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Gerenciando a coexistência: uma comparação entre mulheres e homens no trabalho de agentes prisionais

MANAGING COEXISTENCE: A COMPARISON BETWEEN WOMEN AND MEN PRISON GUARDS

Resumo

O objetivo deste artigo é compreender como as(os) agentes penitenciárias(os) percebem sua relação com as(os) presidiárias(os) e desvelar se o sexo influencia essa percepção. Para tanto, foram analisados 1.525 questionários on-line autoaplicáveis, respondidos entre 2014 e 2015, por uma amostra de agentes penitenciários de Minas Gerais (333 mulheres e 1.192 homens); e 23 entrevistas semiestruturadas com profissionais que atuavam na Região Metropolitana de Belo Horizonte (13 homens e 10 mulheres), realizadas entre os anos de 2016 e 2018. Os resultados indicam que o sexo não tem influência significativa na forma como as(os) agentes penitenciárias(os) percebem o seu trabalho e interagem com as(os) detentas(os), uma vez que há homogeneização das experiências no cotidiano profissional. Há uma ênfase exagerada na virilidade, característica que tende a ser assumida também pelas mulheres, dado o entendimento de que a profissão é eminentemente masculina, o que demandaria uso da força e rispidez para garantir a obediência das(os) internas(os). Como são valorizados atributos associados ao universo masculino em uma perspectiva tradicional dos papéis de gênero, homens e mulheres tendem a se comportar da mesma maneira.

Palavras-chave
Agentes penitenciários; análise comparativa; sexo; sistema prisional; relacionamento

Abstract

This paper aims to understand how prison guards perceive their relationship with prisoners, and to reveal whether their sex has any influence on their perception. For this purpose, we analyzed 1,525 self-administered online questionnaires, answered in 2014 and 2015 by a sample of prison guards in Minas Gerais (333 female and 1,192 male) and 23 semi-structured interviews with professionals that work in the Metropolitan Area of Belo Horizonte (13 men and 10 women), conducted between the years 2016 a 2018. The results indicate that sex does not have a significant influence on how prison guards perceive their work and interact with inmates, since there is a homogenization of experiences during their labor routine. There is an overemphasis on virility, a characteristic assumed also by women, given the understanding that the profession is eminently a masculine one, requiring the use of force and coercion to guarantee the obedience of the inmates. Because the attributes valued are associated with the male universe, in a traditional perspective of gender roles, men and women behave in the same way.

Keywords
Prison officers; comparative analysis; sex; prison system; relationship; perception

Introdução1 1 As pesquisas utilizadas para a construção deste artigo tiveram os seguintes financiamentos: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig): processo CSA - AES-00115-13; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): processo 445545/2014-3; Fapemig: processo CSA - APQ 01648-16.

Este artigo pretende compreender como as(os) agentes prisionais2 2 Em dezembro de 2019, os agentes prisionais foram promovidos a policiais penais pela aprovação de emenda que alterou o texto do art. 144 da Constituição Federal. Contudo, como os dados analisados neste artigo foram coletados antes dessa mudança - o que tem impactos diretos na forma como os sujeitos se percebem e se posicionam diante de sua ocupação -, neste texto usaremos as categorias agentes prisionais, guardas de prisão ou funcionários do cárcere para nos referir a eles, em detrimento de “policiais penais”. Apesar dessa mudança, com os dados que aqui serão analisados, torna-se visível como esse processo já ressoava nas percepções que as(os) profissionais traziam de seu trabalho e na relação construída entre elas(eles) e a população carcerária. percebem sua relação com as(os) presas(os) em seus locais de trabalho e desvelar se o sexo possui alguma influência na construção dessa relação.3 3 O sexo é a categoria de análise porque é ele que organiza o local de trabalho desses profissionais no estado em que a pesquisa foi realizada. Assim, não ignoramos a discussão sobre a diferença entre sexo e gênero, mas fomos fiéis à categoria que orientou a coleta de informações e àquela que organiza as rotinas de trabalho. Estudos voltados para a realidade desses profissionais possuem extrema importância, uma vez que elas(eles) são fundamentais para o funcionamento do sistema prisional, em termos de como se constrói a rotina organizacional, o que inclui o controle de tempos e movimentos e também a gestão das tensões com e entre as(os) detentas(os) (SANTIAGO, BORTOLLOTI e BANA, 2020SANTIAGO, Eneida; BORTOLLOTI, Patrícia Aparecida; BANA, Amanda Garbim. Laços de cooperação forçada entre agentes prisionais e apenados no intramuros prisional. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 129-142, 2020.). As(Os) agentes se constituem, assim, em pontes entre as(os) internas(os) e os recursos limitados disponíveis dentro da prisão (SHANNON e PAGE, 2014SHANNON, Sarah; PAGE, Joshua. Bureaucrats on the Cell Block: Prison Officers’ Perceptions of Work Environment and Attitudes Toward Prisoners. Social Service Review, v. 88, n. 4, p. 630-657, 2014.).

Apesar da importância das(dos) guardas de custódia para o funcionamento das unidades prisionais, os estudos acadêmicos brasileiros ainda não dedicaram a elas(eles) a merecida atenção (LOURENÇO e ALVAREZ, 2018LOURENÇO, Luiz Claudio; ALVAREZ, Marcos César. Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017). BIB, São Paulo, n. 84, p. 216-236, 2018.). Bennett et al. (2008BENNETT, Jamie et al. Understanding Prison Staff. [S. l.]: Willan Pub., 2008.), por exemplo, consideram que, por muito tempo, as análises que buscavam compreender o sistema prisional tinham como foco principal as(os) detentas(os) e os efeitos do aprisionamento nesses personagens. Ainda hoje, as(os) agentes prisionais ficam ou invisibilizadas(os) nos estudos ou "subsumidos[(as)] dentro de preocupações mais amplas” (BENNETT, 2008BENNETT, Jamie et al. Understanding Prison Staff. [S. l.]: Willan Pub., 2008., p. 2), salvo algumas exceções.

No contexto nacional, essa realidade está em processo de modificação. A partir do levantamento bibliográfico dos estudos prisionais produzidos no Brasil, Lourenço e Alvarez (2018LOURENÇO, Luiz Claudio; ALVAREZ, Marcos César. Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017). BIB, São Paulo, n. 84, p. 216-236, 2018.) indicam que as pesquisas sobre as(os) profissionais de custódia são a nova tendência do campo, ainda que tais produções sejam menores - em termos numéricos - em relação a outros temas, como o encarceramento feminino. Mesmo nesse movimento crescente, há uma tendência em analisar as(os) agentes prisionais de forma homogênea e não considerar significativas as distinções que existem dentro desse grupo, que também possuem “microculturas”.

O levantamento bibliográfico de Braun (2016BRAUN, Ana Cláudia. Síndrome de Burnout em agentes penitenciários: uma revisão sistemática sob a perspectiva de gênero. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 366-381, 2016.) aponta para a ausência de artigos que se centrem em uma análise comparativa de gênero quanto ao trabalho exercido nas prisões brasileiras. Já Vinuto, Abreo e Gonçalves (2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.) sublinham a importância de análises voltadas para a construção do papel de agente de custódia, uma ocupação percebida como masculina e marcada por signos de “virilidade”, mesmo quando o ofício é realizado por mulheres. Esse tema não é, contudo, uma novidade em outros circuitos acadêmicos, como o norte-americano. Bennett et al. (2008BENNETT, Jamie et al. Understanding Prison Staff. [S. l.]: Willan Pub., 2008.) pontuam que as dimensões de sexo e de gênero são importantes para o desenvolvimento de uma subcultura dentro do grupo “profissionais de custódia”, razão pela qual o cruzamento entre papéis de gênero e profissionalização gera percepções diferenciadas acerca do trabalho a depender do sexo de quem realiza a atividade: se homens ou mulheres.

O presente artigo tem por objetivo comparar as representações sociais de agentes prisionais femininas e masculinos quanto às vivências dentro do ambiente prisional. Busca-se compreender se a variável “sexo” possui alguma influência na forma como esses dois personagens veem o mundo carcerário e procuram criar novas realidades por meio da construção de “laços cooperativos” (SANTIAGO, BORTOLLOTI e BANA, 2020SANTIAGO, Eneida; BORTOLLOTI, Patrícia Aparecida; BANA, Amanda Garbim. Laços de cooperação forçada entre agentes prisionais e apenados no intramuros prisional. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 129-142, 2020.) com as(os) internos. Para alinhavar esse objetivo, a seção 1 foi reservada à discussão de como as expectativas de desempenho da profissão são distintas em relação ao sexo da(o) trabalhadora(o), o que tem como consequência relações entre as(os) profissionais e as(os) presas(os) que são mediadas pela morfologia do corpo das(dos) interlocutoras(es). Na seção 2, foram apresentadas as questões metodológicas, seguidas da análise dos dados coletados por meio de entrevistas estruturadas (surveys) e semiestruturadas, na seção 3. Por fim, são sumarizadas as conclusões, com destaque para os temas que merecem ser investigados em outros estudos sobre as(os) agentes prisionais.

1. Qual é a importância de inserir o sexo nas discussões sobre agentes prisionais?

A história do trabalho feminino é contada a partir de diferentes recortes, que incluem marcadores de classe e raça. Desde o que se convencionou chamar de modernidade, a divisão sexual do trabalho tornou-se um operador fundamental, visto que é delegado ao homem “o sustento da casa” e à mulher “o cuidado com os filhos e com o domicílio”. Historicamente, essa divisão não incluía todas as mulheres: a raça e a classe social transformavam as negras, antigas escravas, em mucamas ou empregadas domésticas, cabendo a elas todos os tipos de atividades. Ou seja, as mulheres negras e pobres já estavam no mercado de trabalho há milhares de anos, exercendo funções tipicamente femininas, quando as mulheres brancas começaram a se inserir em atividades antes reservadas aos homens (GONZALEZ e HASENBALG, 1982GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos Alfredo. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982.).

Foi somente com a entrada das mulheres brancas no mercado de trabalho em meados do século passado que as questões relativas à divisão sexual das ocupações começaram a ser, de fato, problematizadas - em que pesem os marcadores de raça ainda serem invisibilizados (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.). As mulheres pobres e negras continuaram a ser a mão de obra preferencial, conformando-se com a função de empregadas domésticas (PAIXÃO e GOMES, 2008PAIXÃO, Marcelo; GOMES, Flávio. Histórias das diferenças e das desigualdades revisitadas: notas sobre gênero, escravidão, raça e pós-emancipação. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 949-969, 2008.). As mulheres brancas, especialmente as de classe média, passaram a almejar e a ocupar o que a Sociologia denomina ocupações de colarinho azul, ou seja, serviços técnicos e especializados, que demandam certo grau de escolaridade para a sua realização (ESPING-ANDERSEN, 1991ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, [s. l.], n. 24, p. 85-116, 1991.).

Esse movimento não provocou uma completa revolução na estrutura ocupacional. Ao contrário: as questões de gênero, ainda que importem menos que o “caráter sagrado do mercado”, como destaca Esping-Andersen (1991ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, [s. l.], n. 24, p. 85-116, 1991., p. 90), jogam papel de destaque nessa equação e criam uma segregação sexual e racial dos trabalhos. Algumas profissões foram demarcadas como femininas, sendo caracterizadas como extensão da vida doméstica, do cuidado e do zelo. Entre elas, há as que permitem à mulher branca trabalhar fora do lar, como as domésticas, que são exercidas majoritariamente pelas negras (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.), e aquelas que são de domínio público, visíveis a toda a sociedade, exercidas majoritariamente pelas brancas (PAIXÃO e GOMES, 2008PAIXÃO, Marcelo; GOMES, Flávio. Histórias das diferenças e das desigualdades revisitadas: notas sobre gênero, escravidão, raça e pós-emancipação. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 949-969, 2008.). Entretanto, os trabalhos que exigiam dos profissionais pré-requisitos associados à virilidade, traduzidos muitas vezes em elementos como força, resistência e liderança, tradicionalmente associados ao ser homem (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.), passaram a ser consideradas profissões masculinas (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.).

As definições anteriores dos papéis construídos socialmente em relação à mulher e ao homem são transpostas para o ambiente de trabalho, de modo que ambos terão não apenas expectativas diferentes, mas adequarão suas identidades para o trabalho ali exercido. Para Humphrey (1987HUMPHREY, John. Gender and Work in Third World: Sexual Divisions in Brazilian Industry. Londres: Tavistock Publications, 1987.), antes mesmo de ingressarem no mercado de trabalho, mulheres e homens são colocadas(os) em categorias desiguais que auxiliarão na construção da sua identidade, posto que estruturaram as expectativas e os compromissos de cada uma(um) no trabalho. Hirata (2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015., p. 113) detalha essas acepções ao afirmar que “a virilidade é associada ao trabalho pesado, penoso, sujo, insalubre, algumas vezes perigoso, trabalho que requer coragem e determinação, enquanto que a feminilidade é associada ao trabalho leve, fácil, limpo, que exige paciência e minúcia”.

A identidade profissional de uma pessoa é, portanto, o somatório entre a sua identidade sexual (masculina ou feminina) e a atividade ocupacional (de homem e de mulher), uma vez que a segunda auxilia na estruturação das expectativas da primeira. Calazans (2004CALAZANS, Márcia Esteves de. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 142-150, 2004.) argumenta que o sexo não é apenas fonte de status e poder, mas determinante na forma que homens e mulheres se inserem nas ocupações. Espera-se que mulheres atuem em profissões que sejam tipicamente femininas, que necessitem de habilidades consideradas naturalmente inerentes a elas, como o cuidado. Pode acontecer de o sexo do profissional e a atividade por ele realizada não estarem em tamanha consonância, como as expectativas relacionadas à divisão sexual do trabalho pressupõem. Homens podem exercer atividades tipicamente femininas, como as relativas ao cuidado (como é o caso da enfermagem), e mulheres podem estar em profissões vistas como masculinas (como as policiais militares), o que coloca maiores complexidades a essas combinações (CALAZANS, 2004CALAZANS, Márcia Esteves de. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 142-150, 2004.).

No campo da segurança pública brasileira, diversas são as análises que pontuam como a profissão de policial é vista como executada por um herói, que não precisa ser treinado, visto que já nasceu com os hormônios que tornam o sujeito vocacionado para a atividade, dispensando-o de qualquer tipo de capacitação (PONCIONI, 2013PONCIONI, Paula. Governança democrática da segurança pública: o caso da educação policial no Brasil. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 1, p. 48-55, 2013.). Em razão dessa forma de ver a profissão, as mulheres são naturalmente “mal-vindas”. São inúmeras as barreiras para a entrada delas nessa seara, as quais variam do estabelecimento de quotas máximas até casos de assédio moral e sexual, que as desmotivariam a ingressar na carreira (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Polícia Militar é lugar de mulher? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 1, 2018.). Em que pesem as mudanças ocorridas nos últimos anos, com a entrada das mulheres nas fileiras das polícias, inclusive aquelas que atuam em âmbito penal, isso não significa que elas deixaram de ser vistas como masculinas (SOARES e MUSUMECI, 2005SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.). Chies (2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.), por exemplo, demonstra que as mulheres, ao atuarem em ocupações masculinas, como as de agente prisional, têm sua força de trabalho desvalorizada e encontram resistência pelos colegas homens quanto à sua presença naquela profissão. Outra consequência seria o processo de adaptação individual às exigências de habilidades consideradas masculinas e que não foram estimuladas nas mulheres ao longo do processo anterior de socialização.

Para além do sexo, a classe social e a raça contribuem para que a pessoa seja mais ou menos aceita como “profissional”, isto é, como adequada àquele campo e apta a gerar rotinas organizacionais estáveis. Assim, em trabalhos considerados tipicamente masculinos, homens e mulheres procuram apresentar atributos de virilidade, como força e capacidade de impor medo no outro. Nas palavras de Ricciardelli (2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017., p. 4), “a hierarquia de masculinidades (a ideia de que algumas masculinidades são ‘melhores’ ou mais ‘dominantes’ do que outras) faz parte de como a masculinidade hegemônica mantém o poder dos homens como um grupo”, e torna, portanto, as mulheres menos apta àquela função, razão pela qual elas devem ser constantemente (re)ensinadas sobre como o trabalho deve ser exercido ou devem procurar uma atividade tipicamente feminina (como a de assistência) em ambientes majoritariamente masculinos.

Calazans (2004CALAZANS, Márcia Esteves de. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 142-150, 2004.), em sua análise seminal com policiais militares femininas, demonstra como elas ou emulam o comportamento masculino (o que inclui desde raspar o cabelo até realizar operações de “combate ao crime” fortemente armadas) ou sucumbem ao papel tipicamente feminino, realizando atividades que estão aquém de sua formação, mas que requerem uma mulher (como as de recepcionista ou assistência a mulheres e crianças). Ribeiro (2018RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Polícia Militar é lugar de mulher? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 1, 2018.) atualiza parte dessas perspectivas com um estudo sobre as mulheres policiais militares e chega a resultados muito semelhantes, sublinhando o papel das piadas machistas no reenquadramento das mulheres como profissionais menos aptas ao exercício da profissão de herói, palavra que ainda define a função de alguns policiais militares.

As unidades prisionais constituem um campo propício para o entendimento de como o sexo, para além dos outros marcadores sociais, atua como elemento de destaque na construção do papel profissional. A maioria dos presos é do sexo masculino, e, em que pese o crescimento exponencial de mulheres privadas de liberdade, elas não chegam a somar 5% do total das pessoas atrás das grades (WORLD PRISON, s.d.WORLD PRISON. World Prison Brief Data. [s.d.]. Disponível em: Disponível em: https://www.prisonstudies.org/world-prison-brief-data . Acesso em: 10 nov. 2022.
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). Aos homens caberia a atividade de custódia, uma vez que eles possuiriam naturalmente os atributos de virilidade, necessários para impor o medo necessário à manutenção da ordem - inclusive com a ameaça de uso da força física (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.). A exceção a essa regra seria a custódia nas unidades destinadas à privação da liberdade de mulheres, onde essa tarefa deveria ser realizada por pessoas do mesmo sexo para evitar abusos e crimes sexuais (DAVIS e DENT, 2003DAVIS, Angela; DENT, Gina. A prisão como fronteira: uma conversa sobre gênero, globalização e punição. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 11, n. 2, p. 523-531, 2003.). As demais tarefas do ambiente prisional, como as relacionadas à saúde, assistência e educação, ficariam a cargo das mulheres, dadas a sua habilidade natural para o cuidado e a escuta (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.), como ocorre em outras organizações de segurança pública (CALAZANS, 2004CALAZANS, Márcia Esteves de. Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 142-150, 2004.; SOARES e MUSUMECI, 2005SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.; RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Polícia Militar é lugar de mulher? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 1, 2018.).

Todavia, nem sempre essa divisão pode ser tão bem demarcada. A pressão para que as pessoas responsáveis pela aplicação da lei, o que inclui a tarefa de custódia nos ambientes prisionais, sejam reflexo da diversidade de sexo, raça e classe de nossa sociedade borra essas balizas (MUSUMECI et al., 2004MUSUMECI, Leonardo et al. Polícia e gênero: participação e perfil das policiais femininas nas PMS brasileiras. Revista Gênero, Niterói, v. 5, n. 1, p. 183-207, 2004.). Nos Estados Unidos e no Canadá, por exemplo, homens e mulheres exercem a função de agentes prisionais indistintamente, independentemente de a unidade ser destinada a pessoas do sexo masculino ou feminino (RICCIARDELLI, 2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.). Com isso, os entrecruzamentos entre sexo e ocupação se tornam imprescindíveis para a compreensão das diferenças de percepção do trabalho e das experiências que esses profissionais possuem dentro do cárcere (ZIMMER, 1986ZIMMER, Lyyn. Women Guarding Men. Chicago: University of Chicago Press, 1986.; JURIK, 1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.; NEWBOLD, 2005NEWBOLD, Greg. Women Officers Working in Men’s Prisons. Social Policy Journal of New Zealand, [s. l.], v. 25, p. 105-117, 2005.).

Quando se considera a relação entre as(os) profissionais de custódia e presas(os) dentro das instituições prisionais, os trabalhos possuem conclusões díspares. Quanto à natureza do trabalho de custódia propriamente dita, uma parte da literatura destaca que as relações desenvolvidas entre as(os) guardas prisionais e internas(os) são marcadas por pessoalidade, dadas a necessidade de negociações entre ambas(os) e da utilização de “jeitinhos” para que a prisão funcione de forma adequada (SYKES, 1975SYKES, Gresham. A corrupção da autoridade e a reabilitação. In: ETZIONI, Amitai. Organizações complexas: estudo das organizações em face dos problemas sociais. São Paulo: Atlas, 1975. p. 191-198.; LOURENÇO, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 10, p. 11-31, 2010.; CREWE, 2011CREWE, Ben. Soft Power in Prison: Implications for Staff-Prisoner Relationships, Liberty and Legitimacy. European Journal of Criminology, [s. l.], v. 8, n. 6, p. 455-468, 2011.). Outra parte da literatura sublinha que as relações entre ambos os grupos (guardas prisionais e presas(os)) são distantes e impessoais, marcadas pelo cumprimento de regras e normas formais, mediadas por classificações e tipificações criadas pelas(os) profissionais, que orientam como agir perante as(os) detentas(os) (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005 [1978].; LIEBLING, 1999LIEBLING, Alison. Appreciative Inquiry and Relationships in Prison. Punishment & Society, [s. l.], v. 1, p. 71-98, 1999.; CRAWLEY, 2004CRAWLEY, Elaine. Emotion and Performance: Prison Officers and the Presentation of Self in Prisons. Punishment & Society, [s. l.], v. 6, n. 4, p. 411-427, 2004.).

A maior ou menor proximidade ou distância entre as(os) profissionais de custódia e as(os) presas(os) seria mediada pelo sexo da(do) profissional. Zimmer (1986ZIMMER, Lyyn. Women Guarding Men. Chicago: University of Chicago Press, 1986.) foi uma das pioneiras no escrutínio da relação existente entre sexo e trabalho custodial, destacando que a profissão em unidades prisionais possui identificação masculina, uma vez que envolve o exercício de poder e autoridade. Dessa forma, a simples inserção das mulheres nessa carreira faz emergir outra díade. Por um lado, as agentes prisionais femininas suscitam enorme desconfiança sobre a capacidade em realizar as tarefas que a profissão exige, dada a dúvida constante de que o desempenho da “virilidade” por parte dessas profissionais nunca será equivalente ao de seus companheiros do sexo masculino (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.). Por outro lado, a entrada de mulheres na profissão traz enorme expectativa para as(os) presas(os), que passam a acreditar que elas seriam menos rigorosas e menos violentas, visto que estariam mais preocupadas com o cuidado do que com a “manutenção da ordem” (NEWBOLD, 2005NEWBOLD, Greg. Women Officers Working in Men’s Prisons. Social Policy Journal of New Zealand, [s. l.], v. 25, p. 105-117, 2005.). Em ambas as situações, é possível ver como o sexo mediará as expectativas da performance do papel de agente prisional e, por conseguinte, as expectativas das(dos) internas(os) em relação à função de custódia (ZIMMER, 1986ZIMMER, Lyyn. Women Guarding Men. Chicago: University of Chicago Press, 1986.).

Em uma perspectiva histórica, Jurik (1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.) demonstra que as mulheres assumem postos de custódia dentro das unidades prisionais com expectativas baixas ou até mesmo negativas em relação ao seu desempenho do trabalho. Da mesma forma que o observado entre as policiais militares brasileiras (SOARES e MUSUMECI, 2005SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.), elas precisam lidar com dúvidas quanto às suas habilidades para manter a segurança e executar as tarefas cotidianas. Desacreditadas das qualidades de virilidade, elas preferem as funções associadas a papéis femininos, como cargos administrativos, correspondência e portaria. Para reforçar a divisão sexual do trabalho dentro das prisões, as administrações prisionais evitam a interação de mulheres agentes prisionais com presas(os), o que seria fundamental para “estabelecer competência, ganhar respeito e alcançar oportunidades promocionais” (JURIK, 1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988., p. 295). Em função dessa maneira sui generis de ver a mulher em ação dentro das prisões, elas seriam enquadradas, por seus pares do sexo masculino, em quatro estereótipos principais, listados no Quadro 1.

Quadro 1 -
Estereótipos do trabalho realizado por mulheres na prisão

Jurik (1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.) demonstra que, independentemente da categoria na qual a mulher era encaixada, ela era vista com desconfiança e hostilidade pelos agentes masculinos, o que, em consequência, a excluía de alguns postos-chave, como a atividade primordial de custódia. Nada mais é do que um detalhamento do que Ricciardelli (2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.) chamará de graus de masculinidade e do que Vinuto, Abreo e Gonçalves (2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.) denominarão de escalas de virilidade. Como indica Ricciardelli (2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.), a masculinidade é uma espécie de tipo ideal, que se revela no processo de interação: homens competem entre si na tentativa de “provar” quem melhor se enquadra no que seria hipoteticamente a “melhor representação” da masculinidade. Na tentativa de desacreditar a performance feminina de papéis idealizados como masculinos, as mulheres são constantemente criticadas, enquadradas em categorias distintas das “damas de ferro” de Jurik (1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.), afastando-as cada vez mais desse trabalho. Afinal, não há inerentemente nelas habilidades essenciais - violência e agressividade - para exercer as tarefas de segurança (ZIMMER, 1986ZIMMER, Lyyn. Women Guarding Men. Chicago: University of Chicago Press, 1986.).

A chegada delas (e seu respectivo enquadramento nas quatro categorias propostas por Jurik [1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.]) muda a interação dentro do ambiente profissional, o que implica novas dinâmicas prisionais. Crouch e Alpert (1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.) procuraram entender essas mudanças a partir do estudo de guardas prisionais recém-contratados pelo Texas Department of Correction (TDC). Eles investigaram como as(os) profissionais em treinamento mudavam suas crenças sobre as(os) presas(os) mediante o processo de formação e entrada em exercício nas prisões. Partiram do pressuposto de que existe uma subcultura entre as(os) guardas prisionais que, de certa forma, busca homogeneizar as suas atitudes, e, assim, o sexo - como categoria que orienta a interação entre as(os) colegas e as(os) internas(os) - seria subjugado a ponto de não fazer diferença na forma como esses profissionais percebem sua ocupação e/ou exercem suas atividades. Contudo, os dados coletados apontaram para um resultado um pouco diferente.

Crouch e Alpert (1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.) verificaram que, ao ingressar no trabalho, mulheres e homens apresentavam níveis iguais de agressividade e punitivismo, mas, a partir de seis meses de exercício da profissão, esses scores iam se distanciando. As mulheres se tornavam mais tolerantes e não punitivas em relação às pessoas presas e, contrariamente, os homens demonstravam mais agressividade e punição, o que refletiria dois processos de socialização ocupacional distintos. Como hipótese explicativa, os autores acionam as diferenças no ambiente de trabalho. Por exemplo, as prisões femininas seriam menores que as masculinas, e o regimento seria diferenciado, já que as unidades masculinas seriam consideradas mais duras, enquanto as femininas, mais suaves - o que demandaria menor exercício da força física para a execução das tarefas de custódia.

Portanto, mesmo que agentes homens e mulheres tenham a mesma função e sejam encarregados(as) das mesmas obrigações, existem expectativas diferentes em relação às suas atuações (CROUCH e ALPERT, 1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.), as quais seriam relacionadas à capacidade desses atores em performar a masculinidade (RICCIARDELLI, 2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.). Esta tende a ser percebida como essencial para a garantia da ordem nas prisões por meio da imposição do medo, especialmente o relacionado ao uso da força física, atributo que demonstraria a virilidade do profissional (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.).

Em uma perspectiva distinta, Boyd e Grant (2005BOYD, Elizabeth; GRANT, Tim. Is Gender a Factor in Perceived Prison Officer Competence? Male Prisoners Perceptions in an English Dispersal Prison. Criminal Behavior and Mental Health, [s. l.], v. 15, n. 1, p. 65-74, 2005.) tentaram entender a percepção da competência das agentes prisionais femininas e dos masculinos pelas(os) presas(os). Eles constataram que as mulheres e os homens são percebidos pelas(os) presas(os) com a mesma competência, disciplina, controle, comunicação e empatia. Concordando com os pressupostos levantados por Crouch e Alpert (1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.), os autores destacam que a socialização e o treinamento das(dos) guardas prisionais reduzem as diferenças entre os sexos e fazem com que os homens e as mulheres adotem estratégias de trabalho semelhantes no exercício da atividade laboral. Em contrapartida, as mulheres foram consideradas, pelos detentos, mais profissionais em detrimento dos homens. Elas apresentaram alta pontuação nas dimensões de honestidade, capacidade de evitar situações argumentativas com os detentos e de manter a calma em situações difíceis. Elas são também consideradas mais respeitosas e educadas.

As conclusões desse estudo orientaram a pesquisa de Wright e Saylor (1991WRIGHT, Kevin; SAYLOR, William. Male and Female Employees’ Perceptions of Prison Work: Is There a Difference? Justice Quarterly, v. 8, n. 4, p. 505-524, dez. 1991.), que constataram como as agentes prisionais experimentam níveis mais elevados de estresse no trabalho em comparação aos dos homens. Em parte, a constante preocupação com a performance da masculinidade, para além das atividades de custódia, reverbera em maior desgaste. Os homens também se preocupam com a representação da masculinidade, mas elas, ao contrário deles, não traduzem essa deterioração em relações impessoais e cínicas com os presos. As mulheres aceitam mais frequentemente certas regras relacionadas aos cuidados pessoais, e, em resposta, os presos concordam em cumprir as normas consideradas mais críticas na prisão. Há, entre elas e os custodiados, o desenvolvimento de uma relação mais amigável e agradável, que reverberava na adesão voluntária dos presos às regras institucionais. Então, a feminilidade (e não a masculinidade) deveria ser um atributo valorizado no ambiente prisional, visto que garante maior sujeição dos internos às regras, com menor conflito.

Em resumo, a literatura nacional indica que existem diferenças marcantes no lugar reservado para as mulheres dentro das organizações policiais, enquanto a literatura internacional sublinha distinções sutis na forma como homens e mulheres exercem a função de agentes prisionais. Qualquer que seja o ponto, o sexo importa na forma como essas(es) profissionais percebem as suas ocupações e interagem - entre si e com as(os) detentas(os) - no cotidiano prisional. Será que essa também é a realidade das(dos) profissionais de custódia em atividade em Minas Gerais?

2. Notas metodológicas

A proposta deste artigo é embasada em uma metodologia mista de coleta e análise de dados.

Na dimensão quantitativa, foram escrutinados 1.525 questionários on-line respondidos por indivíduos que eram agentes prisionais (no momento da pesquisa) no estado de Minas Gerais. Foram 333 respondentes do sexo feminino e 1.192 do sexo masculino, uma amostra representativa dos 17 mil profissionais alocados nas 151 unidades prisionais entre agosto de 2014 e março de 2015, quando o survey foi realizado. O tamanho da amostra foi calculado com erro absoluto máximo de estimação de 2,37 pontos com 95% de confiabilidade.

Para garantir a representatividade de todas as unidades, foram criadas cotas4 4 O número de questionário por unidades foi calculado por um estatístico para garantir a representatividade das(dos) agentes de todas as unidades prisionais do estado. Para tanto, foi levada em consideração a quantidade de profissionais que estava em exercício na prisão no momento da pesquisa. a serem preenchidas em cada estabelecimento. As(Os) agentes prisionais foram mobilizadas(os) por meio de uma lista de e-mails disponibilizada pela Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), mas também poderiam preencher o questionário em seus locais de trabalho, já que a direção de cada prisão disponibilizou um computador especificamente para esse fim. Nas unidades maiores, foram providenciados questionários em papel pelos próprios pesquisadores, que abordavam as(os) agentes prisionais nas trocas de turno, convidando-as(os) a participar do estudo. O questionário era autoaplicado e tinha duração média de 20 minutos. Todas as respostas dadas foram voluntárias e anônimas, sem nenhuma informação que identificasse a(o) entrevistada(o). Para a análise desses dados, foi utilizado o software SPSS, que possibilitou a construção de gráficos e testes estatísticos.

Na perspectiva qualitativa, foram analisadas 23 entrevistas semiestruturadas, realizadas com 13 homens e 10 mulheres que eram agentes prisionais em unidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte entre 2016 e 2018. Foram entrevistadas(os) profissionais lotadas(os) nas seguintes unidades: (i) Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, unidade exclusivamente feminina; (ii) Presídio de São Joaquim de Bicas II, Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, unidades mistas; e (iii) Penitenciária José Maria Alkimim, Presídio de Santa Luzia, Penitenciária Inspetor José Martinho Drummond e Presídio de Vespasiano, unidades exclusivamente masculinas. O trabalho qualitativo se concentrou nessas prisões pela facilidade de acesso, sendo realizadas in loco por duplas de pesquisadoras(es). Quando as duplas de pesquisadoras(es) chegavam a campo, elas(eles) convidavam as(os) agentes prisionais a responder o roteiro semiestruturado. Aquelas(es) que demonstravam interesse em participar da pesquisa eram entrevistadas(os) em um local com privacidade, para que pudessem falar abertamente sobre suas percepções e vivências. Todos os depoimentos foram gravados (em razão da autorização das(dos) entrevistadas(os), que assinaram Termos de Consentimento Livre e Esclarecido [TCLEs]), transcritos e posteriormente analisados no Excel a partir de expressões e palavras-chave.

É importante destacar que as(os) respondentes do questionário autoaplicado e das entrevistas em profundidade não são necessariamente as mesmas pessoas nem refletem os mesmos contextos, dada a diferença temporal na coleta de dados. Porém, como a análise pretendida diz respeito à diferença do sexo na percepção do trabalho e relacionamento com as(os) presas(os), essas dissonâncias não afetam o resultado pretendido. Assim, serão interpretadas as falas dos depoimentos das(dos) agentes prisionais sobre como percebem as(os) presas e as(os) suas(seus) colegas de trabalho.

Em que pese a pesquisa ter sido realizada há alguns anos, os resultados tendem a refletir o cenário existente no Departamento Penitenciário Mineiro (DEPEN-MG) no contexto pós-pandemia de covid-19, dada a inexistência de mudanças significativas na forma de ingresso (que continua a ser majoritariamente por meio de concurso com provas objetivas e práticas), no treinamento recebido (que permanece rápido e centrado no uso de armas de fogo) e, sobretudo, nos percentuais de homens e mulheres que trabalham no sistema prisional, visto que elas ainda são recrutadas para exercer suas atividades quase exclusivamente em unidades femininas (que são exatamente as mesmas da época da pesquisa).

3. A percepção de si através da(do) outra(o)

A ocupação de “agente prisional” é vista como uma atividade tipicamente masculina (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.), o que reverbera em um número maior de homens do que de mulheres nessa função, ainda que os concursos para a função de “Agentes de Segurança Prisional” (ASP) em Minas Gerais não coloquem cotas máximas para elas. Entre os respondentes do survey, como outrora mencionado, 21,8% eram do sexo feminino (333) e 78,2% eram do sexo masculino (1.198), uma divisão que refletia a categoria ocupacional em termos de sexo entre os anos de 2014 e 2015.5 5 Em comparação à Polícia Militar de Minas Gerais, que estabelece a cota máxima de 10% para as vagas femininas, o sistema prisional no estado não possui tal política, o que explica a maior representação delas nessa categoria.

A primeira questão para avaliar como as(os) agentes prisionais compreendiam a sua ocupação e se existiam diferenças estatisticamente significativas entre homens e mulheres foi relacionada aos fatores que mais agradavam e que mais desagradavam essas(es) profissionais. As perguntas eram espelho uma da outra, de forma que pudesse ser comparada a escala de preferências das(dos) entrevistadas(os). As diferenças foram estatisticamente significativas de acordo com o sexo das(dos) entrevistadas(os) tanto para o que mais agrada6 6 Qui-quadrado=20,950, GL=13, p<0,050 quanto para o que mais desagrada (ver Gráfico 1).7 7 Qui-quadrado=50,026, GL=13, p<0,001

Gráfico 1 -
Distribuição dos aspectos que mais agradam e desagradam homens e mulheres na atividade de agentes prisionais (2014/2015)

Como indica o Gráfico 1, os aspectos profissionais que mais agradam as(os) entrevistadas(os) são a estabilidade do emprego, a carreira (que foi regulamentada em Minas Gerais em 2003), os salários e benefícios adicionais, a possibilidade de conciliar vida profissional e vida privada, o prestígio e o respeito da profissão. Por mais que os percentuais pareçam semelhantes, homens e mulheres se posicionaram de maneira diferente. Por exemplo, a carreira agrada mais os homens do que as mulheres, enquanto com os salários e benefícios adicionais acontece o contrário.

No caso dos aspectos que mais desagradam, a diferença entre os sexos é mais visível. A ausência do porte de armas desagrada igualmente a ambos, que veem nesse equipamento na cintura um mecanismo eficiente de garantia da lei e da ordem. Resultados semelhantes foram encontrados por Lourenço (2010LOURENÇO, Luiz Claudio. Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 10, p. 11-31, 2010.), quando de sua pesquisa com agentes prisionais em Minas Gerais. Segundo ele, os profissionais se ressentiam do trabalho desarmado com o preso e do “vazio” da ocupação que se resumiria a “bater tranca”. No entanto, como o autor não se aprofundou nas diferenças por sexo, não sabemos se existiam percepções distintas entre homens e mulheres.

A convivência com outras(os) agentes penitenciárias(os) e o trabalho de rua na condução das(dos) presas(os) desagradam mais as mulheres que os homens. A convivência com presas(os), que não apareceu como categoria que “agrada” a essas(esses) profissionais, tem maior aderência como desagrado entre os homens do que entre as mulheres.

Para entender a diferença na convivência com os colegas de profissão como uma dimensão que desagrada mais as mulheres do que os homens, vamos usar as anotações feitas no campo “observações” do survey. Essa era a última pergunta e pedia à(ao) entrevistada(o) que deixasse o seu comentário sobre a pesquisa em geral e sobre um aspecto que, na opinião dela(dele), merecesse ser aprofundado em outros estudos com a categoria. Duas profissionais do sexo feminino deixaram comentários interessantes para se pensar as performances da masculinidade (RICCIARDELLI, 2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.), em uma profissão eminentemente vista como masculina e que, por conseguinte, demanda a virilidade em sua atividade (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.). Os relatos que ilustram essa relação podem ser lidos no Quadro 2.

Quadro 2 -
Demanda das profissionais de custódia do sexo feminino

Ambas as entrevistadas pontuam de forma muito explícita porque o contato com os homens é um aspecto que as desagrada. Mesmo recebendo treinamento inicial similar, a elas não são dadas as mesmas oportunidades que são asseguradas aos companheiros homens da profissão. De modo semelhante ao que é observado nos estudos sobre homens e mulheres policiais militares (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes. Polícia Militar é lugar de mulher? Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 1, 2018.), há um “preconceito velado” em relação à capacidade que as agentes prisionais teriam de desempenhar papéis que são valorizados dentro da unidade prisional. Da mesma forma que se acredita que a mulher não tem a virilidade necessária para “correr atrás de bandido” (SOARES e MUSUMECI, 2005SOARES, Barbara Musumeci; MUSUMECI, Leonarda. Mulheres policiais: presença feminina na Polícia Militar do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.), ela também não seria enérgica o suficiente para conter os presos.

Como indica o Gráfico 2, as mulheres são mais escolarizadas que os homens, o que deveria resultar em maior valorização do trabalho feito por elas em comparação ao deles. Porém, elas são menos valorizadas porque colocam em prática uma masculinidade precária, dada pelo sexo em detrimento da formação.

Gráfico 2 -
Grau de escolaridade das(dos) agentes penitenciárias(os), por sexo (2014/2015)

A expectativa de que a masculinidade ideal será desempenhada de melhor maneira pelos homens, porque eles seriam “naturalmente” equipados com a virilidade (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.), faz com que elas sejam preteridas em algumas atividades - como o caso da intervenção tática. No cotidiano da unidade prisional, ainda que sejam o dobro na categoria pós-graduação completa em comparação a eles, elas são “desqualificadas nas atribuições de suas funções”, como nos disse a entrevistada do questionário 762, porque são mulheres. Aparentemente, para ser valorizada como profissional do sistema prisional, além da competência acadêmica, é necessário desempenhar a masculinidade, e, para muitas, somente o sexo de nascimento daria essa possibilidade, o que lhes renderia o rótulo indelével de “despreparadas”.

A insatisfação muda de destinatário quando focalizamos os aspectos que mais desagradam aos homens, cujas reclamações se concentram majoritariamente no relacionamento com os presos, algo que também impacta as mulheres, mas em menor intensidade. Para tanto, optamos por utilizar um bloco de 12 questões sobre a possibilidade de uso da força de maneira enérgica dentro do sistema prisional, uma vez que esse seria um dos elementos definidores da expectativa de masculinidade (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.; BOYD e GRANT, 2005BOYD, Elizabeth; GRANT, Tim. Is Gender a Factor in Perceived Prison Officer Competence? Male Prisoners Perceptions in an English Dispersal Prison. Criminal Behavior and Mental Health, [s. l.], v. 15, n. 1, p. 65-74, 2005.).

Não foram verificadas diferenças estatisticamente significativas entre o sexo do profissional e a percepção de que a força deve ser utilizada quando a(o) presa(o) “ameaça um funcionário”,8 8 Qui-quadrado=0,080, GL=1, p>0,050 “tenta fugir ou foge com uso da violência”,9 9 Qui-quadrado=1,562, GL=1, p>0,050 “tenta fugir ou foge sem o uso da violência”,10 10 Qui-quadrado=0,635, GL=1, p>0,050 “foge com a ajuda de pessoas de dentro do sistema”,11 11 Qui-quadrado=0,059, GL=1, p>0,050 “comete algum tipo de falta disciplinar”,12 12 Qui-quadrado=0,098, GL=1, p>0,050 “tem relações amorosas com outros presos”,13 13 Qui-quadrado=0,043, GL=1, p>0,050 “desrespeita verbalmente o funcionário”,14 14 Qui-quadrado=0,040, GL=1, p>0,050 “tenta autoextermínio” (ver Gráfico 3).15 15 Qui-quadrado=1,359, GL=1, p>0,050 Em todas essas situações, como os percentuais de apoio ao uso da força foram distintos, reforça-se o entendimento das(dos) entrevistadas(os) de que não existe apenas uma forma de atuação entre elas(eles) (violência para eles e diálogo para elas) e de que o uso desse mecanismo dependeria da situação, dos atores envolvidos e do ambiente da unidade. Dessa forma, as(os) entrevistadas(os) entendem que tanto homens quanto mulheres podem utilizar o diálogo ou a violência em seu cotidiano profissional, mesmo que não seja isso que se espere delas(deles) em razão do sexo.

Gráfico 3 -
Situações em que a(o) profissional respondeu afirmativamente, concordando que achava justificável empregar o uso da força física de forma enérgica, por sexo (2014/2015)

Entre as diferenças estatisticamente significativas entre sexo e a possibilidade de a(o) agente usar a força no cotidiano prisional estão: quando “um preso agride fisicamente o agente”,16 16 Qui-quadrado=8,822, GL=1, p<0,010 “não obedece a alguma ordem dada pelo agente”17 17 Qui-quadrado=3,985, GL=1, p<0,050 e quando “o preso agride um outro preso”.18 18 Qui-quadrado=6,655, GL=1, p<0,010 Nesses casos, os percentuais masculinos são muito superiores aos femininos e indicam que os agentes homens tendem a “não levar desaforo para casa”, enquanto as mulheres tentaram ponderar que, mesmo nessas circunstâncias, a violência pode não ser a melhor opção.

Nas entrevistas, essa diferença ficou mais evidente quando as entrevistadas afirmaram que as mulheres agentes prisionais eram mais “humanas”, ou seja, elas agiriam com menos truculência em comparação aos homens. Os agentes prisionais eram mais rigorosos no tratamento com os presos - especialmente para mostrar a hierarquia (“quem manda na cadeia”), o que teria como justificativa a ausência de profissionais em quantidade suficiente para guardar toda a população prisional, como nos explicou o seguinte entrevistado:

Infelizmente a supremacia de força do agente prisional em relação ao preso, fica na teoria, pois constantemente um agente conduz de 4 a 10 presos para poder atender a demanda de atendimentos do dia a dia. (Questionário 457 - homem, 28 anos, branco, ensino superior completo)

Portanto, o uso da força possui alta adesão entre homens e mulheres, sendo considerado uma ferramenta legítima de trabalho, que deve ser utilizada nos momentos em que se faz necessária. Usar de força física não é compreendido pelas(pelos) agentes prisionais como uma punição às ações indesejadas das(dos) detentas(os). Porém, isso não significa que as punições não existam. Nas entrevistas realizadas, sempre que se chega ao assunto de possíveis punições, as(os) guardas prisionais abordam o uso da “canetada” como a forma mais eficiente e mais legítima para resolver situações de conflitos, e sublinham a importância de seguir regras formais. As falas sobre punições físicas eram mais frequentes nos relatos masculinos, mas também apareceram de maneira pontual no discurso de profissionais femininas. Em ambos os sexos, o relato era o mesmo: até recentemente, as agressões corporais mantiveram-se como parte da punição nos cárceres, mesmo com as mudanças administrativas promovidas nas últimas décadas. Contudo, os discursos demonstram que hoje a maior punição não é aquela impelida ao corpo, mas sim pela caneta, porque suprime benefícios e atrasa a progressão de regime.

As(os) entrevistadas(os) destacaram que o uso da força física tende a ser, muitas vezes, preterido pelas(pelos) presas(os), pois os instrumentos disciplinares têm efeitos mais nocivos à vida penal. Essa possibilidade de “atrasar a vida” da(do) detenta(o) a partir do comunicado é compreendida por Martins e Dias (2018MARTINS, Thaís Pereira; DIAS, Camila Caldeira Nunes. A atuação do agente penitenciário como burocrata de nível de rua: para além da discricionariedade. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 550-572, 2018.) como uma demonstração do poder que a(o) agente prisional possui. Para que a relação seja considerada boa entre ambos os grupos, as repressões devem seguir um contínuo que passa pelas advertências verbais, seguidas pelas físicas e só em última instância são materializadas nos comunicados escritos. Para saber exatamente quando cada uma dessas metodologias de ação pode ser acionada, as(os) funcionárias(os) do cárcere devem prescrutar seu público com aguda atenção. Tanto homens quanto mulheres falaram que o recurso de comunicado era eficiente, mas que antes era necessária uma conversa, para buscar uma melhora da(do) presa(o). Ou seja, não é possível manter o cárcere a “ferro e fogo”, como os regimentos prisionais estabelecem, sendo perceptível o local limítrofe que o agente prisional ocupa, entre lei e desordem, entre a rigidez disciplinar e a necessidade de dialogar e fazer “vista grossa” (MORAES, 2005MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM, 2005. e 2013MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 131-147, 2013.).

Nesse ínterim, o próprio uso da força é objeto de questionamento entre as(os) entrevistadas(os), e aparece como uma metodologia de ação porque as(os) profissionais não sabem claramente como devem agir nas diversas situações com as quais elas(eles) são confrontadas(os). Como os homens já seriam socializados a usar a força para resolver seus conflitos, dentro da lógica da masculinidade ideal (RICCIARDELLI, 2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.), no ambiente prisional, eles procederiam do mesmo modo. Em oposição à força, estariam as negociações, também reconhecidas como ferramentas de trabalho, a depender da situação e da função. A dificuldade de saber quando usar essas diversas metodologias se evidencia no seguinte comentário deixado no survey:

Quando marquei a questão com dificuldade em realizar com clareza minha função é porque a secretaria nos manda fazer, mas não nos dá suporte naquilo que precisamos, (como dizem te pago pra fazer não importa como, se vira, dá um jeito) ela quer o serviço pronto na hora dela sabendo que precisamos de equipamentos e ferramentas necessárias, mas não nos fornecem estas são umas das nossas dificuldades. (Questionário 259 - homem, 45 anos, pardo, 2o grau completo)

Uma das profissionais entrevistadas na segunda pesquisa ponderou que os homens agiam de forma mecânica, com rotinização do uso da violência, enquanto as mulheres procuravam compreender de maneira mais detalhada as atitudes das presas, seus gestos e, especialmente, os olhares sutis que elas trocavam entre si. Quando questionadas por que elas acreditavam que existia essa diferença na forma de trabalhar e se relacionar com as internas em comparação aos homens, duas justificativas foram levantadas. Como argumentado por Crouch e Albert (1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.), elas acreditavam que o ambiente prisional das unidades femininas e masculinas era diferente, o que demandava uma postura distinta de agentes prisionais masculinos e femininas. No entanto, algumas mulheres defendiam que essas diferenças eram fruto do gênio masculino ou coisa de mulher. Se os homens usam da força física porque essa dimensão compõe a virilidade e, consequentemente, o que se espera de um “homem” (como constatado na pesquisa de Vinuto, Abreo e Gonçalves [2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.] com os agentes socioeducativos do Rio de Janeiro), as mulheres lançam mão de habilidades essencialmente femininas (como sublinhado por Jurik [1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.]) ao demonstrar como o diálogo e a observação podem ser estratégias de garantia de legitimidade de suas ordens. Dessa maneira, eram capazes de efetivar a “manutenção da ordem” sem agressividade, o que garantiria a “maior tranquilidade” nas prisões femininas.

Apesar de as mulheres se considerarem mais abertas à escuta, nas entrevistas em profundidade, apenas três das dez entrevistadas disseram que existia respeito nas unidades em que trabalhavam. Entre os homens, esse número dobrou, e sete dos 13 guardas prisionais abordaram o tema. Santiago, Bortolloti e Bana (2020SANTIAGO, Eneida; BORTOLLOTI, Patrícia Aparecida; BANA, Amanda Garbim. Laços de cooperação forçada entre agentes prisionais e apenados no intramuros prisional. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 129-142, 2020.), em sua pesquisa com agentes prisionais do sexo masculino, destacam que essa categoria aparece como essencial quando o assunto é “segurar a cadeia”, ou seja, impedir que os conflitos irrompam ou se tornem mais graves. Em nosso estudo, o respeito era a base do relacionamento entre os guardas e os presos porque, como argumentaram dois entrevistados, estar privado de liberdade é um estágio da vida, que passará. Pode ser que, depois da saída do detento, ele e o agente prisional se encontrem do lado de fora da prisão, e, nesse caso, o relacionamento respeitoso garantiria a segurança do profissional ante um possível acerto de contas. Outra questão abordada foi o entendimento de que na prisão não existem apenas “vagabundos”, mas pessoas que cometeram deslizes em sua vida, o que pode acontecer a qualquer um. Dessa forma, tratar com respeito faz com que o cumprimento da pena não seja pior.

As poucas mulheres que falaram sobre o respeito ponderaram que existe uma relação respeitosa, mas que depende essencialmente da interna. Interessante notar que essa afirmação vai na contramão de alguns estudos (JURIK, 1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.; CROUCH e ALPERT, 1982CROUCH, Ben; ALPERT, Geoffrey. Sex and Occupational Socialization among Prison Guards: A Longitudinal Study. Criminal Justice and Behavior, [s. l.], v. 9, n. 2, p. 159-176, 1982.; WRIGHT e SAYLOR, 1991WRIGHT, Kevin; SAYLOR, William. Male and Female Employees’ Perceptions of Prison Work: Is There a Difference? Justice Quarterly, v. 8, n. 4, p. 505-524, dez. 1991.), visto que não se trata, naturalmente, de um atributo feminino, mas de algo que se constrói como feminilidade na mesma lógica de construção de masculinidade, em um processo de interação cotidiana com as internas (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.; RICCIARDELLI, 2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.).

De certa forma, as entrevistas com as funcionárias de custódia apontam para uma dualidade de expectativas de papéis entre elas, o que resume as quatro categorias de Jurik (1988JURIK, Nancy. Striking a Balance: Female Correctional Officers, Gender Role Stereotypes, and Male Prisons. Sociological Inquiry, [s. l.], v. 58, n. 3, p. 291-305, 1988.) a apenas duas. De um lado, estariam as “mães de presas”, que englobam as profissionais que desenvolvem um relacionamento mais próximo ou atencioso com as mulheres presas. Apesar de ser uma característica valorizada dentro das unidades, é algo malvisto pelas colegas de trabalho, sendo sinal de que a guarda é muito permissiva e faz vista grossa nas situações cotidianas. Do outro lado, estariam as “ramonas”, agentes prisionais “ruins”, que usam a força para manutenção da ordem. Apesar dessas categorias não aparecerem nos discursos masculinos, entre os guardas a diferença de tratamento e a percepção de como agem os companheiros de trabalho eram constantemente acionadas. Os agentes prisionais afirmavam que existiam tanto profissionais mais rigorosos e severos quanto aqueles que buscavam ser mais atenciosos e compreensivos, apesar de não nominarem, durante as entrevistas, as categorias ocupacionais mais comuns.

Sobre o relacionamento respeitoso e a possibilidade de escutar as(os) detentas(os), as(os) guardas prisionais fizeram duas ponderações. Esses instrumentos devem ser metodologias de trabalho somente quando visem (i) à troca de informações (como as relacionadas a problemas que podem desaguar em rebeliões e fugas); e (ii) à manutenção da ordem. O respeito é dado a quem age de forma respeitosa com as(os) profissionais, e, tão logo a(o) interna(o) demonstre a falta dele, a(o) agente deve responder na mesma medida - como já indicavam as respostas sobre as situações em que seria possível o uso da força no cotidiano de uma unidade prisional.

4. Percepção sobre as(os) presas(os)

Martins e Dias (2018MARTINS, Thaís Pereira; DIAS, Camila Caldeira Nunes. A atuação do agente penitenciário como burocrata de nível de rua: para além da discricionariedade. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 8, n. 1, p. 550-572, 2018.) consideram os profissionais de custódia burocratas em nível de rua, uma vez que precisam interpretar cada situação para tomar suas decisões, sendo impossível criar um manual de procedimentos que dê conta de toda essa plasticidade. Os relacionamentos são plurais, pois o trabalho exige que as(os) agentes prisionais atuem e relacionem-se de forma singular em cada contexto, levando em consideração o que os circunda.

Para entender como essas(esses) profissionais se relacionam com as(os) presas(os), é necessário compreender quais são as crenças que elas(eles) têm sobre como as(os) internas(os) veem tais funcionárias(os). Assim, foi solicitado nas entrevistas que elas(eles) definissem as(os) presas(os) em uma palavra. Vale ressaltar que, apesar de sempre pontuarem que as relações são diferentes a depender das(dos) presas(os), mulheres e homens foram unânimes em homogeneizar a população lotada na unidade prisional em que trabalhavam a partir do uso de adjetivos negativos. As agentes prisionais disseram que as presas eram egocêntricas, donas da razão, indisciplinadas, desrespeitosas, mal-educadas, agressivas, articuladoras, inconstantes, não confiáveis. Para os guardas masculinos, os presos foram definidos como “fruto do meio”, marginais, excluídos, arrogantes, gananciosos e instáveis.

Resgatando a argumentação de Coelho (2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005 [1978].), de que a maioria das(dos) guardas de custódia tende a caracterizar as(os) presas(os) como indisciplinadas(os) e dissimuladas(os), é possível afirmar que as nossas entrevistas atualizam essas tipificações. Elas são “mapas cognitivos”, que servem para orientar as ações das(dos) profissionais e, de certa maneira, garantir a sua superioridade moral em relação às(aos) custodiadas(os). A falta de disciplina das(dos) internas(os) foi reclamação constante, considerada um desafio ao trabalho custodial, evidenciando a relação hostil e conflituosa que perpassa a convivência entre agentes e população prisional (MORAES, 2005MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM, 2005. e 2013MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 131-147, 2013.).

Para as(os) guardas, as(os) presas(os) estão sempre dispostas(os) a não aceitar as regras impostas ou a desacatá-las(los) verbalmente, o que, como destacado na seção 3, pode suscitar o uso da força de maneira enérgica por parte das(dos) agentes prisionais. Entre as mulheres, a falta de disciplina foi associada, pelas agentes prisionais, à ausência de “educação familiar” das internas. Para elas, as detentas não foram ensinadas, quando crianças, a seguirem regras. Enquanto estão privadas de liberdade, as internas exigem a mesma forma de vida que possuíam anteriormente, com a ausência de respeito às regras. Apesar dos discursos femininos associarem a falta de respeito às mulheres, os agentes prisionais masculinos fizeram ponderações semelhantes, sublinhando o acionamento da mentira como parte desse processo.

A mentira, que gera desconfiança das(dos) guardas prisionais, é embasada não apenas em falas caluniosas, mas também nas invenções ou manipulações que as(os) presas(os) fazem para buscar algum atendimento que a elas(eles) foi negado ou para encobrir alguma situação dentro das celas. As mulheres entrevistadas afirmavam que essas estratégias eram mais comuns em presídios femininos, e, quando isso ocorria nas unidades masculinas, é porque eles estariam planejando alguma fuga ou rebelião. As mulheres manipulariam suas situações “para chamar a atenção”. Entretanto, os relatos dos agentes prisionais masculinos demonstram que a mentira e o excesso de pedidos não são restritos a um sexo específico, sendo uma realidade comum a todo o sistema prisional.

Nesse mapa, a indisciplina pode ser vista como uma tipificação que oferece às(aos) profissionais de custódia um guia de como agir. Se as(os) presas(os) são indisciplinadas(os), é dever das(dos) agentes prisionais manter a disciplina dentro da instituição prisional. Se as(os) detentas(os) são dissimuladas(os), é dever das(dos) profissionais de custódia “perceber quando os presos estão mentindo” e usar da força de maneira enérgica para evitar outras dissimulações que possam comprometer a ordem e a segurança. E só é possível manter a disciplina e saber quando há tentativas de manipulação sendo “doutor em cadeia”, trabalhando em um estado de atenção direcionado a conhecer a população prisional e sabendo “pensar como preso”, antevendo suas ações que visam perturbar a normalidade (MORAES, 2005MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. Punição, encarceramento e construção de identidade profissional entre agentes penitenciários. São Paulo: IBCCRIM, 2005., 2013MORAES, Pedro Rodolfo Bodê. A identidade e o papel de agentes penitenciários. Tempo Social, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 131-147, 2013.).

Para enquadrar a população prisional em indisciplinada, mentirosa ou dissimulada, é preciso mais do que apenas usar a força. Esse mecanismo é uma resposta à constatação, mas não responde por ela. Para mapear esses cenários e os sujeitos que os engendram, as(os) agentes prisionais precisam lançar mão de atributos tipicamente femininos, quais sejam, a observação, o diálogo e, até mesmo, o cuidado (HIRATA, 2015HIRATA, Helena. Globalização, trabalho e gênero. Revista de Políticas Públicas, [s. l.], v. 9, n. 1, p. 111-128, 2015.). Será em uma conversa sobre um atendimento indispensável que a(o) guarda ouvirá da(do) presa(o) as disputas que se estabelecem no cotidiano do pavilhão. Será no tratamento respeitoso, que reverbera em uma conversa amigável, que a(o) agente prisional poderá identificar de maneira mais detalhada quem é a liderança naquele espaço, com a qual precisará negociar para “manter a ordem” (SANTIAGO, BORTOLLOTI e BANA, 2020SANTIAGO, Eneida; BORTOLLOTI, Patrícia Aparecida; BANA, Amanda Garbim. Laços de cooperação forçada entre agentes prisionais e apenados no intramuros prisional. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, [s. l.], v. 23, n. 2, p. 129-142, 2020.). Então, por mais que as(os) entrevistadas(os) apontem os elementos masculinos, com destaque para aqueles que compõem a “virilidade” como os principais atributos para um bom trabalho prisional (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.), são as características típicas da feminilidade que lhes permitirão identificar o medo e a violência entre as(os) presas(os), e evitar que eles reverberem entre as(os) agentes. São elas que permitirão que as(os) agentes prisionais mantenham a ordem no cárcere a partir de atividades mais complexas que apenas “bater a tranca” (LOURENÇO, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. Batendo a tranca: impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, [s. l.], v. 3, n. 10, p. 11-31, 2010.).

Figueiró (2015FIGUEIRÓ, Rafael de Albuquerque. Cartografia do trabalho de agentes penitenciários: reflexão sobre o “dispositivo prisão”. 2015. 272 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015.) argumenta que as(os) guardas de custódia constroem a representação sobre as(os) presas(os) a partir de estigmas acerca de sua permanência na criminalidade e, para referendá-los, seria necessária uma vigilância sutil por parte das(dos) profissionais. São os atributos femininos da observação e do detalhe que permitirão a tipificação das(dos) presas(os) como dissimuladas(os) e perigosas(os), fator crucial para encaminhar como as(os) guardas prisionais se relacionam com elas(eles). Se determinada pessoa é rotulada como “perigosa”, ela terá um tratamento mais ríspido e, talvez, mais pautado no uso da violência para garantir a superioridade das(dos) agentes (como nos disse um dos entrevistados). Se é rotulada como “carente”, é possível que as(os) guardas tenham uma postura mais voltada para o que se entende como “mãe de preso”, já que não valeria a pena fazer uso da força diante de uma pessoa “inofensiva”. Por isso, as(os) profissionais de custódia defendem que o uso da força é uma ferramenta legítima e necessária de trabalho, mas que deve ser utilizada nos momentos certos, após uma tentativa de negociação.

É interessante trazer a consideração feita por um agente prisional masculino. Durante a entrevista, ele ponderou que o uso da força é desejado pelo preso. Ser tratado de forma mais violenta pelos profissionais de custódia é valorizado pelos detentos na lógica da masculinidade ideal destacada por Ricciardelli (2017RICCIARDELLI, Rosemary. Canadian Provincial Correctional Officers: Gender Strategies of Achieving and Affirming Masculinities. The Journal of Men’s Studies, [s. l.], v. 25, n. 1, p. 3-24, 2017.). Para o agente, o sujeito tende a ser mais estimado no mundo do crime quando tira cadeia em uma prisão violenta, que não é lero-lero. Nas palavras do entrevistado: “Você tem que tratar ele mal, para ele entender que cadeia é para isso mesmo. Cadeia é para homens. Cadeia é para sujeito homem”. Novamente, “a postura tida como alinhada ao masculino e à virilidade é tomada como a mais importante, em detrimento daquelas ligadas à proteção” (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017., p. 66), porque é o que transformaria o preso em homem, em um sujeito dotado de masculinidade dentro do presídio, que pode, inclusive, interagir em posição de igualdade com os agentes prisionais masculinos.

Tal situação também se repetiria nas prisões femininas, porque o exercício da masculinidade e da virilidade não está restrito aos homens (VINUTO, ABREO e GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural: Revista de Ciências Sociais, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 54-77, 2017.). Para Barcinski, Altenbernd e Campani (2014BARCINSKI, Mariana; ALTENBERND, Bibiana; CAMPANI, Cristiane. Entre cuidar e vigiar: ambiguidades e contradições no discurso de uma agente penitenciária. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 7, 2014.), quando as mulheres se inserem em atividades de vigilância dentro das instituições penais, elas se apropriam das características atribuídas culturalmente ao masculino, como a agressividade e a força, na tentativa de mostrar que estão preparadas para o bom exercício do papel profissional. Braun (2016BRAUN, Ana Cláudia. Síndrome de Burnout em agentes penitenciários: uma revisão sistemática sob a perspectiva de gênero. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 366-381, 2016.) afirma que uma das formas que as mulheres têm de provar sua eficiência dentro de universos culturalmente masculinos é a partir da transgressão das normas de gênero atribuídas a elas e legitimadas aos homens, o que se traduz em atitudes de autoridade e agressividade com as reclusas encarceradas sob sua vigilância. As mulheres agentes prisionais demonstram uma atuação mais voltada para o padrão exigido idealmente dentro de unidades prisionais, posto que embasado em características atribuídas à masculinidade, com destaque para o uso da força em qualquer situação. Por isso, a todo momento, nas entrevistas, era dito pelas mulheres agentes prisionais que a tarefa que cumpriam e sua função eram baseadas na “supremacia da força”.

Considerações finais

Para compreender como se dá a relação entre as(os) agentes prisionais e as(os) presas(os), a partir da possível influência do sexo da(do) profissional, foi necessário escrutinar como as(os) guardas prisionais percebiam as suas tarefas no ambiente prisional. Em que pese os homens entrevistados não terem demonstrado sua opinião sobre a forma como as mulheres custodiavam as detentas, as profissionais falaram abertamente de como percebiam a forma de trabalhar e de relacionar das mulheres em comparação aos homens. Para as guardas prisionais, existem algumas características das mulheres (como a socialização para a tarefa de cuidado) que fazem com que elas sejam mais humanas e mais atentas aos detalhes e aos sentidos do que se passa entre as presas.

Apesar disso, são os homens que pontuam mais frequentemente a importância dos relacionamentos respeitosos entre profissionais de custódia, bem como a necessidade de escuta e acolhida. Essa importância também aparece no discurso das mulheres, mas com menor recorrência. O respeito defendido é apenas nos casos em que as(os) detentas(os) também possuem uma postura respeitosa em relação aos profissionais. Quando a(o) presa(o) apresenta um comportamento desrespeitoso, as(os) agentes prisionais têm o direito de tratá-las(los) da mesma forma, como pressupõem os ideais de masculinidade. E, mais importante, a necessidade de ouvir os problemas da população carcerária e tratá-la respeitosamente é um recurso de manutenção da ordem e da segurança nas unidades prisionais, ainda que sejam metodologias de trabalho vistas como tipicamente femininas.

Avançando a discussão, foi necessário compreender como as(os) profissionais percebiam as(os) presas(os) para entender se essa percepção tinha influência na forma como a relação entre ambos os grupos se construía. Tanto as mulheres quanto os homens qualificam as(os) internas(os) como mentirosas(os) e indisciplinadas(os). É partir dessa concepção que as(os) guardas prisionais definem sua atuação: descobrir as mentiras para não se deixar manipular, descobrir os movimentos de irrupção da ordem para impor a disciplina dentro das prisões. É especialmente nessa última dimensão que as(os) agentes prisionais defendem o uso da força como uma ferramenta de trabalho legítima e necessária.

As falas e os dados analisados demonstram que, em alguns parâmetros, não há diferença entre o apoio ao uso da força e o sexo. Intuitivamente, essa grande adesão se dá pela compreensão do uso da força como o que permite às(aos) guardas a superioridade de forças. Isso faz com que a concepção de punição não esteja mais tão atrelada ao uso violência física entre as(os) prisioneiras(os), mas esteja calcada na possibilidade de redigir comunicados que marcam a trajetória penal da(do) internada(o), impedindo o acesso a benefícios e direitos dentro (e fora) das unidades. Claro que há margem para negociações, conversas e repreensões verbais, até porque, segundo as(os) entrevistadas(os), não se pode levar a “ferro e fogo”; pois, se assim fosse, eclodiriam motins e rebeliões.

Logo, os diálogos - dentro das negociações - são defendidos para a manutenção da ordem e da segurança. Nessa perspectiva, o sexo não parece influir nas relações - múltiplas e singulares - desenvolvidas com as(os) internas(os). Observamos que existe uma homogeneização das experiências que mulheres e homens guardas prisionais têm na rotina organizacional da prisão, pelas similares cobranças a que estão submetidas(os) (em termos de performance da masculinidade) e pela descoberta de que atributos tipicamente femininos (como a escuta e a negociação) podem contribuir para “segurar a prisão”. Portanto, a socialização nos valores institucionais do sistema prisional se sobrepõe à dos papéis de gênero que tendem a derivar do sexo.

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  • WORLD PRISON. World Prison Brief Data [s.d.]. Disponível em: Disponível em: https://www.prisonstudies.org/world-prison-brief-data Acesso em: 10 nov. 2022.
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  • WRIGHT, Kevin; SAYLOR, William. Male and Female Employees’ Perceptions of Prison Work: Is There a Difference? Justice Quarterly, v. 8, n. 4, p. 505-524, dez. 1991.
  • ZIMMER, Lyyn. Women Guarding Men Chicago: University of Chicago Press, 1986.
  • 1
    As pesquisas utilizadas para a construção deste artigo tiveram os seguintes financiamentos: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig): processo CSA - AES-00115-13; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): processo 445545/2014-3; Fapemig: processo CSA - APQ 01648-16.
  • 2
    Em dezembro de 2019, os agentes prisionais foram promovidos a policiais penais pela aprovação de emenda que alterou o texto do art. 144 da Constituição Federal. Contudo, como os dados analisados neste artigo foram coletados antes dessa mudança - o que tem impactos diretos na forma como os sujeitos se percebem e se posicionam diante de sua ocupação -, neste texto usaremos as categorias agentes prisionais, guardas de prisão ou funcionários do cárcere para nos referir a eles, em detrimento de “policiais penais”. Apesar dessa mudança, com os dados que aqui serão analisados, torna-se visível como esse processo já ressoava nas percepções que as(os) profissionais traziam de seu trabalho e na relação construída entre elas(eles) e a população carcerária.
  • 3
    O sexo é a categoria de análise porque é ele que organiza o local de trabalho desses profissionais no estado em que a pesquisa foi realizada. Assim, não ignoramos a discussão sobre a diferença entre sexo e gênero, mas fomos fiéis à categoria que orientou a coleta de informações e àquela que organiza as rotinas de trabalho.
  • 4
    O número de questionário por unidades foi calculado por um estatístico para garantir a representatividade das(dos) agentes de todas as unidades prisionais do estado. Para tanto, foi levada em consideração a quantidade de profissionais que estava em exercício na prisão no momento da pesquisa.
  • 5
    Em comparação à Polícia Militar de Minas Gerais, que estabelece a cota máxima de 10% para as vagas femininas, o sistema prisional no estado não possui tal política, o que explica a maior representação delas nessa categoria.
  • 6
    Qui-quadrado=20,950, GL=13, p<0,050
  • 7
    Qui-quadrado=50,026, GL=13, p<0,001
  • 8
    Qui-quadrado=0,080, GL=1, p>0,050
  • 9
    Qui-quadrado=1,562, GL=1, p>0,050
  • 10
    Qui-quadrado=0,635, GL=1, p>0,050
  • 11
    Qui-quadrado=0,059, GL=1, p>0,050
  • 12
    Qui-quadrado=0,098, GL=1, p>0,050
  • 13
    Qui-quadrado=0,043, GL=1, p>0,050
  • 14
    Qui-quadrado=0,040, GL=1, p>0,050
  • 15
    Qui-quadrado=1,359, GL=1, p>0,050
  • 16
    Qui-quadrado=8,822, GL=1, p<0,010
  • 17
    Qui-quadrado=3,985, GL=1, p<0,050
  • 18
    Qui-quadrado=6,655, GL=1, p<0,010
  • Como citar este artigo: ARAÚJO, Isabela Cristina Alves de; RIBEIRO, Ludmila. Gerenciando a coexistência: uma comparação entre mulheres e homens no trabalho de agentes prisionais. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2308, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202308

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2021
  • Aceito
    07 Set 2022
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