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Profissionalismo, generificação e racialização na docência do Direito no Brasil

PROFESSIONALISM, GENDERIZATION AND RACIALIZATION IN LEGAL ACADEMY IN BRAZIL

Resumo

Este artigo tem como foco a docência do Direito no Brasil, analisando como o processo de generificação e racialização é produzido ao longo da formação dos sujeitos docentes e das oportunidades e dos constrangimentos na carreira. A articulação desses marcadores resulta na distribuição díspar de privilégios e obstáculos entre homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres negras. Dialogando com estudos sobre as desigualdades de gênero no meio acadêmico do Direito em diversos países, o artigo propõe pensar o processo mencionado na chave das diferenças. Observamos que o gradiente do entrecruzamento de raça e gênero na docência acaba por produzir também o essencialismo e a fixação de identidades. Assim, a hipótese é de que os professores entrevistados dão sentidos diversos ao que seja profissionalismo e diferença, como resultado das experiências que os constituíram em sujeitos profissionais situados em processos de generificação e racialização que envolvem o trabalho das emoções. Eles burilam os significados de códigos de gênero e de atribuição racial, combinando-os de formas diversas e mutáveis, que não se estabilizam como identidades essencializadas. A pesquisa reuniu dados do Censo Nacional da Educação Superior (Inep), da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e de setenta entrevistas qualitativas com mulheres e homens no ensino jurídico, de sete Instituições de Ensino Superior (IESs) distintas.

Profissionalismo; docência do Direito; diferenças; gênero; raça

Abstract

The paper focuses on the Brazilian legal academy, and analyses how the process of genderization and racialization produces itself with the formation of the subjects, and the opportunities and constraints for their careers. The articulation of these social markers results in privileges and obstacles unevenly distributed between White men, White women, Black men, Black women. It discusses the research result in dialogue with studies on gender inequalities in legal academy in several countries, and the article suggests to approach the process in the perspective of differences. It points that such gradient of race and gender intersection also produces essencialism by fixing identities among the professoriate. The research hypothesis is that interviewers suture professionalism and difference as the result of experiences that constituted them as professionals, situated in genderization and racialization process that demand emotional work. The subjects handle the meanings of racial attribution and gender codes combining them in diverse and changeable ways, that do not turn into stable and essencialized identities. The fieldwork gathered quantitative data from the 2015 National Census of Higher Education, from the 2017 RAIS database on workforce and seventy qualitative interviews with women and men legal academics, from seven diversified Law schools.

Professionalism; legal academy; difference; gender; race

INTRODUÇÃO

O artigo está organizado em quatro tópicos, além desta introdução, que apresenta um balanço da literatura, e da conclusão, que sistematiza os resultados. Inicialmente, examina a diversificação do corpo docente, com base em dados estatísticos nacionais e no perfil dos entrevistados, perguntando-se como essas mudanças se refletem na generificação e racialização das interações profissionais. Os pontos seguintes baseiam-se nas entrevistas qualitativas, buscando responder a essa pergunta central. O segundo tópico versa sobre como esse processo distribui desigualmente vantagens e desvantagens aos entrevistados no ingresso e ao longo da carreira na área. O terceiro tópico focaliza o trabalho das emoções envolvido na distribuição das responsabilidades docentes relativas aos cuidados em contraste com o trabalho da excelência e de quem o realiza. O quarto tópico discorre sobre as distintas formas como os sujeitos foram interpelados quanto ao gênero, à sexualidade e à raça na docência, relacionando as diferenças à fixação de identidades e à discriminação.

Os processos globalizantes nas profissões jurídicas fizeram-se presentes na docência do Direito decorrente da circulação internacional, da mercantilização do ensino, da proliferação de cursos e matrículas, inclusive por meio de tecnologias digitais a distância, da estratificação e precarização da atividade docente. Os professores dos cursos superiores de Direito ultrapassam 32 mil profissionais, distribuídos por instituições com modelos e tamanhos muito variados. No Censo Nacional da Educação Superior, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), de 2015, 60% desses professores eram homens; e 77%, brancos. Eles e elas lecionavam para mais de um milhão de estudantes de graduação em Direito, distribuídos pelo país, embora com concentração na região Sudeste.

Como consequência dessas transformações, a docência do Direito apresenta mais fragmentações do que coesões. A visão de que a profissão formava uma comunidade que partilhava uma identidade sustentou o profissionalismo como semelhança entre pares, mas tais mudanças refletem-se nas subjetividades docentes que são interpeladas por outros pertencimentos. A identidade profissional com um sentido comunitário deu lugar a identificações múltiplas, menos coletivas e mais pertencentes aos sujeitos ( DUBAR, 2016DUBAR, Claude. Classe e identidade: substituição ou mistura? In: SALLUM JR., Brasilio; SCHWARCZ, Lilia Moritz; VIDAL, Diana Gonçalves; CATANI, Afrânio Mendes (org.). Identidades . São Paulo: Edusp, 2016. ). Assim, as formas de se identificar na profissão diversificaram-se, deixando de ser vistas como do grupo para ser do próprio profissional.

A presença de mulheres e da diferença na docência é relevante para uma composição plural, mas isso por si só não altera a visão dominante da ideologia do profissionalismo. No passado recente, quando esse ingresso era ainda proporcionalmente minúsculo, ele teve mais o sentido de os novos membros adequarem-se ao esperado pelo grupo. Fazendo a administração dos sentimentos, minorias na profissão compartilhavam o profissionalismo como neutro, embora este tivesse sido um ideário construído por uma elite profissional de senhores brancos. Ter como referência esse ideário é também um processo que generifica e racializa, mas mostra-se “cego” às diferenças. Nos padrões atuais da carreira, a produção da generificação e racialização no ambiente acadêmico é acompanhada da constituição desses sujeitos diversos em termos de gênero e raça; anteriormente, prevalecia a semelhança dominante na busca da coesão.

O texto busca compreender esse processo na docência do Direito no Brasil, acentuando as diferenças vividas na carreira. A abordagem considera que essas diferenças são construídas no âmbito da cultura, enquanto a análise das desigualdades se baseia mais nos aspectos estruturais. A concepção de cultura que orienta a pesquisa é de que os significados não são fixos, e que nas interações sociais, quando as pessoas fazem coisas juntas, elas negociam interpretações e disputam sentidos, por exemplo, sobre o que é ser um bom ou uma boa professora, e os reflexos da regulação sobre isso.

O argumento do artigo é de que a diversificação tanto dos formatos institucionais, dos vínculos e regimes de trabalho quanto da composição do corpo docente introduziu mudanças nas relações marcadas agora pela fragmentação, pelas diferenças e pelo processo de generificação e racialização que as institui na profissão. Há professores e professoras que exercem a atividade com as garantias de carreira e aqueles que atuam em condições precárias; há docentes que progridem com o avanço de sua titulação e outros que são demitidos por terem concluído o doutorado, não aumentando a folha de pagamento; há colegas que se ocupam dos cuidados na docência, realizando trabalho emocional como parte de suas atribuições, e aqueles que assumem as posições de representações e visibilidade pública; há os que ensinam as disciplinas que são mais valorizadas no curso, permanecendo na bibliografia o cânone composto pelos autores estabelecidos; há aqueles que atuam na pós-graduação stricto sensu e os que ministram aulas apenas na graduação, estando à disposição para cobrir disciplinas em vários campi e Instituições de Ensino Superior (IESs). Embora não haja um vínculo direto dos marcadores sociais com as distintas práticas docentes, este texto analisa como as entrevistas revelam experiências de gênero e raça na docência.

O mérito e a excelência preconizados no profissionalismo funcionam como uma “mágica social” ( SOMMERLAD, 2015SOMMERLAD, Hilary. The “Social Magic” of Merit: Diversity, Equity, and Inclusion in the English and Welsh Legal Profession. Fordham Law Rev ., v. 83, n. 5, p. 2325-2347, 2015. Disponível em: http://ir.lawnet.fordham.edu/flr/vol83/iss5/7. Acesso em: 12 set. 2021.
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), e por meio dela as relações sociais dominantes e o poder das elites profissionais constroem como neutro e objetivo o que é fluido, contingente e instrumental. A “excelência profissional” é atribuída de acordo com padrões masculinos, e o “mérito” segue práticas informais racializadas.

Uma rede internacional de pesquisa coordenada por Schultz et al. (2021) impulsionou a investigação sobre gênero nas carreiras acadêmicas no Direito, permitindo conhecer experiências profissionais atuais ou pioneiras em dezoito países. Caracterizados pela diversidade de situações, diversos casos apresentavam a presença ainda bastante restrita das mulheres na docência (Índia, Gana, Kuwait, Alemanha); a maioria encontrava-se na faixa de distribuição entre 30% e 40% (Austrália, Israel, Brasil, China, República Checa, Escócia), havendo raros contextos mais feminizados, perto de 50% (Reino Unido, Canadá, Argentina). Tais estudos abordaram a persistência das desigualdades de gênero, a reprodução do patriarcado, as formas como a excelência é generificada, a presença de mulheres e de pessoas negras na docência e as barreiras para progressão com a exclusão de mulheres ao longo do percurso.

Connell (2006)CONNELL, Raewyn. Glass Ceilings or Gendered Institutions? Mapping the Gender Regimes of Public Sector Worksites. Public Administration Review , v. 66, n. 6, p. 847-849, Nov./Dec. 2006. Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1540-6210.2006.00652.x. Acesso em: 10 maio 2021.
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demonstra os limites do conceito de teto de vidro, que resume o gênero a duas categorias fixas de pessoas e também pelo fato de as pessoas não perceberem o regime de gênero das instituições, que formatam as práticas generificadas dessas administrações. Define regime de gênero como uma abordagem multidimensional, com quatro dimensões: 1) divisão do trabalho segundo o gênero; 2) relações de poder e as hierarquias de autoridade segundo o gênero; 3) relações humanas e emoções nas organizações; e 4) cultura de gênero e simbolismo no ambiente de trabalho. Thornton (2013)THORNTON, Margaret. The Changing Gender Regime in the Neoliberal Legal Academy. The German Journal of Law and Society , v. 33, n. 2, p. 235-251, 2013. Disponível em: http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2482926. Acesso em: 12 set. 2021.
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relaciona o regime de gênero, a ideologia da meritocracia e o profissionalismo, mostrando como tal associação encobre a preferência pela masculinidade, que sustenta a noção da “melhor pessoa para o trabalho” no meio acadêmico do Direito. Para essa autora, a virada neoliberal nas universidades, guiada pela lógica gerencial, revigorou os critérios normativos masculinistas, reconfigurando o regime de gênero.

Schultz (2021)SCHULTZ, Ulrike. Gender and Careers in the Legal Academy in Germany: Women’s Difficult Path from Pioneers to a (Still Contested) Minority. In: SCHULTZ, Ulrike (org.) et al. Gender and Careers in Legal Academy . Oxford: Hart Publishing, 2021. p. 39-61. estuda as mulheres nas carreiras acadêmicas do Direito na Alemanha. A autora aponta como a exclusão e os obstáculos operam para manter as posições de prestígio nas mãos dos homens, como é o caso do professor titular ( full chair ), nas 43 faculdades de ensino jurídico clássico que analisou. Esses cursos tiveram força para resistir ao Tratado de Bolonha para o ensino superior. A posição de titular segue bastante valorizada nessas faculdades. Envolve um percurso de quinze a vinte anos em condições de trabalho inseguras, com exigência de mudança de instituição e de cidade até atingir a sua obtenção. Isso gera muita pressão para as mulheres que desejam ter filhos. A expansão de cursos e do alunado de Direito foi controlada, chegando em 2017 a 114.701 alunos, dos quais 54% eram mulheres, e 1.027 docentes, dos quais 18% eram professoras estáveis. A presença dessas docentes é maior no ensino jurídico nos cursos de bacharelado e mestrado nas universidades de ciências aplicadas relacionadas ao processo de Bolonha, somando 24%. Esse outro formato, sem oferecimento de programa de doutorado, resulta do modelo de unificação da educação universitária entre os Estados-membros da União Europeia (UE), oferecendo credenciais mais restritas para atuação ( SCHULTZ, 2021SCHULTZ, Ulrike. Gender and Careers in the Legal Academy in Germany: Women’s Difficult Path from Pioneers to a (Still Contested) Minority. In: SCHULTZ, Ulrike (org.) et al. Gender and Careers in Legal Academy . Oxford: Hart Publishing, 2021. p. 39-61. , p. 48). A exigência da progressão na titulação é um fator a alimentar o que a literatura chama de leaky pipeline , que é a perda da atuação de mulheres conforme avança a carreira docente, lembrando o vazamento de uma tubulação. A autora aborda como o patriarcado se reproduz nas faculdades pesquisadas, com requisitos formais e informais que preservam códigos, culturas e tradições masculinas construindo a feminilidade a partir de estereótipos.

Em outro estudo sobre a desigualdade na docência do Direito nos Estados Unidos, Deo (2019)DEO, Meera E.Unequal Profession: Race and Gender in Legal Academia. California: Stanford University Press, 2019. aborda como gênero e raça se interseccionam na produção e reprodução de discriminações na profissão. Para ela, em vez de serem somados (gênero e raça), ganham o peso da multiplicação das desvantagens (gênero x raça). A autora argumenta que essa interseccionalidade privilegia o masculino x hétero x branco. Usando o conceito de viés implícito, 1 1 Viés implícito molda as experiências dos docentes de Direito, especialmente como pensamentos e comportamentos que “afetam os julgamentos sociais, mas operam sem a consciência ou o controle consciente” ( DEO, 2019 , “Introduction”, p. 13, tradução livre). O viés implícito é particularmente perigoso porque infecta até aqueles que acreditam que são igualitários. Deo aponta a existência de uma discriminação aberta na docência americana, que se constitui na propensão a desvalorizar o que é feminino x negro x homo, com a prática de microagressões. Essa discriminação interseccional

refere-se às maneiras pelas quais práticas e políticas institucionais, como também líderes e até colegas e consumidores (estudantes) exercitam não só os privilégios brancos contra negros e de homens contra mulheres, mas também uma combinação de seus múltiplos privilégios de status para discriminar mulheres negras. ( DEO, 2019DEO, Meera E.Unequal Profession: Race and Gender in Legal Academia. California: Stanford University Press, 2019. , p. 19, tradução livre)

No Brasil, dois trabalhos recentes trataram das relações de gênero no ensino jurídico, focalizando tanto a docência quanto o alunado. Sobre o professorado, Pamplona (2018)PAMPLONA, Roberta. As mulheres e o exercício da docência na Faculdade de Direito da UFRGS: uma análise do quinquênio 2012-2017. 2018. 88 f. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande de Sul, Porto Alegre, 2018. realiza um estudo de caso na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), descrevendo esse espaço como um campo jurídico-acadêmico genderizado. Sobre as interações de gênero na sala de aula, a pesquisa coordenada por Cerezetti et al. (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Largo de São Francisco, busca compreender as formas como as dinâmicas de gênero produzidas nesse ambiente perpassam o ensino e a aprendizagem, por meio de um currículo oculto que invisibiliza as mulheres.

Relacionando gênero e raça na docência superior, outros dois estudos contribuíram para a compreensão do problema. Silva e Euclides (2018)SILVA, Joselina da; EUCLIDES, Maria Simone. Falando de gênero, raça e educação: trajetórias de professoras doutoras negras dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro (Brasil). Educar em Revista , v. 34, n. 70, p. 51-66, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/er/a/snWvxPSTLhrJqY67FZvxM3G/abstract/?lang=pt?. Acesso em: 21 set. 2021.
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discutem o racismo institucional e as práticas racistas e sexistas em seis IESs públicas, quatro no Ceará e duas no Rio de Janeiro. As autoras apoiam-se nas entrevistas de nove professoras doutoras negras e em como elas atuam para transformar essas relações e o espaço científico em si, mostrando como as suas histórias impulsionam novas gerações de jovens universitárias negras. Construindo uma reflexão mais específica desses marcadores na docência jurídica, Carvalho e Silva (2014)CARVALHO, Marília Pinto de; SILVA, Viviane Angélica. Ser docente negra na USP: gênero e raça na trajetória da professora Eunice Prudente. Poiésis – Revista do Programa de Pós-graduação em Educação , [s.l.], v. 8, n. 13, p. 30-56, 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.19177/prppge.v8e13201430-56. Acesso em: 10 maio 2021.
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abordam a trajetória da professora Eunice Prudente, como docente negra da Faculdade de Direito da USP, percorrendo uma carreira exitosa, em um meio acadêmico escassamente diverso em seu corpo docente. As autoras destacam como esse percurso foi marcado pelos questionamentos dela às desigualdades sociais em relação à população negra e às injustiças raciais na universidade.

Outra fonte de análise sobre os professores de Direito no Brasil é o estudo do Observatório do Ensino do Direito da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (GHIRARDI, CUNHA E FEFERBAUM, 2013), com o perfil do grupo, das instituições e dos cursos de graduação, com base nos dados do Censo de Educação Superior de 2012.

Apoiando-se na literatura da área, este artigo constrói um diálogo entre o enfoque da articulação e das diferenças e o das desigualdades e interseções. Argumenta-se que, na perspectiva macro, os dados sobre os docentes apontam para o reforço de privilégios e de desvantagens, produzindo um gradiente dessa distribuição. Essa estrutura acaba fixando como raça predomina sobre gênero, com os homens brancos e as mulheres brancas na frente nessa hierarquia e os homens negros e as mulheres negras seguindo na sequência. O Gráfico 1 mostra como, apesar da maior presença de mulheres no alunado em todos os grupos de cor/raça, entre os professores, os homens brancos seguem representados em dobro em comparação à presença deles entre os estudantes.

GRÁFICO 1
– DISTRIBUIÇÃO DOS DOCENTES E DISCENTES DOS CURSOS DE DIREITO NO BRASIL, SEGUNDO O SEXO E A COR/RAÇA, BRASIL, 2015

Indo por outro caminho que não o do modelo de como as desigualdades de raça e gênero se interseccionam no gráfico, o olhar é para a dinâmica de como as diferenças produzidas nas interações são vivenciadas pelos entrevistados no que concerne à generificação e à racialização na docência. Elas são concebidas como posicionalidades em contextos articulados pelos sujeitos, que manuseiam discursivamente os significados compartilhados. Dessa maneira, os resultados não refletem a distribuição do gradiente, uma vez que o estudo buscou dar visibilidade às formas como os marcadores sociais foram significados pelos docentes, em especial procurando ouvi-los independentemente de sua maior ou menor representação no grupo. Isso quer dizer que se trabalhou com os discursos compartilhados na entrevista, e como nesse momento articularam as diferenças, por vezes destacando a profissão sobre o gênero e a raça, o gênero sobre a profissão e a raça, a raça sobre o gênero e a profissão, entre outras formas de suturar essas identificações.

1. NOTA METODOLÓGICA E PERFIL DOS DOCENTES ENTREVISTADOS

A pesquisa entrevistou setenta docentes de cursos de Direito de sete IESs. O trabalho de campo contemplou a diversificação da composição social desses sujeitos, com distintos regimes de trabalho, graus de formação e exercício de outras ocupações. A amostra foi não probabilística, sem a preocupação de preservar as proporções do todo, já que o objetivo era ouvir as experiências dos diferentes. Para localizar esses docentes, utilizou-se a seleção tipo bola de neve, perguntando a outro docente se conhecia colegas com as características que incorporavam a diversidade mencionada anteriormente. Dessa forma, no grupo entrevistado, 57% eram homens e 43% mulheres; 61% brancos, 36% negros e 3% sem resposta quanto à cor/raça; 90% eram heterossexuais e 10% gays /lésbicas e sem resposta quanto à sexualidade.

Das sete IESs que compuseram a amostra, três localizavam-se na região Sudeste, duas no Nordeste, uma no Centro-Oeste e uma no Sul. Duas eram universidades públicas, duas universidades privadas de grande porte e três instituições privadas de pequeno porte. Nas públicas, foram entrevistados 19 docentes (três deles também lecionavam em IESs privadas), nas universidades privadas, 22 (três deles igualmente eram docentes em IESs públicas) e nas instituições privadas menores, 29 (da mesma forma, quatro deles exerciam a docência em IESs públicas). Quanto aos graus oferecidos, três IESs tinham graduação e quatro tinham também mestrado e doutorado.

Em sua dimensão qualitativa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas, apoiadas em um roteiro que orientou a equipe de cinco pesquisadoras, havendo espaço para as questões que surgissem no encontro. Houve solicitação para a realização das entrevistas nas instituições por meio de coordenações, chefias ou direção. Os docentes foram contatados por e-mail ou presencialmente, e aqueles que aceitaram participar também indicaram outros colegas. Foi consentida a gravação das entrevistas com compromisso de não se identificar os participantes nem nomear as instituições. As entrevistas, a maioria realizada em 2017, tiveram duração variada, entre 40 minutos e duas horas e 20 minutos, foram transcritas e analisadas utilizando-se o aplicativo NVivo12.

A Tabela 1 mostra que entre os entrevistados, embora a maioria seja de homens brancos, eles estão menos representados que nos dados nacionais do Gráfico 1 . Proporcionalmente, os homens negros foram mais ouvidos que os brancos, e tanto as mulheres brancas quanto as mulheres negras estavam mais presentes na amostra que no corpo docente como um todo. Predominavam os nascidos no Sul/Sudeste, onde a presença feminina na docência era maior, em contraste com as demais regiões. A distribuição etária era inversa para eles e elas, com as professoras sendo mais jovens.

TABELA 1
– DOCENTES ENTREVISTADOS, POR SEXO E COR/RAÇA, REGIÃO DE NASCIMENTO E IDADE

Quanto ao estado civil, o grupo de entrevistados contava com maioria de homens casados, que eram pais, seguido das mulheres casadas, que eram mães. Entre os solteiros/divorciados e entre os docentes sem filhos, a proporção de homens seguia um pouco superior à de mulheres, mantendo o padrão de distribuição (ver Tabela 2 ).

TABELA 2
– DOCENTES ENTREVISTADOS POR SEXO, ESTADO CIVIL, COM E SEM FILHOS

A conclusão do grau de doutorado entre os entrevistados foi mais frequente para os professores e do de mestrado para as professoras. Embora com uma presença menor, encontramos docentes cujo título mais elevado era o de especialização ou o de graduação, e nesses dois níveis os homens predominavam. Há uma intensificação mais recente para progredir na titulação, principalmente entre as mulheres. Nos setenta casos ouvidos, foram nas IESs públicas que 37 deles e delas obtiveram seu último diploma. As instituições privadas colaboraram fornecendo essa titulação mais elevada para 32 docentes, e a proporção de homens e mulheres era quase igual nas públicas e nas privadas (ver Tabela 3 ).

TABELA 3
– DOCENTES ENTREVISTADOS POR SEXO, TITULAÇÃO MAIS ALTA, ANO DE CONCLUSÃO DESSE GRAU E TIPO DE INSTITUIÇÃO ONDE O OBTEVE

Na amostra entrevistada, conforme é possível observar na Tabela 4 , a maior frequência encontrava-se na remuneração entre R$ 5 mil e R$ 10 mil na docência. No total de casos, os homens brancos e as mulheres brancas estavam mais representados no intervalo de remuneração mais alta, R$ 10 mil a R$ 20 mil por mês obtidos no ensino jurídico, se contrastados com os homens negros e as mulheres negras. Eles predominavam na faixa de R$ 5 mil a R$ 10 mil; elas, na de R$ 2 mil a R$ 5 mil. A racialização 2 2 Sobre os conceitos de racialização, Silvério (2013) analisa as mudanças nas suas definições e seus diversos usos. Segundo o autor, a ideia contemporânea de “racialização” ou “formação de raça” baseia-se no argumento de que a raça é uma construção social e categoria não universal ou essencial da biologia. Raças não existem fora da representação. Em vez disso, elas são formadas na e pela simbolização em um processo de luta pelo poder social e político. O conceito de racialização refere-se aos casos em que as relações sociais entre as pessoas foram estruturadas pela significação de características biológicas humanas, de tal modo a definir e construir coletividades sociais diferenciadas. é um processo que produz socialmente o branco e o negro construindo culturalmente os significados desses contrastes. Ao expressarem formas de dominação e subordinação, geram desigualdades e discriminação. Esses sentidos da racialização potencializam privilégios no acesso a posições na docência que se refletem na remuneração dos professores brancos em relação aos negros, embora o profissionalismo seja apresentado como neutro e objetivo. Outro aspecto relevante é que a produção da dessemelhança é cultural. Mesmo quando não ocorre disparidade de remuneração, ocorrem manifestações de estereótipos que apontam para ausência de reconhecimento às diferenças, como veremos na análise das entrevistas no próximo tópico.

TABELA 4
– DISTRIBUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO NA DOCÊNCIA POR FAIXA DE RENDIMENTO, SEGUNDO O SEXO E A COR/RAÇA DOS ENTREVISTADOS

Uma característica dessa visão de neutralidade do profissionalismo tem sido a dificuldade de obter dados sobre a composição de cor/raça da maioria dos grupos profissionais. Apenas recentemente alguns órgãos e associações profissionais começaram a incluir essa informação nos seus levantamentos. Assim, temos disponível a distribuição da remuneração dos docentes de Direito na RAIS, 3 3 Relação Anual de Informações Sociais, coleta de dados sobre trabalho, realizada pelo Ministério da Economia, Brasil. segundo o sexo, mas a informação coletada nessa fonte não incluiu a cor/raça, para compararmos com os casos desta pesquisa. Também o número de professores nessa base foi de 10.721, em 2017, 4 4 A comparação foi com a base da RAIS de 2017, por ter sido este o ano que as entrevistas foram realizadas coletando-se as informações sobre a remuneração da amostra qualitativa nessa ocasião. o que correspondia a 30% do total de docentes atuantes no Brasil nesse período. Nela, os homens somaram 63%; as mulheres, 37%. A maioria desse contingente recebeu até sete salários mínimos (s.m.). A faixa de remuneração média mais frequente foi de 3,1 a 7 s.m., e nela os homens tiveram maior participação. As mulheres ultrapassaram os homens apenas na faixa de 7,1 a 20 s.m., voltando a ficar atrás deles na remuneração superior (ver Gráfico 2 ). Assim, as desigualdades de gênero não formaram um gradiente constante, havendo uma faixa intermediária na qual as mulheres lideraram proporcionalmente. Pode ser que isso tenha ocorrido porque uma parte delas teve dedicação de horas maior à docência: enquanto 45,7% deles e 41,6% delas apresentaram até doze horas contratuais por semana, nas faixas de contratos superiores a trinta horas semanais, as mulheres atingiram 34,4%; os homens, 29,9%.

GRÁFICO 2
– DISTRIBUIÇÃO DE DOCENTES DO DIREITO POR SEXO NAS FAIXAS DE REMUNERAÇÃO MÉDIA, POR INTERVALOS DE SALÁRIOS MÍNIMOS, EM 2017

Considerando a remuneração no conjunto das atividades profissionais, somando docência e outras ocupações, a amostra tem maior frequência entre R$ 10 mil e R$ 20 mil mensais (ver Tabela 5 ). A presença masculina foi o triplo da feminina no topo da hierarquia de rendimentos resultantes do trabalho (17,2% x 5,7%), e eles mantiveram-se à frente em todas as faixas, com exceção daquela entre R$ 2 mil e R$ 5 mil. Ser mulher pesou contra elas acumularem outras ocupações bem remuneradas, além do ensino jurídico; 62% não mudaram de faixa de renda entre a remuneração na docência e a remuneração total, ou seja, para esse montante de professoras, ter outra ocupação não estava sendo rentável para tal progressão. Isso foi mais acentuado para as mulheres negras, sem nenhum caso no intervalo de renda acima de R$ 20 mil. Já entre os homens, 68% progrediram de faixa entre a remuneração na docência e a total. A generificação e a racialização potencializam a produção desse resultado, que é também recortado pela origem social e pelas oportunidades ou pelos obstáculos que esta gera. Mesmo as mulheres que puderam contar com o apoio financeiro e o estímulo da família para se preparar e superar as barreiras de ingresso, não deixaram de se deparar com estereótipos no percurso da carreira.

TABELA 5
– DISTRIBUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO MENSAL TOTAL POR FAIXA DE RENDIMENTO, SEGUNDO O SEXO E A COR/RAÇA DOS ENTREVISTADOS

Embora os homens negros estivessem sub-representados na docência em relação ao alunado na graduação em Direito, como apresenta o Gráfico 1 , a pesquisa ouviu professores negros em proporção maior do que eles constavam no Censo da Educação Superior. Na amostra qualitativa, homens negros alcançaram a faixa superior da remuneração mensal total na mesma porcentagem dos brancos ( Tabela 5 ), conseguindo superar a desvantagem ocorrida no rendimento como docente ( Tabela 4 ). Eles tinham outra ocupação, exercendo a carreira privada ou a pública e, por vezes, lecionando em mais de uma instituição. Entre os negros, ficou evidente a concentração de docentes pardos ouvidos no Nordeste. 5 5 Foram classificados como pardos onze professores e seis professoras, que se declararam mestiços, morenos, cafuzos ou pardos. Um docente na faixa de renda mais alta, de uma universidade pública no Nordeste, indagado sobre sua cor/raça, relacionou a pergunta ao tema das ações afirmativas e declarou-se contrário “às cotas”, justificando que no Brasil só existia negro ou cafuzo e incluiu-se nesse último grupo, embora fosse percebido como branco pela entrevistadora. Pareceu-nos haver uma posição compartilhada por mais de um docente entrevistado nessa faculdade para que pessoas contrárias “às cotas” se declarassem negras, mesmo no caso de se considerarem brancas, para questionar o critério. A pesquisa adotou a forma de agrupar pretos e pardos como negros para fins de análise. No total, foram ouvidos 25 docentes negros, dezesseis homens e nove mulheres. Os homens brancos lideraram os espaços intermediários de R$ 10 mil a R$ 20 mil e de R$ 5 mil a R$ 10 mil, seguidos das mulheres brancas nesses mesmos intervalos.

Comparando o topo das duas remunerações na docência e no total das atividades profissionais, a amostra tem 26% dos entrevistados nesse intervalo no ensino jurídico e 23% na faixa mais alta do conjunto de rendimentos do trabalho. Apenas uma mulher negra apareceu na remuneração de R$ 10 mil a R$ 20 mil, sendo a única professora em regime de dedicação exclusiva em IES pública; os demais docentes que receberam entre R$ 10 mil e R$ 20 mil lecionando estavam nas IESs tanto privadas quanto públicas. O exercício de outras atividades na parcela de mais de R$ 20 mil referia-se à advocacia/consultoria e às carreiras jurídicas públicas. Ficaram evidentes o maior acesso dos homens ao topo dessa distribuição e a ausência de mulheres negras na faixa mais elevada de remuneração total.

Os dados descritos até aqui configuram a fragmentação das práticas docentes em função dos diversos tipos de instituição de ensino, de vínculos, regimes de trabalho e remuneração, de titulação mais elevada, de dedicação exclusiva ou parcial à docência, de atuação na pós-graduação ou não. Ser professora ou professor em um formato ou outro de IES influencia o que consideraram a atividade mais disputada entre os pares, e isso permeia a fragmentação. Para uns foi o ensino, a atenção e o acompanhamento aos discentes (as disciplinas obrigatórias com mais inscritos, as optativas – que no sistema privado tem o risco de serem canceladas se houver número insuficiente de matrículas, acarretando a perda dessa remuneração –, os horários, a carga total, o atendimento e a orientação de alunos). Outros consideraram o acesso à extensão e a remuneração dela decorrente, em especial quando ofereciam cursos de especialização pagos; a pós-graduação stricto sensu , os recursos disponíveis e as bolsas; ocorreram ainda referências à pesquisa, às publicações, aos incentivos financeiros e de prestígio, além das atividades de representação e visibilidade pública, a gestão nos cargos remunerados e de poder profissional. O acesso a uma ou outra posição gera hierarquias, mas elas variam em decorrência do modelo de IES e de suas prioridades.

Por outro lado, exercer a docência ou associá-la a outra ocupação produz experiências diversas na centralidade do profissionalismo docente no percurso da carreira. Se tal ideário se consolidou durante o século XX, com um corpo profissional tendo perfis sociodemográficos semelhantes e buscando a coesão da profissão, agora, além dos processos fragmentários que se intensificaram, há a presença de docentes dessemelhantes que articulam o pertencimento profissional a outras identificações do sujeito.

2. PRIVILÉGIOS E DESVANTAGENS NO INGRESSO E PERCURSO DA CARREIRA

Neste tópico, vamos abordar como a percepção sobre as diferenças de gênero, raça e sexualidade no profissionalismo da semelhança gera um leque de vantagens e desvantagens distribuído desproporcionalmente entre os semelhantes e os diferentes nos seguintes aspectos: 1) maior estímulo para planejar a carreira quando proveniente de grupos que detêm esses capitais simbólicos, que se dilui pela estratificação social até a visão de que as coisas foram ocorrendo sem planos prévios; 2) interação mais acolhedora no ingresso do semelhante na área, que vai se reduzindo até a vivência de um ambiente profissional hostil ao mais diferente; e 3) posições dotadas de mais expertise e poder profissional caracterizando a elite e aquelas que requerem maior realização de trabalho emocional para os que estão fora dela. Essa diversidade de situações não se fixa a um mesmo perfil de sujeito, como se todos os homens planejassem carreiras e nenhuma mulher o fizesse. Embora as expectativas sociais sejam generificadas e racializadas, estimulando os já estabelecidos, ocorrem eventos (imprevistos) na trajetória de vida que alteram essas oportunidades, inviabilizando os planos. Além disso, o fazer das carreiras mostra também como algumas desvantagens são contornadas em função de mudanças no contexto, da capacidade de ação criativa e do senso de oportunidade, resultando em trajetórias bem-sucedidas. Por outro lado, privilégios sociais acabam por não se reverter em um desempenho profissional reconhecido pelos pares.

Deo (2019)DEO, Meera E.Unequal Profession: Race and Gender in Legal Academia. California: Stanford University Press, 2019. observou que a distribuição desigual de privilégios e vantagens já se apresentava no planejamento do ingresso na carreira quando os profissionais ainda eram alunos nos cursos de Direito que ela pesquisou nos Estados Unidos. No Brasil, algumas autoras encontraram essa variação nas trajetórias de docentes no Brasil (RONCONI FERNANDES, 2020; CAMPOS, 2021CAMPOS, Oglouyan de. Mulheres na academia: desigualdades de gênero no corpo docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Cátedra Unesco de Direito à Educação/Universidade de São Paulo (USP), 2021. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000376046.locale=en. Acesso em: 10 maio 2021.
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf...
; MORAES, 2020MORAES, Bruna Verdadeiro. Profissão, gênero e diferença: disputas discursivas na docência jurídica. 2020. 70 f. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais) – Departamento de Sociologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2020. ) com aquelas experiências que não foram nada planejadas até as que foram bem planejadas e caminharam como esperado. Alguns desses estudos, entretanto, não recortaram esse aspecto por raça e gênero. Nas entrevistas com a amostra desta pesquisa, indagamos como se deu esse momento de entrada na profissão, e registramos maior planejamento entre os professores brancos do que entre as professoras negras. Os homens também fizeram mais avaliações de que a trajetória se assemelhava ao projetado. Houve menos relatos de mulheres que seguiram uma programação, e algumas que tinham projetado um caminho referiram-se a não terem conseguido ainda levá-lo adiante, por terem vivido mais imprevistos e terem tido obstáculos, em especial entre as docentes negras. Entre as professoras que se sentem muito realizadas, observamos que várias enfatizaram como superaram o que esperavam profissionalmente, como o percurso foi diferente tendo alcançado uma posição que não estava no cenário na entrada nas profissões jurídicas, revelando a dinâmica que altera o gradiente de privilégios e desvantagens distribuídos para homens brancos, mulheres brancas, homens negros, mulheres negras, que resume a potencialização da discriminação interseccional da raça x gênero x profissão.

Na passagem a seguir, Sandra 6 6 Todos os nomes atribuídos aos entrevistados no artigo são fictícios. relata como essa ausência de planejamento se manifesta no ingresso na atividade docente. Trata-se de uma professora de cor parda, 31-40 anos, solteira, heterossexual, sem filhos, lecionando na graduação em duas IESs de pequeno porte como horista, tendo o grau de especialização e exercendo a advocacia. Sua faixa de remuneração total é de R$ 5 mil a R$ 10 mil mensais. Os pais desempenham ocupações de nível médio, o pai com escolaridade secundária e a mãe com superior.

P: E como se deu a escolha pelo caminho da docência?

R: [...] na realidade, eu achava que não tinha vocação nenhuma, não vou mentir. Eu tinha pavor de falar em público. Sabe aquela coisa de apresentar um trabalho na faculdade, e diziam para apresentar para a sala, me dava branco, me dava tremedeira, suor, [...] E eu naturalmente achava que isso não ia me auxiliar nunca, eu imaginava fazer qualquer coisa nessa vida, menos ser professora. [...] A primeira semana foi basicamente assim no tranquilizante, porque eu estava tentando me adaptar em um lugar que eu achava que eu não cabia. E eu acho que passei por algumas crises, durante esse período. Eu não levo jeito, eu não tenho vocação, só que o dia a dia vai provando o contrário. E cada vez que eu ouvia alguém dizer “poxa, você leva jeito, adorei sua aula”, aquilo acabava me motivando, embora lá no fundo eu continuava achando que eu não tinha jeito para a coisa. Aí foi quando eu tive a minha primeira oportunidade. Eu fiz uma prova para disputar a vaga e dos quatro selecionados na etapa final eu fui escolhida e comecei a dar aula, lá em 2008. (Sandra, com especialização, negra)

Em contraste com a experiência de Sandra, Hermes é um professor branco que tem a mesma idade que ela, dedica-se a lecionar em duas IESs, do quadro efetivo em uma pública e outra privada, na graduação e na pós-graduação, sem exercer outra ocupação. Sua faixa de renda é de R$ 10 mil a R$ 20 mil mensais. Ele tem uma união estável heterossexual, sem filhos. O pai e a mãe possuem escolaridade superior, sendo ela advogada.

P: E a sua trajetória profissional, se assemelha ou se diferencia do que você esperava dela?

R: Se assemelha. Dá para dizer que é exatamente o que eu projetei.

P: Quer dizer que já na graduação você projetava isso?

R: Já.

P: Naquele momento lá, que você entrou no Direito, você não pensou em fazer concurso para defensor, Ministério Público...?

R: Não, não. No início da graduação ... a minha mãe é advogada, então isso foi um indutor da área, mas eu entrei aberto. [...] Então, eu entrei. O Direito é uma graduação que oferece muitas opções profissionais, estagiei na Defensoria Pública, no Ministério Público, escritório particular, federal, estadual. Ministério Público, né? E nunca tive questão fechada, mas lá para o oitavo, nono período que eu resolvi assim que me formasse já fazer a seleção do mestrado e seguir carreira. (Hermes, doutor em Direito, branco)

Os capitais social e cultural atenuam as desvantagens, mas poucas mulheres relataram um projeto de carreira consoante ao percorrido, o que foi mais percebido entre homens, brancos de classe média alta. Os estereótipos de gênero e raça no ambiente acadêmico reverberam normas sociais que desvalorizam mulheres e negros, levando a que elas e eles hesitem diante do que parece muito além do acessível, do que é praticado e almejado no seu entorno. Quando se candidatam, lidam com o viés implícito na desconfiança sobre competência, condutas, aparência, filhos e dedicação.

O relato de Eliane dá visibilidade a experiência mutável quanto aos códigos de gênero vividos ao longo de sua trajetória. No caso dela, os cuidados articularam-se na família e em sua dedicação ao ensino. Inicialmente, obtendo uma licenciatura em Educação, foi “professora primária” e, mais tarde, já casada e com uma filha, estudou Direito na mesma IES privada onde estava trabalhando. Quando concedeu a entrevista, ela atuava exclusivamente na docência de graduação em Direito, exercendo a função de coordenadora nessa instituição de grande porte. Eliane é de cor parda, na faixa etária de 51-60 anos, divorciada, com duas filhas adultas. Sua remuneração estava na faixa de R$ 2 mil a R$ 5 mil mensais. Sua origem social é de família de pai médico e mãe do lar, tendo se casado com um profissional de carreira pública que lecionava na universidade. No início do desempenho da função de coordenação, com pouco tempo de atuação nessa IES, passou por dificuldades de aceitação por parte de um grupo fechado de docentes, “batendo de frente com um gestor”. Sentiu-se assediada pela forma como foi tratada e manifestou isso por escrito ao seu superior e ao interessado, encontrando uma convivência mais respeitosa depois disso.

P: Sua trajetória profissional se assemelha ou se diferencia do que você esperava dela?

R: Acho que foi além do que eu esperava. Porque de uma professora primária, com expectativas até limitadas, acho que quando decidi fazer Direito, comecei a participar de grupos de estudo, de pesquisa, um outro mundo se abriu. Então foi além do que eu esperava. (Eliane, doutora em Direito, negra)

Apesar da vida familiar de classe média profissional de Eliane, de ter se sentido acolhida em sua formação jurídica, orgulhosa de seu doutorado recém-concluído em uma IES pública, ela sentia que ocupar a função de coordenadora da graduação, envolvida com a educação de universitários em Direito, estava além do que ela havia esperado quando se orientava pelo seu entorno, pela mãe que havia cuidado dos filhos e pelas colegas que lecionavam no Ensino Fundamental. Agora com o doutorado, ela nutria o desejo de se tornar docente em uma IES pública, situação compartilhada por vários entrevistados.

As experiências das professoras apresentadas aqui contrastavam com a maioria das percepções dos professores brancos ouvidos na pesquisa sobre a interação profissional que viveram, com um ambiente mais receptivo a eles. Foi notável que os alunos e as alunas que tiveram estímulos e exemplos com oportunidades de treinamento durante a formação conseguiram iniciar a trajetória docente ainda como monitores, estagiários, assistentes. Apesar do viés sutil em relação a mulheres e a negros, quando a adversidade nesse espaço foi contornada, observou-se a existência de mentores predominantemente de outro fenótipo, orientando e acolhendo estudantes com marcadores sociais distintos. Houve, portanto, possibilidades de intervir no padrão dominante da generificação e racialização, mas na maioria das situações isso se deu no âmbito da expertise consolidada, ela mesma sendo reflexo de um conhecimento canônico generificado e racializado. Poucos são os conteúdos plurais, que espelham o reconhecimento à contribuição de autoras brancas, autoras negras e autores negros nas referências incluídas nas disciplinas (CEREZETTI et al. , 2019).

O trecho a seguir é da entrevista de Ernani, professor de cor preta, 41-50 anos, casado, uma filha. Fez doutorado em área correlata ao Direito. Seu pai tem Ensino Médio, e a mãe, Ensino Fundamental, ambos trabalharam em ocupações urbanas, como porteiro e passadeira. Ele lecionava na graduação em uma IES privada, em tempo integral, onde ocupava cargo de gestão, e também atuava na advocacia. Sua faixa de rendimento total era de R$ 5 mil a R$ 10 mil mensais. Seu relato remete ao estímulo que teve por parte de uma docente, embora registre o entorno hostil, ao comentar como ela era “metida”.

Na graduação eu fui chamado para participar de um grupo de estudos. A professora [nome], uma promotora já falecida, me chamou para ler livros que não tinham nada a ver com Direito. Era Casa-Grande e Senzala , Da Monarquia à República , de Emília Viotti, eram textos que não tinham relação direta. Hoje, eu vejo que tem, mas não tinha relação direta com o Direito. Eu não entendi por que ela me chamou para participar daquele grupo e ela não me falou. Só me falava, ela era muito metida, que era só participar do grupo e que eu ia entender mais para a frente. E hoje eu entendo. Ali eu comecei a desenvolver uma vocação para os estudos, não só dogmáticos. E isso me acompanha até hoje. Comecei a ter interesse em fazer mestrado, acabei a graduação, fiz uma especialização, já com o foco em dar aula. E aí, da especialização, consegui ser aprovado para o mestrado, concluí o mestrado, passei no concurso para a [nome da IES]. (Ernani, doutorado em área correlata, negro)

Em outras entrevistas, também registramos a atuação de docentes que impulsionaram oportunidades sem partilhar as mesmas características físicas de seus discentes, como no caso de alunas que puderam contar com mentores. Consideradas modelo, tais lideranças acadêmicas tornaram o ambiente menos hostil aos discentes, que puderam ter contato com essa formação e pensar os passos da carreira, o que contrastou com os estudantes que não tiveram tal experiência.

Marta, 41-50 anos, relata como sua entrada na vida profissional não foi planejada, encontrando mais apoio nos laços familiares e pessoais do que no curso de graduação em Direito. Sendo de origem de classe média alta, com pais profissionais de nível superior, é casada com um advogado e tem filhos. Ela dedicava-se à docência ministrando aulas na graduação e na pós-graduação de uma IES privada, em tempo integral. Sua faixa de rendimento total era de R$ 10 mil a R$ 20 mil mensais. Fez mestrado em área correlata e doutorado em Direito.

P: Como se deu sua escolha para a docência?

R: De ver estímulo na minha casa, de participar de atividades acadêmicas, embora na graduação eu não tenha me empolgado com o curso de Direito. Cheguei a pensar em desistir várias vezes. [...] Continuei no Direito porque me apeguei um pouco na Procuradoria, fazendo atendimento. Aí depois passou um tempo, vi que não era isso que eu queria, [...] [o pai] me indicou um amigo dele, irmão de um grande amigo, na verdade, que é uma pessoa superética, pra eu ir lá conversar, que não devia ser um escritório assim, que era um escritório que ele acreditava. Bom, enfim, fiquei lá e gostei do escritório. [...] A minha família dava muito valor a parte de educação, tanto que quando eu estava no escritório, tinha uma disciplina que eu tinha que fazer à tarde, e aí eu tive que optar [...]. Quando eu tive que optar, se eu ia ficar mesmo na carreira [acadêmica], porque passou a ficar inconciliável com o escritório, meu pai me deu todo apoio, meu pai e minha mãe.

P: Como sua trajetória profissional se assemelha ou se diferencia do que você esperava dela?

R: [...] a minha vida não teve muito planejamento, então por um lado eu sou até muito grata pelas coisas e pelas pessoas que foram aparecendo no meu caminho. Tiveram confiança em mim, no meu trabalho, foram me dando oportunidade. Não é que eu não esperei nada. Hoje mesmo eu estava atravessando, fui lá na reunião do [nome do Conselho], quando eu entrei [nome da IES] eu nem poderia imaginar que eu estaria em uma reunião dessa. (Marta, doutora em Direito, branca)

O relato anterior aponta como a origem familiar e suas redes sociais atenuaram as desvantagens vividas por Marta, que foram acentuadas pela generificação no ambiente acadêmico na época em que estudou, com a falta de melhor acolhida que a ajudasse a planejar a entrada na carreira.

Murilo atribui sua carreira docente à paixão que se confirma com as oportunidades durante seu curso de graduação. Ele relata como sua interação foi receptiva naquele ambiente. É doutor em Direito, branco, casado, sem filhos, 31-40 anos, lecionando em IES privada, no regime horista e advogando. Sua faixa de rendimento total é de R$ 10 mil a R$ 20 mil mensais. Seu pai também é advogado e a mãe professora, ambos com escolaridade superior.

P: E especificamente na atividade docente? Poderia mencionar as motivações iniciais para o ingresso e o que pretende realizar?

R: Terminei o curso em 1998. A docência sempre foi uma paixão, sempre foi o que eu quis fazer, isso desde pequeno, quando eu estava na faculdade, fui monitor durante quatro anos da disciplina, terminei a faculdade e continuei como assistente. Na [IES privada] admitia assistente voluntário, depois a primeira oportunidade que eu tive foi na [outra IES privada], é uma coisa que eu sempre queria, sempre busquei. (Murilo, doutor em Direito, branco)

Apesar da experiência mais acolhedora que viveu no curso de graduação, Murilo sente que seu objetivo de dar aulas na pós-graduação stricto sensu e de realizar pós-doutorado é constrangido pelo enquadramento como horista, que dificulta seu atrelamento à pesquisa e o desempenho da orientação de trabalhos. Atribui isso a ter assumido cargo de gestão na IES privada onde trabalhou anteriormente, que o afastou dessas atividades, com reflexos na carreira e na inserção na nova instituição.

Embora as entrevistas realizadas tenham encontrado variações em relação ao planejamento e à receptividade no ambiente do curso de Direito favorecendo os homens brancos, isso não se repetiu para todos que compartilhavam os mesmos marcadores sociais nem permaneceu fixo ao longo da trajetória, havendo a sobreposição de eventos que alteraram tal configuração.

As oportunidades de se deslocar dessas condições desvantajosas estão relacionadas a como esses sujeitos foram constituídos no processo de racialização e generificação. Nas situações em que a diferença é produzida como desigualdade, são visíveis as dificuldades para transpô-la, como observado nas entrevistas com as docentes negras. Elas estavam menos presentes entre os que possuíam o título de doutorado, atuavam mais no regime de trabalho horista e na faixa de menor remuneração na amostra, com poucas exercendo outra ocupação jurídica. Uma das entrevistadas, Heloisa, 7 7 Essa entrevistada é apresentada no próximo tópico. mencionou a expectativa de que a IES onde atuava viesse a conceder bolsa para o doutorado, ao menos isentando-a do pagamento das mensalidades do curso que a instituição oferecia. Quanto à família, mais da metade tinha pai ou mãe com nível superior, o que ocorreu menos para os colegas negros.

Entre as professoras brancas, os professores negros e brancos ouvidos na pesquisa, foi possível encontrar o deslocamento de posições privilegiadas ou desfavorecidas ao longo da carreira. A maioria dos docentes negros entrevistada possuía o título de doutor, atuando menos no regime horista, vários tinham outra ocupação além da docência, o que se refletia no aumento da faixa de renda mensal. Quanto à origem, tinham feito mais mobilidade ascendente, sendo comum o pai não ter escolaridade elevada. Assim, na amostra, eles deslocaram--se da terceira posição no gradiente docente de remuneração para rendimentos superiores no total de ocupações.

Na amostra, as docentes brancas vinham principalmente de famílias em que pai e mãe tinham diploma superior, e a maioria delas tinha doutorado e trabalhava em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva. Mesmo assim, houve significativa menção ao exercício de outra ocupação jurídica, estando elas mais presentes nas faixas de renda intermediárias. A maior parcela dos professores brancos veio de família com pai tendo acesso ao ensino superior, mas isso foi um pouco menos observado entre as mães. Predominou o título de doutor, sendo mais mencionados os regimes de trabalho integral/dedicação exclusiva. O exercício de outra ocupação jurídica destacava-se entre eles, mas as faixas de renda com maior frequência foram as intermediárias.

O trabalho de campo aponta o impacto da generificação e racialização produzindo desigualdades e hostilidades às docentes negras, que atuam nesse espaço para modificar essas condições. Para as mulheres brancas e para os homens negros e brancos, a articulação dos eventos, dos imprevistos e das oportunidades junto à ação deles nesses contextos tem-se refletido mais nos deslocamentos entre a situação no momento de ingresso e a trajetória dos entrevistados. O relato de Marta revela como ela conseguiu reverter a falta de planejamento e o ambiente pouco receptivo e atingiu na carreira docente da pós-graduação posições que não imaginava antes. Já Murilo encontrou acolhimento no ingresso, mas o percurso que seguiu o afastou da carreira de excelência que ele almeja alcançar.

A construção analítica da intersecção de raça e gênero requer que se cristalizem tais marcadores como identidades que se entrecortam, acabando por produzir mais uma interpelação dos sujeitos por diferentes posicionalidades. Alternativamente, buscou-se compreender como eles articulam esses códigos e respondem, por meio de discursos, a esses fluxos contínuos que os interpelam.

Segundo Brah (2006)BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu , Campinas, n. 26, p. 329-376, jan./jun. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyTPDGwK8SxCPmhy/abstract/?lang=pt. Acesso em: 10 maio 2021.
https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyT...
, a diferença não é fixa nem experimentada da mesma forma pelos sujeitos.

O conceito de diferença, então, se refere à variedade de maneiras como discursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos e ressignificados. Algumas construções da diferença, como o racismo, postulam fronteiras fixas e imutáveis entre grupos tidos como inerentemente diferentes. Outras construções podem apresentar a diferença como relacional, contingente e variável. Em outras palavras, a diferença não é sempre um marcador de hierarquia e opressão. Portanto, é uma questão contextualmente contingente saber se a diferença resulta em desigualdade, exploração e opressão ou em igualitarismo, diversidade e formas democráticas de agência política. ( BRAH, 2006BRAH, Avtar. Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu , Campinas, n. 26, p. 329-376, jan./jun. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyTPDGwK8SxCPmhy/abstract/?lang=pt. Acesso em: 10 maio 2021.
https://www.scielo.br/j/cpa/a/B33FqnvYyT...
, p. 374)

Assim, os sujeitos conectam processos fragmentários e fluidos que constituem suas práticas e relações sociais, em uma combinação estruturada não aleatória, que pode ou não resultar em pertencimentos e identificações, em dominação e subordinação ( SLACK, 1996SLACK, Jennifer Daryl. The Theory and Method of Articulation in Cultural Studies. In: MORLEY, David; CHEN, Kuan-Hsing (org.). Stuart Hall: Critical Dialogues in Cultural Studies. London: Routlegde, 1996. p. 112-127. ).

3. TRABALHO DAS EMOÇÕES NA CARREIRA ACADÊMICA

Um aspecto presente nos relatos de docentes no exercício profissional refere-se ao que Hochschild (2003)HOCHSCHILD, Arlie Russell. The Commercialization of Intimate Life: Notes from Home and Work. Berkeley: University of California Press, 2003. conceituou como trabalho das emoções. Refletindo sobre a realização do trabalho emocional no ambiente acadêmico, Patricia Hill Collins, em entrevista coordenada por Nadya Guimarães, comenta:

O estudo de Hochschild foi pioneiro porque situou o trabalho emocional no contexto de um florescente setor de serviços. Sua análise sobre como as aeromoças eram treinadas mostrou o quão importante era o desempenho convincente do trabalho de cuidado para o crescimento e a lucratividade do setor de serviços. Essa noção de trabalho emocional pode perfeitamente transladar-se para as universidades e instituições acadêmicas; como são parte do setor de serviços, dos professores e dos assistentes na pós-graduação também se espera, crescentemente, que desempenhem de modo convincente o trabalho de cuidado institucional a que estão obrigados.

Num tal contexto, o trabalho emocional adquire uma posição especial, algo que não passa despercebido às mulheres e às pessoas de cor, majoritariamente responsáveis por efetuar tal trabalho acadêmico de cuidado. Quais são os custos impostos a quem realiza um trabalho emocional que é ordinariamente sub-remunerado? Numa relação capitalista de troca, as emoções e o cuidado tornam-se mercadorias. (COLLINS, 2021 apudGUIMARÃES, 2021GUIMARÃES, Nadya Araujo. Entrevista com Patricia Hill Collins. Tempo Social , v. 33, n. 1, p. 287-323, 2021. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ts/article/view/174340/170979. Acesso em: 20 maio 2021.
https://www.revistas.usp.br/ts/article/v...
, p. 306)

O trabalho das emoções no ambiente acadêmico envolve produzir em si um sentimento que, ao ser comunicado especialmente aos discentes, mas também aos colegas e aos superiores, favorece o desempenho das atividades de cuidado e acolhimento, garantindo uma dimensão de sucesso do empreendimento educativo, mais regulado nas IES privadas.

Heloisa e Haroldo ocupavam cargos de coordenação da graduação em IESs privadas havia muitos anos, com sucesso na atividade, que acumulavam com o ensino na graduação, em regime de tempo integral, e remuneração na faixa de R$ 5 mil a R$ 10 mil na docência. Heloisa é negra, seu pai foi motorista e sua mãe professora, ela estava na faixa de 41-50 anos, era casada com um homem negro com ocupação de nível médio e estava grávida. Haroldo é branco, seu pai tinha ocupação de nível médio e a mãe de nível superior, ele estava na faixa dos 31-40 anos, em uma relação homoafetiva com outro professor de Direito, sem filhos. Eles comentaram as características da seleção e do exercício da função, dando visibilidade às formas como o trabalho das emoções fazia parte de seu desempenho.

P: Como é chegar à coordenação?

R: É maravilhoso, assim...

P: É um convite? É um processo seletivo?

R: [...] Então, assim, a coordenação é você fazer o processo seletivo e você gostar realmente de coordenação. E gostar de ajudar o aluno, porque é muito satisfatório você ver o aluno sentar ali e você resolver a vidinha dele. Então acho que ser coordenador é mais um privilégio, porque a gente ama a docência, ama dar aula, mas você consegue ver o aluno. É muito engraçado quando a gente está na colação de grau, porque a gente conhece o aluno, você vê o rosto e você conhece todo o histórico do aluno. Você conhece até o aluno que estava doente. Porque você é meio psicólogo, né? Porque o aluno te fala que esteve doente. Então, assim, são experiências que a gente passa na coordenação, que em alguns momentos você fica assim “eu queria ter um pouco de psicologia” para ajudar um pouco mais profundo o aluno e tal. Porque traz muitas dificuldades... (Heloisa, mestre em Direito, negra)

Heloisa destacou sua relação de acolhimento com os alunos, expondo na entrevista os sentimentos que norteavam sua atuação e que revelavam a orientação da IES para conter a evasão de alunos. As emoções e os sentimentos são sociais e podem ser manuseados e administrados, seja lidando com a invisibilidade social, seja produzindo em si emoções desejadas socialmente. Heloisa foi hábil em sentir o que a IES esperava, que convertia o sentimento da docente em parte do serviço oferecido no ensino universitário.

Haroldo descreveu suas atribuições como coordenador, articulando a organização e os cuidados.

P: Quer dizer que você é um coordenador bem-sucedido?

R: Eu acho que sim. Eu me percebo bem-sucedido. Não sou eu que digo isso, eu sou tido como exemplo pelos meus colegas de coordenação e sempre fui muito bem-sucedido por onde passei. Meu relacionamento com a gestão da unidade sempre foi muito bom.

P: [...] Que qualidade sua você atribui a ser assim bem-sucedido em coordenação?

R: Bom, eu acho que o bom coordenador, ele precisa ser organizado, porque é muita coisa para tomar conta ao mesmo tempo. Então, você precisa jogar em várias frentes, até para que você possa se dedicar a outras coisas. Então, a organização é tudo, planejamento, né? Eu acho que isso é uma qualidade, porque eu conheço colegas que não conseguem fazer isso. E a vida se transforma num caos. Mas eu acho que o sucesso nessa função está diretamente ligado com a forma de tratamento do corpo discente e do corpo docente. Então, eu me entendo com um corpo docente extremamente leal, eu acho que eu preciso dar todo suporte para os professores, eles dependem da instituição para sustentar seus lares. Então, eu tenho um compromisso muito sério com eles, de carga horária, de fazer um planejamento acadêmico com antecedência para que eles possam se organizar. E procuro ser o máximo possível solícito com os alunos, para que eu consiga atender a todas as necessidades deles dentro das regras da instituição, obviamente. E eu, assim, eu não sei se isso é uma qualidade, mas eu tento ser humano, né? Então, eu entro no esquema da empatia, me coloco ali, e tento resolver todas as questões nesse ritmo. É óbvio que tem dias que a gente não consegue fazer isso, a gente está saturado, está estressado, mas eu tento fazer dessa forma. Eu acho que isso reflete um bom trabalho sempre, não está ligado a competências e habilidades... (Haroldo, doutorando em Direito, branco)

Nesse relato, a ênfase recaiu sobre a capacidade de organizar o conjunto das atividades, combinando o melhor planejamento da carga horária dos docentes, como atividade racional e eficiente, com o acolhimento dos discentes, visto como um atuar sobre as emoções (“entrar no esquema da empatia”). Sua descrição revelou a consciência no manuseio dos sentimentos para conseguir atender àquilo que era a regra da instituição, configurando o trabalho das emoções parte do serviço.

Outro aspecto do trabalho das emoções que apareceu nas entrevistas se refere ao que Hochschild (2003)HOCHSCHILD, Arlie Russell. The Commercialization of Intimate Life: Notes from Home and Work. Berkeley: University of California Press, 2003. abordou como a passagem do predomínio de dois códigos emocionais – um masculino e outro feminino – para um código de gênero unissex, com as mulheres assimilando rapidamente as regras masculinas e os homens mudando muito devagar em direção ao código feminino. Entre as docentes, observou-se a atuação sobre seus sentimentos para combinar e encaixar novos códigos em si mesmas. Como estes são construídos em relações sociais, as professoras tinham de lidar com as percepções dos colegas sobre o resultado dessa administração da emoção. Mesmo procurando produzir um ideal de self emocionalmente distanciado para se proteger e não se machucar ( HOCHSCHILD, 2003HOCHSCHILD, Arlie Russell. The Commercialization of Intimate Life: Notes from Home and Work. Berkeley: University of California Press, 2003. , p. 24), com sentimentos que consideravam adequados ao ambiente profissional, isso se constituiu em um desafio porque foram interpretados de outra maneira. Edgar demonstrou sua preocupação com a forma de atuação das mulheres na docência. Ele é branco, heterossexual, 51-60 anos, separado, sem filhos, estrangeiro, de família de classe média, com pais de escolaridade primária. Edgar lecionava na graduação e na pós-graduação em IES privada e em pública, com remuneração total mensal de R$ 10 mil a R$ 20 mil.

A questão da mulher no espaço docente é uma questão que me preocupa particularmente. Um dos temas que eu queria trabalhar em pós-doc era um pouco o papel da mulher [...] Me preocupa uma coisa que estou percebendo de ou a professora maternal ou a professora que assume o que ela acha que deve ser um perfil masculinizado, um perfil do rigor, em relação a isso. Há falta de equilíbrio hoje, ou seja, lido com colegas que têm uma percepção um pouco rigorosa do que deve ser a academia, e outras que se transformam, ou seja, vejo um controle da sua própria sensibilidade em alguns casos, em outros uma segmentação e um estereótipo que também me incomoda muitíssimo. [...] E me preocupa por quê? Porque acho, primeiro, relevante o papel da mulher na sociedade como um todo. [...] Outra coisa que me preocupa muito é o fato de existir na área do Direito pouquíssimas mulheres que adotam a agenda feminista e uma pauta feminista. (Edgar, doutor em Direito, branco)

A administração das emoções fica mais complexa em um contexto fragmentário. Feito para facilitar o desempenho esperado na IES e o reconhecimento do grupo, o manuseio dos sentimentos é interpelado pelos dissensos na profissão e pelas exigências institucionais. A atuação masculina referida em outro código de gênero não despertou a preocupação polarizada entre ser acolhedora ou rigorosa, como no caso das mulheres.

Outrossim, o trabalho das emoções na docência do Direito lida com a generificação e racialização da figura da autoridade, que se concretiza em um corpo de homem branco heterossexual. A expectativa sobre esse perfil, complementada pelo anseio de que a sala de aula seja ocupada por um professor experiente, sustenta o estereótipo que privilegia o masculino, gerando maior contestação da autoridade da mulher, do negro, do homoafetivo. Muitas professoras mencionaram essas dificuldades, particularmente quando mais jovens, agindo com mais rigor para se defender e enfrentar a situação. De novo, o trabalho emocional de produzir tais sentimentos sofreu questionamentos, com ela sendo considerada “dura” por colegas e alunos. O estereótipo oposto também se manifestou, quando foi considerada “boazinha”, atribuindo-se a conduta no ambiente privado mais como mãe ou tia. A legitimidade de sua autoridade também era posta em questão nos comentários da “rádio corredor”, em que o viés implícito e a discriminação sutil circulavam.

Elena é branca, 51-60 anos, doutora em Direito; seu pai, seu marido e sua filha são profissionais do Direito. Ela tem carreira jurídica pública além da docência em graduação e pós-graduação em IES privada. Sua remuneração mensal na docência estava entre R$ 10 mil e R$ 20 mil, e no conjunto das atividades ficava bem acima dos R$ 20 mil. Comentando a forma como sua atuação docente foi percebida, ela sentia-se injustiçada, revelando a complexidade do trabalho das emoções.

P: Você acha que falam assim de você, “mulherzinha”?

R: Mulherzinha? Eu já ouvi no corredor, de mim e de outras professoras. Aí eu brinco com eles na sala: “Gente olha só, lembrem que o professor frequenta corredor, que às vezes vocês estão na escada, dizendo ‘pô, aquela mulherzinha me deu 3’, e a mulherzinha está atrás de você”. [...] Agora, na pós é engraçado. Na pós eu tenho fama de dura, então eles fogem de mim.

P: Por que que você tem fama de dura?

R: [...] Por que que eu tenho fama de dura? Porque eu sou rigorosa mesmo, assim, tem que ler, tem que ler, pô.

P: Você se identifica com ser dura? Você acha que a vida te fez dura?

R: Eu acho injusta a avaliação de que eu sou dura. Porque a avaliação vem da circunstância de que eu dou todas as aulas, eu chego na hora, não saio cedo, eu cobro... Então, assim, eu acho injusto, porque também, de outro lado, eu sou superdisponível: olha, quando você precisar, independentemente de ser meu orientando. Eu já tive depoimentos de gente dizendo que a rádio corredor falava que eu era dura, que depois veio ter aula comigo, “gente, não é possível, uma [coisa é o] que falam na rádio corredor e outra que eu encontro na sala de aula”. Então isso me aborrece, essa fama [...]. (Elena, doutora em Direito, branca)

Elena deixa claro em sua narrativa que se construiu na carreira jurídica pública e na docência como uma persona profissional, com uma postura que predominava no ambiente quanto ao padrão de se vestir, de agir, de se expressar, e que hoje é possível ter um outro modelo, mas este vai tornar a trajetória mais difícil. Assim, administrando as emoções para se ajustar ao estereótipo “senão vira mulherzinha”, ela acabou nomeada da mesma forma, mas com outro significado.

O modelo tradicional de gênero reserva às mulheres as tarefas dos cuidados, e, quando estas são realizadas no ambiente profissional, sobrecarrega de serviços quem as desenvolve, não pontuando para a progressão por mérito. Em contraste com isso, a participação das professoras em atividades com mais recompensa e distinção era menor, como em postos de liderança, premiações, recursos para pesquisa, representação, bancas, mesas de eventos e visibilidade pública.

Em dissonância com a explicação de que as mulheres têm menos ambição na carreira, porque a combinam com os cuidados familiares, as entrevistas permitem compreender como as relações sociais que estruturam a generificação e racialização no profissionalismo criam obstáculos e respondem por essa menor disposição delas, vis-à-vis a propensão favorável aos homens a ocuparem a liderança. As entrevistas mencionadas anteriormente abordaram diversos desses aspectos, mas podemos destacar, ainda, relatos de docentes mulheres que, mesmo credenciadas na pós-graduação, acabaram recebendo tarefas similares a “cuidar da casa” na instituição, tais como: organização dos eventos em vez da visibilidade neles, acolhimento de alunos em vez da composição das bancas de concursos, atividades de gestão em vez das de representação, maior presença nos cargos de vice do que no exercício efetivo das funções de confiança. Esses códigos de gênero que interpelam as profissionais são reforçados pela maior dificuldade delas de se inserirem nas redes dominantes na docência, como a entrevista de Eliane evidenciou.

4. CONSTITUINDO PROFISSIONAIS E PRODUZINDO GENERIFICAÇÃO E RACIALIZAÇÃO

Comentando como gênero e raça são construídos na carreira, o relato de Milton tornou evidente como ser semelhante ou diferente resultou em formas distintas de interpelação, facilitando ou obstaculizando o acesso a posições de elite no meio acadêmico. Ele é negro, atuante na graduação em uma IES privada, em regime de trabalho horista, na faixa de rendimento entre R$ 5 mil e R$ 10 mil na docência e R$ 10 mil e R$ 20 mil no rendimento total. Quanto à idade, tinha entre 41-50 anos, era solteiro, sem filhos, proveniente de uma família com pais trabalhadores sem qualificação.

P: Você acha que o gênero, a sexualidade, a cor/raça e outras características visíveis influenciam na obtenção de posições profissionais? Como?

R: Indiscutivelmente. Porque o acesso a estes cargos é inteiramente controlado por homens brancos, heterossexuais, de classe média alta e se você não tem acesso a esses círculos de relacionamento, você dificilmente conseguirá acesso aos postos de trabalho e principalmente aos postos de trabalho nas instituições mais prestigiadas.

P: Então seria uma questão de networking ?

R: Fundamentalmente, não só de networking , mas o que possibilita a entrada nesses meios de relacionamentos é exatamente isso: a sua raça, o seu gênero, a sua orientação sexual. (Milton, doutor em Direito, negro)

Ou seja, no ambiente acadêmico investigado, a excelência é produzida concomitantemente à racialização e à generificação que constituem tanto os sujeitos que alcançam esse sucesso como aqueles que se deparam com mais obstáculos para o acessar. Por outro lado, como se verá a seguir, a ampliação da presença mais diversa em cargos de confiança nas universidades não revela só a pluralidade, mas também o deslocamento do interesse da elite em direção a outras posições.

Entre as setenta entrevistas, observou-se que 70% dos homens tinham ocupado alguma função ou cargo administrativo ao longo da trajetória na docência, e 47% delas também. Alguns autores indagaram se as mulheres estão conseguindo romper o teto de vidro apontado na literatura especializada sobre as mulheres no mundo profissional do Direito ( KAY e HAGAN, 1995KAY, Fiona; HAGAN, John. The persistent glass ceiling: gendered inequalities in the earnings of lawyers. British Journal of Sociology , v. 46, n. 2, p. 279-310, 1995. ; FRAGALE FILHO, MOREIRA e SCIAMMARELLA, 2015; BERTOLIN, 2017BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Mulheres na advocacia: padrões masculinos de carreira ou teto de vidro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. ). A feminização dessas atribuições profissionais, em especial na gestão, ganhou outro sentido na narrativa das mulheres nesses postos. Tais cargos não estariam mais mobilizando os homens como antes, mudando os arranjos de gênero e cedendo lugar à maior presença feminina no acolhimento discente, em especial nas IESs privadas: “A gente tem muitas mulheres coordenadoras, mas é porque esse trabalho de coordenação não é um trabalho de mérito, é um trabalho de ralação mesmo”. 8 8 Relato de Elvira, professora branca que leciona na graduação, com atividade de coordenação em IES privada. Nas funções de gerência, tal inclusão é percebida em momentos de crise, de “colocar a casa em ordem”, quando há falta de recursos, menor autonomia, pouco poder e baixo retorno financeiro. Nas IESs públicas, a desvalorização do posto foi mais acentuada do que nas IESs privadas, já que a forma de escolha desses gestores era diferente, bem como a remuneração.

Priscila é parda, 41-50 anos, é casada e tem um filho. Estava lecionando como docente em dedicação exclusiva em uma IES pública, atuando na graduação e na pós-graduação. Pela primeira vez, ela ocupou função de confiança na gestão universitária da pós-graduação e comentou como percebeu essa mudança.

P: Você diria que na faculdade as posições elevadas estão sempre nas mãos masculinas?

R: Sim, ela passa para [a mão] feminina quando ela [a posição] é ameaçada, ameaçada assim, quando precisa de uma mulher para arrumar a casa... Os dois momentos que as mulheres entraram, é porque precisava legalmente arrumar a casa, porque senão o barco ia afundar mesmo. (Priscila, doutora em Direito, negra)

O papel institucional de “colocar a casa em ordem” também foi relacionado por Priscila a situações de conflito interno nas relações docentes, com as mulheres sendo vistas como pouco ameaçadoras pelos pares envolvidos nos embates. Esses códigos de gênero são construídos na docência junto à formação dos sujeitos, produzindo regulações. Se havia entre os professores e as professoras aqueles resilientes que abraçavam o padrão tradicional generificado, havia os que contestavam essas violências simbólicas, por meio de combinações de códigos alternativos, de perspectivas dialógicas e emancipatórias.

Segundo Miskolci, a perspectiva teórica da diferença focaliza como ela é constantemente produzida sem fixar identidades. Refletindo sobre as batalhas morais on-line , os cancelamentos e escrachos relacionados à “ideologia de gênero” e às políticas identitárias, o autor analisa a erosão democrática recente, mobilizando o conceito de diferença em contraste com o de identidade: “Enquanto a diferença é um conceito afeito a compreender o contínuo refazer dos sujeitos, suas relações e a sociedade, a identidade é o seu oposto, parente do autoritarismo e do ódio à diferença” ( MISKOLCI, 2021MISKOLCI, Richard. Batalhas morais: política identitária na esfera pública técnico-midiatizada. Belo Horizonte: Autêntica, 2021. , p. 26).

A experiência que constitui Haroldo como sujeito na docência traz a violência do preconceito no espaço do trabalho, interpelando-o a partir dos referenciais do profissionalismo e do controle dos pares, no que concerne à sua relação homoafetiva com outro docente da mesma IES. A atribuição cristalizada dessa identidade como processo regulatório se impôs a ele como desigualdade, em vez da diferença como subjetividade que Haroldo experimentava. Ele havia vivido um casamento heterossexual por vários anos e no momento da entrevista estava em uma união estável com seu companheiro, que lecionava na IES.

P: Eu queria que você comentasse se o gênero, a sexualidade, a cor e a raça, e outras características visíveis influenciam na obtenção de posições profissionais e como influenciam?

R: Eu posso falar por mim [...], eu fui compelido a externar para a instituição a minha condição sexual. Então, se eu tivesse a opção de não dizer, eu prefiro não dizer porque se eu sofro preconceito fora da instituição, não seria diferente dentro da instituição. Eu seria ingênuo de achar isso. Então, todos sabem, todos sem exceção.

P: E por que você foi compelido?

R: Porque ou eu mantinha o meu relacionamento ou eu abria mão do meu cargo.

P: Por que você achou que ia ter zum-zum?

R: Não. Começou a ter zum-zum. Antes de eu levar para o conselho de ética, já tinha começado zum-zum.

P: Se fosse uma relação heterossexual, você acha teria um zum-zum?

R: Não, não na proporção que teve. Foi muito rápido...

P: A notícia foi mais rápida que a relação?

R: Acho que sim. Assim, o código de ética da instituição fala em relação estável. Então, enquanto era um flerte ou alguma coisa, a gente estava se conhecendo, eu não vi necessidade de abrir isso para ninguém ou levar isso para o conselho de ética, porque eu entendi o que estava dentro do quadro. [...] Mas a partir do momento que a relação ficou séria, nós já conversávamos sobre isso, a necessidade de levar para o conselho de ética, quando o zum-zum chegou a mim ele já existia. Quando ele chegou a mim, eu imediatamente fui ao conselho de ética. [...] E te confesso que abrir para o conselho de ética, não por uma questão ética, porque para mim, na minha cabeça a questão ética estava resolvida [...]. O conselho de ética entendeu que não havia nenhum desvio ético, mas que eu deveria me afastar da coordenação daquela unidade onde o professor lecionava. E assim eu fiz [...]. Mas não sei se por impressão minha, ou até certo ponto tudo era realidade, a partir do momento que as pessoas souberam, algumas pessoas mudaram comigo. E até amigos mesmo. As pessoas que me adoravam e que me elogiavam deixaram de me ter como referência, e eu atribuo, na minha percepção, atribuo a esse fato. Parece, às vezes, que eu deixei de ser o competente profissional por conta disso. Algumas pessoas não me olhavam mais com os mesmos olhos. (Haroldo, mestre em Direito, branco)

A diferença para Haroldo não se constituíra como uma identidade na profissão, mas o estigma em relação à sexualidade e ao relacionamento ganhou novo formato no processo de regulação no ambiente de trabalho: o do desvio quanto à ética profissional, com conjecturas de favorecimento resultando na imposição social da identificação.

Por outro lado, a diferença como identidade do sujeito que demanda reconhecimento fora dos códigos tradicionais foi interpelada pelos processos regulatórios na experiência de Úrsula. O relato da professora permitiu compreender como a identificação feminista foi reenquadrada no fazer e desfazer de gênero, estereotipando como ela se situava nesse fluxo. Úrsula comentou como seu lugar generificado de lecionar e pesquisar temas não hegemônicos, de direitos mais marginais no curso, refletiu-se tanto no seu senso de pertencimento quanto na forma como isso foi visto por colegas que desqualificavam sua fala com manifestações do tipo: “Ah, isso é feminismo seu”. Ela é branca, 31-40 anos, casada, tem dois filhos, sua família é de classe média com educação superior. Úrsula exercia a docência de graduação e pós-graduação em uma IES pública, com remuneração total na faixa de R$ 5 mil a R$ 10 mil mensais.

P: Você acha que o gênero, a sexualidade, a cor/raça e outras características visíveis influenciam na obtenção de posições profissionais? Como?

R: Então, eu acho que essas características, de gênero, de sexualidade, raciais etc., eu acho que elas definitivamente fazem diferença, porque existe um círculo de poder hegemônico que se dá entre homens brancos, supostamente heterossexuais, ou que se comportam como tais, e que se retroalimenta. [...] Acho que há fissuras, acho que não é tão hegemônico assim, as coisas se movimentam, mas se eu pudesse dar um retrato rápido para você eu acho que isso tem relação. [...] essas coisas influenciam na qualificação, no pertencimento nos círculos de poder interno, eu ia falar dessa desqualificação do lugar, quem anuncia as coisas, sejam as agendas ou políticas internas, essa anunciação tem um lugar. Então quando ela vem de mim, ou ela vem de outros colegas com outros capitais, faz muita diferença em como vai ser ouvido. (Úrsula, doutora em Direito, branca)

Ao intervir para desfazer os códigos tradicionais de gênero na perspectiva mais fluida das diferenças, Úrsula percebeu como isso foi regulado por posições de poder desiguais, que desqualificavam sua expertise pela generificação de sua fala, mesmo em uma IES que tem adotado políticas inclusivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças nos formatos institucionais do ensino superior e na docência do Direito levaram à passagem de um contexto de maior homogeneidade na carreira para outro heterogêneo, dando visibilidade às diferenças em que antes se afirmavam as semelhanças. O artigo examinou essa fragmentação em termos quantitativos e qualitativamente seus reflexos sobre as práticas docentes, as percepções dos entrevistados sobre o ingresso e a carreira na área, as atividades ocupacionais e as suas identificações. Ao focalizar as interações profissionais, a investigação abordou como se produz o processo de generificação e racialização na docência junto à constituição desses sujeitos. Isso ocorre por meio de disputas discursivas que envolvem dominação e resistência, mas também negociação e cooperação.

Dialogando com o estudo de Deo (2019)DEO, Meera E.Unequal Profession: Race and Gender in Legal Academia. California: Stanford University Press, 2019. sobre a desigualdade na docência do Direito norte-americana, a pesquisa sobre o Brasil partiu da perspectiva da diferença, analisando como os professores articulavam essas posicionalidades em contextos. Negociando significados nas práticas discursivas, eles e elas resistiam a algumas interpelações identitárias, combinavam códigos e construíam identificações contingentes nesse fluxo, que não resultaram em um padrão que se pudesse estabilizar como discriminação interseccional igualmente nas subjetividades. Na dimensão macro das estatísticas do Censo da Educação Superior, o gradiente analítico da intersecção raça e gênero foi observado no desigual acesso à docência, comparado à presença no corpo discente. Essa construção resultou da sobrerrepresentação de homens brancos, da participação equivalente de mulheres brancas, da sub-representação de homens negros e da discrepante desvantagem de mulheres negras. A intersecção também interpelou os sujeitos, mas ela não foi suturada às subjetividades como construída no modelo, já que os sentidos essencializados de ser homem, mulher, branco, negro foram burilados, reinterpretados e interrogados pelos docentes.

A partir dos relatos compartilhados no trabalho de campo, o artigo buscou relacionar a receptividade, as barreiras e a discriminação sutil experimentadas na carreira com o processo de generificação e racialização na docência do Direito. Nesse caminho, articulou o trabalho das emoções envolvido nesse processo, que professoras e professores tinham de fazer como parte do serviço que as IESs ofereciam para atrair estudantes e combater a evasão. Algumas narrativas construíam esse cuidar como uma atribuição que resultava em vantagem para a instituição, revelando a consciência da ação sobre si mesmo para sentir e realizar o trabalho emocional. Outros discursos lidavam o acolhimento como uma vocação, um chamado, um amor, menos como trabalho e mais como doação em sintonia com o código de gênero estabelecido.

No fazer e desfazer que as interpelações produzem quanto ao gênero e à raça no exercício da docência, a análise mostrou como o profissionalismo e a excelência compõem essa cena, quando docentes buscam o controle de pares a partir de conteúdos específicos, como normas e códigos profissionais, bem como quando generificam e racializam o saber a partir das marcas sociais daqueles que enunciam esses conhecimentos como forma de dominação.

O ideário da expertise neutra partilhada por semelhantes segue sendo parte do processo de generificação e racialização da docência do Direito, da produção dos sujeitos que ocupam esses espaços e que constituem seus cânones. A fragmentação e a diversificação articularam o profissionalismo às diferenças nesse meio acadêmico, e aqueles que compartilham perspectivas dialógicas intervêm nessas regulações. Eles resistem por meio da negociação e reinterpretação dos significados do ideário, como pela criação de alternativas para interpelar o grupo. Ter referentes mais plurais na docência, com a visibilidade e o reconhecimento da excelência desses sujeitos, expande o cosmopolitismo ( APPIAH, 2007APPIAH, Kwame Anthony. Cosmopolitismo: la ética en un mundo de extraños. Buenos Aires: Katz, 2007. ) em vez de alavancar o particularismo que se apresenta como universal.

AGRADECIMENTOS

A autora agradece ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processos 303364/2015-7 e 443416/2015-0), bem como à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (processo 2016/08850-1), pelo apoio financeiro à pesquisa. A equipe foi composta pelas professoras e pesquisadoras doutoras Patrícia Tuma Martins Bertolin, Rossana Maria Marinho Albuquerque, Veridiana Parahyba C. Campos e Rennê Martins Barbalho. Contou com o apoio de Bruna Verdadeiro Moraes, com bolsa Fapesp de treinamento técnico I. A autora agradece também à assessoria da professora doutora Fabiana Luci de Oliveira pelo processamento dos dados e pela construção de tabelas, e aos pareceristas anônimos da Revista Direito GV pelos seus valiosos comentários, incorporados nesta versão.

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    » http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2482926
  • 1
    Viés implícito molda as experiências dos docentes de Direito, especialmente como pensamentos e comportamentos que “afetam os julgamentos sociais, mas operam sem a consciência ou o controle consciente” ( DEO, 2019DEO, Meera E.Unequal Profession: Race and Gender in Legal Academia. California: Stanford University Press, 2019. , “Introduction”, p. 13, tradução livre). O viés implícito é particularmente perigoso porque infecta até aqueles que acreditam que são igualitários.
  • 2
    Sobre os conceitos de racialização, Silvério (2013)SILVÉRIO, Valter Roberto. Multiculturalismo e metamorfose na racialização: notas preliminares sobre a experiência contemporânea brasileira. In: BONELLI, Maria da Gloria; LANDA, Martha Diaz de (org.). Sociologia e mudança social no Brasil e na Argentina . São Carlos: Compacta Gráfica e Editora/Capes, 2013. p. 33-60. Disponível em: http://www.ppgs.ufscar.br/wp-content/uploads/2015/01/616-SociologiaeMudancaSocialnoBrasilenaArgentina.pdf. Acesso em: 12 set. 2021.
    http://www.ppgs.ufscar.br/wp-content/upl...
    analisa as mudanças nas suas definições e seus diversos usos. Segundo o autor, a ideia contemporânea de “racialização” ou “formação de raça” baseia-se no argumento de que a raça é uma construção social e categoria não universal ou essencial da biologia. Raças não existem fora da representação. Em vez disso, elas são formadas na e pela simbolização em um processo de luta pelo poder social e político. O conceito de racialização refere-se aos casos em que as relações sociais entre as pessoas foram estruturadas pela significação de características biológicas humanas, de tal modo a definir e construir coletividades sociais diferenciadas.
  • 3
    Relação Anual de Informações Sociais, coleta de dados sobre trabalho, realizada pelo Ministério da Economia, Brasil.
  • 4
    A comparação foi com a base da RAIS de 2017, por ter sido este o ano que as entrevistas foram realizadas coletando-se as informações sobre a remuneração da amostra qualitativa nessa ocasião.
  • 5
    Foram classificados como pardos onze professores e seis professoras, que se declararam mestiços, morenos, cafuzos ou pardos. Um docente na faixa de renda mais alta, de uma universidade pública no Nordeste, indagado sobre sua cor/raça, relacionou a pergunta ao tema das ações afirmativas e declarou-se contrário “às cotas”, justificando que no Brasil só existia negro ou cafuzo e incluiu-se nesse último grupo, embora fosse percebido como branco pela entrevistadora. Pareceu-nos haver uma posição compartilhada por mais de um docente entrevistado nessa faculdade para que pessoas contrárias “às cotas” se declarassem negras, mesmo no caso de se considerarem brancas, para questionar o critério. A pesquisa adotou a forma de agrupar pretos e pardos como negros para fins de análise. No total, foram ouvidos 25 docentes negros, dezesseis homens e nove mulheres.
  • 6
    Todos os nomes atribuídos aos entrevistados no artigo são fictícios.
  • 7
    Essa entrevistada é apresentada no próximo tópico.
  • 8
    Relato de Elvira, professora branca que leciona na graduação, com atividade de coordenação em IES privada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2019
  • Aceito
    21 Jun 2021
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