo-se ao auxílio das modernas técnicas de procriação medicamente assistida. Para tanto, utilizou-se do método analítico-dedutivo, mediante o uso de revisão bibliográfica, com o intuito de buscar as formulações doutrinárias acerca da temática, analisando-as em conformidade com uma metodologia bioética-civil-constitucional. Assim, observou-se que, sob a ótica do planejamento familiar e de suas limitações legais, não há como se obstar legalmente à concretização de tais projetos de paternidade ou maternidade. Afinal, o ideal de família previsto pelo ordenamento brasileiro preserva a afetividade e o cuidado nas relações familiares, acima de qualquer padrão de constituição familiar predeterminado.

Palavras-chave
“Produção independente”; família monoparental; reprodução humana assistida; autonomia procriativa; planejamento familiar

Abstract

The single-parent family is a family entity legally protected by article 226, § 4° of the Federal Constitution of Brazil. However, there are still doubts about the feasibility of a single-parent family, constituted by means of assisted human reproduction techniques, the so-called “independent production” - a Brazilian idiomatic expression. From this perspective, one could wonder: would the choice to individually perform paternity or maternity be legitimate? In order to answer that question, the present work aims to analyze the legitimacy of a particular project of parenting held by a single person, resorting to the aid of modern medically assisted procreation techniques. For this purpose, we applied the analytic-deductive method, through a bibliographical review, with the intention of searching the doctrinal formulations on the subject, analyzing them in accordance to a bioethical-civil-constitutional methodology. Thus, it was observed that, from the point of view of family planning and its legal limitations, there is no way to legally restrain the implementation of such parental projects. After all, the ideal of family foreseen by the current Brazilian order preserves affection and care in family relations, above any predetermined pattern of family constitution.

Keywords
“Independent production”; single parent family; human assisted reproduction; procreative autonomy; family planning

Introdução

Em função sobretudo das discussões acerca da tese de repercussão geral de n. 622,1 1 Tema de Repercussão Geral n. 622 – Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4252676&numeroProcesso=692186&classeProcesso=ARE&numeroTema=622#>. firmada em 2016 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em matéria de multiparentalidade, tem-se discutido bastante a questão da quebra do padrão binário compulsório de parentalidade. Entretanto, em que pese a importância da referida temática, olvida-se que, curiosamente, há muito mais tempo, uma figura familiar já vem indicando uma ruptura desse modelo parental tradicional, qual seja: a família monoparental.

Tal entidade familiar, aparentemente já bem sedimentada no ordenamento pátrio, por meio da atribuição do status de família pela Constituição Federal (CF) em seu artigo 226, § 4°, guarda consigo algumas complexidades para além da sua estrutura aparentemente simplificada. Isso pois a sua natureza familiar é fruto, acima de tudo, do reconhecimento do cuidado e da afetividade despendidos por seus membros entre si, em especial à responsabilidade individual da mãe ou pai com a sua prole (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 ago. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
).

Dentre tais implicações relevantes que circundam a realidade dessas famílias, encontramse as intensas mudanças sociais que se desenvolveram desde o seu reconhecimento legislativo até os dias atuais, especialmente no que diz respeito às suas formas de constituição. Afinal, a despeito da intenção inicial do legislador, mormente à proteção da figura das mães solos, outrora bastante estigmatizadas na sociedade brasileira, o passar do tempo proporcionou à família monoparental novas possibilidades de formação, para além dessa acepção involuntária de parentalidade individual. Dentre essas novas alternativas, encontra-se o recurso às técnicas de reprodução humana assistida, por meio das quais um homem ou uma mulher solteiros podem, com auxílio da doação anônima de gametas e, quando necessário, a exemplo do caso masculino, de uma gestação sub-rogada, levar a cabo um projeto parental particular.

Ainda há, no entanto, algumas suposições no sentido de desestimular tais práticas, as quais acarretariam numa monoparentalidade intencional e voluntária, conhecidas como “produções independentes”. Os doutrinadores que defendem tais hipóteses partem, sobretudo, do pressuposto que tal escolha seria bastante egoística dos pais ou mães, levando, inclusive, a uma possível objetificação dessa criança, a qual serviria apenas como objeto de concretização do desejo do progenitor, sem levar em consideração sua dignidade. A partir dessa provocação, pergunta-se: é legítimo optar por se ter um filho individualmente? É danoso à criança já nascer sem um segundo referencial de parentalidade? Estaria a filiação voluntária sujeita a uma sistemática, ao menos, biparental? Seria a monoparentalidade planejada desaconselhável, em nome do Melhor Interesse da Criança?

É na tentativa de responder a tais questionamentos que o presente estudo pretendeu analisar a legitimidade de uma pessoa solteira em empreender um projeto particular de parentalidade, recorrendo ao auxílio das modernas técnicas de procriação medicamente assistida. Dessa maneira, o artigo em questão tem por escopo a análise de formas originais de constituição da parentalidade, vez que a concepção se dará por meio de procriação medicamente assistida e tendo como o propósito a unilateralidade da maternidade ou da paternidade e o asseguramento dessa monoparentalidade proposital.

Nesse sentido, busca-se oferecer ao leitor, de modo inovador, uma compreensão da temática que perpasse tanto por um recorte bioético, indispensável a sua compreensão, quanto por uma investigação relativa às questões de gênero atinentes às mudanças dos papéis sociais desempenhados pelas mulheres e pelos homens na sociedade contemporânea.

Para tanto, objetivou-se: a) traçar um panorama histórico-legislativo, o qual desembocou no reconhecimento da família monoparental como entidade familiar; b) estudar quais as diretrizes vigentes em matéria de reprodução humana assistida no Brasil; c) entender o papel da bioética na regulamentação das técnicas reprodutivas; d) compreender as implicações do planejamento familiar nas escolhas individuais dos projetos parentais dos indivíduos; e) analisar a legitimidade das “produções independentes” de parentalidade, à luz da bioética e das normatizações vigentes em matéria de família monoparental e de reprodução humana assistida, máxime no que diz respeito às questões de gênero.

Fez-se, assim, a partir da aplicação da técnica de pesquisa documental, um estudo legislativo, com base na CF, na Lei n. 9.263/1996 (Lei de Planejamento Familiar), nos projetos de lei em matéria de reprodução humana assistida e nas Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), a fim de compreender a sistemática legislativa vigente no tocante a temática central da pesquisa. Ademais, utilizou-se, no presente artigo, o método de raciocínio analítico-dedutivo, fazendo-se uma revisão bibliográfica, com a finalidade de buscar na doutrina os principais posicionamentos em matéria de famílias monoparentais e “produções independentes” de filiação.

1 O reconhecimento da família monoparental no ordenamento jurídico brasileiro: uma breve contextualização

Na lição de Cynthia Sarti (2000SARTI, Cynthia A. Família e individualidade: um problema moderno. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brant de (Org.). A família contemporânea em debate. São Paulo: Cortez, 2000., p. 40), a família vai ser a concretização de uma forma de viver os fatos básicos da vida. Percebe-se a veracidade dessa afirmação em virtude de que em cada núcleo familiar é contada a história das relações sociais e que as famílias são verdadeiros microcosmos sociais em suas realidades e vivências.

Sob tal perspectiva, faz-se necessário analisar, em síntese apertada, a evolução ditada pela CF de 1988, em seu art. 226, §§1°, 2°, 3° e 4°, com a introdução de novas formas de família sob a égide do termo “entidade familiar”. O que o legislador constitucional fez, em face do reconhecimento expresso da monoparentalidade como família, foi inserir na sistemática protetiva agrupamentos sociais outrora desprovidos de tutela jurídica (LEITE, 1995LEITE, Eduardo de Oliveira. A família monoparental como entidade familiar. In: ALVIM, Teresa Arruda. Repertório de Jurisprudência e Doutrina sobre Direito de Família: aspectos constitucionais, civis e processuais. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995., p. 44). Nesse contexto, famílias compostas por mãe e seus filhos ou pai e seus filhos saíram da exclusão legislativa e passaram ao patamar antes ocupado apenas pela família matrimonial.

Enquanto indivíduos, todos estão sujeitos aos desafios de suas respectivas subjetividades, assim, como não se admitir que as famílias reflitam essas peculiaridades? Como exigir que, diante de tanta diversidade e pluralismo, as famílias refletissem um patamar unívoco de características? Nesse diapasão, é preciso compreender que, para além do reconhecimento legal, as famílias formadas por um único genitor e seus filhos são uma realidade social, seja em face de fenômenos transitórios, como casos sazonais, ou constituídas em sua essência definitivamente como monoparentais.

A família contemporânea desafia parâmetros, desconstruindo estereótipos, e o que outrora era pensado como condição imutável para seu reconhecimento – como a relação entre mulher e homem em face de vínculos monogâmicos inquebrantáveis – na atualidade não é mais uma verdade absoluta.2 2 Tal concepção sustenta-se, seja porque o casamento válido hoje é dissolvido tanto pela morte, quanto pelo divórcio, seja porque as uniões entre casais do mesmo sexo – outrora condenadas ao ostracismo – gozam do mesmo reconhecimento das relações heteroafetivas. Dessa maneira, faz-se necessário compreender, no que tange as famílias monoparentais, que o processo de reconhecimento dado pela legislação constitucionalista é um divisor de águas no acolhimento/reconhecimento dessas entidades familiares.

Se a família é o instrumento de asseguramento do indivíduo em seu desenvolvimento, o que move a sua formação e sustentação não é a previsão legal, como marco de sua existência, mas a sua observância reiterada na sociedade. Ante tal perspectiva, é impossível negar a existência dessas configurações familiares na realidade social brasileira, a exemplo do que apontam as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Censo Demográfico, no qual se constatou que o total de mulheres solteiras com filhos é de 12,2% da população, ao passo que o total de homens com filhos e sem cônjuges é de 1,8% da população (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2010: famílias e domicílios resultados e amostras. Rio de Janeiro: Censo demográfico, 2010. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domicilios_amostra.pdf>. Acesso em: 12 out. 2017.
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualiza...
, p. 71).

O que se discute, no presente artigo, é a percepção de formas inovadoras para a constituição das famílias monoparentais, o que não invalida a sua concretização, apenas traz à baila a questão da legitimidade da aceitação do exercício da autonomia privada em conformidade com o Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, para os casos de produções independentes de maternidade ou paternidade.

De fato, o que se pode ressaltar na importância da família monoparental é a inexigibilidade do formato casal e filhos, pelo que, em essência, deve-se atestar a efetividade dos princípios da Autonomia Privada3 3 Na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, que, no Brasil, deu-se, notadamente, a partir do advento da Constituição de 1988, constata-se uma clara preferência pela Autonomia Privada em detrimento da ideia de Autonomia da Vontade. Isso, pois, a primeira, diferentemente da segunda, prima pelo exercício de interesses subjetivos, com observância dos interesses coletivos. No tocante ao planejamento familiar, a seu turno, os interesses dos particulares devem, portanto, respeitar, sobretudo, os ideais de solidariedade tanto material, quanto imaterial. No mesmo sentido, conferir Holanda (2017, p. 220). e do Pluralismo Familiar. O primeiro, tendo em vista a indiscutível formação familiar ser decorrente do direito de escolha em exercer a reprodução para além do casamento ou da união estável, configura uma das expressões do Princípio da Liberdade Familiar. Quanto ao segundo, decorre da compreensão de que as famílias são plurais, assim como seus membros, não existindo um único padrão a ser seguido. Afinal, como bem lembra Paulo Lôbo (2017LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 78), o art. 226 da Constituição Federal instaurou um paradigma no qual as entidades familiares são múltiplas e iguais em dignidade, não podendo haver qualquer hierarquia entre elas, tendo em vista a liberdade na sua formação.

Nessa continuidade, faz-se importante perceber que, como sustenta Luiz Edson Fachin (2008FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008., p. 7), o direito civil atravessou um processo de constitucionalização, em que, na sua dimensão formal, os três principais institutos do direito privado (a família, a propriedade e os contratos) passaram a integrar o corpo da normativa constitucional e, na sua dimensão prospectiva, deve-se ressignificar tais significantes do discurso jurídico-normativo, de modo a adequá-los à realidade social plural. Ante tal perspectiva, não se pode olvidar dos ditames constitucionais, sobretudo, no tocante à aplicação imediata dos seus princípios e das garantias fundamentais quando se analisa a sistematização das relações privadas, em especial, as familiaristas. Nesse sentido, sustenta Paulo Lôbo (2014LÔBO, Paulo. Metodologia do direito civil constitucional. In: RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski; SOUZA, Eduardo Nunes de; MENEZES, Joyceane Bezerra de; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos (Orgs.). Direito Civil Constitucional: a ressignificação da função dos institutos fundamentais do direito civil contemporâneo e as suas consequências. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014., p. 20) que tal paradigma, o qual se deu o nome de metodologia civil-constitucional, representa “uma metodologia de estudo, de pesquisa e de aplicação do Direito Civil”, na qual se tenta preservar os direitos fundamentais dos particulares também quando inseridos nas relações privadas.

É fato, por outro lado, que os filhos oriundos de famílias monoparentais – propositadamente concebidas nesse formato – estão alijados do seu direito de escolha. Entretanto, qual a espécie de família que leva em consideração o direito de escolher nascer? Ademais, a constatação de um formato diverso para o afeto materno-filial ou paterno-filial não pode ser um obstáculo ao reconhecimento de famílias que quebram paradigmas, mas que estão inseridas no contexto social. Sendo assim, faz-se imperiosa a reflexão acerca da voluntariedade na constituição desses tipos familiares, máxime no que diz respeito ao recurso às técnicas reprodutivas medicamente assistidas e sua legitimidade ante o arcabouço normativo pátrio.

2 Novos paradigmas em matéria de filiação: a reprodução humana assistida e a sua (não) regulamentação no Brasil

Falar no instituto jurídico da filiação atualmente é, sem dúvida, uma tarefa bastante complexa. Afinal, desde que a Constituição de 1988 revolucionou completamente o ordenamento brasileiro em matéria de direito das famílias, os vínculos paterno-materno-filiais não possuem mais um viés excludente ou discriminador. Nesse caso, tais relações jurídicas deixaram de ser pautadas na hierarquização, na legitimidade da filiação, no critério biológico e na perspectiva patrimonialista, para serem vistas como um meio de realização e de dignificação dos membros desse seio familiar. Para tanto, a afetividade e o cuidado foram eleitos como valores jurídicos relevantes, merecedores de proteção e de incentivo por parte do Direito.

Ademais, somada a essa nova perspectiva familiarista, os grandes avanços da medicina e da biotecnologia potencializaram as possibilidades de concretização de um projeto parental, por intermédio das chamadas técnicas de reprodução humana assistida (RHA). Tais procedimentos, aliados às normativas atinentes ao planejamento familiar, surgiram como uma alternativa legítima e eficaz para quem anteriormente estaria impossibilitado de concretizar um projeto parental por meio da reprodução humana natural. Nesse sentido, corrobora Maria Cláudia Crespo Brauner (2003BRAUNER, Maria Claudia Crespo. Direito, sexualidade e reprodução humana: conquistas médicas e o debate bioético. Rio de Janeiro: Renovar, 2003., p. 51-52) ao afirmar que “deve ser considerada legítima toda intervenção que tenha o objetivo de assegurar o restabelecimento das funções reprodutivas, ou de oferecer alternativas que possam resultar no nascimento de filhos desejados”.

Tais técnicas, assim pautadas nas ideias de liberdade no planejamento familiar e de proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, acabam gerando novas possibilidades para a filiação. Afinal, a infertilidade e a esterilidade são situações corriqueiras na sociedade, encontrando na RHA uma possível solução. Além do mais, outros indivíduos, como os casais homoafetivos, as mulheres em idade avançada e as pessoas solteiras também podem socorrer-se a tais tratamentos, desde que respeitados os ditames estabelecidos para o planejamento familiar (AUTO, 2012AUTO, Luciana da Fonseca Lima Brasileiro. Projeto Individual: entre o desejo e o direito. 2012. 106 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/10686/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Luciana.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 25 ago. 2017.
http://repositorio.ufpe.br/bitstream/han...
, p. 84).

Em que pese todos esses avanços, entretanto, o ordenamento jurídico pátrio ainda não se ajustou completamente às novas alternativas da biotecnologia. Isso, pois, apesar de haver inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre RHA, nenhuma norma específica nessa matéria foi aprovada até o presente momento, causando, de certa forma, uma atmosfera de insegurança jurídica àqueles que desejam se submeter a tais tratamentos.

De toda sorte, claro que não se pode dizer que o ordenamento é totalmente silente, pois há algumas poucas disposições que se destinam ao estabelecimento de parâmetros no assunto, quais sejam: a) as presunções jurídicas de filiação do art. 1597 do Código Civil (CC) - que tratam apenas acerca da atribuição de paternidade presumida às pessoas nascidas na constância do casamento e oriundas de técnicas de RHA homóloga4 4 A técnica de RHA homóloga se dá quando há utilização dos gametas do próprio casal para viabilizar a reprodução. O art. 1.587 do CC utiliza esse termo em dois momentos: a) para atribuir a paternidade ao marido que consentiu com o uso de seu material genético para efetivação da técnica reprodutiva, mesmo que realizada após a sua morte (a chamada RHA post mortem); b) para, nos casos de implantação, a qualquer tempo, de embrião excedentário, atribuir a paternidade ao marido, visto que tais embriões detêm o material genético de ambos os cônjuges. e heteróloga;5 5 A técnica de RHA é denominada heteróloga quando se faz necessária a utilização de material genético de um terceiro, doador de gametas, estranho ao casal, para poder viabilizar o emprego dos procedimentos reprodutivos. O art. 1.597 do CC utiliza esse termo em um de seus incisos, no qual atribuiu a paternidade ao marido que consentiu com o emprego da técnica de reprodução heteróloga. b) as Resoluções do CFM - correspondendo a meras normas deontológicas médicas para orientação das condutas dos profissionais no emprego desses procedimentos; c) o art. 226, § 7° da CF e a Lei n. 9.263/1996 - que serão melhor abordados em tópico próprio -, que dão as diretrizes em matéria de planejamento familiar.

Somente isso, no entanto, não é suficiente. Afinal, tais técnicas vão muito além das questões atinentes ao direito das famílias, dizem respeito à dignidade humana, aos direitos da personalidade e fundamentais. Desse modo, é essencial que haja uma regulamentação própria e específica capaz de incorporar os ditames bioéticos específicos em matéria de RHA ao ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, Maria Helena Diniz (2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 781, grifo nosso) comenta:

Enquanto não advier a legislação regulamentadora da reprodução humana assistida, prevaleceria, segundo alguns autores, o princípio de que tudo aquilo que não está proibido está permitido, deixando os cientistas da área biomédica com grandes possibilidades de ação na área da embriologia e da engenharia genética.

Sendo assim, pelo que se pode perceber, a mobilização do legislativo para regular tal matéria é necessária e deve se dar o mais rapidamente possível. Afinal, a emergência dessas novas tecnologias representa a própria materialização da tridimensionalidade do Direito, o qual, por sua vez, como dizia Reale (2002REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2002., p. 2) é fato, valor e norma. Muda o meio social, mudam-se os fatos, novas valorações surgem e, consequentemente, o Direito passa a ser impelido a se adaptar àquela nova realidade. Tendo isso em mente, a omissão do Congresso na aprovação de uma lei que regulamente as técnicas de RHA mostra-se, inclusive, danosa e irresponsável, pois coloca tais relações às margens da legalidade e da segurança jurídica.

De outro lado, apesar dos impactos negativos de tal escassez legislativa, ainda existem outras formas de saná-la legitimamente no ordenamento jurídico pátrio. Diante disso, como referido anteriormente, mesmo não havendo regras específicas, há alguns instrumentos normativos, supramencionados, que podem ser usados para garantirem o acesso a esses procedimentos. Nesse sentido, explica, ainda, Maria Helena Diniz (2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 781):

[…] entendemos que, ante a ausência daquela norma, dever-se-á aplicar o art. 4° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, freando, assim, a atividade jurisdicional, que, então, só poderá utilizar-se dos princípios gerais do direito comparado ante a complexidade dessa temática, sempre levando em conta o respeito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), diretrizes do Código de Ética Médica, arts. 15, 16 e 99 e a da Resolução do CFM n. 2.121/2015.6 6 Apesar da edição de nova resolução deontológica, qual seja, a Resolução n. 2.168/2017 do CFM - a qual deu posteriormente ao fechamento da edição do respectivo livro -, há de se pôr em evidência que o pensamento da autora continua subsistindo em relação a aplicação da referida norma de modo subsidiário; tendo em vista que as alterações pertinentes a norma não modificarem o teor hierárquico do regramento.

Afinal, deixar de reconhecer tais relações jurídicas pela pura ausência de leis é o mesmo que negar a realidade e a concretude dos fatos e a forma como eles se apresentam. É partindo dessa perspectiva que o presente trabalho se destina a analisar a legitimidade das “produções independentes” de filiação, mormente à compreensão dos ditames bioéticos, o estudo do planejamento familiar e, também, as perspectivas do direito das famílias pátrio, que serão discutidos a seguir.

3 O estudo da reprodução humana assistida à luz dos princípios da bioética

A Bioética surgiu como um conjunto de normas éticas, morais e deontológicas num momento em que a comunidade global perpassava por novas descobertas técnico-científicas. Essas descobertas, por sua vez, nem sempre foram acompanhadas por um processo humanístico, em que a dignidade da pessoa humana era respeitada como um princípio universal de bem-estar biopsicossocial de todos os indivíduos envolvidos nas relações biomédicas.

Nesse sentido, pode-se dizer que o marco histórico para o surgimento desse campo teórico remonta a uma série de abusos sofridos por volta de meados do século XX, quando o perfil majoritário de envolvidos era o de seres humanos classificados como cidadãos de segunda classe,

[…] os alvos de pesquisa eram os chamados “cidadãos de segunda classe”: internos em hospitais de caridade, adultos com deficiências mentais, crianças com retardos mentais, idosos, pacientes psiquiátricos, recém-nascidos, presidiários, enfim, pessoas incapazes de assumir uma postura moralmente ativa diante do pesquisador e do experimento. (BEECHER, Henry7 7 BEECHER, Henry. Ethics and clinical research. The New England Journal of Medicine. v. 274, n. 24, June, 16, 1966. apud DINIZ; GUILHEM, 2002DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002., p. 20-21)

Diante desse quadro problemático, em 1974, o Governo e o Congresso norte-americano criaram a “Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos em Pesquisa Biomédica e Comportamental”, a fim de que, no prazo de quatro meses, fossem identificados os princípios básicos que deveriam conduzir as experimentações que utilizassem seres humanos nas ciências do comportamento biomédico (SOARES; PIÑEIRO, 2006SOARES, André Marcelo M; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução. São Paulo: Edição Loyola, 2006., p. 31). Esse trabalho, ao ser publicado, ficou conhecido como Relatório de Belmont, o qual marcou decisivamente o início da história ocidental da bioética, afinal foram instituídos três princípios basilares: a) o Respeito pelas Pessoas; b) a Beneficência; e c) a Justiça.

Entretanto, apesar da importância histórica trazida pela criação desses princípios, foi apenas a partir da publicação de Princípios da Ética Biomédica, de autoria de To m Beauchamp e James Childress que, em 1979, a bioética consolidou força acadêmica por meio da Teoria Principia-lista, a qual ainda hoje é adotada e estudada pelos estudiosos da matéria (DINIZ; GUILHEM, 2002DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002., p. 38). Nesse sentido, vale dizer que, a partir dessa nova sistemática, há a observância dos seguintes princípios: a) Autonomia; b) Beneficência; c) Não Maleficência; e d) Justiça.

No tocante ao estudo da referida temática, cumpre salientar que essa será a teoria adotada para reflexão no presente trabalho, não se olvidando de reconhecer que ela não é a única maneira de se compreender a Bioética como um campo autônomo nas ciências do conhecimento, existindo, para tanto, outras interessantes visões. Por outro lado, ratifica-se que talvez seja a teoria mais importante, pois é a que, em maior amplitude, é difundida e conhecida pelos estudiosos da temática.

Diante de tais critérios, o princípio da Autonomia para a Bioética se refere às liberdades individuais do sujeito submetido a uma relação médico-paciente. Dessa maneira, prioriza-se a lógica de respeito à autonomia existencial do indivíduo em desejar se submeter a um determinado tipo de procedimento ou não. Nesse sentido, ainda há a possibilidade de que essa anuência seja dada a partir de um vício de consentimento, como o paciente ser influenciado na tomada de decisão, ou ainda que esse ato seja emanado de coação, fraude ou erro, por exemplo. Perfaz-se, por isso, a necessidade de que haja a figura do chamado consentimento livre e esclarecido:

II.7 – Consentimento livre e esclarecido – anuência do participante da pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após esclarecimento completo e pormenorizado sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar. (BRASIL, 2012, grifo nosso)

A partir disso, percebe-se que o consentimento livre e esclarecido se baseia na ideia de que o responsável por conduzir o ato médico deva detalhar ao paciente todos os procedimentos possíveis para o seu quadro clínico, bem como os riscos que podem existir a partir de cada escolha que poderá ser tomada. Assim, garantir-se-á que esse sujeito, a partir de sua capacidade em se autodeterminar, possa consentir autonomamente por meio da decisão de qual técnica irá querer se utilizar. Atualmente, por isso, não basta que o médico tome a decisão pelo paciente, é necessário que ele sirva como auxiliar na tomada de decisão, sem que tolha a possibilidade de o sujeito passivo da relação biomédica decidir a partir de sua razão e faculdade mental.

Entretanto, por sua vez, como se pode avaliar a aplicação desse princípio numa relação em que se envolva o uso das técnicas de RHA? Atualmente, como analisado neste estudo, ainda há uma escassez legislativa quanto à regulamentação específica dessas técnicas reprodutivas, fazendo-se necessário o uso de normas deontológicas. Tais normas, a seu turno, não devem ser percebidas como regras gerais de influência direta aos julgadores, sendo sua efetividade circunscrita apenas aos agentes de saúde.

Diante disso, torna-se imperioso recorrer às normas existentes em direito admitido, como as normas-princípios, entendidas nesse contexto como as garantias fundamentais, a exemplo da Dignidade da Pessoa Humana, da Liberdade etc. De toda sorte, discute-se também a necessidade de uma regulamentação conjunta com uma fiscalização da aplicação das normas deontológicas, a fim de se buscar uma prática médica livre de abusos e transparente quanto ao procedimento a ser realizado no uso das técnicas medicamente assistidas.

Cabe, nessa oportunidade, ressaltar o que dispõe a Resolução n. 2.168/2017 do CFM, a qual disciplina deontologicamente o uso das técnicas de RHA, especificamente no que tange aos princípios norteadores desses procedimentos,

4. O consentimento livre e esclarecido será obrigatório para todos os pacientes submetidos às técnicas de RA. Os aspectos médicos envolvendo a totalidade das circunstâncias da aplicação de uma técnica de RA serão detalhadamente expostos, bem como os resultados obtidos naquela unidade de tratamento com a técnica proposta. As informações devem também atingir dados de caráter biológico, jurídico e ético. O documento de consentimento livre e esclarecido será elaborado em formulário especial e estará completo com a concordância, por escrito, obtida a partir de discussão bilateral entre as pessoas envolvidas nas técnicas de reprodução assistida. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2017BRASIL. Resolução n. 196, de 10 de outubro de 1996. Versão 2012. Conselho Nacional de saúde. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/web_comissoes/conep/aquivos/resolucoes/23_out_versao_final_196_ENCEP2012.pdf>. Acesso em 4 set. 2017.
http://conselho.saude.gov.br/web_comisso...
, grifo nosso)

Diante do exposto, ao se pensar em autonomia num projeto de parentalidade, o qual se utilizará das técnicas medicamente assistidas, é necessário levar para o autor (ou autores) do projeto parental em questão todas as informações necessárias a respeito dos procedimentos e riscos que podem haver a partir do uso dessas técnicas. Assim, mediante a sutileza de tal norma, é fundamental que seja exposto também aos interessados em desenvolver o seu projeto parental os resultados obtidos naquela unidade de tratamento. E é partir desse momento que há um grande dilema: existem clínicas em nosso país que se utilizam desse momento como uma forma de propagar uma pretensa ideia de que um projeto parental desenvolvido naquele laboratório terá resultados que se assemelhem aos de outras pessoas que já utilizaram aquele mesmo tratamento na respectiva unidade.

Há de se falar, por isso, que a instauração da procriação artificial possibilita que o que era um ato de sujeitos figure-se em produto de uma atividade científica ou industrial e, por isso, ocorra uma artificialização do ser vivo em se tornar a própria mola da transformação em material (TORT, 2001TORT, Michel. O desejo frio: procriação artificial e crise dos referenciais simbólicos. Tradução Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001., p. 70). É possível conceber, para tanto, uma verdadeira concepção de mercado vivo de material genético, ao oferecer a efetivação do projeto parental mediante oferta, procura e escolha.

Ainda nessa perspectiva, como esclarece Marianna Chaves (2016CHAVES, Marianna. Famílias ectogenéticas: os limites jurídicos para utilização de técnicas de reprodução assistida. Anais do Congresso Brasileiro de Direito de Família, v. 10, p. 309-340, 2016. Disponível em: <https://www.academia.edu/27632388/FAMÍLIAS_ECTOGENÉTICAS_OS_LIMITES_JURÍDICOS_PARA_UTILIZAÇÃO_DE_TÉCNICAS_DE_REPRODUÇÃO_ASSISTIDA>. Acesso em: 5 set. 2017.
https://www.academia.edu/27632388/FAMÍLI...
, p. 313), importa refletir que só se pode falar genuinamente em autonomia reprodutiva quando existe uma escolha efetiva, fundamentada em informação correta e apropriada. Não basta que casais sejam adequadamente informados, haja vista que costumeiramente focaliza-se mais nas vantagens do que nos perigos das técnicas. Assim, é necessário que o médico não condicione o paciente, ainda que indiretamente, a tomar determinada decisão, pois tal conduta configuraria uma opressão ao interesse de se decidir autonomamente.

Pensando-se, agora, no princípio da Beneficência, é necessário associá-lo ao de Não Maleficência, a fim de que não haja nenhum prejuízo a quem utiliza as técnicas medicamente assistidas. O seu conteúdo se baseia em parte no Juramento Hipocrático, em que o médico se compromete em nunca causar danos ou mal a alguém. Nesse sentido, como explica Maria Helena Diniz (2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 39), “baseia-se na tradição hipocrática de que o profissional da saúde, em particular o médico, só pode usar o tratamento para o bem do enfermo, segundo sua capacidade e juízo, e nunca para fazer o mal ou praticar injustiça”. Assim, busca-se na figura do médico um alguém capaz de proporcionar apenas benefícios ao sujeito passivo de uma relação biomédica, para além da perspectiva de que esse seja um possível violador de direitos. Por outro lado, o princípio da não maleficência corresponderia a um desdobramento do primeiro, trazendo a ideia de “obrigação de não acarretar dano intencional e por derivar da máxima: primum non nocere” (DINIZ, 2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 40). Nesse sentido, pode-se entender genericamente que esses princípios se afeiçoam à ideia de fazer o bem, ao mesmo tempo que se busca não fazer o mal, havendo por isso, uma dicotomia de obrigações no exercício da atividade médico-paciente.

Por fim, o princípio da justiça, como asseveram Débora Diniz e Dirce Guilhem (2002DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. O que é bioética. São Paulo: Brasiliense, 2002., p. 32), está correlacionado com a ideia de equidade social, tal como o filósofo John Rawls havia proposto, ao reconhecer as necessidades diferentes para a defesa de interesses iguais. Por outro lado, como lembra Maria Helena Diniz (2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 40), este princípio requer a imparcialidade na distribuição dos riscos e benefícios quanto à prática médica pelos profissionais da saúde, haja vista que os ditos “iguais” deverão ser tratados igualmente, a fim de que não haja qualquer tipo de discriminação. Entretanto, ainda sob essa ótica, é necessário associar a este princípio as noções de respeito à justiça distributiva.

Esse princípio, expressão da justiça distributiva, exige uma relação equânime nos benefícios, riscos e encargos, proporcionados pelos serviços de saúde ao paciente. Mas quem seria igual e quem não seria igual? Quais as justificativas para afastar-se da distribuição igual? Há propostas apresentadas pelo Belmont Report de como os benefícios e riscos devem ser distribuídos, tais como: a cada pessoa uma parte igual, conforme suas necessidades, de acordo com seu esforço individual, com base em sua contribuição à sociedade e de conformidade com seu mérito. (DINIZ, 2017DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2017., p. 40-41)

Nesse sentido, percebe-se que a lógica distributiva, baseada no princípio da justiça, preocupa-se em atender, também, às necessidades dos indivíduos conforme suas particularidades. Por esse ângulo, dizer que garantir tratamento igualitário para pessoas com necessidades diferentes não seria um meio eficaz de promover a justiça. É necessário que se analise in casu as necessidades pessoais de cada indivíduo e suas particularidades. Por isso, não basta aplicar as noções atinentes à igualdade meramente formal no caso fático, mas sim compreender a igualdade material em respeito à diferença, haja vista que a sociedade contemporânea abarca diferentes tipos de pessoas. Não seria plenamente eficaz garantir para todos os “iguais” o mesmo tipo de tratamento. É necessário, assim, vencer a velha lógica associada à igualdade pela igualdade, sem corresponder necessariamente à busca de atender à diferença.

Diante disso, a lógica distributiva para as pessoas que buscam garantir o seu planejamento parental se dá de modo desigual a partir do uso das técnicas de RHA. Basta imaginar a busca de casais homoafetivos e pessoas solteiras na utilização de tais procedimentos e a possibilidade de objeção de consciência, conforme propugna a Resolução n. 2.168/17 do CFM. Ou, também, pensando-se em critérios socioeconômicos, será que todos possuem condições de arcar com o uso de tais técnicas? Ainda hoje o debate acerca do direito à reprodução como um direito fundamental é acirrado e, apesar dos mais diversos defensores deste direito, é necessário judicializar os planos de saúde para arcarem com os gatos desses tratamentos. De outro modo, a noção de justiça redistributiva é também vencida pela incapacidade do Estado poder custear em igualdade e respeito à diferença o acesso às técnicas medicamente assistidas por meio do Sistema único de Saúde (SUS).

Por fim, importa dizer que não se deve aplicar esses princípios de modo isolado. É necessária a interpretação conjunta dos princípios para que sejam garantidos, na relação médico-paciente, os melhores resultados quanto aos objetivos traçados no projeto parental do autor do planejamento familiar. Diante disso, é eficaz entender-se que um planejamento familiar deve ser exercido livre de vícios, subordinações ou termos para a sua execução. Mas será que este livre planejamento familiar não seria imbuído de alguns limites em sua execução? Esta matéria será discutida em tópico a que se segue.

4 Planejamento familiar e liberdade: autonomia sem limites?

Quando se fala em planejamento familiar, costuma-se associar o seu exercício com o direito à liberdade. Isso, pois, ao mencioná-lo, o texto constitucional classifica-o como sendo uma decisão do casal.8 8 “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […] § 7° Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (BRASIL, 1988). Dessa análise da Carta Magna, por sua vez, poder-se-ia pensar, a priori, que o legislador constituinte atribuiu a legitimidade desse direito apenas ao casal; pressupondo, assim, uma conjugalidade9 9 A acepção da palavra conjugalidade no referido contexto deve ser entendida em modo amplo, ou seja, abarcando tanto a ideia de casamento quanto a de união estável. necessária, para que os titulares pudessem exercer tal direito. No entanto, quando se verificam as disposições da Lei n. 9.263/1996, conhecida como a Lei de Planejamento Familiar, percebe-se que o art. 2° da referida norma atribui a titularidade desse direito também às pessoas individualmente consideradas: “Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal” (BRASIL, 1996BRASIL. Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9263.htm>. Acesso em: 26 ago. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, grifo nosso).

Desse modo, pode-se perceber que a titularidade da referida garantia legal é mais ampla, abarcando tanto os casais, como o homem ou a mulher isoladamente. A partir dessa noção, já se pode enquadrar o Planejamento Familiar como um direito de liberdade dos cidadãos. Entretanto, a referida garantia não se resume a isso. Tal direito, por um lado, enseja, ainda, uma abstenção estatal na esfera particular, de forma a não interferir na seara privada, bem como, por outro lado, assegura um caráter promocional por parte do Estado, que assume o papel de garantidor do acesso à informação para essas pessoas. Nesse sentido, assevera Maria Amélia Belomo Castanho (2014CASTANHO, Maria Amélia Belomo Castanho. Planejamento familiar: o estado na construção de uma sociedade inclusiva e a participação social para o bem comum. Curitiba: Juruá, 2014., p. 68),

O planejamento familiar constitucional, regulamentado pela Lei 9.263 de 12.01.1996, tem sentido amplo e compreende a escolha livre e consciente do indivíduo para evitar ou constituir prole, o que se deve dar a partir de um processo sério de esclarecimento e conscientização focado nas propostas de um Estado democrático de direito.

Nessa perspectiva, percebe-se que, em consonância com o princípio da autonomia bioética, transfigurada na forma de consentimento informado, conceitos anteriormente trabalhados, o planejamento familiar somente se mostra pleno e efetivo quando há o devido acesso à informação do seu titular. É nessa seara onde está a responsabilidade estatal como garantidor e provedor do referido acesso à população em geral, não somente à informação, mas também aos métodos e às técnicas de concepção e de contracepção. Sendo assim, pode-se resumir tal atuação da seguinte maneira:

O planejamento familiar de origem governamental é dotado de natureza promocional, não coercitiva, orientado por ações preventivas e educativas e por garantia de acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas para a regulamentação da fecundidade. (DIAS, 2015DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015., p. 392)

Afinal, a reprodução também é um direito fundamental que se encontra diretamente relacionado ao planejamento familiar. Tal reconhecimento, por sua vez, foi possibilitado graças ao auxílio do movimento de mulheres, o qual foi responsável por lançar essas questões às pautas internacionais, mormente no que diz respeito à expansão dos direitos humanos (MOSCHETTA, 2011MOSCHETTA, Sílvia Ozelame Rigo. Homoparentalidade: direito à adoção e reprodução humana assistida por casais homoafetivos. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011., p. 75). Dessa maneira, faz-se indispensável por parte do Estado a promoção de políticas que estimulem um exercício consciente das funções reprodutivas humanas, dentre os parâmetros de autonomia e responsabilidade necessários, pois, fazendo isso, estará diretamente influindo para um planejamento familiar consciente e efetivo.

Nessa toada, entendidos o seu conceito e a sua titularidade, cabe, nesta oportunidade, ainda, refletir acerca das limitações ao planejamento familiar. Para tanto, faz-se importante indagar: quando se fala em uma “livre decisão”, confere o Estado aos seus cidadãos uma autonomia ilimitada? Impõe a Lei alguma restrição ao exercício do referido direito? E, ainda, se existe essa limitação, qual o seu impacto no exercício desse direito por parte dos seus titulares?

Primeiramente, é imperioso destacar que essa autonomia derivada do planejamento familiar, de fato, não é irrestrita. Isso, pois, a Lei, mais precisamente a própria Constituição da República, impõe aos titulares duas limitações à sua autonomia, as quais se transfiguram na forma de dois princípios constitucionais: a) a Dignidade da Pessoa Humana; e b) a Parentalidade Responsável.10 10 Mesmo sabendo que o termo utilizado pelo texto constitucional originalmente é “paternidade responsável”, optou-se por seguir os ensinamentos de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, utilizando-se o termo “parentalidade responsável”. Isso pois entende-se que é mais adequado a sua aplicação, tendo em vista ser termo mais genérico, que engloba tanto a noção de paternidade quanto a de maternidade. Dessa maneira, cabe tecer alguns comentários e reflexões acerca desses dois preceitos, para melhor compreendê-los, bem como seus impactos no exercício desse direito.

No tocante à Dignidade da Pessoa Humana, esta se encontra prevista no art. 1°, III da Carta Magna como sendo um dos fundamentos da República. Tal normativa, por sua vez, prescreve que o ser humano deve ser tratado como um fim em si mesmo (BARROSO, 2010BARROSO, Luís Roberto. Legitimidade da recusa de transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Dignidade humana, liberdade religiosa e escolhas existenciais. Parecer Jurídico. Rio de Janeiro, 5 abr. 2010. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/testemunhas-jeova-sangue.pdf>. Acesso em: 26 ago. 2017.
https://www.conjur.com.br/dl/testemunhas...
), vedando qualquer tipo de objetificação da pessoa humana. No que tange ao planejamento familiar, esse princípio basilar serve de garantia não apenas da liberdade do indivíduo, como também um fator de limitação à atuação do Estado (CASTANHO, 2014CASTANHO, Maria Amélia Belomo Castanho. Planejamento familiar: o estado na construção de uma sociedade inclusiva e a participação social para o bem comum. Curitiba: Juruá, 2014., p. 80). É por isso que se fala em um dever de abstenção estatal com relação à ingerência na esfera privada dos particulares, bem como numa autonomia dos titulares em exercer o planejamento.

A autonomia, por sua vez, não é plena. Isso, pois, o seu exercício deve levar em consideração, também, os interesses do futuro filho. Afinal, o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente oferece especial proteção a esses indivíduos pela sua condição sui generis de pessoas em desenvolvimento. Sendo assim, merecem que seja dada preferência aos seus interesses, em detrimento dos interesses dos adultos, que, no caso, correspondem aos pretensos pais, pois

[…] a dignidade da pessoa humana atuará como limitadora ao exercício do planejamento familiar sempre que for necessário resguardar a dignidade de outrem, especialmente a figura do filho, fruto de uma decisão da qual não participou, mas que definirá os rumos dos acontecimentos de sua vida. (CASTANHO, 2014CASTANHO, Maria Amélia Belomo Castanho. Planejamento familiar: o estado na construção de uma sociedade inclusiva e a participação social para o bem comum. Curitiba: Juruá, 2014., p. 83)

Desse modo, sempre que a dignidade do futuro filho for aviltada, não haverá de prosperar a autonomia dos pais na efetivação de seus direitos reprodutivos, já que a sua condição sui generis de ser em desenvolvimento dá-lhe uma primazia na proteção de seus interesses.

Além da dignidade, também serve como um pilar ao exercício do planejamento familiar a Parentalidade Responsável. Esse preceito diz respeito à responsabilidade dos pais em proporcionarem aos filhos um ambiente sadio para o seu pleno desenvolvimento psíquico e físico. Está, por sua vez, ligado à doutrina da proteção integral da criança e do adolescente, estampada no caput do art. 227 da Constituição da República.11 11 “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988).

Assim, percebe-se que é conferido ao Estado, à sociedade e à família o dever de zelar pelos interesses das crianças e dos adolescentes, de forma a garantirem sua integridade e o seu pleno desenvolvimento físico-psíquico. Em razão disso, não pode o planejamento familiar estar dissociado da ideia de responsabilidade, especialmente dos pais, no cuidado com a sua futura prole, o que deve garantir sempre o respeito às suas garantias fundamentais. Além disso, não se pode olvidar do papel do Estado e da sociedade, também, na promoção do bem-estar dessas crianças, fiscalizando sempre o desempenho dos pais no exercício das suas atribuições parentais.

Pode-se perceber, por conseguinte, que o planejamento familiar constitucionalmente previsto não é ilimitado e devem os pretensos pais exercerem-no com responsabilidade, zelando sempre pelo respeito à dignidade da futura prole. Para tanto, deverão efetivar seu direito com observância das limitações legais impostas, quais sejam a dignidade da pessoa humana e a parentalidade responsável. Tendo isso em mente, uma “produção independente” de parentalidade deverá estar em conformidade com tais princípios para ser considerada legítima, tema que será melhor abordado no tópico seguinte.

5 A legitimidade das “produções independentes” de parentalidade frente ao contexto jurídico brasileiro

Conforme anteriormente referido, não há atualmente qualquer legislação específica que regulamente o uso das técnicas de RHA no Brasil. Tal contexto acaba por gerar diversos questionamentos no tocante à sua aplicação, mormente com relação aos destinatários dessas técnicas. É em meio a essa seara de incertezas que se questiona a legitimidade de uma pessoa solteira recorrer a esses procedimentos para levar a cabo um projeto parental individual, conhecido como “produção independente”.

De toda sorte, em que pese a escassez legislativa na matéria, não se pode dizer que inexistem balizamentos normativos referentes à temática, como se foi comentado em tópico anterior. Sendo assim, mesmo diante de um cenário lacunoso, as orientações existem e merecem ser observadas e debatidas, a fim de avaliar a legitimidade desses projetos monoparentais intencionais.

Para tanto, cumpre ressaltar, primeiramente, os ditames deontológicos estabelecidos nas Resoluções do CFM. Nesse sentido, como bem explicam André Soares e Walter Piñeiro (2006SOARES, André Marcelo M; PIÑEIRO, Walter Esteves. Bioética e biodireito: uma introdução. São Paulo: Edição Loyola, 2006., p. 27) acerca da deontologia médica, “[…] A deontologia implica sempre uma legalidade. Ela estabelece as condutas que deverão ser assumidas e pune outras, reprováveis”. Dessa maneira, ainda que não se substituam às leis, visto que são apenas normas de cunho administrativo interno de um órgão de classe profissional, não há como ignorar, todavia, os preceitos, sobretudo os de cunho ético, estabelecidos por elas.

Foram editadas, assim, até o presente momento, cinco resoluções sobre essa temática pelo CFM, quais sejam: a) a Resolução n. 1.358/1992; b) a Resolução n. 1.957/2010; c) a Resolução n. 2.013/2013; d) a Resolução n. 2.121/2015; e) a Resolução n. 2.168/2017, que está vigente no momento. Tais normas contêm, dentre outras disposições, a estipulação de quem pode ou não ser beneficiário desses recursos. Sendo assim, foram analisadas as previsões contidas nas resoluções atinentes aos possíveis beneficiários dos procedimentos, bem como se havia alguma previsão específica no tocante ao seu uso por pessoas solteiras. Os resultados encontrados estão descritos no Quadro 1.

QUADRO 1
Comparação entre as resoluções do CFM sobre RHA

Pela análise do referido quadro, pode-se perceber que, com o passar do tempo, houve uma tendência à ampliação dos beneficiários das técnicas de RHA. Afinal, saiu-se de uma concepção de heteroconjugalidade necessária, visto que, a priori, foi previsto como um direito da mulher capaz, desde que com a anuência do marido ou companheiro, para uma concepção de ser direito de toda e qualquer pessoa capaz, independentemente de estado civil ou de sexualidade. Tal conclusão pode ser tirada, pois, além das mudanças no tocante à previsão sobre os beneficiários, desde 2013 foi inserida expressamente a possibilidade do uso desses procedimentos por pessoas solteiras e casais homoafetivos,12 12 Na jurisprudência, foram conquistados alguns direitos pelas pessoas homossexuais: 1) em 2011, o STF reconheceu as Uniões Homoafetivos (ADF n. 132/RJ e ADI n. 4.277/DF), equiparando-as à União Estável, o que, desde já, autorizaria a conversão dessas Uniões em casamento pela exegese do art. 226, § 3° da CF; 2) em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de habilitação direta para o casamento homoafetivo (Resp. 1.183.378/RS; 3) em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 175/2013, a qual determina que os cartórios não podem se negar a promover a habilitação direta para o casamento homoafetivo. Diante disso, nota-se uma clara repercussão dessas decisões na elaboração das normas deontológicas do CFM, visto que, a partir da Resolução n. 2.013/2013, dá-se a opção de pessoas solteiras e de casais homoafetivos recorrerem a esses procedimentos. Além disso, cumpre esclarecer que, por tal razão, pessoas solteiras que sejam homossexuais também estão abarcadas como possíveis beneficiárias do recurso à RHA. o que corrobora com ideia da monoparentalidade poder ser intencional, sendo também independente da expressão da sexualidade.

Nessa continuidade, além das resoluções do CFM, há projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que, apesar de não terem sido aprovados ainda, demonstram uma tendência do legislativo na regulamentação da temática. Sendo assim, na pesquisa, foram constatados 16 projetos de lei (PL) tramitando no Parlamento atualmente,13 13 Os citados Projetos de Lei são os seguintes: n. 4.664/2001, n. 4.665/2001, n. 6.296/02, n. 120/2003, n. 1.135/2003, n. 1.184/2003, n. 2.061/2003, n. 4.686/2004, n. 4.889/2005, n. 5.624/2005, n. 3.067/2008, n. 7.701/2010, n. 3.977/2012, n. 4.892/2012, n. 115/2015 e n. 7.591/2017. dos quais, foram selecionados cinco, visto que se propunham a uma normatização mais geral e abrangente dos referidos procedimentos, à medida que os demais apenas previam formulações pontuais acerca da RHA. A partir disso, foram analisadas, então, assim como nas Resoluções, as previsões contidas nos PL atinentes aos possíveis beneficiários dos procedimentos, bem como se havia alguma previsão específica no tocante ao seu uso por pessoas solteiras. Os resultados encontrados estão descritos no Quadro 2.

QUADRO 2
Comparação entre projetos de lei sobre RHA

Pela análise do Quadro 2, pode-se perceber que, assim como no caso das Resoluções, houve uma tendência à ampliação dos beneficiários das técnicas de RHA; sem, no entanto, fazer qualquer menção à possibilidade do seu uso por pessoas solteiras. Tal contexto, entretanto, não pode e nem deve ser enxergado como uma intenção do legislador de proibir projetos de parentalidade individuais, até porque não há nenhuma disposição expressa nesse sentido. Pelo contrário, percebe-se que o legislador apenas preocupou-se em estabelecer que qualquer pessoa maior de 18 anos e capaz pode fazer uso dos referidos procedimentos, sem propor nenhuma restrição quanto ao estado civil dos indivíduos ou sua sexualidade.

Assim, constata-se, mais uma vez, que não haveria óbices quanto à concretização das “produções independentes”, desde que respeitadas as diretrizes referentes à limitação do exercício do planejamento familiar. Nessa toada, cabe agora retomar às discussões anteriormente traçadas acerca da família monoparental, associadas, desta vez, às perspectivas referentes ao exercício do planejamento familiar e suas limitações constitucionais.

A monoparentalidade, conforme anteriormente exposto no tópico 1 do presente artigo, é uma realidade inegável no Brasil hodierno e também o era quando foi reconhecida como entidade familiar em 1988. Entretanto, ocorre que as transformações sociais acabaram por dar a essa espécie familiar um leque maior de opções no tocante as suas formas de constituição, alçando novos patamares que anteriormente não seriam possíveis.

Fala-se, então, atualmente, em duas formas distintas de formação de uma família monoparental. A primeira diz respeito à monoparentalidade involuntária, a qual pode ser associada principalmente à figura da mãe solo,14 14 Faz-se necessária a contextualização do uso da terminologia “mãe solteira” que é resultante de um artifício de violência simbólica contra as mulheres. Quem eram essas mulheres que engravidavam solteiras, sem vínculo de conjugalidade e contrariando a moral vigente? Em regra, eram mulheres estigmatizadas, excluídas socialmente e alvo do repúdio familiar. Ser solteira e ainda mãe era o pior dos pesadelos femininos, porque num único termo estava a síntese da vergonha, do ostracismo social, do preconceito e da discriminação. É fato que apenas na contemporaneidade, com o fortalecimento do Movimento de Mulheres, que ocorrem a mudança de paradigmas e a adoção – acertada – da expressão “mães solos” como sinônimo do esforço unilateral das mulheres para a criação dos seus filhos e sem qualquer cooperação dos genitores das crianças, que se mantinham ausentes da vida dos filhos, e, em regra, sem contribuírem para a subsistência da prole ou seu desenvolvimento emocional, que passavam a ser unicamente de responsabilidade das mães. que foi fundamental para o reconhecimento da família monoparental como entidade familiar, mormente à finalidade de proteção dessas mulheres que eram abandonadas pelos companheiros, sendo obrigadas a desempenharem a maternidade individualmente e, ainda, carregando um forte estigma social de desvio do modelo patriarcal tradicional de família.

De outro lado, tem-se também a figura da monoparentalidade voluntária, a qual é o objeto de estudo do presente trabalho e representa justamente a vontade de constituição de um projeto parental individualmente por um homem ou uma mulher solteiros. No tocante a esse projeto parental individual voluntário, por sua vez, ele poderia vir a ser concretizado de três formas distintas: a) a adoção; b) a “produção independente” por reprodução assistida; e c) o coito sexual, em que a mulher planeja essa maternidade individualmente, omitindo para o parceiro seu desejo. Nesse sentido, comenta Luciana Brasileiro Auto (2012, p. 39),

[…] a Constituição Federal, ao reconhecer as entidades familiares monoparentais, abriu espaço para aquelas situações que aqui denominaremos de típicas, ou seja, as situações de monoparentalidade casuística, mas também para aquelas aqui referidas como atípicas, ou seja, o planejamento de um projeto individual de parentalidade, que poderá ocorrer: pela adoção, pela inseminação artificial; ou ainda, pela prática de ato sexual onde a mulher, especificamente, planeja a gestação sem dar conhecimento ao genitor.

Entretanto, curiosamente, dentre as três hipóteses, a mais controversa para o Direito seria a da “produção independente”. Isso, pois como bem assevera a supracitada autora, no terceiro caso, o Direito não tem ingerência, pelo que não poderia impedir que a mulher tivesse relações sexuais com um homem para concretizar seu desejo por uma maternidade individual (AUTO, 2012AUTO, Luciana da Fonseca Lima Brasileiro. Projeto Individual: entre o desejo e o direito. 2012. 106 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/10686/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Luciana.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 25 ago. 2017.
http://repositorio.ufpe.br/bitstream/han...
, p. 39). Desse modo, a atenção jurídica resta-se para os casos de adoção e de reprodução assistida, mas, aparentemente, a primeira tende a agradar mais a doutrina. Sendo assim, cabe tecer algumas considerações acerca de ambos e suas implicações.

Em matéria de adoção, o art. 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) autoriza a possibilidade de constituir-se uma família monoparental por meio de uma adoção individual. Diante disso, o referido dispositivo legal não condiciona o processo adotivo a um estado civil específico e predeterminado, “Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil” (BRASIL, 1990BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm>. Acesso em: 27 ago. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
). Dessa maneira, a adoção cumpre seu papel social de solidariedade e de colocação de uma criança ou adolescente em família adotiva; realizando, assim, o seu melhor interesse e a ideia de proteção integral.

De outra sorte, na hipótese de “produção independente”, reiterando o que já foi dito, não há regra acerca da matéria e, ainda, parte da doutrina entende ser desaconselhável, visto que a enxergam como sendo egoística e violadora do melhor interesse dos menores pelo fato de negar-lhes o direito à convivência familiar com outro genitor (ou, supostamente, o direito à biparentalidade). Nesse sentido, há quem defenda, inclusive, que, no caso, ao filho estaria sendo “[…] sonegado o direito à filiação integral” (AUTO, 2012AUTO, Luciana da Fonseca Lima Brasileiro. Projeto Individual: entre o desejo e o direito. 2012. 106 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Pernambuco, 2012. Disponível em: <http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/10686/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Luciana.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 25 ago. 2017.
http://repositorio.ufpe.br/bitstream/han...
, p. 87).

Entretanto, cabem, a seu turno, alguns questionamentos: uma vez sendo reconhecida como entidade familiar digna e isonômica às demais, a família monoparental não deveria ser protegida e defendida em toda e qualquer hipótese? Existem monoparentalidades melhores do que outras? Por que a “produção independente” viola o Melhor Interesse da Criança e a adoção individual não, quando ambas são formas de monoparentalidade voluntária? Será que todos têm o direito a ter mais de um genitor? A parentalidade é definida pelo número de pessoas que a exercem ou pelo afeto e pelo cuidado despendidos no seu exercício?

O direito das famílias hodierno, como já foi bem ressaltado anteriormente, preocupa-se com o bem-estar dos membros do núcleo familiar e, também, com o pleno desenvolvimento de suas potencialidades. Logo, com vistas a proteger tal instituto jurídico, não impõe um modelo familiar hermeticamente fechado, tampouco tenta padronizar suas formas de constituição. Dessa maneira, não há como estabelecer hierarquias entre as entidades familiares, pois são todas dignas de igual proteção.

Tendo isso em mente, não há como entender que a “produção independente” seja uma forma “pior” de se constituir uma família, por diversos motivos. Em primeiro lugar, se a família monoparental é protegida constitucionalmente e a “produção independente” enquadra-se em seu conceito legal, não há como o Direito refutá-la. Além disso, ainda que não haja legislação regulamentando-a, também não há aquela que a proíba, sendo que a própria Carta Magna, no art. 5°, II, estabelece que tudo aquilo que não é proibido por lei, automaticamente é permitido.

Ademais, a opção por tal modalidade de família está assegurada pelo direito ao livre planejamento familiar, o qual deve apenas observar a Dignidade Humana e a Parentalidade Responsável, especialmente no que guarda pertinência com o Melhor Interesse da futura prole. Diante disso, mostra-se oportuno trazer à baila as discussões feitas pelo professor Glenn Cohen (2011COHEN, Glenn. Regulating reproduction: the problem with the best interests. Minnesota Law Review, Minnesota, v. 96, n. 8, p. 423-519, 2011. Disponível em: <http://www.minnesotalawreview.org/wp-content/uploads/2012/02/CohenA_MLR.pdf>. Acesso em 22 jun. de 2018.
http://www.minnesotalawreview.org/wp-con...
, p. 427), da Harvard Law School, acerca do Melhor Interesse da Criança, quando comenta o que ele chama de “The Best Interest of the Resolting Child (BIRC)” ou, em tradução livre, Melhor Interesse da Criança Resultante (MICR).

Sendo assim, segundo o autor, há um problema lógico na interpretação do Melhor Interesse quando aplicado como fator limitador no contexto da autonomia reprodutiva se comparado com a sua utilização no caso da autonomia familiar. Isso, pois, neste último, há um apelo ao melhor interesse de crianças já existentes, ao passo que, no primeiro, há, na verdade, um apelo ao melhor interesse da criança resultante, isto é, a que ainda virá a existir (COHEN, 2011COHEN, Glenn. Regulating reproduction: the problem with the best interests. Minnesota Law Review, Minnesota, v. 96, n. 8, p. 423-519, 2011. Disponível em: <http://www.minnesotalawreview.org/wp-content/uploads/2012/02/CohenA_MLR.pdf>. Acesso em 22 jun. de 2018.
http://www.minnesotalawreview.org/wp-con...
, p. 437).

Nesse aspecto, o autor compreende que não há como se falar em prejuízos para a criança resultante, na medida que não lhe seja dada uma vida a qual não valha à pena ser vivida, ou seja, uma vida dotada de dor e sofrimento em tal proporção que o indivíduo escolheria nunca ter vindo a existir. Diante disso, assevera, ainda, que seria muito difícil chegar à conclusão de que ser criado por um pai ou mãe solteiros gere tal circunstância (COHEN, 2011COHEN, Glenn. Regulating reproduction: the problem with the best interests. Minnesota Law Review, Minnesota, v. 96, n. 8, p. 423-519, 2011. Disponível em: <http://www.minnesotalawreview.org/wp-content/uploads/2012/02/CohenA_MLR.pdf>. Acesso em 22 jun. de 2018.
http://www.minnesotalawreview.org/wp-con...
, p. 473).

Assim sendo, não há como dizer que uma filiação previamente projetada, em que o pai ou a mãe já nutre um afeto pela criança antes mesmo de sua concepção, poderá ferir os referidos princípios. Pelo contrário, assegurar a sua concretização, por meio da RHA, é corroborar com a afetividade proposta pelas normas familiaristas.

Nessa continuidade, inclusive, vale dizer que aquele argumento de que, no caso da adoção, é melhor para a criança ou adolescente estar em uma família monoparental em vez de estar no acolhimento institucional e que, no caso da “produção independente”, esta representa uma escolha egoística do genitor gera, no mínimo, um contrassenso. Afinal, a partir dessa ótica, a família monoparental está sendo colocada num patamar de inferioridade, como se não fosse uma realidade a ser incentivada, mas apenas protegida nos casos de ser constituída involuntariamente, simplesmente por ser uma situação inevitável. No entanto, nas hipóteses de adoção, ela ainda pode ser tolerada, pois é vista como uma espécie de compensação afetiva para a criança ou adolescente institucionalizado, ao passo que, nos casos de recurso à RHA, não deveria nem sequer ser cogitada.

Ocorre que, por meio desse raciocínio, é perceptível o estabelecimento de uma hierarquia entre as modalidades de famílias conjugais - casamento e união estável - e as famílias monoparentais, bem como o estabelecimento de uma classificação discriminatória dentro do próprio âmbito das monoparentalidades, determinando que as “produções independentes” não devem ser estimuladas. Nas palavras de Ana Liési Thurler (2010), tais estratificações, inclusive, podem ser compreendidas como expressões de um heterossexismo social, o qual insiste em preservar a ordem patriarcal e a família patrimonial, notadamente das heteroconjugalidades matrimonia-lizadas. Diante disso, podem ser observadas violações flagrantes ao Princípio da Igualdade Familiar, ao passo que se estaria estabelecendo formas hegemônicas e mais aconselháveis de famílias e, ainda mais, de parentalidades, o que não pode prosperar, sob pena de inconstitucionalidade.

Desse modo, torna-se difícil encontrar argumentos que obstem o acesso às técnicas medicamente assistidas por parte das pessoas solteiras. Maria Claudia Crespo Brauner (1988BRAUNER, Maria Claudia Crespo. A monoparentalidade projetada e o direito do filho à biparentalidade. In: DORA, Denise Dourado; SILVEIRA, Domingos Dresch da. (Orgs.). Direitos humanos, ética e direitos reprodutivos. Porto Alegre: Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero, 1988., p. 76), em conformidade com tal posição, leciona que a construção da filiação projetada corresponde aos interesses da criança e respeita os seus direitos fundamentais enquanto pessoa, assim, não seria ela coisificada ou colocada como mero objeto a disposição da mãe ou do pai individualmente considerados. Nesse sentido, a autora comenta que não necessariamente há uma incompatibilidade entre os interesses da criança com os do autor do projeto parental, uma vez que a triangulação - pai, mãe e filho - deve dar espaço para a filiação do afeto, da paternidade e maternidade social ou sociológica. Inclui-se, por isso, homens e mulheres na possibilidade de construção de um projeto individual de parentalidade a se contrapor ao padrão compulsório de biparentalidade.

É inegável, portanto, que o ideal de família mudou, estando hoje associado ao cuidado, ao amor e ao afeto. A “produção independente”, por sua vez, é um exemplo dessa afetividade, em que alguém, por vontade própria, decide levar à tona um projeto parental individualmente, com o objetivo apenas de dar aquele filho todo amor, afeto e dedicação possíveis, com a responsabilidade e o cuidado devidos. É um nítido processo emancipatório da vontade de constituição da família e, em sendo assim, denotam situações jurídicas relevantes e demandam acolhimento e proteção. Afinal de contas, negar a essas pessoas esse reconhecimento, seria, também, negar tudo aquilo que já se conquistou em matéria de direito das famílias.

6 As situações controvertidas da parentalidade intencional em face das questões de gênero: um debate necessário

Historicamente o ato de cuidar sempre foi um exercício do ente feminino e, nesse ato, impunha-se às mulheres a negação de suas existências e subjetividades. O cuidar era o traço definitivo da identidade feminina e um dos mais marcantes instrumentos de opressão social das mulheres, porque, como cuidadoras, não eram permitidas a construção de carreiras e a efetividade de seus papéis sociais e políticos para além da intimidade dos seus lares. Assim, o patriarcado ergueu o arcabouço do seu império: definindo que o papel das mulheres era o de cuidar dos filhos, da casa, do marido e permanecendo estáticas enquanto sujeitos de direitos, porque a todas e a cada uma era negado o reconhecimento da relevância social de suas existências.15 15 No mesmo sentido, conferir Adichie (2015, p. 20).

Em relação ao papel feminino, conferia-se às “donas do lar” a tarefa de manter o ambiente doméstico como um território da mais absoluta decência (deveriam se manter afastadas de quaisquer seduções mundanas), sobretudo, para que cumprissem o “dom natural” da maternidade. Havia preocupação com a educação das mães unicamente para que elas garantissem a transmissão de algumas noções básicas às novas gerações, como o patriotismo, a importância da ética e do trabalho e a crença no progresso. Entretanto, o “poder” a elas conferido não permitia o menor questionamento à hierarquia do homem como governante, pai da nação e chefe da família.

Segundo Hannah Arendt, o espaço privado consistia no local da satisfação do ente masculino, onde suas necessidades mais básicas eram satisfeitas. Portanto, a esfera privada era caracterizada como um ambiente de negação da igualdade entre os gêneros e a casa apresentava-se como um local de subordinação, opressão e da violência contra as mulheres (ARENDT, 1991ARENDT, Hannah. A condição humana. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991., p. 40-41).

A sua instrução, então, restringia-se à formação moral das mães e à religiosidade, que lhes garantiria o culto a valores como a pureza e a decência (PIMENTEL, 2015PIMENTEL, Renata. Olhares femininos na crítica pós-moderna: a questão do gênero; o lugar da diferença; uma nova leitura da identidade e do sujeito. Portal de Conferências do Laboratório de Tecnologias Intelectuais - LTi, 18 REDOR, 2015. Disponível em: <http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index.php/18redor/18redor/paper/view/563/733>. Acesso em: 7 set. 2017.
http://www.ufpb.br/evento/lti/ocs/index....
, p. 11-12). Nesse diapasão, é o pensamento de Jean Franco (1994FRANCO, Jean. Sentido e sensualidade: notas sobre a formação nacional. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque de (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994., p. 101), as mulheres eram cruciais à comunidade, imaginadas na condição de mães dos novos homens e guardiães da vida privada.

Contudo, a maternidade não era resultante do processo emancipatório e do exercício da expressão da vontade feminina, uma vez que era imposta às mulheres como parte de seu papel social. E o que muda na construção de um projeto unilateral de parentalidade com relação ao gênero16 16 Para Foucault (1988, p. 21, v. 1), assim, gênero representa não um indivíduo e sim uma relação social: em outras palavras, representa um indivíduo por meio de uma classe: “[…] gênero não é sexo, uma condição natural, e sim a representação de cada indivíduo em termos de uma relação social preexistente ao próprio indivíduo e predicada sobre a oposição ‘conceitual’ e rígida (estrutural) dos dois sexos biológicos”. Para fins de observância, será tratado como gênero feminino o ente nascido com o sexo biológico feminino, assim como o indivíduo que nasceu com o sexo biológico masculino, porém que possui identidade de gênero feminina. Sendo da mesma forma admitidos como homens aqueles nascidos com o sexo biológico masculino, quanto os sujeitos que têm sexo biológico feminino, porém identidade de gênero masculina. feminino? Muda a começar pelo exercício da autonomia da vontade, já que na contemporaneidade, as mulheres se apercebem de que não precisam ter filhos caso não tenham o desejo para a maternidade. Ainda, que podem e devem ser mães, mas tão somente se a maternidade for fruto da sua vontade.

Nesse sentido, precisam-se contemplar os direitos reprodutivos femininos sob o advento dos avanços das técnicas de RHA que ensejam a autonomia procriativa das mulheres, dispensando-as da construção de vínculos afetivos ou de alterações do estado civil. Com esse propósito de ensejar a autonomia reprodutiva feminina, a figura do doador anônimo de gametas merece um tratamento mais cuidadoso por parte da doutrina e contar com previsão legal para que o seu papel seja meramente subordinado à doação de material fertilizante, sem qualquer pretensão posterior de reivindicações de obrigações parentais recíprocas.

Cabe salientar, nessa continuidade, inclusive, que tais mudanças não se restringem apenas ao contexto brasileiro, pelo contrário, são repercussões também das transformações obtidas no âmbito internacional. A título de exemplo, inclusive, importa destacar o relevante julgado proferido, em 2012, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), no caso Artavia Murillo e outros v. Costa Rica, no qual se discutiu o direito ao acesso à técnica da Fertilização in Vitro (FIV)17 17 Buscando corrigir problemas relacionados à capacidade de procriação humana, a exemplo da esterilidade, a medicina vem se utilizando de métodos artificiais de procriação, como a FIV. Para tanto, essa técnica diz respeito em ser retirado um ou mais óvulos de uma mulher e fecundá-lo em laboratório. Após algumas horas, ou até dias, realizar-se-á a transferência ao útero ou às trompas de Falópio. Por isso, a fertilização será considerada como induzida mediante o uso de hormônios, de modo a vários óvulos reunirem condições de serem coletados. Após esse processo, os óvulos maduros serão coletados e em momento anterior de sua liberação natural, será submetido à inseminação. No mesmo sentido, conferir Meirelles (2000, p. 17-19). pelos cidadãos do mencionado país.

Ocorre que, em 15 de março de 2000, a Corte Constitucional costarriquenha declarou a inconstitucionalidade de um Decreto Executivo do Ministério da Saúde da Costa Rica, o qual se destinava a regular os procedimentos relativos à FIV, ocasionando a sua proibição no país. Mais de uma década depois do acontecido, entretanto, a CIDH derrubou tal impedimento, ordenando a renovação do acesso à citada técnica pelos nacionais daquele Estado (PIRES, 2017PIRES, Teresinha Teles. Procreative autonomy, gender equality and right to life: the decision of the Inter-American Court of Human Rights in Artavia Murillo v. Costa Rica. Revista Direito GV, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 1.007-1.028, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n3/1808-2432-rdgv-13-03-1007.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n3/1808...
, p. 3). Para tanto, baseou-se especialmente em dois aspectos: a) o direito à liberdade, estabelecido na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), entendendo que o direito à autonomia reprodutiva encontra-se abarcado por tal garantia, e pode ser aplicado tanto às mulheres quanto aos homens; e b) a igualdade de gênero, com base nos ditames da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAM), compreendendo que a proibição do recurso à FIV gera uma discriminação indireta contra a mulher, em matéria de autonomia reprodutiva e familiar, tendo em vista o fato do peso social da procriação recair de modo mais evidente sobre a figura feminina, em razão, sobretudo, dos fortes estereótipos de gênero (PIRES, 2017PIRES, Teresinha Teles. Procreative autonomy, gender equality and right to life: the decision of the Inter-American Court of Human Rights in Artavia Murillo v. Costa Rica. Revista Direito GV, São Paulo, v. 13, n. 3, p. 1.007-1.028, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n3/1808-2432-rdgv-13-03-1007.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.
http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v13n3/1808...
).

É preciso compreender o teor dessa decisão também ressaltando a perspectiva da ausência de igualdade de gêneros, uma vez que se compreende o exercício da reprodução como algo inerente à subordinação das mulheres e, de certa forma, apenas facultado aos homens, em tese, porque a paternidade não é tida pela sociedade como um papel de submissão social masculino. Por isso a relevância de se aperceber que a procriação pode ser tida como instrumento da autonomia volitiva das mulheres, como um direito de escolha, como a expressão do desejo ao exercício livre do direito à reprodução e como uma decisão individual de cada mulher.

Na lição de Catherine MacKinnon sobre a desigualdade e opressão às mulheres em face da reprodução, homens e mulheres são criados por meio de uma sexualização baseada em ideias de dominação e de submissão, cabendo aos homens a dominação e às mulheres a submissão. Segundo MacKinnon, a heterossexualidade é uma estrutura social que expropria a sexualidade das mulheres, que usa o desejo como dinâmica interna, sendo o gênero e a família suas formas cristalizadas de opressão feminina e a reprodução como sendo uma forma de controle (MACKINNON, 1989MACKINNON, Catherine. Toward a feminist theory of the state. Cambridge: Harvard University Press, 1989., p. 3-4). No processo de empoderamento das mulheres, a ruptura com a subordinação e a não sujeição à reprodução como instrumento de dominação, mas como libelo da autonomia, do livre exercício sobre o próprio corpo e da necessidade do outro para conceber, são inerentes à contemporaneidade, à introjeção do feminismo na realidade diária e aos avanços da biotecnologia.

Outro aspecto que merece destaque é o tempo do exercício dessa maternidade planejada e unilateral, em regra exercida por mulheres com maturidade intelectual, boa situação financeira (até mesmo para custear os valores elevados de um tratamento de RHA) e sucesso profissional. Sendo assim, a maternidade não é um fim em si mesma, algo exercido para permitir a mulher o cumprimento do seu papel social, mas tão somente a essência do desejo de ser mãe (DINIZ; GUILHEM, 2000DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. Feminismo, bioética e vulnerabilidade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 237-244, 2000. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/download/9881/9107>. Acesso em 9 set. 2017.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
).

Faz-se necessário, assim, ressaltar o quanto essa construção de um novo papel sócio-político para o ente feminino ocorreu em virtude do desenvolvimento do movimento de mulheres, da eficácia da construção da teoria feminista e do incentivo ao processo de empoderamento e emancipação das mulheres (DINIZ; GUILHEM, 2000DINIZ, Débora; GUILHEM, Dirce. Feminismo, bioética e vulnerabilidade. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 8, n. 1, p. 237-244, 2000. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/download/9881/9107>. Acesso em 9 set. 2017.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref...
).

A quebra dos paradigmas opressores do machismo, da estratificação dos papéis de gênero, da maternidade imposta (e não desejada) permite, na prática, portanto, que sejam diferenciados os direitos sexuais dos direitos reprodutivos. Observa-se, assim, que a mencionada dissociação entre sexualidade e reprodução é a efetividade do Princípio da Liberdade, compreendendo-se como ter direito à satisfação sexual, independentemente da concepção, ou ter direito à concepção sem a necessidade da satisfação sexual.

Ter um filho – em face dos avanços biotecnológicos na atualidade – pode vir a ser o exercício pleno da reprodução em sua essência mais individual possível. Ademais, é preciso compreender que todos os indivíduos têm suas singularidades – antes de qualquer percepção de coletividade ou grupo social –, sendo sobre as pessoas e suas escolhas, que se constroem a estrutura da vida privada, intimidade e direito à felicidade. Dessa maneira, a gestação oriunda de técnicas de RHA pode ser um libelo da autonomia individual e a percepção de que as relações materno-filiais e paterno-filiais podem existir para muito além da dicotomia homem e mulher, observando-se, inclusive, questões identitárias como a transexualidade e o não binarismo, visto que o exercício da parentalidade não pode e nem deve estar condicionado a uma conjugalidade compulsória.

Para a aplicação do princípio da equidade de gêneros faz-se necessário também o reconhecimento dos mesmos direitos emancipatórios reprodutivos aos homens. Admite-se, portanto, a condição do ente masculino como sujeito à liberdade e autonomia reprodutiva, sendo dessa forma facultado aos homens o direito ao uso de técnicas de RHA independentemente do seu estado civil, assim como se defende com relação às mulheres a autonomia corporal e reprodutiva como parte do rol dos direitos fundamentais, para além da existência de vinculação afetiva-sexual. Contudo, tal processo reprodutivo emancipatório masculino exigirá que seja contemplada pela doutrina e pela legislação o papel da geratriz de substituição,18 18 A gestação por substituição, também chamada de cessão temporária de útero ou gestação sub-rogada, diz respeito ao uso do útero de uma terceira, a qual levará a termo a gestação por outrem, em algumas hipóteses específicas, por exemplo: a) casais heteroafetivos, em que a mulher é infértil; b) casais homoafetivos masculinos; c) homens solteiros etc. sem vínculos afetivos ou jurídicos a serem considerados em relação à criança e ao pai.

Dessa sorte, impende esclarecer que existem diversas formas por meio das quais as técnicas de RHA podem ser utilizadas por pessoas solteiras, sejam elas mulheres ou homens, heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou assexuais,19 19 Diz-se assexual aquela categoria identitária relativa a pessoas que não experimentam a atração sexual. Dentre tais indivíduos, existem pessoas que experimentam interesses de tipo romântico por outras, dissociados de experiências sexuais, bem como aquelas pessoas que não expressam sequer interesse romântico por outrem. No mesmo sentido, ver Brigeiro (2013). cisgêneras ou transgêneras,20 20 Diz-se que a pessoa é cisgênera quando sua identidade de gênero – ou seja, sua forma de percepção pessoal ante o meio social – encontra-se em conformidade com aquela que lhe foi imposta em razão do seu sexo biológico. Por outro lado, diz-se pessoa transgênera aquela cuja identidade de gênero é diversa daquela que lhe foi imposta em razão do seu sexo biológico. para fins de efetivarem seus projetos parentais. Para tanto, faz-se imperioso compreender que, a depender do contexto ou do sujeito que pretenda empreender nesse projeto individual, os recursos disponíveis podem ser variados, pelo que se elaborou um quadro comparativo (Quadro 3), que se destina a elucidar tais distinções no uso da técnica a depender do sujeito que irá empreendê-la.

QUADRO 3
Utilização da RHA conforme o(a) beneficiário(a)

Desse modo, percebe-se que o novo modelo de família compreende a mulher como autônoma e independente, dissociando-a do papel secundário de submissão no ato de procriar. Tal perspectiva denota avanços na quebra do estigma do ente feminino enquanto mãe compulsória, não havendo, por isso, necessariamente, a realização de sua personalidade unicamente por meio da maternidade.

Além disso, põe-se, ainda, em relevo, a possibilidade da monoparentalidade paterna intencional, configurada a partir do desejo do homem criar sozinho seu filho. Nesse diapasão, é indispensável destacar que o ato de cuidar, socialmente associado ao ente feminino, com a quebra de paradigmas nos papéis sociais binários de gênero, será exercido pelo pai única e exclusivamente.

Sendo assim, vislumbra-se uma perspectiva inovadora quanto ao trato da maternagem e da paternagem, bem como com relação às repercussões que os avanços biotecnológicos proporcionam para a composição das entidades familiares monoparentais contemporâneas. Afinal, as presunções sociais dos papéis de gênero não podem mais figurar como empecilhos para a efetivação desses projetos parentais, pois se compreende a família como um espaço de realização individual e coletivo, de modo a proporcionar o desenvolvimento (ou realização) da personalidade de seus membros.

Considerações finais

A temática abordada no presente artigo merece atenção, seja pelo recorte diferenciado em sua perspectiva bioética-civil-constitucional, seja pelos efeitos nas relações familiares e sociais. Afinal, a sociedade está em constantes transformações, especialmente no que tange à configuração e à formatação das famílias.

Diante disso, o processo emancipatório causado pelo advento da CF de 1988, sobretudo com relação à eleição do afeto como um valor jurídico relevante e norteador das relações familiares e, também o reconhecimento de novos e diversificados arranjos familiares, a exemplo da monoparentalidade, representa a mais pura concretização da tridimensionalidade jurídica proposta por Reale. Isso, pois, tal repersonalização do direito das famílias e a possibilidade de aplicação direta e imediata dos preceitos constitucionais nas relações jurídicas privadas proporcionaram uma sistemática protetiva dinâmica, capaz de acompanhar as mudanças sociais e de melhor proteger os membros dessas novas formações familiares, independentemente de edição de lei ordinária que as regule.

No entanto, graças às inúmeras possibilidades propiciadas pelos avanços biotecnológicos, máxime no que diz respeito ao recurso às modernas técnicas de RHA, tais relações tendem a ficar cada vez mais complexas. Além disso, a escassez legislativa na matéria faz com que surjam diversos questionamentos referentes a seu emprego, notadamente com relação à liberdade das pessoas no recurso a tais procedimentos.

É importante destacar, ainda, que a inexistência de norma regulamentadora específica das técnicas de reprodução humana não pode ser empecilho para a concretização de projetos parentais individuais, haja vista que não se pode limitar o planejamento familiar fático em virtude da ausência de disciplinamento normativo. Assim, nessas hipóteses, deve-se socorrer aos princípios constitucionais – notadamente a Dignidade da Pessoa Humana e Parentalidade Responsável – e aos bioéticos – Autonomia, Beneficência, Não Maleficência e Justiça –, ao tratar-se das técnicas medicamente assistidas na construção do projeto individual de parentalidade. Sendo assim, deve-se levar em consideração uma interpretação conjunta, de modo a aliar o debate bioético ao jurídico na construção do projeto parental genuinamente ausente de vícios, fruto da vontade livre e informada.

A partir disso, novos desafios surgem com o advento dos avanços biotecnológicos e seus efeitos na sociedade contemporânea, o que exige um esforço necessário para a percepção de que tudo muda rapidamente num mundo líquido, desde os costumes às relações sociais, passando até mesmo pelo eixo de vulnerabilidades; porque, se outrora eram as mulheres sujeitos invisibilizados pela estrutura social patriarcal, em dias atuais, são reconhecidas pela sua natureza de sujeitos de direitos em igualdade com os homens. Além disso, se antes a maternidade era imposta como papel feminino, hoje ela é fruto do exercício da autonomia procriativa.

Em parte, é o movimento de mulheres que surge, ao lado dos avanços biotecnológicos como o principal instrumento de mudança social, para a construção de projetos unilaterais de parentalidade, o que evidencia um processo emancipatório do ente feminino quanto aos seus corpos e desejo de procriação independente. Além do mais, tal fato reverberou, também, na modificação do papel do homem, na sociedade contemporânea, ao empreender, também, na construção de seus projetos parentais de maneira individualizada. Desse modo, assumese como possível a construção do projeto parental masculino individual, factível mediante aos avanços da biotecnologia no campo da reprodução humana.

O presente artigo tem como escopo trazer à baila a substituição da biparentalidade como modelo preponderante de constituição da família e, com esse propósito, disseca a autonomia procriativa, oriunda dos avanços tecnológicos, e a superação das relações entre entes femininos e masculinos, como essencial à reprodução humana.

Em tempos de fluidez nas relações humanas, a biotecnologia surge com a perspectiva de assegurar o direito à reprodução às pessoas solteiras ou divorciadas, sejam elas heterossexuais, homossexuais, bissexuais ou assexuais, independentemente da questão gênero, visto que a maternagem e a paternagem não possuem hierarquias ou distinções no campo reprodutivo. Frisa-se que, a partir das técnicas de RHA, a autonomia corporal caminha lado a lado com a autonomia afetiva e a dissociação entre o exercício do direito à sexualidade e à reprodução.

Resta reconhecer que a monoparentalidade é uma das modalidades de família e que a relevância social da sua concepção encontra respaldo na felicidade e plenitude dos seus membros. Ademais, considera-se, principalmente, que a convivência ou a conjugalidade não são fatores indispensáveis à procriação. Assim, o indispensável é que a reprodução esteja associada ao exercício do direito à felicidade, seja entre mãe e filho ou entre pai e filho.

  • 1
    Tema de Repercussão Geral n. 622 – Prevalência da paternidade socioafetiva em detrimento da paternidade biológica: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4252676&numeroProcesso=692186&classeProcesso=ARE&numeroTema=622#>.
  • 2
    Tal concepção sustenta-se, seja porque o casamento válido hoje é dissolvido tanto pela morte, quanto pelo divórcio, seja porque as uniões entre casais do mesmo sexo – outrora condenadas ao ostracismo – gozam do mesmo reconhecimento das relações heteroafetivas.
  • 3
    Na passagem do Estado Liberal para o Estado Social, que, no Brasil, deu-se, notadamente, a partir do advento da Constituição de 1988, constata-se uma clara preferência pela Autonomia Privada em detrimento da ideia de Autonomia da Vontade. Isso, pois, a primeira, diferentemente da segunda, prima pelo exercício de interesses subjetivos, com observância dos interesses coletivos. No tocante ao planejamento familiar, a seu turno, os interesses dos particulares devem, portanto, respeitar, sobretudo, os ideais de solidariedade tanto material, quanto imaterial. No mesmo sentido, conferir Holanda (2017HOLANDA, Maria Rita. Filiação: natureza jurídica, autonomia e boa-fé. In: LÔBO, Fabíola Albuquerque; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos; PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coords.). Boa-fé e sua aplicação no Direito brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2017., p. 220).
  • 4
    A técnica de RHA homóloga se dá quando há utilização dos gametas do próprio casal para viabilizar a reprodução. O art. 1.587 do CC utiliza esse termo em dois momentos: a) para atribuir a paternidade ao marido que consentiu com o uso de seu material genético para efetivação da técnica reprodutiva, mesmo que realizada após a sua morte (a chamada RHA post mortem); b) para, nos casos de implantação, a qualquer tempo, de embrião excedentário, atribuir a paternidade ao marido, visto que tais embriões detêm o material genético de ambos os cônjuges.
  • 5
    A técnica de RHA é denominada heteróloga quando se faz necessária a utilização de material genético de um terceiro, doador de gametas, estranho ao casal, para poder viabilizar o emprego dos procedimentos reprodutivos. O art. 1.597 do CC utiliza esse termo em um de seus incisos, no qual atribuiu a paternidade ao marido que consentiu com o emprego da técnica de reprodução heteróloga.
  • 6
    Apesar da edição de nova resolução deontológica, qual seja, a Resolução n. 2.168/2017 do CFM - a qual deu posteriormente ao fechamento da edição do respectivo livro -, há de se pôr em evidência que o pensamento da autora continua subsistindo em relação a aplicação da referida norma de modo subsidiário; tendo em vista que as alterações pertinentes a norma não modificarem o teor hierárquico do regramento.
  • 7
    BEECHER, Henry. Ethics and clinical research. The New England Journal of Medicine. v. 274, n. 24, June, 16, 1966.
  • 8
    “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […] § 7° Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 ago. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
    ).
  • 9
    A acepção da palavra conjugalidade no referido contexto deve ser entendida em modo amplo, ou seja, abarcando tanto a ideia de casamento quanto a de união estável.
  • 10
    Mesmo sabendo que o termo utilizado pelo texto constitucional originalmente é “paternidade responsável”, optou-se por seguir os ensinamentos de Guilherme Calmon Nogueira da Gama, utilizando-se o termo “parentalidade responsável”. Isso pois entende-se que é mais adequado a sua aplicação, tendo em vista ser termo mais genérico, que engloba tanto a noção de paternidade quanto a de maternidade.
  • 11
    “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 ago. 2017.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
    ).
  • 12
    Na jurisprudência, foram conquistados alguns direitos pelas pessoas homossexuais: 1) em 2011, o STF reconheceu as Uniões Homoafetivos (ADF n. 132/RJ e ADI n. 4.277/DF), equiparando-as à União Estável, o que, desde já, autorizaria a conversão dessas Uniões em casamento pela exegese do art. 226, § 3° da CF; 2) em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a possibilidade de habilitação direta para o casamento homoafetivo (Resp. 1.183.378/RS; 3) em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 175/2013, a qual determina que os cartórios não podem se negar a promover a habilitação direta para o casamento homoafetivo. Diante disso, nota-se uma clara repercussão dessas decisões na elaboração das normas deontológicas do CFM, visto que, a partir da Resolução n. 2.013/2013, dá-se a opção de pessoas solteiras e de casais homoafetivos recorrerem a esses procedimentos. Além disso, cumpre esclarecer que, por tal razão, pessoas solteiras que sejam homossexuais também estão abarcadas como possíveis beneficiárias do recurso à RHA.
  • 13
    Os citados Projetos de Lei são os seguintes: n. 4.664/2001, n. 4.665/2001, n. 6.296/02, n. 120/2003, n. 1.135/2003, n. 1.184/2003, n. 2.061/2003, n. 4.686/2004, n. 4.889/2005, n. 5.624/2005, n. 3.067/2008, n. 7.701/2010, n. 3.977/2012, n. 4.892/2012, n. 115/2015 e n. 7.591/2017.
  • 14
    Faz-se necessária a contextualização do uso da terminologia “mãe solteira” que é resultante de um artifício de violência simbólica contra as mulheres. Quem eram essas mulheres que engravidavam solteiras, sem vínculo de conjugalidade e contrariando a moral vigente? Em regra, eram mulheres estigmatizadas, excluídas socialmente e alvo do repúdio familiar. Ser solteira e ainda mãe era o pior dos pesadelos femininos, porque num único termo estava a síntese da vergonha, do ostracismo social, do preconceito e da discriminação. É fato que apenas na contemporaneidade, com o fortalecimento do Movimento de Mulheres, que ocorrem a mudança de paradigmas e a adoção – acertada – da expressão “mães solos” como sinônimo do esforço unilateral das mulheres para a criação dos seus filhos e sem qualquer cooperação dos genitores das crianças, que se mantinham ausentes da vida dos filhos, e, em regra, sem contribuírem para a subsistência da prole ou seu desenvolvimento emocional, que passavam a ser unicamente de responsabilidade das mães.
  • 15
    No mesmo sentido, conferir Adichie (2015ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Tradução Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2015., p. 20).
  • 16
    Para Foucault (1988FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v. 1., p. 21, v. 1), assim, gênero representa não um indivíduo e sim uma relação social: em outras palavras, representa um indivíduo por meio de uma classe: “[…] gênero não é sexo, uma condição natural, e sim a representação de cada indivíduo em termos de uma relação social preexistente ao próprio indivíduo e predicada sobre a oposição ‘conceitual’ e rígida (estrutural) dos dois sexos biológicos”. Para fins de observância, será tratado como gênero feminino o ente nascido com o sexo biológico feminino, assim como o indivíduo que nasceu com o sexo biológico masculino, porém que possui identidade de gênero feminina. Sendo da mesma forma admitidos como homens aqueles nascidos com o sexo biológico masculino, quanto os sujeitos que têm sexo biológico feminino, porém identidade de gênero masculina.
  • 17
    Buscando corrigir problemas relacionados à capacidade de procriação humana, a exemplo da esterilidade, a medicina vem se utilizando de métodos artificiais de procriação, como a FIV. Para tanto, essa técnica diz respeito em ser retirado um ou mais óvulos de uma mulher e fecundá-lo em laboratório. Após algumas horas, ou até dias, realizar-se-á a transferência ao útero ou às trompas de Falópio. Por isso, a fertilização será considerada como induzida mediante o uso de hormônios, de modo a vários óvulos reunirem condições de serem coletados. Após esse processo, os óvulos maduros serão coletados e em momento anterior de sua liberação natural, será submetido à inseminação. No mesmo sentido, conferir Meirelles (2000MEIRELLES, Jussara Maria Leal de. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 2000., p. 17-19).
  • 18
    A gestação por substituição, também chamada de cessão temporária de útero ou gestação sub-rogada, diz respeito ao uso do útero de uma terceira, a qual levará a termo a gestação por outrem, em algumas hipóteses específicas, por exemplo: a) casais heteroafetivos, em que a mulher é infértil; b) casais homoafetivos masculinos; c) homens solteiros etc.
  • 19
    Diz-se assexual aquela categoria identitária relativa a pessoas que não experimentam a atração sexual. Dentre tais indivíduos, existem pessoas que experimentam interesses de tipo romântico por outras, dissociados de experiências sexuais, bem como aquelas pessoas que não expressam sequer interesse romântico por outrem. No mesmo sentido, ver Brigeiro (2013)BRIGEIRO, Mauro. A emergência da assexualidade: notas sobre política sexual, ethos científico e o Sexualidad, Salud y Sociedad - Revista Latinoamericana, Rio de Janeiro, n. 14, p. 253-283, 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sess/n14/a12n14.pdf>. Acesso em: 9 jul. de 2018.
    http://www.scielo.br/pdf/sess/n14/a12n14...
    .
  • 20
    Diz-se que a pessoa é cisgênera quando sua identidade de gênero – ou seja, sua forma de percepção pessoal ante o meio social – encontra-se em conformidade com aquela que lhe foi imposta em razão do seu sexo biológico. Por outro lado, diz-se pessoa transgênera aquela cuja identidade de gênero é diversa daquela que lhe foi imposta em razão do seu sexo biológico.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2018
  • Aceito
    29 Ago 2018
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