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Contratos de gestão no SUS: possibilidades de efetivação do direito à saúde

MANAGEMENT CONTRACTS IN SUS: POSSIBILITIES FOR THE RIGHT TO HEALTH EFFETIVATION

Resumo

A publicação da lei que criou a titulação de organização social foi precedida de debates sobre o consensualismo no âmbito da Administração Pública, uma corrente interpretativa do direito administrativo que advoga movimentos de horizontalidade entre poder público e privado. Para avaliar a implementação de políticas públicas relacionadas à execução dos direitos humanos – no caso deste artigo, o direito humano à saúde –, realizamos uma pesquisa documental com análise dos 30 contratos de gestão firmados entre organizações sociais de saúde e a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP), vigentes até 2014. A análise permitiu verificar que o modelo é fortemente influenciado pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). No caso das relações público-privadas, foi possível concluir que o modelo não é aplicado aos serviços de saúde de maneira idêntica se inserido em maior ou menor grau na política de saúde a depender da escolha do gestor. Por fim, a estrutura homogênea de parte dos contratos, invariável mesmo com relação aos objetos contratados, permitiu descartar a hipótese de que esses instrumentos contam com maior consenso entre o poder público e o parceiro privado. Não havia grande margem de negociação de cláusulas entre os contratados.

Organizações sociais; direito à saúde; políticas públicas; contratos de gestão; serviços públicos

Abstract

The social organization creation law was preceded by debates about consensualism inside the Public Administration, an interpretative school of thought of administrative law that advocates horizontal movements between Public and Private sector. In order to evaluate the implementation of public policies related to the execution of human rights – in the case of this research, the right to health –, we conducted a documentary research with an analysis of the 30 management contracts signed between social health organizations and the Municipal Health Office of São Paulo from 2006 to 2014. The analysis showed that the model is strongly influenced by SUS guidelines. In the case of public-private relations, it was possible to conclude that the model is not applied to health services in an identical way, inserted to a greater or lesser extent in health policy depending on the manager’s choice. Finally, the homogeneous structure of part of the contracts, which is invariable even in relation to the contracted objects, allowed us to discard the hypothesis that these instruments have a greater consensus between the Government and the private partner. There was not much scope for negotiating clauses between contractors.

Social organizations; right to health; public policies; management contracts; public services

INTRODUÇÃO1 1 Este artigo é uma contribuição resultante de pesquisa de mestrado concluída na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no programa de Direitos Humanos, acerca da aplicação, na esfera municipal, do modelo de organizações sociais criado pela Lei Municipal n. 12.134/2006.

Ainda que se possa falar em direitos que apresentem eficácia imediata, a efetivação de direitos fundamentais, de maneira geral, ocorre por meio da estruturação de arranjos institucionais que distribuam competências e racionalizem a transferência de recursos para o atingimento de um fim específico. Esse arranjo institucional é chamado de políticas públicas, objeto transdisciplinar de estudo que possui interfaces com a ciência política, o direito administrativo e o direito constitucional, entre outros ramos do conhecimento.

No caso específico do direito à saúde, o arranjo institucional que o subjaz está previsto no art. 196 e seguintes da Constituição Federal (CF) e consiste em uma rede regionalizada e hierarquizada de instituições, ações e serviços de saúde – o Sistema Único de Saúde (SUS). As bases normativas do SUS, além de estruturadas na CF, estão regulamentadas pela Lei n. 8.080/1990 e pela Lei n. 8.142/1990, e em diversas normativas infralegais.

Desde a sua criação, o SUS passou por um processo de descentralização político-administrativa em direção aos municípios – ainda que considerável centralização dos recursos pela União fosse mantida –, com assunção progressiva, pelos municípios, da gestão das ações e dos serviços em seus territórios. A esse movimento seguiu-se outro, ainda em curso, de regionalização, ou seja, de integração racionalizada dos componentes de diferentes níveis administrativos com o fim de equacionar a fragmentação na provisão dos serviços e as disparidades dos municípios (DOURADO, DALLARI e ELIAS, 2012DOURADO, Daniel de Araújo; DALLARI, Sueli Gandolfi; ELIAS, Paulo Eduardo Mangeon. Federalismo sanitário brasileiro: perspectiva da regionalização no Sistema Único de Saúde. Revista de Direito Sanitário, v. 12, n. 3, p. 10-34, 2012., p. 24).

A esse respeito, a Norma Operacional Básica (NOB/SUS 1996) determinou o deslocamento das competências materiais dos entes federativos para a esfera local, justificando essa descentralização com base nas especificidades de cada território. Por essa razão, as políticas públicas municipais possuem um papel central na efetivação do direito à saúde. Já o Decreto n. 7.508/2011, responsável pela pactuação organizativa dos serviços de atenção à saúde no âmbito do SUS, estrutura-se a partir dos territórios por meio das Redes de Atenção à Saúde (RAS),2 2 O Decreto n. 7.508/2011, que regula a distribuição de competências materiais de prestação de serviços de saúde entre os entes federados, organiza em diversos níveis de atenção os serviços de saúde pela Região de Saúde. O art. 5o do decreto determina que as unidades regionais mínimas de saúde devem contar com atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde. Esses serviços, por sua vez, são regulados por políticas específicas nos três níveis federados. No caso da esfera federal, temos a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), instituída pela Portaria n. 648/2006, a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP), instituída pela Portaria n. 3.390/2013, a Política Nacional de Atenção às Urgências, estabelecida pela Portaria n. 1.863/GM e a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), instituída pela Resolução n. 588/2018 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). abarcando políticas de atenção básica, atenção psicossocial, urgência e emergência, atenção hospitalar e em vigilância em saúde.

Em paralelo aos movimentos de descentralização e regionalização das ações e dos serviços de saúde, houve a criação de uma modelagem jurídica embasada na contratação de organizações sociais para gestão e prestação de serviços públicos de saúde no âmbito do SUS.

Essa modelagem das organizações sociais foi criada na esfera federal pela Lei n. 9.637/1998 e reproduzida nas esferas estadual e municipal – nesse último caso, por meio da Lei Municipal n. 14.132/2006, regulamentada pelo Decreto Municipal n. 52.858/2011. Basicamente, a Lei n. 9.637/1998 criou uma titulação inexistente até então – de Organização Social (OS) – concedida a pessoas jurídicas de direito privado, e um novo instrumento de parceria entre poder público e particulares, o contrato de gestão. A concessão do título de organização social propicia benefícios similares aos de títulos de utilidade pública, mas vai além e possibilita que a celebração de contrato de gestão seja integrada pela cessão de servidores públicos (tratado na esfera municipal pela nomenclatura de “afastamento”) e a permissão de uso de bens públicos.

O modelo foi concebido no âmbito do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) brasileiro, em 1995, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso,3 3 Em dezembro de 1998, ano de promulgação da lei das OSs, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1.923/1998 contra a Lei Federal n. 9.637/1998 e o art. 24, inc. XXIV, da Lei Federal n. 8.666/1993, que introduziu um novo caso de dispensa de licitação. A ADI fundamentou-se precipuamente no receio de que as medidas previstas promovessem a privatização de serviços públicos de saúde, o que retiraria do Estado a responsabilidade por sua execução, além de potencialmente violar os deveres de licitação e contratação de mão de obra via concurso público. O STF julgou a ação em 16 de abril de 2015, decidindo conferir interpretação conforme à Constituição para a Lei n. 9.637/1998 e o art. 24, inc. XXIV, da Lei n. 8.666/1993, autorizando a execução de serviços sociais de titularidade do Estado por meio das OSs sem licitação, mas sujeitando o modelo à obediência dos princípios do art. 37 da CF. e compôs uma discussão na literatura acerca das funções do Estado pós-moderno e dos novos formatos possíveis para exercício das atividades administrativas.

Maria Sylvia Di Pietro (2015)DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas, 2015. dedica um capítulo de sua obra para discutir a evolução do Estado por meio da formação de parcerias com entes privados. Gustavo Justino de Oliveira (2008)OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Contrato de Gestão. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2008., ao abordar contrato de gestão, tratará de delimitar os traços do Estado contratual e da Administração Pública consensual; Marques Neto e Schiratto enfatizarão a discussão acerca dos sentidos do público na saúde apresentando o desafio de identificar “até onde pode ir o privado e até onde deve ir o público” (MARQUES NETO e SCHIRATO, 2011MARQUES NETO, Floriano de Azevedo; SCHIRATO, Vitor Rhein (coord.). Estudos sobre a Lei das Parcerias Público-Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2011., p. 60). Maria Lírida Mendonça (2008)MENDONÇA, Maria Lírida. Organizações sociais entre o público e o privado: uma análise de Direito Administrativo. Fortaleza: Gráfica da Universidade de Fortaleza, 2008., em obra dedicada ao modelo das organizações sociais, propõe a discussão da dicotomia público-privado na Administração Pública e conclui pela necessidade de redefinição das normas e das fronteiras conceituais do próprio direito administrativo.

O que esses autores têm em comum é propor a discussão dos papéis que o Estado deverá desempenhar diante de seus cidadãos, em especial a partir de instrumentos jurídicos criados durante a Reforma Administrativa de 1995. Esses instrumentos são inseridos por uma parte da literatura dentro de um fenômeno conhecido como consensualismo na Administração Pública (OLIVEIRA, 2008OLIVEIRA, Gustavo Justino de. Contrato de Gestão. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2008., p. 252), cujos principais expoentes no Brasil seriam as parcerias público--privadas (no sentido estrito), os termos de parceria e os contratos de gestão.

Vinte anos depois das reformas do MARE, com um modelo já consolidado no estado e no município de São Paulo, operadores e pesquisadores do Direito voltam-se ao estudo de como a execução de serviços públicos de saúde por meio de organizações sociais tem sido feita e quais as suas repercussões para as políticas públicas de saúde e para as contratações no âmbito da Administração Pública.

1. METODOLOGIA

O arranjo institucional de uma política pública conta com um marco geral de ação, usualmente expresso em uma base normativa que lhe confere oficialidade (BUCCI, 2013BUCCI, Maria Paula Dalarri. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2013., p. 238), podendo ser de qualquer hierarquia.4 4 Um exemplo é o da Norma Operacional Básica (NOB/SUS) n. 1, que tem natureza de portaria, mas que irradia diretrizes para todo o SUS, inclusive para normativas de hierarquia superior, como a Lei n. 8.080/1998. Essa base normativa pode, inclusive, vir expressa em instrumentos ainda mais peculiares, como os contratos públicos de concessão, convênios ou mesmo disposição de lei orçamentária (BUCCI, 2013BUCCI, Maria Paula Dalarri. Fundamentos para uma teoria jurídica das políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2013., p. 249). O modelo das OSs, é, dessa forma, uma política-meio, ou seja, instrumental, acoplável a uma política pública maior, que permite a prestação de serviços públicos de saúde em regime de direito privado, ou seja, sem a realização de licitação para compras ou concurso público para contratação de pessoal. Os contratos de gestão celebrados com organizações sociais são o último substrato jurídico de uma determinada política pública de saúde. Considerando esse fato, é importante perguntar se esses contratos estão efetivamente alinhados às políticas de saúde que operacionalizam, bem como se refletem as diretrizes dessas políticas.

Para responder a essa pergunta, adotamos uma abordagem qualitativa,5 5 Adotamos a nomenclatura “abordagem” em atenção às considerações de Ignácio Cano acerca do método de pesquisa. A diferenciação entre gerar conhecimento por meio de números ou palavras é de abordagem, inexistindo um método quantitativo ou qualitativo (CANO, 2012, p. 107). com levantamento e categorização dos contratos de gestão celebrados entre organizações sociais e a SMS-SP vigentes no período de 20076 6 A lei municipal que criou as organizações sociais é de 2006, mas os primeiros contratos de gestão encontrados datam de 2007. a 2010 e disponibilizados no Portal da Transparência.7 7 Por determinação da Lei Municipal n. 14.132/2006 (art. 6o), que criou a qualificação “Organização Social” na esfera municipal, todos os contratos de gestão celebrados com organizações sociais devem ser disponibilizados no Diário Oficial do município. A Lei Municipal n. 14.664/2008 complementou o art. 6o, incluindo o § 2o, segundo o qual o contrato de gestão “será também disponibilizado, na íntegra, na Internet, através da página eletrônica da Prefeitura do Município de São Paulo”, junto ao nome e à qualificação dos integrantes da diretoria, do conselho de administração e do conselho fiscal da OS. O primeiro contrato de gestão celebrado foi em 2007, e os contratos permaneceram vigentes até 2014, quando, em novembro deste ano, a Prefeitura de São Paulo anunciou a rescisão unilateral de todos os contratos de gestão ajustados com OSs e iniciou chamamento público para celebração de novos. Segundo consta no Portal da Prefeitura, o objetivo foi iniciar uma nova fase de contratações que seguiriam diretrizes de padronização na redação dos contratos e fixação de metas mais objetivas. Nossa análise usou como banco de dados o Portal da Transparência da Prefeitura, por sua apresentação possibilitar a visualização dos contratos por OS, região ou hospitais geridos. A legislação foi localizada também pelos sites da Prefeitura de São Paulo e pelo site da Câmara dos Vereadores. Procedemos à categorização dos contratos segundo a organização contratante, os valores e o objeto contratado. Em seguida, identificamos que as minutas jurídicas eram muito parecidas, com pequenas variações,8 8 Todas as 30 minutas (parte jurídica dos contratos) previam cláusulas na seguinte ordem: objeto (anexos técnicos), obrigações da contratada, obrigações da contratante, forma de avaliação do contrato, forma de acompanhamento pela secretaria municipal, prazo de vigência, recursos financeiros, alteração contratual, rescisão, penalidades, publicação do contrato no Diário Oficial, foro (capital) e disposições finais. Não foram identificadas diferenças significativas nas obrigações da contratada nas minutas analisadas (prestar serviços de saúde em obediência aos princípios do SUS e direitos dos pacientes, bem como obrigações adjacentes de apoio à integração territorial, contratação de apoio necessário, inclusive serviços de terceiros, responsabilizar-se perante pacientes por indenizações por danos morais decorrentes de ação ou omissão de seus profissionais e adotar o símbolo designativo da respectiva unidade de saúde). Também não foram identificadas diferenças significativas nas obrigações da contratante (disponibilização dos meios para executar o contrato, garantir recursos financeiros, programar o orçamento do município para esses pagamentos, permitir uso de bens móveis e imóveis necessários à execução do objeto). Pequenas diferenças puderam ser notadas no Contrato n. 06H2008, celebrado com a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que incluiu nas obrigações da contratada a obrigação de “dispor, por razões de planejamento das atividades assistenciais, de informação oportuna sobre o local de residência dos pacientes atendidos ou que lhe sejam referenciados”, ou, ainda, nas minutas jurídicas de contratos relativos a hospitais, constar previsão expressa de obrigação de informar número de leitos para a central de regulação e regras para realização de pesquisas clínicas envolvendo seres humanos. O Contrato n. 13/2008, celebrado pelo Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês (IRSSL) apresentou a previsão de a contratada manter sempre atualizados os prontuários médicos. Por fim, o Contrato n. 24/2009, celebrado com a Associação Congregação Santa Catarina (ACSC) apresenta ordem diferente para as mesmas obrigações. Estabelece cláusula específica (4a) para a aquisição de material médico-hospitalar e medicamentos. A mesma regra aparece em contratos anteriores na cláusula 2a (obrigações da contratante). As diferenças, contudo, não foram suficientemente frequentes ou substanciais para afastar a alta homogeneidade desse grupo de documentos. bem como que os anexos técnicos variavam dependendo do objeto contratado (hospital, serviços diagnósticos, pronto atendimento, unidades básicas de saúde), mas os contratos com mesmo objeto conservavam a mesma estrutura e conteúdo.

Os termos aditivos não integraram análise, por versar sobre prorrogação da vigência e repasses proporcionais a essa prorrogação. Três termos, contudo, foram celebrados para incluir serviços de gestão de hospitais em contratos prévios com outro objeto. Eles foram integrados à análise e considerados contratos de gestão.9 9 Trata-se dos Termos 6H/2008, 7H/2008 e 8H/2008, que tinham metas e indicadores separados dos contratos originais aos quais estavam sendo integrados.

Após a construção de um panorama geral, identificamos relação entre o objeto contratado e uma dada política de saúde. Assim, os contratos de hospitais estavam relacionados à política de atenção hospitalar; os de microrregião, à política de atenção básica; os de serviços de apoio diagnóstico terapêutico (SADTs) à RAS; e os de pronto atendimento, à política de atenção às urgências. Para uma análise mais profunda da relação entre contrato e política, escolhemos apenas duas políticas públicas. O embasamento teórico dessa escolha são os trabalhos de Maria Paula Dallari Bucci sobre o papel do Direito nas políticas públicas e os instrumentos contratuais entendidos como meios de construção de arcabouço normativo para políticas públicas (BUCCI, 2006BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006., p. 11). Para essa escolha foram consideradas duas das políticas de maior abrangência e relevância para o SUS: a Política de Atenção Básica (executada por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) divididas em microrregiões de saúde) e a Política de Atenção Hospitalar.10 10 A Política de Atenção Básica é uma das mais relevantes em termos de cobertura assistencial e potencial de prevenção de doenças, é porta de entrada do SUS e compreende também as políticas de atenção psicossocial. Já os contratos de atenção hospitalar correspondem também à política de grande relevância para o SUS (PNHOSP) e compreendem em alguns casos serviços de pronto atendimento (hospitais de porta aberta) e serviços de diagnóstico. Também se buscou avaliar de que maneira os controles de resultados se encontravam desenhados no contrato, na busca por eventuais vantagens deste sobre o de meios.

Para a seleção da amostra representativa foram especialmente considerados o objeto do contrato, com enfoque nos equipamentos inseridos na PNAB e na PNHOSP, e a importância monetária envolvida, considerando a premissa de que contratos mais vultosos seriam de gestão mais complexa. Foram analisados três contratos de gestão que tivessem como objeto hospitais municipais e três contratos que tivessem como objeto microrregiões de saúde, levando em consideração os maiores valores de repasse encontrados.

2. RESULTADOS

2.1. PANORAMA

Foram coletados ao todo 30 contratos de gestão, com celebração datada entre 2007 e 2010 e vigência até 2014.11 11 A totalidade dos contratos foi celebrada até 2010, com exceção de um contrato, o Contrato de Gestão n. 07H/2008, que foi celebrado em 2012. Este contrato, na verdade, consiste em termo aditivo que incluiu no objeto de um contrato mais antigo – de microrregião – uma unidade hospitalar. Os Contratos de n. 07H/2008, 08H/2008 e 06H/2008 seguiram esse modelo. Os demais termos aditivos versavam sobre a prorrogação temporal dos contratos, bem como os respectivos repasses. Todos os contratos foram celebrados com duração de três anos e abertura para renegociação anual por meio de termos aditivos, conforme previsão em seus anexos técnicos.

Os contratos dividiam-se em minuta e anexos técnicos. As minutas contavam com uma carga jurídica maior, estabelecendo obrigações entre as partes, prazo, rescisão e foro, enquanto os anexos se alinhavam mais a uma abordagem orçamentária ou de saúde: volume de atividades a serem desempenhadas, regras de referência e contrarreferência, volume de recursos e cronograma de desembolso. Os objetos dos contratos identificados foram: (i) microrregiões e territórios, (ii) pronto-socorros e pronto atendimento, (iii) hospitais e (iv) serviços de diagnóstico.

Os 30 contratos foram organizados em uma tabela com três categorias: entidade contratada, volume de recursos repassados e objeto do contrato de gestão (Tabela 1).12 12 As categorias “entidade contratada” e “objeto do contrato” foram mais fáceis de construir, dada a sua disposição nítida nos documentos. Apareciam logo no início, demarcadas em negrito, e permitiram-nos “dar rosto” e apontar finalidade na análise. Já o volume de repasses foi escolhido como categoria devido à relevância que o controle de gastos e a execução do plano de trabalho possuem. Para construção dessa categoria, consideramos a variação quanto à descrição da parte financeira. Ora os valores vinham expressos em uma cláusula, ora vinham expressos no anexo técnico que tratava do plano de trabalho e do sistema de pagamento. Havia também variação quanto à disposição dos dados. Em alguns contratos encontrávamos um valor global relativo à duração total do contrato, outras vezes, um valor global mensal, e, na quase totalidade das vezes, excetuada por apenas um caso (o do Contrato de Gestão n. 02/2007, celebrado com a OS Casa de Saúde Santa Marcelina), o valor total que englobava os 12 meses subsequentes à celebração do ajuste. Utilizamos esse último critério para organizar os contratos com base no valor dos repasses.

TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO DE ORGANIZAÇÕES SOCIAIS SEGUNDO VOLUME DE REPASSE E OBJETO DO CONTRATO

Essa primeira organização ressaltou o caráter geográfico que a distribuição dos contratos apresenta. As unidades de saúde atribuídas às OSs para gestão e prestação de serviços públicos estão localizadas nas zonas periféricas de São Paulo: Cidade Tiradentes, Cidade Ademar, Parelheiros, Vila Guilherme, Butantã, Jaguaré, Perus. Essa informação vai ao encontro de outros resultados da pesquisa, como os de Vera Coelho et al., que identificaram associação entre o modelo de OS e a expansão dos serviços de saúde para a periferia, em especial entre as regiões de menores indicadores socioeconômicos (COELHO et al., 2014COELHO, Vera Shattan P.; SZABZON, Felipe; DIAS, Marcelo F. Política municipal e acesso a serviços de saúde: São Paulo 2001-2012, quando as periferias ganharam mais que o centro. Novos Estudos CEBRAP, v. 100, p. 139-161, 2014., p. 154).

A categorização por entidades contratantes permitiu constatar também concentração no número de ajustes com o poder público, o que não significou necessariamente o recebimento do maior volume de recursos para gerir. A SPDM lidera a concentração de contratos, com seis celebrações, mas quem gere os maiores recursos é a Casa de Saúde Santa Marcelina, com cinco contratos de gestão.13 13 A SPDM liderou a concentração de contratos, com seis, totalizando um volume de recursos da ordem de R$ 133.046.473,00, secundada pela Casa de Saúde Santa Marcelina, mobilizando R$ 165.501.730,72. Este artigo não levou em consideração os termos aditivos, dado o seu grande número e o propósito exploratório desta etapa. É possível que, dimensionando a totalidade dos contratos e termos aditivos, os agrupamentos fossem distintos. Contudo, considerar a primeira celebração é importante e marca uma tendência. Se o contrato é celebrado com um grande volume de unidades, dificilmente a sua complementação via termos aditivos será pequena. De todo modo, fica um indicativo para pesquisas futuras.

A Tabela 2, a seguir, apresenta a relação entre os objetos dos contratos e o volume de recursos. Os contratos de microrregiões mostraram-se ser os de maior volume de repasse (R$ 277 milhões, acrescidos dos R$ 38 milhões dos territórios), secundados pelos de hospitais (R$ 212 milhões). Os contratos de pronto atendimento ou pronto-socorro ocupam o terceiro lugar, e os de serviços de diagnóstico são os de menor valor global. Essa é uma questão interessante, porque, contraintuitivamente, os serviços hospitalares são considerados os mais custosos.14 14 Os serviços de saúde no SUS são divididos e hierarquizados de acordo com sua complexidade, sua densidade e seu custo e vão desde a atenção primária, que utiliza tecnologias de baixa densidade (ou seja, trabalha com um conjunto de procedimentos mais simples e baratos, capaz de atender à maior parte dos problemas comuns de saúde da comunidade), passando pela média complexidade, que demanda a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos mais avançados de diagnóstico e tratamento, até o nível terciário, ou de alta complexidade, que envolve alta tecnologia e alto custo. Os hospitais localizam-se nesse último nível. Portanto, a presunção caminharia no sentido de os contratos de serviços hospitalares demandarem mais recursos que os de microrregião, dado o seu alto grau de complexidade.

TABELA 2
ORGANIZAÇÃO DOS CONTRATOS DE GESTÃO COM BASE NO OBJETO CONTRATADO

Pela forma como as celebrações se distribuíram no tempo, é possível verificar um faseamento na implementação do modelo das organizações sociais, iniciadas e progressivamente completadas de acordo com os tipos de equipamentos. Os contratos de hospitais e microrregiões foram os primeiros a serem celebrados, tendo como anos de celebração 2007 e 2008. Já os contratos de pronto-socorro e os de serviços de diagnóstico por imagem foram celebrados entre os anos de 2009 e 2010.

2.2 ANÁLISE APROFUNDADA: ELEMENTOS ESSENCIAIS E CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE GESTÃO

Para análise aprofundada, foi selecionada uma amostra composta por contratos hospitalares e de microrregiões.

Em todos os contratos celebrados, a parte formalmente contratual, chamada de minuta, foi caracterizada por uma linguagem jurídica, abarcando os elementos contratuais típicos: partes, objeto, forma, valor repassado. Também apresenta as obrigações e responsabilidades das partes, indica os atores responsáveis pelo acompanhamento e pela fiscalização dos seus resultados e, por fim, as hipóteses de rescisão e eventuais penalidades aplicáveis às partes em caso de descumprimento de suas cláusulas.

Na minuta consta a distribuição das obrigações e responsabilidades da Secretaria de Saúde e da OS, mais especificamente nas cláusulas 2a e 3a. Quanto às obrigações da OS, é relevante ressaltar a estipulação de obediência à legislação referente ao SUS, em especial aos deveres de garantia de acesso universal aos serviços de saúde, integralidade, igualdade (sem preconceitos de qualquer espécie) e gratuidade da assistência, a preservação da autonomia da pessoa submetida ao atendimento, o direito à informação, o fomento aos meios de participação da comunidade e a prestação de serviços com qualidade e excelência.

O caráter gratuito dos serviços de saúde compreendidos nos contratos de gestão analisados é referido ao menos em cinco momentos diferentes.15 15 Na cláusula 2a, item 1.III, vedando a cobrança e responsabilizando a OS pela cobrança indevida de empregado ou preposto; na mesma cláusula 2a, item 4, atribuindo à organização social a responsabilidade por cobrança indevida; no item 15, estabelecendo a obrigatoriedade da organização social afixar em local visível a sua condição de organização social e de gratuidade dos serviços prestados nessa condição; ainda na cláusula 2a, item 17.1, ao estipular que o cabeçalho do informe de atendimento entregue ao paciente deverá conter a seguinte expressão: “Esta conta será paga com recursos públicos provenientes de seus impostos e contribuições sociais”; e, por fim, na cláusula 11, item 1, que veda a cobrança por serviços complementares de saúde. É de se notar, portanto, que existe considerável preocupação das partes com a observação da gratuidade do serviço.

Nenhuma outra questão aparece tão demarcada ao longo da peça contratual, nem mesmo a questão da obediência aos princípios do SUS, o que pode indicar uma elevada apreensão de que essas organizações cobrem pelos serviços prestados ou por serviços complementares. Ainda, essa preocupação pode revelar uma estratégia identitária do município. Assim, por essas instituições estarem na ponta da política, algumas exercendo essas atividades em nome próprio antes do contrato de gestão, é razoável supor que exista o receio de que a prestação do serviço público seja confundida com as atividades privadas dessas instituições, descaracterizando essas prestações como política pública de saúde.

Na minuta de todos os 30 contratos havia, na cláusula 2a, a obrigação de observar os princípios e as diretrizes do SUS na execução dos serviços de saúde. Além disso, constatou-se também uma cláusula pela qual a OS reconhecia a “prerrogativa de controle e autoridade normativa genérica da direção nacional do SUS”.16 16 Cláusula 11, item 2, constante nos termos aditivos e cláusula 13, item 2, do Contrato de Gestão n. 004/2008. Nos contratos de microrregiões a disposição está contida na cláusula 11. Ou seja, havendo alteração nas normativas do SUS, a cláusula antecipa que o contrato de gestão será objeto de alteração por meio de Termo Aditivo (TA) ou notificação da OS. Essa regra constitui, a nosso ver, uma regra de articulação adaptativa dos contratos com a política e, por consequência, submete essas contratações geral e genericamente ao SUS.

Além dessa submissão direta ao SUS nacional, os contratos de gestão analisados preveem deveres de informação de vagas hospitalares ou ambulatoriais disponíveis a fim de manter atualizado o cadastro de vagas no sistema. No caso dos contratos de microrregiões, há uma disposição que não aparece nos contratos de hospital, referente aos deveres de “apoiar a integração territorial dos equipamentos de saúde da microrregião, nos termos do anexo II, visando a melhoria e a maior eficiência na prestação dos serviços de saúde pública”.17 17 Cláusula 2a, item 2.1.2, do Contrato de Gestão n. 001/2007. Nos demais contratos de gestão das microrregiões, está na cláusula 2a, item 3.

No que concerne especificamente aos usuários do SUS, a cláusula 2a estipula expressamente a responsabilidade da OS em caso de dano decorrente de “ação ou omissão voluntária, ou de negligência, imperícia ou imprudência, que seus agentes, nessa qualidade, causarem a paciente, aos órgãos do SUS e a terceiros a estes vinculados bem como aos bens públicos móveis e imóveis objeto de permissão de uso”,18 18 Cláusula 2a, item 3 nos Termos Aditivos ns. 001/2008 e 003/2009. assegurado o direito de regresso contra o causador do dano nos casos de culpa ou dolo. Da mesma forma, responsabiliza a OS, no item 4, pela cobrança indevida de serviços de saúde por seu empregado ou preposto. Por fim, o item 8.3 da cláusula 2a fixa a responsabilidade por danos decorrentes de ação, omissão, negligência, imperícia e imprudência de profissionais a ela subordinados (incluindo servidores cedidos e profissionais contratados pela OS).

Já quanto aos encargos trabalhistas, há divisão de responsabilidades. A cláusula 2a, item 8,19 19 No Contrato de Gestão n. 001/2007. Nos Contratos de Gestão ns. 10/2008 e 03/2207, a disposição é “contratar serviços de terceiro, sempre que necessário, responsabilizando-se pelos encargos daí decorrentes”. Item 4.2 da cláusula 2a. determina a contratação de pessoal para a execução dos serviços de saúde dos contratos, responsabilizando a OS por todos os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais daí decorrentes. Há, no entanto, uma hipótese de responsabilização do poder público pelos encargos trabalhistas. Está prevista na cláusula 9a, § 3o, dos Termos Aditivos n. 001/2008 e n. 003/2009,20 20 E na cláusula 11, § 3o, do Contrato de Gestão n. 004/2008. inspirada na redação do art. 79, § 2o, da Lei Federal n. 8.666/1993. Quando houver rescisão unilateral do contrato, por parte da Secretaria de Saúde, sem relação com a gestão, culpa ou dolo da OS, o município de São Paulo arcará com as despesas decorrentes das dispensas dos trabalhadores contratados.

Ocorrendo a rescisão do contrato por vontade das OSs, estas ficam obrigadas a continuar suas atividades por até 180 dias do rompimento. As regras referentes à rescisão do contrato, bem como à aplicação de penalidades por violação de cláusulas ou anexos, sofreram grande influxo da Lei Federal n. 8.666/1993. E, de fato, como ressaltado nas discussões doutrinárias, os contratos de gestão possuem um caráter menos precário, com mais limites à possibilidade de romper os ajustes com o poder público em comparação a outras contratações. Nos contratos de gestão de hospitais, ainda, não é devida indenização por rescisão contratual quando decorrente da desqualificação da OS.

As minutas estabelecem competir à OS a execução das atividades previstas no contrato, gerindo os repasses de acordo com o plano de trabalho, e, em contrapartida, estabelecem competir à Secretaria de Saúde o fornecimento dos meios necessários à execução das atividades dispostas no contrato. Isso engloba não apenas a realização das dotações orçamentárias combinadas, como o controle e inventário dos bens colocados à disposição da OS por meio de termo de cessão de uso, e o controle sobre os servidores cedidos.21 21 A Lei Municipal n. 14.132/2006 usa a expressão “afastamento”. Também a fiscalização (controle de meios) e o acompanhamento ou avaliação (controle de resultados) dessas atividades, como estipula a cláusula 3a dos contratos.

O controle de resultados do contrato de gestão era inicialmente atribuído à Comissão de Avaliação e Fiscalização (CAF), criada pela Lei Municipal n. 14.132/2006, com presidência do Secretário de Saúde e, posteriormente, alterada pela Lei Municipal n. 14.664/2008, o que se refletiu nos contratos de gestão, alterados posteriormente por meio de termos aditivos. Segundo a nova distribuição de tarefas de controle, a CAF realiza a avaliação e fiscalização dos contratos a cada término de exercício, ou quando convier ao interesse público.

O órgão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) responsável pelo acompanhamento cotidiano dos resultados do contrato de gestão é o Núcleo Técnico de Contratação de Serviços de Saúde (NTCSS). É sua atribuição elaborar os instrumentos de avaliação e monitoramento dos contratos. O núcleo é o responsável no âmbito da secretaria, mas quem aplica os instrumentos por ele elaborados são as Comissões Técnicas de Acompanhamento (CTAs). Elas estão previstas no item I.C dos anexos técnicos de Avaliação e Acompanhamento dos contratos analisados, e cada contrato possui uma composição própria.22 22 No Termo Aditivo n. 001/2008 do Hospital Municipal Luiz Gonzaga, temos configuração com cinco membros: “A CTA do NTCSS é constituída de, no mínimo 5 elementos, sendo 3 indicados pela SMS/SP e 2 indicados pela CONTRATADA: 2 técnicos do NTCSS – SMS; 1 técnico do Coordenadoria Regional de Saúde – SMS onde está localizado o hospital; 1 técnico da Microrregião Jaçanã/Tremembé gerida pela CONTRATADA; 1 técnico do Hospital Municipal São Luiz Gonzaga gerido pela CONTRATADA”. Já o Termo Aditivo n. 003/2009, que trata do Hospital Municipal Vereador José Stropolli, estipula a quantidade mínima de seis membros da CTA: dois técnicos do NTCSS, um técnico da Coordenação da Gerência Hospitalar (COGERH) e dois representantes da contratada. O Contrato de Gestão n. 10/2008 estabelece a CTA com cinco membros, sendo dois provenientes do NTCSS, um da Coordenadoria Regional de Saúde da microrregião, e um profissional representante da unidade gerida pela OS. Por fim, o Contrato de Gestão n. 004/2008, a CTA está prevista no item I.C do anexo técnico.

As funções da CTA encontram-se descritas nas minutas de todos os contratos analisados:

  • - Realizar reuniões ordinárias a cada 3 meses, segundo calendário elaborado de forma consensual pelos membros que a compõem;

  • - Sempre que necessário realizar reuniões extraordinárias;

  • - Registrar em ata todas as reuniões realizadas que deverão ser assinadas pelos componentes da CTA e participantes presentes;

  • - Avaliação dos parâmetros da produção, indicadores de qualidade e informação em geral sobre o funcionamento dos serviços, assim como dos aspectos econômico-financeiros da atuação da instituição parceira, analisando os desvios ocorridos em relação ao orçamento estabelecido no contrato de gestão;

  • - Análises das causas que originaram desvios e ocorrências no funcionamento dos serviços;

  • - Observação direta e discussões com a entidade provedora sobre o funcionamento dos serviços;

  • - Estabelecer acordos e a implementação de medidas corretivas, quando necessárias;

  • - Analisar previamente propostas de implantação de novos serviços;

  • - Elaborar relatórios à SMS/SP sobre os dados analisados.23 23 Composição funcional da CTA do Contrato de Gestão n. 001/2007, da Microrregião de Cidade Tiradentes/Guaianazes.

Por fim, os deveres de acompanhamento da Secretaria de Saúde também estão dispostos no anexo técnico do sistema de pagamento, além da minuta. O monitoramento das ações está atrelado ao dever de repactuar as condições do contrato, no mínimo semestralmente.

2.3 A IMPORTÂNCIA DOS ANEXOS TÉCNICOS DOS CONTRATOS DE GESTÃO PARA A ARTICULAÇÃO COM A POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE

Os anexos técnicos possuem estrutura muito diversa da parte predominantemente jurídica dos contratos de gestão. Eles integram o seu objeto e são divididos em Anexos de Prestação dos Serviços, Acompanhamento e Avaliação, Sistema de Pagamento e Termo de Permissão de Uso, no caso dos contratos de hospitais. Nos contratos de microrregiões, os anexos dividem-se em Gestão de Unidades, Apoio à Integração Territorial, Sistema de Pagamento, Acompanhamento e Controle, Novas Ações e Termo de Permissão de Uso.

As minutas, como observamos, são muito similares entre si, divergindo pouco mesmo diante de tipos distintos de contrato. Os anexos, ao contrário, variam muito dos contratos de hospitais para os contratos de microrregiões.

2.3.1 CONTRATOS DE HOSPITAIS

O Anexo Técnico de Prestação dos Serviços é composto pela descrição minuciosa dos serviços de saúde – de assistência hospitalar, hospital dia, atendimento a urgências e emergências, atendimento ambulatorial, programa hospital domiciliar, e serviço de apoio terapêutico e diagnóstico externo –, bem como do volume esperado de sua execução. É esse anexo que explica em detalhes como ocorre a gestão dos equipamentos hospitalares, em suas diversas atividades, sem, contudo, dimensionar o fundo normativo dessas descrições.

O Anexo de Acompanhamento e Avaliação trata da composição das comissões responsáveis por verificar o cumprimento das metas e dos prazos previstos no Anexo de Serviços. Nesse anexo também estão previstos os deveres de abastecer o Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), bem como organizar e definir fluxos e rotinas de coleta de dados e alimentação de diferentes bancos.24 24 “São atribuições da Organização Social: - Implantar/atualizar os sistemas de informação definidos pela SMS/SP; - Organizar e definir procedimentos, fluxos e rotinas para coleta dos dados dos diferentes sistemas de informação em vigência ou a serem implantados; - Organizar e definir os processos de trabalho para operação/alimentação dos diferentes sistemas de informação em vigência ou a serem implantados; - Encaminhar as diferentes bases de dados conforme rotinas estabelecidas pela SMS/SP” previstas no item 8.2.5. do capítulo II: Controle e Responsabilidade, dos anexos. A auditoria programada do Tribunal de Contas indica que as informações do SIH e do SIA são fornecidas por meio do abastecimento do WebSAASS. Esses deveres de informar são relevantes para o abastecimento de bancos de dados que aperfeiçoam a organização logística, epidemiológica e de vigilância sanitária do SUS.

O Anexo dos Sistemas de Pagamento apresenta o plano de trabalho elaborado pela OS, com a previsão das atividades assistenciais que serão desempenhadas, e o orçamento para os 12 meses subsequentes. Esse anexo apresenta uma característica muito interessante, de divisão dos repasses em uma parte fixa, correspondente a 90% do custeio, e uma parte variável, correspondente aos 10% restantes. O repasse da parte variável está condicionado ao desempenho dos hospitais, medidos trimestralmente por meio dos relatórios e dos pareceres da CTA.

Por fim, o Anexo do Termo de Permissão de uso propicia a permissão de uso de bens pertencentes à Prefeitura de São Paulo em favor da OS. Segundo o termo, o instrumental necessário e os equipamentos destinados à realização dos serviços especificados no contrato de gestão ficam sob a guarda da OS, e quaisquer benfeitorias realizadas sobre as edificações ficam incorporadas ao patrimônio municipal. O termo também regula novas aquisições de bens, sejam elas feitas com os recursos do contrato ou não, devendo a entidade avisar a Secretaria a respeito da sua aquisição no prazo de até 30 dias.

2.3.2. CONTRATOS DE MICRORREGIÕES

As diferenças entre os anexos técnicos dos contratos de hospitais e microrregiões refletem--se não apenas no número maior de anexos neste último caso, como também na qualidade das informações disponíveis.

O anexo técnico de Gestão das Unidades Assistenciais à Saúde também prevê e descreve minuciosamente o conjunto de atividades e serviços de saúde que integra o contrato de gestão. A diferença é que no caso das microrregiões, a descrição do anexo faz referência direta ao programa ou à política pública em que está inserida a atividade ou o serviço. Assim, ao tratar da carteira de serviços de saúde, no item A.2.1. do anexo, estão contidas as especificações do Programa Saúde da Família. Da mesma forma, ao mencionar a cobertura da atuação da OS, o item A.2.4 menciona o parâmetro normativo da dimensão de territorialidade – a Portaria n. 648/GM, de 26 de março de 2006.25 25 No caso do Contrato de Gestão n. 10/2008, da Microrregião do Itaim Paulista, trata-se do item A.1.3.

Além disso, ao lado da previsão de volume das atividades, encontramos também a previsão do número mínimo de profissionais que deverão exercer as atividades.

O anexo técnico de apoio à integração dos serviços de saúde da microrregião, por sua vez, apresenta o desenho das linhas de trabalho em que serão organizados os sistemas de atenção. O Item C do anexo26 26 Item III.A no caso do Itaim Paulista. estabelece o dever de conhecer o perfil populacional da microrregião e seus principais problemas de saúde, a partir de dados existentes na Secretaria de Saúde e do diálogo com “gestores, profissionais, representantes da comunidade”. Determina ainda o conhecimento acerca dos fluxos da demanda de serviços na respectiva microrregião – a fim de identificar zonas de influência –, da oferta de serviços das diferentes unidades de saúde que integram a microrregião e sua capacidade instalada e das limitações da referência e contrarreferência. O objeto é a produção de um relatório que “permita à Organização Social apresentar um plano de ação para suprir deficiências de estrutura, equipamentos e recursos humanos que tenham reflexo negativo nas metas pactuadas”.27 27 Item III.G do Anexo Técnico II do Contrato de Gestão n. 11/2008 – celebrado com a Congregação Santa Catarina para a gestão da Microrregião de Parelheiros/Socorro.

No anexo técnico de Sistema de Pagamento encontramos diferenças significativas em relação aos contratos de hospitais. O repasse de recursos para as OSs, no caso de microrregiões, dá-se em quatro partes, duas fixas e duas variáveis.28 28 Item A.1. do anexo III dos Contratos de Gestão ns. 001/2007 e 003/2007. As partes fixas correspondem às atividades orçamentárias de custeio (basicamente recursos humanos e manutenção) e ao pagamento de reformas nas instalações das unidades. As partes variáveis referem-se à entrega de dados sobre apoio à integração e ao acompanhamento e à avaliação, não estando atrelada ao cumprimento das metas quantitativas.

Já o anexo de Acompanhamento e Avaliação, à semelhança dos contratos hospitalares, trata da criação da CTA e suas funções. A diferença é que neste estão detalhados os indicadores de sucesso na execução do contrato e com expressa menção aos critérios estabelecidos na Política Nacional de Saúde, no plano Municipal de Saúde e Fundamentos da Atenção Básica. O anexo que trata do Termo de Permissão de Uso não apresenta diferenças significativas em relação aos contratos de hospital.

3. DISCUSSÃO

A análise panorâmica dos 30 contratos de gestão celebrados permite identificar a distribuição periférica, com caráter de serviço de saúde ampliado do centro para as zonas menos valorizadas da cidade do modelo, como já abordado na literatura. No município de São Paulo, há sensível concentração de recursos em duas organizações sociais, a SPDM, que possuía com a Secretaria de Saúde seis contratos de gestão firmados até 2014, totalizando cerca de R$ 133 milhões, e a Casa de Saúde Santa Marcelina, com quatro contratos de gestão totalizando um número ainda maior de recursos, alcançando R$ 165 milhões.

3.1.1. CONTEÚDO E NATUREZA JURÍDICA

O conteúdo do contrato de gestão é considerado peculiar pela literatura, em comparação a outros tipos de parcerias firmadas entre o poder público e as entidades privadas, reverberando em interpretações divergentes acerca de sua natureza jurídica e dos dispositivos aplicáveis ao seu regime.

A literatura diverge quanto à sua natureza convenial ou à contraprestação por serviços prestados, tal como ocorre com a contratação de uma empresa privada para a prestação de um serviço.

Nesses contratos, o plano de trabalho integra o anexo técnico do ajuste, com indicação de metas de prestação de serviços públicos de saúde, o que de fato leva a crer que se trata de um contrato de prestação de serviços. Há, contudo, peculiaridades nessa prestação decorrentes do nível das exigências feitas pelo poder público à organização social no conjunto dos outros anexos técnicos que integram o contrato.

Entre essas peculiaridades, ressaltamos a estipulação de metas que envolvem a criação de comissões técnicas nos hospitais,29 29 Contrato de Gestão n. 004/2008 – Hospital M’Boi Mirim. o estímulo à participação da comunidade,30 30 Cláusula 2a, item VIII, das minutas de todos os contratos de gestão. a impossibilidade de recusa de pacientes,31 31 Eles devem ser, na falta de leitos, encaminhados aos serviços indicados pela prefeitura. Anexo técnico de Prestação de Serviços, item I. Contrato de Gestão n. 004/2008 – M’Boi Mirim. a elaboração de relatórios de diagnóstico situacional das necessidades de saúde da microrregião,32 32 Anexo Técnico de Apoio à Integração, Contrato de Gestão n. 001/2007 – Microrregião de Cidade Tiradentes. a fixação de número mínimo de funcionários33 33 Anexo Técnico de Gestão das Unidades Assistenciais à Saúde. Contrato de Gestão n. 001/2007. e a elaboração de base de dados para uso do SUS.34 34 Dever informacional previsto no item III. Atribuições em relação a sistemas de informação em saúde do Anexo Técnico de Avaliação e Acompanhamento. Contrato de Gestão n. 004/2008 – Hospital M’Boi Mirim. Essas obrigações constam no rol da PNAB, como deveres do município:

I – participar do processo de territorialização e mapeamento da área de atuação da equipe, identificando grupos, famílias e indivíduos expostos a riscos, inclusive aqueles relativos ao trabalho, e da atualização contínua dessas informações, priorizando as situações a serem acompanhadas no planejamento local;

[...]

V – realizar busca ativa e notificação de doenças e agravos de notificação compulsória e de outros agravos e situações de importância local;

XI – garantir a qualidade do registro das atividades nos sistemas nacionais de informação na Atenção Básica.

Não é possível, portanto, dizer que essas são obrigações facilmente encaixáveis no âmbito de uma prestação de serviços quando o caráter interventivo do Estado nas ações é tão nítido, bem como a contribuição destas para o mapeamento, o abastecimento do sistema informacional e a composição da política de saúde.

3.1.2. CONSENSUALISMO E CONTRATOS DE GESTÃO

Como apresentados na Introdução deste artigo, o modelo das organizações sociais surge no bojo da Reforma do Estado, cujos desdobramentos ainda são sentidos nas discussões do consensualismo na Administração Pública. Os administrativistas Gustavo Justino de Oliveira e Marçal Justen Filho consideram o contrato de gestão um instrumento utilizado por uma Administração Pública consensual, ou seja, menos autoritária e unilateral e mais horizontal e negocial. Adota-se aqui a distinção feita por Juliana Palma acerca das noções ampla e restrita de consensualismo, a primeira entendida como a atuação da Administração Pública por meio de acordos ou com participação do administrado, e a segunda como uma técnica de governar e administrar por meio do exercício negociado de poder.35 35 Nesse sentido, Juliana Palma conceitua, inspirada nos modelos italiano e espanhol, consensualismo como “[...] a técnica de gestão administrativa por meio da qual acordos são firmados entre Administração e administrado com vistas à terminação consensual do processo administrativo pela negociação do exercício do poder de autoridade estatal (prerrogativas públicas)” (PALMA, 2010, p. 128).

O que se verifica nas minutas e nos planos de trabalho analisados é que a realidade desses instrumentos está longe de ser negocial, tendo caráter rígido, o que desafia as teorias jurídicas do consensualismo na Administração Pública, mesmo em seu sentido amplo. A liberdade do parceiro privado está na adesão ao instrumento normativo que consta do edital de chamamento público.

Não foram detectadas variações nas cláusulas contratuais em razão das diferentes contratantes.

A distribuição das sanções também é pouco equilibrada, havendo rigidez, inclusive, para o parceiro privado romper o contrato, como verificado nos contratos de gestão dos hospitais. O que pode explicar essa rigidez é a natureza essencial da saúde pública e a impossibilidade de sua interrupção, o que irradia efeitos para as hipóteses de resilição unilateral do contrato e, portanto, o exercício negociado de poder.

Não apenas os contratos, mas a própria Lei Municipal de OS apresentou uma postura menos aberta com relação à participação do parceiro privado. Enquanto o art. 6o da Lei Federal n. 9.637/1998 refere-se à elaboração do contrato de gestão como algo feito “de comum” acordo entre as partes, o art. 5o da Lei Municipal n. 14.132/2006 não menciona esse caráter consensual, apenas a necessidade de observância dos preceitos contidos no art. 37 da CF e art. 81 da Lei Orgânica do Município (que se referem aos princípios da Administração Pública direta e indireta), e à predominância da Secretaria da área correspondente na elaboração das cláusulas não previstas na lei.

Embora o escopo desta pesquisa não envolvesse, inicialmente, a questão do caráter consensual ou não dos contratos de gestão, o estudo das políticas de saúde promovido a partir dessas contratações permitiu desafiar a hipótese proposta por diversos administrativistas de que estes instrumentos têm caráter menos autoritário. Essa constatação encontra respaldo na literatura mais recente sobre o tema, em especial nos trabalhos de Juliana Palma, para quem diversas vezes “as externalidades positivas dos acordos administrativos são enaltecidas e apresentadas abstratamente, sem atentar às especificidades atinentes a cada tipo de instrumento consensual e sem respaldo de estudos de caso” (PALMA, 2010PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual: estudo dos acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 84).

3.1.3. CONTROLE, ACOMPANHAMENTO E FISCALIZAÇÃO

A análise dos contratos possibilitou dimensionar melhor a distribuição dos órgãos e das comissões de controle de resultados, mas o controle de meios também aparece nas cláusulas no que se refere à vinculação do regulamento de compras e à observação de normas objetivas de contratação de funcionários.36 36 Cláusula segunda, itens 8.1 e 8.2. Termo Aditivo n. 08/2008. Hospital Municipal Luiz Gonzaga. Essa cláusula se repete para todos os contratos de gestão.

Dos três contratos de hospitais selecionados, dois encontravam-se em uma situação peculiar, assumindo a forma de Termo Aditivo.37 37 O Contrato de Gestão n. 8H/2008 e Contrato de Gestão n. 6H/2008 são, respectivamente, o Termo Aditivo n. 001/2008 ao Contrato de Gestão n. 08/2008 – NTCSS-SMS, celebrado com a Irmandade Santa Casa de Misericórdia, e o Termo Aditivo n. 003/2009 ao Contrato de Gestão n. 06/2008 – NTCSS-SMS, celebrado com a Associação para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM. Esses contratos, os mais vultosos, tratam da inclusão de hospitais municipais como unidade de referência nas microrregiões de abrangência dos contratos. O fato de eles terem sido celebrados como termos aditivos pode denotar um potencial problema de controle, por não terem sido antecedidos por chamamentos públicos.

É possível, contudo, que a necessidade de centralizar a gestão da microrregião e do hospital nela inserido fosse a justificativa para a não realização do chamamento. Ressalta-se que, a despeito de formalmente configurarem um termo aditivo, esses ajustes são autônomos com relação ao contrato de gestão da microrregião que integram, como se denota da cláusula 8a, § 5o, de ambos os contratos:

A CONTRATADA deverá movimentar os recursos financeiros destinados ao HOSPITAL MUNICIPAL VEREADOR JOSÉ STROPOLLI, objeto deste TERMO ADITIVO, em conta corrente específica e exclusiva, de modo a não confundir com os recursos próprios da ORGANIZAÇÃO SOCIAL contratada, bem como os destinados à execução das despesas efetivadas na MICRORREGIÃO VILA MARIA/VILA GUILHERME.38 38 TA n. 003/2009, p. 13. Ver também TA n. 001/2008, p. 10.

O controle externo não apareceu com ênfase nos modelos analisados. A rede de controle interno, em oposição, está mais bem desenhada do que nas leis, com especificação da composição das CTAs. A Comissão de Avaliação não foi mencionada nos contratos, muito provavelmente porque sua atuação se dá previamente à assinatura do ajuste. A CAF é mencionada nas minutas, com atuação semestral de fiscalização.

Os protagonistas do exercício do controle que despontaram na análise documental foram o NTCSS e a CTA. Esses são os órgãos de controle responsáveis por estabelecer o diálogo sobre metas, desvios e repactuações entre Secretaria de Saúde e OSs. O NTCSS, além de ser responsável pela elaboração dos instrumentos de controle, possui no mínimo duas vagas na composição das CTAs de todos os contratos analisados.

O Tribunal de Contas do Município (TCM) realizou, em 2013, uma auditoria programada para avaliar a constituição, a estrutura e os procedimentos da CAF. A auditoria do TCM visou às instâncias internas de controle, distinguindo três formas de organização: o NTCSS, pertencente à SMS, à CAF e às CTAs.

A auditoria concluiu que na integração entre a atuação do NTCSS com a consultoria contratada, “as atividades desempenhadas pela equipe de consultoria se confundem com as da equipe técnica própria do NTCSS, principalmente no que tange à análise das prestações de contas” e ao WebSAASS, uma ferramenta desenvolvida por uma consultoria, a Gesaworld, para avaliar os serviços de saúde contratados.

O acompanhamento da execução do contrato de gestão era atribuição da Comissão de Avaliação, nos termos da Lei Municipal n. 14.132/2006. A Lei Municipal n. 14.664/2008 criou a CAF e transferiu-lhe as atribuições da Comissão de Avaliação. Segundo a auditoria programada, embora tenha sido criada em 2008, a CAF realizou análises referentes aos exercícios de 2010 e 2011. Em todos os 27 relatórios elaborados em 2011 (um para cada contrato de gestão), a auditoria concluiu haver ressalvas quanto à análise, que a seguir reproduzimos:

Impossibilidade de concluir quanto à regularidade das prestações de contas e quanto à efetiva utilização dos recursos no objeto dos contratos devido à insuficiência de informações disponibilizadas;

Impossibilidade de concluir quanto à eficiência da gestão dos recursos devido à falta de informações gerenciais;

Impossibilidade de concluir quanto à regularidade dos gastos com compras e contratações de bens, serviços e funcionários devido à ausência de justificativas por parte das OS. (TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2013TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Relatório de Auditoria Programada. Avalia a adequação dos controles do Sistema de Controle e Avaliação de Contrato de Gestão da Secretaria Municipal da Saúde. Ordem de Serviço n. 2013.05827.2. Tomada de Contas n. 20.143. São Paulo: SP, 12 dez. 2013., p. 9)

O entendimento da auditoria acerca da qualidade do acompanhamento realizado pela CAF é a de que esta é capaz de fornecer informações sobre o cumprimento das metas pactuadas, “mas foram omissos em relação ao caráter conclusivo da análise” (TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2013TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Relatório de Auditoria Programada. Avalia a adequação dos controles do Sistema de Controle e Avaliação de Contrato de Gestão da Secretaria Municipal da Saúde. Ordem de Serviço n. 2013.05827.2. Tomada de Contas n. 20.143. São Paulo: SP, 12 dez. 2013., p. 10).

Por fim, há as CTAs, previstas em cada contrato de gestão, compostas por quatro membros indicados pela SMS e dois indicados pela OS. Suas principais atribuições envolvem a avaliação dos parâmetros de produção, os indicadores de qualidade e as informações em geral sobre o funcionamento dos serviços, as análises das causas que originaram desvios e o estabelecimento de acordos e a implantação de medidas corretivas, quando necessárias.

Conforme registrado na auditoria, dos 26 contratos vigentes, foram disponibilizadas atas de apenas sete, e em nenhuma delas foi constatada a realização de análise e avaliações sobre aspectos financeiros dos contratos ou, tema mais sensível ainda, sobre os desvios com relação ao orçamento estabelecido. Mais à frente, a auditoria observa que embora as OSs enviem relatórios com justificativas no caso do não atingimento das metas, a CTA não se manifesta “no sentido de acolher ou não as justificativas apresentadas” (TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2013TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Relatório de Auditoria Programada. Avalia a adequação dos controles do Sistema de Controle e Avaliação de Contrato de Gestão da Secretaria Municipal da Saúde. Ordem de Serviço n. 2013.05827.2. Tomada de Contas n. 20.143. São Paulo: SP, 12 dez. 2013.).

Sobre a integração entre essas diferentes comissões e esses núcleos, a auditoria constata que o conjunto apresenta condições de monitoramento da produção dos serviços e indicadores de qualidade. Contudo, os casos em que não se verificou o alcance dos resultados pactuados ficam pendentes de análise crítica do NTCSS e das comissões.

Uma observação que merece ser ressaltada refere-se à parte variável da remuneração dos contratos de gestão. Os contratos possuem remuneração dividida em duas partes, uma fixa, de valor vultoso, e outra variável, correspondendo a 10% do valor total da contratação, a ser paga caso a OS cumpra as metas pactuadas. Há uma discussão sobre se essa técnica – cláusula pactuando remuneração fixa e variável – teria o condão de garantir melhores resultados pela OS. Pelo que se depreende desta pesquisa e da auditoria realizada pelo TCM, nem todos os contratos adotam esta cláusula: “a produção e o comportamento dos indicadores de qualidade impactam o volume dos repasses financeiros apenas nos casos de contratos de imagem e hospitais. No caso das Microrregiões, o repasse não está vinculado ao atendimento de metas” (TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2013TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Relatório de Auditoria Programada. Avalia a adequação dos controles do Sistema de Controle e Avaliação de Contrato de Gestão da Secretaria Municipal da Saúde. Ordem de Serviço n. 2013.05827.2. Tomada de Contas n. 20.143. São Paulo: SP, 12 dez. 2013., p. 11).

A questão é que nesses contratos sem remuneração variável, eventuais resultados abaixo do esperado ficam sem resolutividade por parte do poder público. No contrato de gestão da Microrregião Cidade Ademar, trazido como exemplo na auditoria, a CTA apenas ressaltou que o contrato não possuía previsão de descontos financeiros devido ao não cumprimento das metas – e não fez mais nada.

Por fim, uma última questão atinente ao controle interno refere-se à qualidade do monitoramento econômico-financeiro das entidades, especialmente quanto ao controle de gastos. A auditoria do TCM verificou considerável gama de OSs que possuíam em seus contratos a rubrica “empréstimos contratados e juros pagos”. No período de junho de 2012 a agosto de 2013, dos 26 contratos firmados, apenas dois não apresentavam a rubrica de empréstimos (um firmado com a SPDM – que, no entanto, encontrava-se pagando juros – e outro, firmado com a Fundação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Em conjunto, as OSs declararam possuir empréstimos no valor de mais de R$ 447 milhões. Por mais justificados que pudessem ser os empréstimos realizados – desde evidência de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato até problemas de repasse pelo parceiro público – o que chamou a atenção dos auditores foi o desconhecimento, por parte do NTCSS, das justificativas das OSs para os empréstimos, ou a inexistência de informações a respeito das instituições concedentes ou das taxas de juros praticadas.

3.1.3. INSERÇÃO NA POLÍTICA

As diferenças de tipologia entre os contratos lançaram luz à questão da inserção do modelo das OSs nas políticas de saúde. Verificou-se que o modelo de OS não é aplicado a todos os serviços de saúde de forma idêntica. Embora haja homogeneidades quanto à distribuição de obrigações entre Secretaria de Saúde e OS e a obediência aos princípios do SUS, os anexos técnicos diferiram muito no estabelecimento de metas e resultados nos contratos de hospital e nos contratos de microrregião.

Isso indica que a forma de aplicar os contratos pode diferir muito a depender de qual será o serviço de saúde prestado, permitindo-nos concluir que o modelo de OS se insere em maior ou menor grau na política de saúde a depender da escolha do gestor. Existem, contudo, limitações a esse respeito. O anexo técnico de Apoio à Integração das Organizações Sociais apresentava remuneração variável como fator de estímulo à entidade que cumprisse a meta de entrega dos relatórios com o diagnóstico das microrregiões. Entretanto, não há elementos que pudessem nos fazer concluir sobre o cumprimento dessas metas.

No caso dos contratos de hospitais, fica menos evidente a participação estratégica da OS na elaboração da política de saúde, focada no oferecimento de dados sobre as atividades. Já no caso dos contratos de microrregiões, as obrigações de levantar dados são não apenas mais nítidas, como a OS assume um papel de integradora das unidades de saúde que compõem a microrregião. Uma possível explicação para essa diferença reside na natureza das políticas de saúde que embasam esses diferentes contratos. As atividades e os serviços de saúde característicos das UBSs são muito distintas das atividades e dos serviços de hospitais municipais, requerendo posturas diferentes não apenas do prestador, mas do próprio gestor.

Por fim, a análise do anexo técnico impõe outra questão relevante, acerca do papel do Estado na formulação de políticas públicas. A transferência da realização do diagnóstico situacional das microrregiões enseja o questionamento a respeito dos limites de fatiar as etapas de uma política pública, e de até onde é seguro se despir de responsabilidades estratégicas.

Nesse sentido, as decisões tomadas pelo TCM nas Tomadas de Conta n. 72.001.202.09-53 e n. 72.001.811.09-1139 39 Essas Tomadas de Contas eram referentes ao Contrato de Gestão n. 06/2008, celebrado com a SPDM, cuja ementa é “ANÁLISE. CONTRATO DE GESTÃO. DISPENSA. TERMO ADITIVO. SMS. Operacionalização da gestão, apoio à gestão e execução das atividades e serviços de saúde. Art. 24, XXIV, Lei n. 8.666/1993. Ausência de planejamento. Fiscalização omissa. Resultado aquém do previsto. IRREGULARES. RECOMENDAÇÃO. MULTA. Votação unânime”, disponível no setor de consultas processuais do Tribunal de Contas do Município de São Paulo. concluem que as atividades de diagnóstico da realidade concreta da microrregião e o lançamento das bases das ações a serem desempenhadas pela OS deveriam ser atividades estratégicas típicas do Estado.40 40 Segundo o relator Maurício Faria: “A análise do conteúdo do Anexo Técnico II – Apoio à Integração demonstra que referido diagnóstico não foi realizado pela Secretaria, uma vez que a atribuição quanto ao referido Anexo consta, paradoxalmente, como obrigação da OS, o que me faz concluir que o presente contrato foi celebrado sem que a Secretaria conhecesse a realidade concreta e específica existente na microrregião para, a partir desta apreensão da realidade local, fixar as metas a serem alcançadas pela OS, bem como os meios adequados para tanto”. Disponível em: www.tcm.sp.gov.br. Acesso em: 8 mar. 2022.

CONCLUSÃO

O arcabouço do modelo municipal das OSs de saúde é complexo e multifacetado, e guarda significativas diferenças com relação ao modelo federal da Lei n. 9.637/1998. Após a realização de análise documental sobre os contratos de gestão firmados entre OSs e a Secretaria de Saúde, concluímos que o modelo é fortemente influenciado pelas diretrizes do SUS, com submissão às suas diretrizes e aos seus princípios.

A pesquisa possibilitou-nos concluir também que o modelo das OSs não é aplicado aos serviços de saúde de forma idêntica. Embora haja homogeneidades em suas cláusulas básicas, os anexos técnicos atribuem um caráter elástico aos objetos e às metas pactuados, indicando que o modelo de OS se insere em maior ou menor grau na política de saúde a depender da escolha do gestor.

A padronização dos contratos é muito elevada, exceção feita apenas a algumas das metas presentes nos anexos técnicos se comparados a contratos de hospitais e microrregiões. Ainda assim, dentro da mesma tipologia, há muita semelhança, o que denota a existência de pouca ou nenhuma margem para negociação entre Secretaria e OS.

Por fim, os instrumentos de controle de resultados criados para o modelo são variados e a preocupação com o monitoramento dos resultados aparece bem demarcada nos ajustes celebrados pelo município. Contudo, o acompanhamento efetivo dos resultados parece ainda estar em desenvolvimento, baseado em considerável repactuação das metas programadas, sem consequências negativas (sanções) para sucessivos resultados abaixo do esperado. Aqui cabe uma reflexão sobre por que a literatura jurídica a respeito do tema das OSs considera este um modelo de sucesso. Segundo verificamos dos pareceres do órgão de controle externo e dos acompanhamentos das CAFs, os responsáveis pela sua fiscalização não sabem o que fazer quando ele fracassa.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Odair Fernandes da Cunha Filho pelo auxílio na elaboração das tabelas deste artigo.

REFERÊNCIAS

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  • 1
    Este artigo é uma contribuição resultante de pesquisa de mestrado concluída na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no programa de Direitos Humanos, acerca da aplicação, na esfera municipal, do modelo de organizações sociais criado pela Lei Municipal n. 12.134/2006.
  • 2
    O Decreto n. 7.508/2011, que regula a distribuição de competências materiais de prestação de serviços de saúde entre os entes federados, organiza em diversos níveis de atenção os serviços de saúde pela Região de Saúde. O art. 5o do decreto determina que as unidades regionais mínimas de saúde devem contar com atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar e vigilância em saúde. Esses serviços, por sua vez, são regulados por políticas específicas nos três níveis federados. No caso da esfera federal, temos a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), instituída pela Portaria n. 648/2006, a Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP), instituída pela Portaria n. 3.390/2013, a Política Nacional de Atenção às Urgências, estabelecida pela Portaria n. 1.863/GM e a Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS), instituída pela Resolução n. 588/2018 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
  • 3
    Em dezembro de 1998, ano de promulgação da lei das OSs, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1.923/1998 contra a Lei Federal n. 9.637/1998 e o art. 24, inc. XXIV, da Lei Federal n. 8.666/1993, que introduziu um novo caso de dispensa de licitação. A ADI fundamentou-se precipuamente no receio de que as medidas previstas promovessem a privatização de serviços públicos de saúde, o que retiraria do Estado a responsabilidade por sua execução, além de potencialmente violar os deveres de licitação e contratação de mão de obra via concurso público. O STF julgou a ação em 16 de abril de 2015, decidindo conferir interpretação conforme à Constituição para a Lei n. 9.637/1998 e o art. 24, inc. XXIV, da Lei n. 8.666/1993, autorizando a execução de serviços sociais de titularidade do Estado por meio das OSs sem licitação, mas sujeitando o modelo à obediência dos princípios do art. 37 da CF.
  • 4
    Um exemplo é o da Norma Operacional Básica (NOB/SUS) n. 1, que tem natureza de portaria, mas que irradia diretrizes para todo o SUS, inclusive para normativas de hierarquia superior, como a Lei n. 8.080/1998.
  • 5
    Adotamos a nomenclatura “abordagem” em atenção às considerações de Ignácio Cano acerca do método de pesquisa. A diferenciação entre gerar conhecimento por meio de números ou palavras é de abordagem, inexistindo um método quantitativo ou qualitativo (CANO, 2012CANO, Ignacio. Nas trincheiras do método: ensino de metodologia nas ciências sociais no Brasil. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, n. 31, p. 94-119, set./dez. 2012., p. 107).
  • 6
    A lei municipal que criou as organizações sociais é de 2006, mas os primeiros contratos de gestão encontrados datam de 2007.
  • 7
    Por determinação da Lei Municipal n. 14.132/2006 (art. 6o), que criou a qualificação “Organização Social” na esfera municipal, todos os contratos de gestão celebrados com organizações sociais devem ser disponibilizados no Diário Oficial do município. A Lei Municipal n. 14.664/2008 complementou o art. 6o, incluindo o § 2o, segundo o qual o contrato de gestão “será também disponibilizado, na íntegra, na Internet, através da página eletrônica da Prefeitura do Município de São Paulo”, junto ao nome e à qualificação dos integrantes da diretoria, do conselho de administração e do conselho fiscal da OS. O primeiro contrato de gestão celebrado foi em 2007, e os contratos permaneceram vigentes até 2014, quando, em novembro deste ano, a Prefeitura de São Paulo anunciou a rescisão unilateral de todos os contratos de gestão ajustados com OSs e iniciou chamamento público para celebração de novos. Segundo consta no Portal da Prefeitura, o objetivo foi iniciar uma nova fase de contratações que seguiriam diretrizes de padronização na redação dos contratos e fixação de metas mais objetivas. Nossa análise usou como banco de dados o Portal da Transparência da Prefeitura, por sua apresentação possibilitar a visualização dos contratos por OS, região ou hospitais geridos. A legislação foi localizada também pelos sites da Prefeitura de São Paulo e pelo site da Câmara dos Vereadores.
  • 8
    Todas as 30 minutas (parte jurídica dos contratos) previam cláusulas na seguinte ordem: objeto (anexos técnicos), obrigações da contratada, obrigações da contratante, forma de avaliação do contrato, forma de acompanhamento pela secretaria municipal, prazo de vigência, recursos financeiros, alteração contratual, rescisão, penalidades, publicação do contrato no Diário Oficial, foro (capital) e disposições finais. Não foram identificadas diferenças significativas nas obrigações da contratada nas minutas analisadas (prestar serviços de saúde em obediência aos princípios do SUS e direitos dos pacientes, bem como obrigações adjacentes de apoio à integração territorial, contratação de apoio necessário, inclusive serviços de terceiros, responsabilizar-se perante pacientes por indenizações por danos morais decorrentes de ação ou omissão de seus profissionais e adotar o símbolo designativo da respectiva unidade de saúde). Também não foram identificadas diferenças significativas nas obrigações da contratante (disponibilização dos meios para executar o contrato, garantir recursos financeiros, programar o orçamento do município para esses pagamentos, permitir uso de bens móveis e imóveis necessários à execução do objeto). Pequenas diferenças puderam ser notadas no Contrato n. 06H2008, celebrado com a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), que incluiu nas obrigações da contratada a obrigação de “dispor, por razões de planejamento das atividades assistenciais, de informação oportuna sobre o local de residência dos pacientes atendidos ou que lhe sejam referenciados”, ou, ainda, nas minutas jurídicas de contratos relativos a hospitais, constar previsão expressa de obrigação de informar número de leitos para a central de regulação e regras para realização de pesquisas clínicas envolvendo seres humanos. O Contrato n. 13/2008, celebrado pelo Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês (IRSSL) apresentou a previsão de a contratada manter sempre atualizados os prontuários médicos. Por fim, o Contrato n. 24/2009, celebrado com a Associação Congregação Santa Catarina (ACSC) apresenta ordem diferente para as mesmas obrigações. Estabelece cláusula específica (4a) para a aquisição de material médico-hospitalar e medicamentos. A mesma regra aparece em contratos anteriores na cláusula 2a (obrigações da contratante). As diferenças, contudo, não foram suficientemente frequentes ou substanciais para afastar a alta homogeneidade desse grupo de documentos.
  • 9
    Trata-se dos Termos 6H/2008, 7H/2008 e 8H/2008, que tinham metas e indicadores separados dos contratos originais aos quais estavam sendo integrados.
  • 10
    A Política de Atenção Básica é uma das mais relevantes em termos de cobertura assistencial e potencial de prevenção de doenças, é porta de entrada do SUS e compreende também as políticas de atenção psicossocial. Já os contratos de atenção hospitalar correspondem também à política de grande relevância para o SUS (PNHOSP) e compreendem em alguns casos serviços de pronto atendimento (hospitais de porta aberta) e serviços de diagnóstico.
  • 11
    A totalidade dos contratos foi celebrada até 2010, com exceção de um contrato, o Contrato de Gestão n. 07H/2008, que foi celebrado em 2012. Este contrato, na verdade, consiste em termo aditivo que incluiu no objeto de um contrato mais antigo – de microrregião – uma unidade hospitalar. Os Contratos de n. 07H/2008, 08H/2008 e 06H/2008 seguiram esse modelo. Os demais termos aditivos versavam sobre a prorrogação temporal dos contratos, bem como os respectivos repasses.
  • 12
    As categorias “entidade contratada” e “objeto do contrato” foram mais fáceis de construir, dada a sua disposição nítida nos documentos. Apareciam logo no início, demarcadas em negrito, e permitiram-nos “dar rosto” e apontar finalidade na análise. Já o volume de repasses foi escolhido como categoria devido à relevância que o controle de gastos e a execução do plano de trabalho possuem. Para construção dessa categoria, consideramos a variação quanto à descrição da parte financeira. Ora os valores vinham expressos em uma cláusula, ora vinham expressos no anexo técnico que tratava do plano de trabalho e do sistema de pagamento. Havia também variação quanto à disposição dos dados. Em alguns contratos encontrávamos um valor global relativo à duração total do contrato, outras vezes, um valor global mensal, e, na quase totalidade das vezes, excetuada por apenas um caso (o do Contrato de Gestão n. 02/2007, celebrado com a OS Casa de Saúde Santa Marcelina), o valor total que englobava os 12 meses subsequentes à celebração do ajuste. Utilizamos esse último critério para organizar os contratos com base no valor dos repasses.
  • 13
    A SPDM liderou a concentração de contratos, com seis, totalizando um volume de recursos da ordem de R$ 133.046.473,00, secundada pela Casa de Saúde Santa Marcelina, mobilizando R$ 165.501.730,72. Este artigo não levou em consideração os termos aditivos, dado o seu grande número e o propósito exploratório desta etapa. É possível que, dimensionando a totalidade dos contratos e termos aditivos, os agrupamentos fossem distintos. Contudo, considerar a primeira celebração é importante e marca uma tendência. Se o contrato é celebrado com um grande volume de unidades, dificilmente a sua complementação via termos aditivos será pequena. De todo modo, fica um indicativo para pesquisas futuras.
  • 14
    Os serviços de saúde no SUS são divididos e hierarquizados de acordo com sua complexidade, sua densidade e seu custo e vão desde a atenção primária, que utiliza tecnologias de baixa densidade (ou seja, trabalha com um conjunto de procedimentos mais simples e baratos, capaz de atender à maior parte dos problemas comuns de saúde da comunidade), passando pela média complexidade, que demanda a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos mais avançados de diagnóstico e tratamento, até o nível terciário, ou de alta complexidade, que envolve alta tecnologia e alto custo. Os hospitais localizam-se nesse último nível. Portanto, a presunção caminharia no sentido de os contratos de serviços hospitalares demandarem mais recursos que os de microrregião, dado o seu alto grau de complexidade.
  • 15
    Na cláusula 2a, item 1.III, vedando a cobrança e responsabilizando a OS pela cobrança indevida de empregado ou preposto; na mesma cláusula 2a, item 4, atribuindo à organização social a responsabilidade por cobrança indevida; no item 15, estabelecendo a obrigatoriedade da organização social afixar em local visível a sua condição de organização social e de gratuidade dos serviços prestados nessa condição; ainda na cláusula 2a, item 17.1, ao estipular que o cabeçalho do informe de atendimento entregue ao paciente deverá conter a seguinte expressão: “Esta conta será paga com recursos públicos provenientes de seus impostos e contribuições sociais”; e, por fim, na cláusula 11, item 1, que veda a cobrança por serviços complementares de saúde. É de se notar, portanto, que existe considerável preocupação das partes com a observação da gratuidade do serviço.
  • 16
    Cláusula 11, item 2, constante nos termos aditivos e cláusula 13, item 2, do Contrato de Gestão n. 004/2008. Nos contratos de microrregiões a disposição está contida na cláusula 11.
  • 17
    Cláusula 2a, item 2.1.2, do Contrato de Gestão n. 001/2007. Nos demais contratos de gestão das microrregiões, está na cláusula 2a, item 3.
  • 18
    Cláusula 2a, item 3 nos Termos Aditivos ns. 001/2008 e 003/2009.
  • 19
    No Contrato de Gestão n. 001/2007. Nos Contratos de Gestão ns. 10/2008 e 03/2207, a disposição é “contratar serviços de terceiro, sempre que necessário, responsabilizando-se pelos encargos daí decorrentes”. Item 4.2 da cláusula 2a.
  • 20
    E na cláusula 11, § 3o, do Contrato de Gestão n. 004/2008.
  • 21
    A Lei Municipal n. 14.132/2006 usa a expressão “afastamento”.
  • 22
    No Termo Aditivo n. 001/2008 do Hospital Municipal Luiz Gonzaga, temos configuração com cinco membros: “A CTA do NTCSS é constituída de, no mínimo 5 elementos, sendo 3 indicados pela SMS/SP e 2 indicados pela CONTRATADA: 2 técnicos do NTCSS – SMS; 1 técnico do Coordenadoria Regional de Saúde – SMS onde está localizado o hospital; 1 técnico da Microrregião Jaçanã/Tremembé gerida pela CONTRATADA; 1 técnico do Hospital Municipal São Luiz Gonzaga gerido pela CONTRATADA”. Já o Termo Aditivo n. 003/2009, que trata do Hospital Municipal Vereador José Stropolli, estipula a quantidade mínima de seis membros da CTA: dois técnicos do NTCSS, um técnico da Coordenação da Gerência Hospitalar (COGERH) e dois representantes da contratada. O Contrato de Gestão n. 10/2008 estabelece a CTA com cinco membros, sendo dois provenientes do NTCSS, um da Coordenadoria Regional de Saúde da microrregião, e um profissional representante da unidade gerida pela OS. Por fim, o Contrato de Gestão n. 004/2008, a CTA está prevista no item I.C do anexo técnico.
  • 23
    Composição funcional da CTA do Contrato de Gestão n. 001/2007, da Microrregião de Cidade Tiradentes/Guaianazes.
  • 24
    “São atribuições da Organização Social: - Implantar/atualizar os sistemas de informação definidos pela SMS/SP; - Organizar e definir procedimentos, fluxos e rotinas para coleta dos dados dos diferentes sistemas de informação em vigência ou a serem implantados; - Organizar e definir os processos de trabalho para operação/alimentação dos diferentes sistemas de informação em vigência ou a serem implantados; - Encaminhar as diferentes bases de dados conforme rotinas estabelecidas pela SMS/SP” previstas no item 8.2.5. do capítulo II: Controle e Responsabilidade, dos anexos. A auditoria programada do Tribunal de Contas indica que as informações do SIH e do SIA são fornecidas por meio do abastecimento do WebSAASS.
  • 25
    No caso do Contrato de Gestão n. 10/2008, da Microrregião do Itaim Paulista, trata-se do item A.1.3.
  • 26
    Item III.A no caso do Itaim Paulista.
  • 27
    Item III.G do Anexo Técnico II do Contrato de Gestão n. 11/2008 – celebrado com a Congregação Santa Catarina para a gestão da Microrregião de Parelheiros/Socorro.
  • 28
    Item A.1. do anexo III dos Contratos de Gestão ns. 001/2007 e 003/2007.
  • 29
    Contrato de Gestão n. 004/2008 – Hospital M’Boi Mirim.
  • 30
    Cláusula 2a, item VIII, das minutas de todos os contratos de gestão.
  • 31
    Eles devem ser, na falta de leitos, encaminhados aos serviços indicados pela prefeitura. Anexo técnico de Prestação de Serviços, item I. Contrato de Gestão n. 004/2008 – M’Boi Mirim.
  • 32
    Anexo Técnico de Apoio à Integração, Contrato de Gestão n. 001/2007 – Microrregião de Cidade Tiradentes.
  • 33
    Anexo Técnico de Gestão das Unidades Assistenciais à Saúde. Contrato de Gestão n. 001/2007.
  • 34
    Dever informacional previsto no item III. Atribuições em relação a sistemas de informação em saúde do Anexo Técnico de Avaliação e Acompanhamento. Contrato de Gestão n. 004/2008 – Hospital M’Boi Mirim.
  • 35
    Nesse sentido, Juliana Palma conceitua, inspirada nos modelos italiano e espanhol, consensualismo como “[...] a técnica de gestão administrativa por meio da qual acordos são firmados entre Administração e administrado com vistas à terminação consensual do processo administrativo pela negociação do exercício do poder de autoridade estatal (prerrogativas públicas)” (PALMA, 2010PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação Administrativa Consensual: estudo dos acordos substitutivos no processo administrativo sancionador. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito do Estado) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010., p. 128).
  • 36
    Cláusula segunda, itens 8.1 e 8.2. Termo Aditivo n. 08/2008. Hospital Municipal Luiz Gonzaga. Essa cláusula se repete para todos os contratos de gestão.
  • 37
    O Contrato de Gestão n. 8H/2008 e Contrato de Gestão n. 6H/2008 são, respectivamente, o Termo Aditivo n. 001/2008 ao Contrato de Gestão n. 08/2008 – NTCSS-SMS, celebrado com a Irmandade Santa Casa de Misericórdia, e o Termo Aditivo n. 003/2009 ao Contrato de Gestão n. 06/2008 – NTCSS-SMS, celebrado com a Associação para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM.
  • 38
    TA n. 003/2009, p. 13. Ver também TA n. 001/2008, p. 10.
  • 39
    Essas Tomadas de Contas eram referentes ao Contrato de Gestão n. 06/2008, celebrado com a SPDM, cuja ementa é “ANÁLISE. CONTRATO DE GESTÃO. DISPENSA. TERMO ADITIVO. SMS. Operacionalização da gestão, apoio à gestão e execução das atividades e serviços de saúde. Art. 24, XXIV, Lei n. 8.666/1993. Ausência de planejamento. Fiscalização omissa. Resultado aquém do previsto. IRREGULARES. RECOMENDAÇÃO. MULTA. Votação unânime”, disponível no setor de consultas processuais do Tribunal de Contas do Município de São Paulo.
  • 40
    Segundo o relator Maurício Faria: “A análise do conteúdo do Anexo Técnico II – Apoio à Integração demonstra que referido diagnóstico não foi realizado pela Secretaria, uma vez que a atribuição quanto ao referido Anexo consta, paradoxalmente, como obrigação da OS, o que me faz concluir que o presente contrato foi celebrado sem que a Secretaria conhecesse a realidade concreta e específica existente na microrregião para, a partir desta apreensão da realidade local, fixar as metas a serem alcançadas pela OS, bem como os meios adequados para tanto”. Disponível em: www.tcm.sp.gov.br. Acesso em: 8 mar. 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2020
  • Aceito
    20 Jan 2022
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