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O STF e as medidas para prevenção e tratamento da covid-19

STF AND THE PUBLIC MEASURES FOR COVID-19 PREVENTION AND TREATMENT

Resumo

O presente artigo analisa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre políticas para prevenção e tratamento da covid-19. Com o auxílio da ciência de dados e da inteligência artificial, foi realizada a coleta sistemática e exaustiva da jurisprudência da Corte sobre esse assunto. As decisões coletadas foram organizadas e classificadas nos seguintes temas: distanciamento social; medidas diversas de combate à pandemia; uso de máscara; requisição administrativa; leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI); vacinação; e acesso a dados. As decisões dentro de cada um desses temas foram analisadas para entender quais questões foram decididas pelo STF e como foram julgadas. A organização e a análise de 253 decisões nos permitem chegar, com nuances e detalhes, a algumas conclusões gerais sobre o papel da Corte em matéria de medidas para prevenção e tratamento da covid-19: parte significativa das decisões foi monocrática e em sede de liminar, o STF buscou proteger a capacidade de entes estaduais responderem à covid-19, foram manifestadas opiniões críticas à atuação do governo federal, em diversos casos houve explícita sobreposição entre questões formais de competência federativa e avaliações substantivas sobre a melhor política, e houve hesitação do STF em determinar a realização de medidas muito complexas para o combate à pandemia de covid-19.

Palavras-chave
STF; covid-19; distanciamento social; vacina; ciência de dados

Abstract

This article analyses the case-law of the Brazilian Supreme Federal Court (STF) in relation to the policies for the prevention and treatment of Covid-19. With the support of data science and artificial intelligence, the STF´s decisions were systematically and exhaustively collected. These decisions were organized and classified into the following topics: social distancing, miscellaneous responses to Covid-19, face covering, requisition of private property, ICU beds, vaccination, and access to information. The organization and analysis of 253 judgments allow us to draw, with nuance and in detail, the following conclusions: an important share of the STF´s decisions was preliminary injunctions and made by a single Justice, the Court sought to protect the capacity of local governments to respond to the pandemic, some decisions show a critical attitude of the Court in relation to the federal government, in many cases there is an explicit overlap between the formal assessment of which federal entity (the federal government, state governments or municipal governments) has the authority to decide an issue and the substantive analysis of which policy should be implemented, and the STF has been hesitant to order complex measures for responding to the Covid-19 pandemic.

Keywords
Supreme Federal Court; Covid-19; social distancing; vaccine; data science

Introdução

O efeito devastador da pandemia de covid-19, assim como o impacto das medidas adotadas para conter seu avanço, gerou enormes mudanças, incertezas e perdas em um curto espaço de tempo. Nesse contexto, eram esperados frequentes conflitos na sociedade causados por divergências quanto à melhor forma de se responder à crise sanitária e econômica, e pela tentativa de indivíduos e grupos de minimizar perdas materiais e humanas e de impedir restrições às suas liberdades.

Em um país com litigiosidade judicial alta como o Brasil, não surpreende que muitos desses conflitos fossem levados ao Judiciário. Ademais, considerando que o Supremo Tribunal Federal (STF) há muito tem assumido protagonismo nas decisões políticas e sociais de maior relevância (VIEIRA, 2008VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 441-464, jul./dez. 2008. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/35159/33964 . Acesso em: 21 dez. 2021.
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; ARGUELHES e RIBEIRO, 2016ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Criatura e/ou criador: transformações do Supremo Tribunal Federal sob a Constituição de 1988. Revista Direito GV, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 405-440, maio/ago. 2016.), seria também previsível que o STF acabasse se tornando o árbitro de questões centrais relativas à pandemia.

No Brasil, há ainda dois elementos que aumentam a propensão a que questões fossem levadas ao Judiciário e a que o STF tivesse protagonismo nessa crise. Primeiro, a atuação errática e frequentemente em descompasso com o consenso científico por parte do Executivo federal, que minimizou a gravidade da pandemia e a importância de diversas medidas para lidar com ela. Segundo, e ligado ao primeiro, as frequentes disputas sobre competência federativa causadas pela ausência de coordenação do governo federal para uma resposta nacional à covid-19 e as situações em que o presidente da República tentou obstruir respostas de governos subnacionais (ABRUCIO, 2020ABRUCIO, Fernando Luiz et al. Combate à COVID-19 sob o federalismo bolsonarista: um caso de descoordenação intergovernamental. Revista de Administração Pública, [s.l.], v. 54, n. 4, p. 663-677, jul./ago. 2020. doi: https://doi.org/10.1590/0034-761220200354.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; GLEZER, 2021GLEZER, Rubens. As razões e condições dos conflitos federativos na pandemia de Covid-19: coalizão partidária e desenho institucional. Suprema: Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 1, n. 2, p. 395-434, jul./dez. 2021.).

Portanto, compreender a jurisprudência do STF durante a pandemia é central para entender a resposta do Estado brasileiro à crise sanitária. O STF não apenas tomou decisões substantivas importantes relacionadas às políticas de combate à pandemia, mas também decidiu quem tem competência para tal ao resolver conflitos de competência entre entes federativos, o que também impactou os resultados das políticas contra a covid-19.

Já existem trabalhos que analisam a jurisprudência do STF sobre medidas de combate à pandemia. Wang (2020WANG, Daniel Wei Liang. Atuação do sistema de justiça durante a pandemia de covid-19: uma análise da jurisprudência do STF. In: SANTOS, Alethele de Oliveira; LOPES, Luciana Tolêdo (orgs.). Principais elementos. Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2020. (Coleção COVID-19, v. 1). p. 96-108.) identificou uma atuação do STF que (i) garantiu a competência de entes locais, (ii) hesitou em impor a realização de políticas ou interferir em decisões discricionárias, (iii) mas reiterou a necessidade de que essas políticas fossem baseadas em evidência científica. Oliveira e Madeira (2021OLIVEIRA, Vanessa Elias de; MADEIRA, Lígia Mori. Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF? Revista Brasileira de Ciência Política, [s.l.], n. 35, e247055, p. 1-44, 2021.), a partir da revisão da literatura e da análise de dados primários, concluíram que o STF exerceu seu papel de conter medidas “autoritárias” do presidente da República relativas à pandemia. Biehl, Prates e Amon (2021BIEHL, João; PRATES, Lucas E. A.; AMON, Joseph J. Supreme Court v. Necropolitics: The Chaotic Judicialization of COVID-19 in Brazil. Health and Human Rights Journal, [s.l.], v. 23, n. 1, p. 151-162, jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8233022/pdf/hhr-23-01-151.pdf . Acesso em: 21 dez. 2021.
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), por sua vez, argumentaram que o STF tomou medidas importantes, embora insuficientes, para proteger o direito à saúde e conter a “necropolítica” praticada pelo presidente Bolsonaro.

Esses trabalhos certamente ajudam a compreender o papel do STF durante a crise sanitária. Porém, cada um deles possui pelo menos duas das seguintes limitações: ausência de critério claro para a escolha dos casos analisados, o que aumenta o risco de vieses de seleção, de cherry-picking para confirmar uma narrativa, ou simplesmente de uma visão incompleta da jurisprudência da Corte; limitação a determinados temas ou classes de ação, o que apresenta uma visão parcial da atuação do Supremo; foco em dados objetivos extraídos dos processos, mas pouco dispêndio de atenção para informações relevantes, como o assunto discutido, o que foi efetivamente decidido pelo STF e a fundamentação das decisões.

O presente artigo é parte de um projeto de pesquisa que busca oferecer uma análise da jurisprudência do STF que supere todas essas limitações. Com o auxílio da ciência de dados e da inteligência artificial, fez-se um levantamento minucioso de todas as decisões do STF em que houve menção à pandemia de covid-19. Posteriormente, essas decisões foram classificadas e agrupadas em temas. Para o presente artigo, foram selecionadas para análise as decisões relativas a medidas de proteção à saúde, seja para prevenção, seja para tratamento da covid-19, que abarcam os seguintes temas: distanciamento social; medidas diversas de combate à pandemia; uso de máscara; requisição administrativa de equipamentos de saúde; leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI); vacinação; e acesso a dados. Esses são possivelmente os temas em que a atuação do STF suscitou maior atenção da opinião pública, gerou maior conflito político entre o Executivo federal e os governos estaduais e o próprio STF, e afetou diretamente os rumos das políticas durante a pandemia.

Este estudo faz a coleta sistemática e exaustiva da jurisprudência pertinente, organiza e classifica o material em temas, e analisa-o para responder às seguintes perguntas: quais questões foram decididas pelo STF, e como elas foram decididas? Em que casos o STF interferiu na política pública e em quais foi deferente à discricionariedade de governos? Como disputas relativas à competência federativa foram resolvidas? Se e como as preferências de policy dos ministros se manifestaram nas decisões? Quais padrões na jurisprudência do STF podem ser identificados a partir da análise de um conjunto grande de decisões sobre diversos temas correlatos? Espera-se, assim, oferecer uma visão mais completa e complexa da atuação do STF em matéria de políticas para prevenção e tratamento da covid-19.

1. Metodologia

Este estudo tem como objetivos: (i) identificar as decisões relacionadas à covid-19 na jurisprudência do STF durante os primeiros 15 meses de pandemia, (ii) classificá-las em temas, (iii) analisar o(s) pedido(s), a decisão e a fundamentação dos julgados e (iv) identificar assuntos recorrentes e transversais que aparecem em diferentes temas. A análise será eminentemente qualitativa, porém, quando for pertinente, serão trazidos levantamentos estatísticos.

Como mencionado, este artigo faz parte de um projeto maior que busca analisar toda a jurisprudência do STF relacionada à covid-19. Para isso, foi construído um banco de dados com a totalidade das decisões tomadas pelo STF entre 15/01/2020, quando foi registrada a primeira decisão relacionada à covid-19, e 23/06/2021, quando a coleta foi encerrada e as análises iniciadas. Cortes temporais são necessários para viabilizar pesquisas, mas também as limitam. Porém, esse período abrange o início da pandemia e os picos das duas ondas em que o número de mortos e infectados atingiu os níveis mais elevados e, portanto, litígios eram mais frequentes e dramáticos. Também abarca o período em que se expande a vacinação, levando ao arrefecimento da pandemia e das medidas mais rigorosas para combatê-la.

A primeira etapa para a construção desse banco foi a elaboração de um programa escrito em python para realizar consultas automatizadas na ferramenta “Pesquisa de Jurisprudência” do site do STF.1 1 https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search.com. Por meio do programa foram realizadas consultas na ferramenta utilizando-se as palavras “corona”, “covid” e “pandemia”. O programa cria uma planilha com os resultados das buscas e elimina as duplicidades.

A coleta de decisões resultou em 5.841 entradas no banco de dados. Esse material foi analisado de forma exploratória com algoritmos de aprendizado de máquina não supervisionado. O objetivo desse algoritmo é criar grupos de documentos (clusters) de acordo com padrões encontrados no conjunto de palavras que compõe as decisões. O primeiro achado foi que cerca de 80% das decisões tratavam de matéria penal. Tais decisões foram trabalhadas em outro texto (WANG et al., no preloWANG, Daniel Wei Liang et al. Why Has a Progressive Court Failed to Protect the Prison Population against Covid-19? Mass Incarceration and Brazil’s Supreme Court in Times of Pandemic. Health and Human Rights Journal, Boston, no prelo.). As decisões restantes passaram por outras rodadas de “clusterização” e, a partir dos novos clusters encontrados e do interesse da pesquisa, as decisões foram classificadas em temas. Posteriormente, cada decisão foi analisada pela equipe de pesquisa para garantir a acurácia da classificação. Foram excluídos os falsos positivos (casos que não possuem relação com a pandemia), os casos em segredo de justiça e aqueles referentes a andamentos processuais. Ao final, restaram 1.125 casos para análise.

Entre tais casos, no presente artigo serão analisados apenas aqueles relativos à proteção da saúde, incluindo medidas para prevenção de contágio e ações e serviços para tratamento das pessoas infectadas. Esses casos estão classificados entre os seguintes temas: distanciamento social, medidas gerais de combate à pandemia, uso de máscara, requisição administrativa de equipamentos de saúde, leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), vacinação e acesso a dados. O material restante - inclusive sobre direito penal e medidas relativas aos impactos econômico, social e financeiro da covid-19 - será objeto de futuras publicações.

Como o propósito principal do texto é entender o posicionamento do STF sobre esses assuntos, não foram analisadas decisões com fundamento puramente processual (perda do objeto, ilegitimidade da parte, incompetência do juízo ou perda do interesse de agir),2 2 Foram incluídos na análise casos julgados em que, ainda que formalmente decididos por razões processuais, era difícil distinguir questões processuais das de mérito, por exemplo, discussões sobre a presença de requisitos fáticos para determinada ação. embora possam ser ocasionalmente citadas para fins de contextualização ou ilustração. Ao todo, este artigo cobre 253 decisões.

Usando a taxonomia proposta por Hall e Wright (2008HALL, Mark A.; WRIGHT, Ronald F. Systematic Content Analysis of Judicial Opinions. California Law Review, [s.l.], v. 96, n. 63, p. 63-122, 2008. Disponível em: Disponível em: https://lawcat.berkeley.edu/record/1121706/files/fulltext.pdf . Acesso em: 12 dez. 2021.
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, p. 90), este artigo pode ser classificado como um estudo descritivo/exploratório. Mais especificamente, o método de análise empregado busca combinar um tipo de interpretação de julgados comum na dogmática jurídica, que procura o sentido e o peso jurídico das decisões, e análises de conteúdo mais próximas das Ciências Sociais, que se preocupam com replicabilidade e trabalham com um número maior de casos para identificar padrões no comportamento judicial.3 3 Sobre as diferenças e sinergias entre métodos de interpretação tradicionais do Direito e métodos de análise de conteúdo das Ciências Sociais, ver Hall e Wright (2008).

Embora parte do material tenha sido analisada quantitativamente, a diversidade de assuntos trazidos para uma decisão da Corte, a importância diferente de cada decisão e o foco na argumentação jurídica impedem uma apresentação mais sistemática e codificada dos resultados. Optou-se, portanto, por uma abordagem predominantemente qualitativa, com base em uma descrição das decisões de cada tema guiada por perguntas-chave. A partir das conclusões parciais em cada tema, o artigo propõe conclusões gerais e empiricamente informadas sobre a atuação do STF no período.

2. Distanciamento social

Até o advento das vacinas, o distanciamento social era a principal medida de contenção da covid-19.4 4 Por distanciamento social (também chamado de isolamento social) entendemos a redução das interações em uma comunidade, que pode incluir pessoas não diagnosticadas como infectadas, e que pode ser implementada por decisão voluntária individual ou por imposição de limites a atividades que promovam contato social. Porém, medidas de distanciamento social foram frequentemente objeto de questionamento por seu impacto sobre a economia e a vida das pessoas. Elas também estiveram no centro da disputa política entre o presidente da República, abertamente contrário a essas medidas, e governadores e prefeitos que buscavam implementá-las.

Nesse eixo foram analisadas 148 decisões, sendo 11 em sede de controle abstrato de constitucionalidade - ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs) - e 137 em sede de controle concreto - ações cíveis originárias (ACOs), reclamações constitucionais (RCLs), suspensões de liminar (SLs), suspensões de segurança (SSs) e suspensões de tutela provisória (STPs).

2.1. Controle abstrato

Três decisões de março e abril de 2020 - ADPF n. 672, ADI n. 6341 e ADI n. 63435 5 Os dados completos das decisões citadas neste artigo estão disponíveis no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.1FPGX2. - são importantes por marcarem a posição do STF em relação à competência dos entes subnacionais para decidir sobre imposição de medidas de distanciamento social quando, logo no início da pandemia, o governo federal buscou limitar o poder de governos locais para as decretar.

A ADPF n. 672 pedia que o STF determinasse ao governo federal que (i) adotasse medidas econômicas para garantia da manutenção de produção, emprego e renda e (ii) se abstivesse de praticar atos contrários às medidas de isolamento social adotadas pelos estados e municípios. Em liminar do relator ministro Alexandre de Moraes, posteriormente referendada pelo pleno, o STF entendeu que não cabia ao Judiciário substituir o juízo discricionário do Executivo para determinar a realização de medidas econômicas. Sobre o segundo pedido, o STF declarou que, sem prejuízo da competência da União para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, não compete ao governo federal afastar tais medidas adotadas por governos subnacionais no exercício de suas competências.

A ADI n. 6341 insurge-se contra a Medida Provisória (MP) n. 926/2020 (BRASIL, 2020aBRASIL. Medida Provisória n. 926, de 20 de março de 2020. Altera a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para dispor sobre procedimentos para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv926.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
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), que modificou a Lei n. 13.979/2020 (BRASIL, 2020bBRASIL. Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. 2020b. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
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) para dar poder ao presidente para dispor via decreto sobre os serviços públicos e as atividades essenciais que deverão ter seu funcionamento mantido mesmo quando decretadas medidas de isolamento. Também questionava o Decreto Federal n. 10.282/2020 (BRASIL, 2020cBRASIL. Decreto n. 10.282, de 20 de março de 2020. Regulamenta a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais. 2020c. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/decreto/d10282.htm . Acesso em: 2 out. 2023.
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), que trazia um rol amplo de atividades essenciais, incluindo serviços religiosos e unidades lotéricas. Tais normas atribuiriam ao governo federal poder para limitar o alcance das medidas de distanciamento impostas por estados e municípios. Na mesma linha da decisão na ADPF n. 672, em decisão monocrática do relator ministro Marco Aurélio Mello, confirmada pelo pleno, o STF interpretou a legislação conforme a Constituição, reconhecendo a competência concorrente de todos os entes para legislarem sobre medidas de distanciamento social. Portanto, normas federais não afastam o poder de entes subnacionais para legislarem sobre essa matéria.

A ADI n. 6343 trata dos mesmos instrumentos normativos questionados na ADI n. 6341, porém com foco nos dispositivos que estabeleciam que governos estaduais e municipais somente poderiam restringir a locomoção intermunicipal se houvesse recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e autorização do governo federal. A liminar foi indeferida pelo relator ministro Marco Aurélio, mas o pleno reverteu a liminar para interpretar a Lei n. 13.979/2020 de forma a não exigir autorização federal para a adoção de tais medidas.

As decisões nas ADIs n. 6341 e 6343 deixam aberta a possibilidade do controle judicial das ações e omissões irracionais, desproporcionais ou injustificadas de qualquer ente. Enfatizaram, ainda, que as decisões das autoridades precisam estar baseadas em evidências científicas e nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Alguns ministros também direcionaram mensagens fortes ao governo federal e ao presidente Bolsonaro:

[...] o Presidente da República dispõe de poderes, inclusive, para exonerar o Ministro da Saúde,[6 6 Aqui há uma referência à iminente exoneração do então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, devido a embates com o presidente da República. ] mas não dispõe de poder para exercer política pública de caráter genocida. (Min. Gilmar Mendes, ADI n. 6341)

É grave que, sob o manto da competência exclusiva ou privativa, premiem-se as inações do governo federal, impedindo que Estados e Municípios, no âmbito de suas respectivas competências, implementem as políticas públicas essenciais. (Min. Edson Fachin, ADIs n. 6341 e 6343)

O entendimento do STF de que medidas de distanciamento social deveriam ser adotadas foi ressaltado em diversos trechos. Nas fundamentações dessas decisões também houve explícita sobreposição entre avaliações formais de competência federativa e considerações substantivas sobre a política correta a ser adotada pelas autoridades:

[...] autoridades técnicas mundiais e brasileiras apresentam o isolamento social como medida mais eficaz para o enfrentamento da crise epidemiológica... Assim, a princípio, tanto a União, quanto os Estados e os Municípios podem (e devem) adotar imposição de distanciamento social, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais, circulação de pessoas. (Min. Gilmar Mendes, ADI n. 6343)

Em caso de ausência de norma federal suficientemente protetiva à saúde, há espaço para atuação legislativa dos demais entes. Sob esse enfoque, eventual norma estadual ou municipal ao instituir medidas mais protetivas à saúde do que a legislação federal sobre o tema, poderiam cumprir melhor as normas constitucionais. (Min. Luiz Fux, ADIs n. 6341 e 6343)

[...] a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde. (Rel. Min. Marco Aurélio, ADI n. 6341)

A importância das medidas de distanciamento social foi reafirmada nas ADPFs n. 668 e 669. As ações visavam impedir a União de veicular a campanha publicitária “O Brasil não pode parar”, que minimizava a gravidade da covid-19 e desencorajava o distanciamento social. A cautelar foi deferida pelo ministro Luís Barroso, por entender que o teor da campanha ia de encontro com o consenso científico quanto à gravidade da pandemia e à imprescindibilidade de medidas de distanciamento para evitar o colapso do sistema hospitalar. De acordo com o ministro, “medidas [de contenção da propagação do vírus], em cenários de baixa renda, são urgentes e devem ser rigorosas” (ADPF n. 668, p. 12). A decisão ainda tratou a questão do distanciamento social como “técnica” e, portanto, não sujeita ao julgamento discricionário do governo.

Normas estaduais e municipais que impediam cultos coletivos presenciais em templos religiosos foram objeto de decisões em controle abstrato proferidas em um período curto. Em 03/04/2021, o ministro Nunes Marques deferiu medida liminar na ADPF n. 701 para permitir a realização de tais atividades desde que observados os protocolos de segurança (PEREIRA e ARGUELHES, 2021PEREIRA, Thomaz; ARGUELHES, Diego Werneck. STF: a liberação de cultos por Nunes Marques, uma das piores decisões da história do STF. JOTA, Rio de Janeiro, São Paulo, 5 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/stf/supra/a-liberacao-de-cultos-por-nunes-marques-uma-das-piores-decisoes-da-historia-do-stf-05042021 . Acesso em: 21 dez. 2021.
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). Essa liminar foi reconsiderada diante da decisão do pleno na ADPF n. 811, em 08/04/2021, que confirmou a constitucionalidade da vedação a cultos coletivos presenciais imposta por governo estadual, confirmando a decisão liminar deferida naquele processo pelo ministro Gilmar Mendes dias antes. Também aqui posições contrárias ao distanciamento social foram criticadas:

A questão que se coloca é se o conteúdo normativo desses preceitos fundamentais [liberdade de religião e crença] restaria violado pelas restrições à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas de caráter coletivo em razão da pandemia da COVID-19 determinadas pelo Decreto. Quer me parecer que apenas uma postura negacionista autorizaria resposta em sentido afirmativo. (Min. Gilmar Mendes, ADPF n. 811, grifo do autor)

Por fim, ações que questionavam normas estaduais e municipais que decretavam medidas de distanciamento social não foram deferidas pela amplitude do objeto do pedido (ADPFs n. 675 e 806) ou porque a norma questionada estava de acordo com a jurisprudência consolidada do STF (ADI n. 6855).

Em resumo, as decisões em controle abstrato apontam posicionamento claro do STF favorável à imposição de medidas de distanciamento social, expressam postura crítica em relação à conduta do presidente da República e, sobrepondo questões de competência federativa e de proteção a direitos fundamentais, impedem em abstrato que normas federais frustrem medidas impostas por entes subnacionais. Contudo, permanecem questões sobre como conflitos federativos seriam resolvidos em situações concretas ou sobre quando uma medida é razoável ou proporcional. É este o pano de fundo para se analisar os casos de controle concreto de constitucionalidade relativos ao distanciamento social.

2.2. Controle concreto

As ações de controle concreto foram classificadas de acordo com o tipo de atividade cuja restrição/cujo fechamento era o objeto da lide. Como apresenta a Tabela 1 a seguir, a maior parte das decisões refere-se a “comércio/serviço”. Algumas decisões que, a princípio, poderiam entrar em “comércio/serviço” foram destacadas por terem sido objeto de análise em sede de controle abstrato (“transporte” e “templos religiosos”) ou pela atenção que tiveram no debate público (“escolas”). Nas decisões classificadas como “restrições gerais”, discute-se a imposição de restrições, mas sem especificar o tipo de atividade. Dentro de “comércio/serviço”, há decisões em que não se especifica de qual tipo de comércio/serviço se trata e, portanto, foram classificadas como “geral” (Tabela 2).

Tabela 1 -
Atividades cuja restrição foi objeto de controle concreto no STF
Tabela 2 -
Tipos de comércio/serviço cuja restrição foi objeto de controle concreto no STF

Os casos também foram separados entre aqueles em que, de um lado, a ação/o recurso chegava ao STF com pedido que, se concedido, levaria a maior restrição a atividades e, portanto, maior distanciamento social e, de outro lado, aqueles em que a concessão pelo STF levaria a menor restrição e distanciamento social. A Tabela 3 mostra que o número de decisões concedendo pedidos que reduziriam o distanciamento social foi menor que o de decisões que o aumentariam, o que reflete uma postura favorável ao distanciamento social.

Tabela 3 -
Resultado da decisão de acordo com o pedido

Quando os dados sobre tipo de pedido (se maior ou menor restrição), resultado da decisão (se pedidos são concedidos) e tema são cruzados, nota-se grande variação no posicionamento do STF. Por exemplo, em matéria de “transporte”, as decisões do STF foram em grande maioria no sentido de diminuir as restrições ou de não as aumentar. Entretanto, em matéria de “comércio/serviço”, “templos religiosos” e “medidas gerais”, as decisões do STF foram mais para aumentar a restrição. Também parece haver temas em que a decisão do STF tende a não conceder os pedidos, seja para aumentar, seja para diminuir a restrição, como “escolas” (ver Tabela 4).

Tabela 4 -
Decisões do STF de acordo com o tema e o pedido

Das 137 decisões analisadas, 126 foram monocráticas. Destas, 110 (87%) foram tomadas pelos ministros que estiveram na presidência da Corte durante o período - Dias Toffoli (n=38) e Luiz Fux (n=60) - e Alexandre de Moraes (n=12). Nota-se, também, variação no resultado em relação aos julgadores (ver Tabela 5).

Tabela 5 -
Decisões do STF de acordo com julgador e pedido

Cabe destacar que todas as decisões do ministro Luiz Fux em matéria de “comércio/serviço”, “lockdown/toque de recolher”, “medidas gerais” e “templos religiosos” foram para permitir maiores restrições ou para negar pedido de menores restrições. No caso do ministro Alexandre de Moraes, as cinco decisões em que foi concedido pedido que levaria ao menor distanciamento foram motivadas pelo entendimento de que municípios mineiros poderiam adotar medidas menos restritivas que as então recomendadas (mas não impostas) pelo governo estadual, por meio do programa Minas Consciente.7 7 RCLs n. 42573, 42590, 42591, 42637, 45459.

No entanto, a competência de municípios para adotarem normas menos restritivas nem sempre prevaleceu no STF. As decisões relacionadas a prefeituras que discordavam da classificação mais rigorosa atribuída a elas pelo Plano São Paulo - instituído pelo governo paulista para determinar o grau de restrição imposta a cada região de acordo com a condição da pandemia e a capacidade do sistema de saúde - reconheceram a prevalência da norma estadual.8 8 SLs n. 1428 MC e 1429 MC; SSs n. 5403, 5403 MC e 5470 MC; STPs n. 448 e 516. Houve mesmo um caso em que o STF considerou que as recomendações da Associação de Municípios da Região da Laguna (SC) prevaleciam sobre as normas municipais menos restritivas dada a necessidade de atuação regionalizada ante a pandemia.9 9 STP n. 486.

A Tabela 6, que inclui decisões em que há confronto explícito entre normas de diferentes entes, mostra que os conflitos relacionados a estados e municípios tendem a ser resolvidos em favor de normas estaduais. Quando o conflito ocorre entre União versus estados e/ou municípios, é menos comum que a União prevaleça. Entre os 13 casos em que isso acontece, 8 são relacionados especificamente a “transporte”,10 10 ACO n. 3425 MC; STPs n. 172, 173, 173 AgR, 299, 299 AgR, 307 e 327. 4 sobre concursos públicos para cargos federais ou regime de trabalho de servidores e apenas 1 sobre comércio/serviço. Todavia, entre os 17 em que a norma federal não prevaleceu, 15 se referiam a comércio/serviço.

Tabela 6 -
Decisões do STF de acordo com o tipo de conflito federativo

Em síntese, as decisões em controle concreto indicam maior hesitação por parte do STF em proferir decisões que levem a menor distanciamento social, mas maior disposição de agir para decidir de forma a aumentar restrições. Também existe uma tendência em se privilegiar normas estaduais quando em conflito com normas municipais e federais. Isso se coaduna com o posicionamento do STF em controle abstrato, quando o Tribunal afirmou a competência dos entes subnacionais de imporem medidas de distanciamento social e muitos ministros manifestaram-se favoravelmente a essa política. Porém, as decisões em controle concreto apresentam um cenário com mais nuances, em que decisões variam em função do tema, de quem julga e do tipo de conflito federativo em disputa.

3. Medidas diversas de combate à pandemia

Nesse grupo estão as decisões cujo pedido não se refere a uma medida específica de combate à pandemia, mas a um conjunto de medidas.

Na ADI n. 6625, pedia-se a extensão do prazo de vigência da Lei n. 13.979/2020 (a Lei da Covid), que permite a adoção de uma série de medidas de combate à pandemia (incluindo distanciamento social e vacinação). Ela expiraria em 31/12/2020, mas, em cautelar de 30/12/2020, o ministro Ricardo Lewandowski interpretou a referida norma conforme a Constituição para estender sua eficácia com o argumento de que ela trazia instrumentos indispensáveis para todos os entes da federação enfrentarem a crise sanitária. O pleno referendou a liminar.

A MP n. 966/2020 (BRASIL, 2020dBRASIL. Medida Provisória n. 966, de 13 de maio de 2020. Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19. 2020d. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv966.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), por sua vez, foi objeto de sete ações discutindo a sua constitucionalidade, que tiveram seus pedidos cautelares julgados conjuntamente pelo plenário.11 11 ADIs n. 6421 MC, 6422 MC, 6424 MC, 6425 MC, 6427 MC, 6428 MC e 6431 MC. A MP estabelecia que agentes públicos somente seriam responsabilizados, civil e administrativamente, por suas condutas no combate à pandemia e aos seus efeitos econômicos e sociais em caso de “erro grosseiro”. O STF reconheceu a constitucionalidade da MP e que gestores atuavam em contexto de dificuldades, urgências e incertezas. Porém, a Corte firmou o entendimento de que decisões relativas à pandemia devem ser fundamentadas em critérios científicos e técnicos, e observar os princípios da precaução e da prevenção. Portanto, condutas contrárias à ciência são erros grosseiros. Esse julgamento é mais bem compreendido à luz do contexto em que o presidente Bolsonaro se opunha a medidas respaldadas pela comunidade científica, como o distanciamento social, e do receio de que a MP protegeria tais condutas. No julgamento conjunto das medidas cautelares pedidas nessas ações, o ministro Fux chega a equiparar “erro grosseiro” a “negacionismo científico voluntarista” (p. 94).

Houve também decisões referentes à obrigação do governo de realizar medidas de combate à pandemia. Na SL n. 1321, o ministro Dias Toffoli suspendeu a decisão do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI) que obrigava o Estado a tomar medidas como entregar equipamentos de proteção individual a profissionais de saúde e abrir leitos de UTI. O ministro entendeu que a magnitude das obrigações impostas pelo TJ-PI trazia risco de lesão à ordem administrativa e econômica em situação de pandemia. A covid-19, portanto, foi uma razão para preservar a discricionariedade da Administração e evitar lhe impor custos.

Essa autocontenção é percebida também nos casos em que se pedem medidas diversas por parte do governo federal, quando o STF evitou entrar no mérito das demandas. A ADPF n. 676 pretendia obrigar a União a (a) elevar a testagem no país para covid-19 e informar a quantidade de testes realizados; (b) disponibilizar base de dados nacional sobre contágio e morbidade e adotar metodologia adequada para informação de óbitos; (c) abster-se de (c.1) manifestar informação que diminua a adesão da população a medidas de distanciamento social, (c.2) induzir estados e municípios a diminuírem medidas restritivas e (c.3) promover tratamentos ineficazes. O ministro Alexandre de Moraes negou seguimento à ação devido à abrangência do pedido. Tratamentos sem eficácia cientificamente comprovada contra covid-19 (cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina, etc.) foram também objeto da ADPF n. 756, que buscava impedir divulgação que incentivasse o seu uso e vedar sua distribuição. Pedia, ainda, que se promovesse campanha para combater a hesitação vacinal. A liminar foi indeferida pelo ministro Ricardo Lewandowski porque não havia especificação dos atos que se pretendia sustar e os mesmos fatos já eram objeto de outro processo.

A autocontenção do STF foi mitigada em três temas específicos, a serem analisados separadamente: o colapso hospitalar no estado do Amazonas no começo de 2021 e medidas para a proteção de populações indígenas e quilombolas. Nesses temas, o STF optou predominantemente por uma atuação dialógica, um tipo de controle judicial “fraco”, que dá margem maior para o governo determinar como e quando cumprir os objetivos estabelecidos pela Corte (TUSHNET, 2009TUSHNET, Mark. Weak Courts, Strong Rights: Judicial Review and Social Welfare Rights in Comparative Constitutional Law. Princeton: Princeton University Press, 2009.; RODRÍGUEZ-GARAVITO, 2011RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Beyond the Courtroom: The Impact of Judicial Activism on Socioeconomic Rights in Latin America. Texas Law Review, [s.l.], v. 89, n. 1669, p. 1669-1698, 2011.; DIXON, 2007DIXON, Rosalind. Creating Dialogue About Socioeconomic Rights: Strong-Form Versus Weak-Form Judicial Review Revisited. International Journal of Constitutional Law, Oxford Journals, [s.l.], v. 5, n. 3, p. 391-418, 2007.; YOUNG, 2012YOUNG, Katherine G. Constituting Economic and Social Rights. Oxford: Oxford University Press, 2012.; SABEL e SIMON, 2004SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Rights: How Public Law Litigation Succeeds. Harvard Law Review, [s.l.], v. 117, n. 1015, p. 1015-1101, 2004.). Assim, em vez de impor a realização de medidas, o STF exigiu e acompanhou a formulação e a implementação de planos de ação por parte da União.

3.1. Colapso hospitalar e fornecimento de oxigênio no Amazonas

A ADPF n. 756, sob argumento de que a crise hospitalar no Amazonas no começo de 2021 gerou um “estado de coisas inconstitucional”, pedia que a União (1) garantisse em 24 horas o abastecimento de oxigênio e insumos necessários aos pacientes hospitalizados; (2) instalasse hospitais de campanha; (3) instituísse o lockdown em Manaus com apoio da Força de Segurança Nacional; e (4) convocasse profissionais do programa Mais Médicos e do projeto Mais Médicos para o Brasil para o Amazonas. Em decisão liminar do ministro Lewandowski, posteriormente referendada pelo pleno, o único pedido concreto atendido foi o (1), pois os outros “exig[iriam] uma análise mais aprofundada dos elementos fáticos e de dados técnicos envolvidos” (ADPF n. 756 Tutela Provisória Institucional [TPI], p. 14). Porém, determinou à União que apresentasse em 48 horas um plano para enfrentar a crise.

A questão do suprimento de oxigênio ainda foi objeto de outros pedidos. Na própria ADPF n. 756 foram solicitadas a distribuição de oxigênio para os estados com maior risco de colapso e a abertura de uma fábrica pública para produzi-lo. Os pedidos foram denegados pelo relator porque seriam questões de alta complexidade técnica reservadas ao Executivo e já havia um plano federal para o suprimento de oxigênio. A ADPF n. 754 pedia a apresentação de um plano federal para a disponibilização de oxigênio a todos os estados, em especial para a região Norte, e o afastamento do então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. O pedido foi denegado pelo ministro Lewandowski por ser genérico e carecer de comprovação quanto ao risco de falta de oxigênio, e porque o STF não tem competência para exonerar ministro de Estado.

Por fim, na STP n. 724, a ministra Rosa Weber suspendeu cautelarmente decisão judicial que obrigava o estado do Amazonas a garantir o fornecimento de oxigênio a um hospital privado. De acordo com a ministra, essa obrigação interfere indevidamente na gestão desse insumo e beneficia uma unidade de saúde em detrimento de outras. Porém, manteve a obrigação de garantir o fornecimento para pacientes já internados nesse hospital. A liminar foi confirmada pelo ministro Luiz Fux.

3.2. Proteção de populações indígenas

A ADPF n. 709 pede: a retirada de invasores de terras indígenas; a instalação de barreiras sanitárias nesses territórios; a prestação de serviços de saúde aos indígenas; a instalação de uma “sala de situação”, com representação das populações indígenas, para subsidiar as políticas para essas populações; e a elaboração de novo plano para o enfrentamento da pandemia nesses grupos porque o plano federal então existente era vago.

Em decisão liminar de 08/07/2020, posteriormente referendada pelo pleno, o ministro Barroso manifestou preocupação com o risco iminente de extermínio em massa de povos indígenas em decorrência da covid-19 e com a resistência do presidente da República em concretizar seus direitos. Entretanto, optou por uma atuação dialógica, dada a complexidade da matéria. Ele ordenou a apresentação de um plano que previsse criação de barreira sanitária, contenção, isolamento e expulsão de invasores, bem como oferta de serviços de saúde a todos os indígenas. Tal plano deveria ser formulado junto com representantes de povos indígenas, órgãos públicos (Conselho Nacional de Justiça [CNJ], Ministério Público Federal [MPF] e Defensoria Pública da União [DPU]), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Também foi deferido pedido para a criação da “Sala de Situação” com a participação dos povos indígenas.12 12 Em 22/07/2020, devido às dificuldades e aos conflitos no encontro da Sala de Situação, foi parcialmente deferido um pedido para garantir a plena e efetiva participação dos indígenas, mas sem excluir a participação das Forças Armadas. Porém, não determinou a retirada de invasores, dada a complexidade de tal operação.

Entidades da sociedade civil e órgãos públicos avaliaram a primeira versão do plano e criticaram, entre outros pontos, o fato de que ele é excessivamente genérico e vago.13 13 Também houve uma avaliação específica sobre o plano de barreiras sanitárias para comunidades indígenas isoladas ou de contato recente, que levou a uma ordem do STF de 06/08/2020 para que fosse complementado com medidas sanitárias. O plano para barreiras sanitárias foi homologado em 31/08/2020, acrescido de algumas mudanças e mais detalhes e informações. Então, em 21/08/2020, o relator determinou a realização de ajustes ao plano e a apresentação de uma nova versão. Também ordenou a criação de um grupo de trabalho formado pela Abrasco e pela Fiocruz para produzir documento para subsidiar tecnicamente o STF. O ministro Barroso ainda negou a homologação de outras versões do plano em 21/10/2020 e 18/12/2020, porque continuavam genéricas e sem os dados e detalhes esperados.

Finalmente, em 16/03/2021, o ministro Barroso homologou parcialmente a quarta versão do plano, a despeito de entender que ele seguia genérico e de que as determinações anteriores foram “atendidas apenas parcialmente, quando o foram” (ADPF n. 709 MC, p. 5). Na visão do ministro, essas dificuldades se deviam “a um colapso gerencial, e não propriamente à resistência no cumprimento da cautelar” (ADPF n. 709 MC, p. 6). Com a homologação parcial, foi determinado o detalhamento quanto a: entrega de cestas básicas, acesso a água e saneamento, medidas de vacinação e testagem, e atendimento à saúde. Também foi ordenada a apresentação de um plano de execução e monitoramento do plano geral e de um plano específico para isolamento de invasores.14 14 A decisão também estendeu a prioridade na vacinação para indígenas urbanos em áreas sem acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). O ministro Barroso, porém, rejeitou o pedido de ampliação da decisão para os indígenas urbanos em decisão de 17/05/2021. No entanto, em 16/06/2021, quase um ano depois da primeira liminar, o ministro Barroso rejeitou a quinta versão do plano geral e o plano de monitoramento por se desconectarem da versão anteriormente homologada e da decisão da Corte. Assim, permaneceu válida a quarta versão, acrescida das ressalvas constantes da decisão que a homologou.

Em decisão de 24/05/2021, sobre um pedido incidental relativo ao agravamento das invasões em terras indígenas, o ministro Barroso expressou sua frustração com a “falta de transparência”, os “atos protelatórios” e a recalcitrância do governo que levam às enormes dificuldades para o cumprimento das decisões da Corte. Determinou, então, “a adoção imediata de todas as medidas necessárias à proteção da vida, da saúde e da segurança das populações indígenas” (ADPF n. 709 TPI, p. 14).

3.3. Proteção de populações quilombolas

O pleno do STF concedeu os pedidos feitos na ADPF n. 742 (inspirada na supramencionada ADPF n. 709) para (i) a formulação de plano nacional de enfrentamento da pandemia nas comunidades quilombolas, contemplando distribuição de água, materiais de higiene, alimentação, serviços médicos, vacinação, testes e controle de entrada na comunidade para evitar contágio; (ii) a criação de um grupo de trabalho para participar da formulação do plano e monitorar sua execução; (iii) a inclusão do quesito cor/raça/etnia nas notificações de covid-19; (iv) a suspensão da tramitação de ações judiciais que envolvem direitos territoriais das comunidades quilombolas; e (v) o restabelecimento dos sítios eletrônicos para divulgação das políticas direcionadas à população quilombola relativas à pandemia.

Nos embargos de declaração, o relator ministro Edson Fachin reconheceu a complexidade da adoção de medidas estruturais. Ele relatou divergências entre as partes quanto (i) ao efetivo aumento da ação governamental após a decisão do pleno, (ii) à capacidade das ações previstas para sanar os problemas apontados na ação, além de (iii) mencionar a assimetria de informação e poder entre União e demais participantes na formulação e implementação do plano. Posteriormente, o STF pediu mais esclarecimentos e detalhamentos à União diante do relato de entidades envolvidas de que o plano federal era excessivamente vago (Petição [Pet] 9697).

Em resumo, as decisões relativas a medidas diversas de combate indicam que, em questões restritas à interpretação de normas, o STF decidiu de forma a extrapolar o sentido literal delas, como quando estendeu a vigência da Lei n. 13.979/2020 ou estabeleceu os parâmetros para determinar a responsabilidade civil e administrativa de agentes públicos. Em ambos os casos, preocupações com o contexto político e sanitário foram fundamentos para a decisão. Entretanto, o STF foi cauteloso ante pedidos que demandavam obrigações muito amplas e que envolviam questões complexas de política pública, a imposição de custos ao Estado ou que pudessem ter impacto distributivo. No caso da crise no Amazonas e das medidas para proteger populações indígenas e quilombolas, o STF optou por uma ação predominantemente dialógica. Em vez de impor a realização imediata de medidas concretas, optou por exigir planejamento e transparência da Administração, e por monitorar a implementação da política pública. Nas decisões que envolviam populações vulneráveis, houve também a exigência de engajamento do governo com as partes afetadas. Essa é uma saída intermediária entre a total abstenção e as decisões que forçariam a Corte a assumir a gestão das crises, possivelmente ultrapassando o limite da sua capacidade institucional. Mesmo a ordem para a adoção imediata de medidas para proteção dos povos indígenas possui um caráter genérico (sem especificação de medida ou sanções) que a aproxima de intervenções judiciais “fracas” (RODRÍGUEZ-GARAVITO, 2011RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Beyond the Courtroom: The Impact of Judicial Activism on Socioeconomic Rights in Latin America. Texas Law Review, [s.l.], v. 89, n. 1669, p. 1669-1698, 2011.; DIXON, 2007DIXON, Rosalind. Creating Dialogue About Socioeconomic Rights: Strong-Form Versus Weak-Form Judicial Review Revisited. International Journal of Constitutional Law, Oxford Journals, [s.l.], v. 5, n. 3, p. 391-418, 2007.).

4. Uso de máscara

A obrigatoriedade do uso de máscaras foi tema das ADPFs n. 714, 715 e 718, propostas contra o veto do presidente da República a dispositivos do projeto de lei que modificava a Lei n. 13.979/2020 para impor essa obrigatoriedade. Os dispositivos em discussão são:

Art. 3o-A. É obrigatório manter boca e nariz cobertos por máscara de proteção individual, conforme a legislação sanitária e na forma de regulamentação estabelecida pelo Poder Executivo federal, para circulação em espaços públicos e privados acessíveis ao público, em vias públicas e em transportes públicos coletivos, bem como em [...]

III - estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas.

Art. 3o-B [...]

§ 5o Os órgãos, entidades e estabelecimentos a que se refere este artigo deverão afixar cartazes informativos sobre a forma de uso correto de máscaras e o número máximo de pessoas permitidas ao mesmo tempo dentro do estabelecimento, nos termos de regulamento.

Art. 3o-F. É obrigatório o uso de máscaras de proteção individual a todos os trabalhadores dos estabelecimentos prisionais e de cumprimento de medidas socioeducativas, incluídos os prestadores de serviço, observada a primeira parte do caput do art. 3o-B desta Lei.

O ministro Gilmar Mendes concedeu liminar para derrubar o veto com relação ao art. 3o-B e ao art. 3o-F, mas manteve o veto ao art. 3o-A, III, por considerar que o caput do artigo já abarca as hipóteses desse inciso e, portanto, o veto não diminui o alcance da norma. A decisão foi referendada pelo pleno e, posteriormente, confirmada no mérito.15 15 O veto do presidente ao art.3o-A, III, havia sido derrubado pelo próprio Congresso em 19/08/2020 e, portanto, houve perda do objeto em relação a esse artigo em particular no momento do julgamento do mérito.

Nessas decisões, o STF reiterou sua enorme preocupação com a gravidade da crise no Brasil e fez especial menção ao seu impacto no sistema prisional. Novamente, a Corte tomou uma decisão contra uma atitude do presidente que parecia diminuir a gravidade da crise e refutar medidas respaldadas pelo consenso científico.

5. Requisição administrativa

A judicialização da disputa federativa entre União e estados, que marcou as políticas de distanciamento social, também apareceu no tema da requisição administrativa de bens privados. A SS n. 5382 e as ACOs n. 3385, 3393 e 3398 pediam que fosse invalidada a requisição da União de ventiladores pulmonares junto à empresa privada sob alegação de que eles já haviam sido adquiridos por governos estaduais, embora ainda não entregues.16 16 Na ACO n. 3398, o Estado de Rondônia não chegou a efetivar a compra antes da ordem de requisição feita pela União, mas havia uma manifestação de interesse nos equipamentos. Nessas ações, os relatores concederam liminar para que os ventiladores fossem entregues aos estados e não à União.17 17 A liminar na ACO n. 3393 foi confirmada pelo pleno. Nas ACOs n. 3393 e 3398 e na SS n. 5382, os ministros entenderam que a tentativa da União de concentrar a disponibilidade e a distribuição desses bens comprometeria a autonomia dos outros entes para realizarem suas políticas, violando a competência comum deles para adoção de medidas protetivas à saúde. Nas ACOs n. 3393 e 3385, as decisões argumentavam que os bens adquiridos eram públicos e, portanto, não sujeitos à requisição.18 18 Para uma análise dos requisitos e dos limites da requisição administrativa em um contexto de pandemia, ver Mendonça (2020) e Moreira (2020).

A ACO n. 3463, por sua vez, tratava de requisição da União de seringas e agulhas adquiridas pelo estado de São Paulo, mas ainda não entregues, destinadas à campanha de vacinação. O relator ministro Lewandowski impediu liminarmente que a União requisitasse insumos já contratados pelo governo estadual por se tratar de bens públicos. Na decisão, também foi criticada a “incúria” do governo federal pela falta de preparação de longo prazo para enfrentar a pandemia.

Requisições administrativas foram também questionadas por entes privados. Na ADI n. 6362, a Confederação Nacional de Saúde, associação que representa hospitais privados, buscou limitar o poder de estados e municípios de requisitarem equipamentos privados de saúde. Alegava que o uso indiscriminado desse poder acabaria limitando a capacidade de o setor privado oferecer seus serviços. Solicitava, então, que a Lei n. 13.979/2020 fosse interpretada de forma que toda requisição feita por entes locais fosse condicionada ao assentimento do Ministério da Saúde e com prévia oitiva do privado atingido.

O pleno do STF julgou a ADI improcedente. Entendeu que centralizar na União decisões sobre requisição violaria a competência comum dos outros entes para realizarem políticas de saúde e sua competência concorrente para legislar sobre a matéria. De acordo com a Corte, a requisição exige apenas a caracterização do iminente perigo público pelas autoridades administrativas no exercício do seu poder discricionário, cabendo ao Judiciário o controle de razoabilidade e proporcionalidade da medida. Ademais, exigir o assentimento do Ministério da Saúde poderia atrasar requisições, o que reduziria a efetividade de medida voltada precisamente para situações urgentes. Pelas mesmas razões, o STF não acatou o pedido para que a requisição fosse antecedida da oitiva do privado atingido.

A STP n. 393, por sua vez, foi o único caso concreto em que uma requisição foi contestada por um ente privado atingido. Nela, um município insurgiu-se contra decisão judicial que suspendeu seu decreto de requisição de bens de um hospital privado desativado. O ministro Dias Toffoli concedeu o pedido do município em cautelar por entender que, apesar dos poucos casos de covid-19 no município e da carência de fundamentação científica, a requisição estava motivada pelo princípio da precaução. A cautelar foi confirmada pelo ministro Fux por entender que a requisição é medida cuja conveniência e oportunidade cabe aos gestores avaliar, e não ao Judiciário:

Neste momento não cabe ao Poder Judiciário decidir onde e como devem ser implantados leitos hospitalares, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado. (Min. Luiz Fux, STP n. 393)

Por fim, a ADPF n. 671, em vez de buscar restringir as requisições, pedia que todos os entes da federação requisitassem todos os bens e serviços de saúde, inclusive leitos de UTI. O objetivo era remediar a desigualdade entre usuários de serviços público e privado de saúde para garantir o acesso igualitário da população aos serviços de saúde. O pedido foi negado em decisão monocrática e pelo plenário. O STF entendeu que o exercício da requisição possui caráter discricionário, cuja avaliação cabe exclusivamente às autoridades administrativas com a observância dos elementos fáticos. Portanto, o Judiciário tornar a requisição compulsória, sobretudo em sede de controle abstrato, vulneraria a separação de poderes.

Em resumo, nos casos relacionados a requisição administrativa, também se observa a preocupação do STF de garantir poder decisório e recursos para os entes estaduais. As competências comuns e concorrentes foram alegadas para impedir a requisição federal sobre bens adquiridos por governos estaduais e afastar a exigência de anuência federal para que tais medidas fossem tomadas por entes subnacionais. Também se percebe nesse tema que o STF buscou respeitar e proteger a discricionariedade da Administração, em todos os níveis da federação, para decidir se e quando requisitar bens privados.

6. Unidade de tratamento intensivo e insumos

Diversos estados propuseram ações contra a União alegando que o ente federal interrompeu o custeio de leitos de UTI para pacientes de covid-19 e demorava em responder às demandas para a habilitação de novos leitos, transferindo o ônus da oferta desse serviço aos estados.19 19 ACOs n. 3473, 3474, 3475, 3478 e 3483, respectivamente. Em sede de liminar, a ministra Weber concedeu os pedidos de restabelecimento do custeio federal dos leitos aos estados autores das ações “de forma proporcional às outras unidades federativas” e a análise imediata dos pedidos para habilitação de novos leitos. A ministra entendeu que a redução em um cenário de agravamento da pandemia seria uma omissão do governo federal que colocaria em risco a saúde da população.20 20 A ACO n. 3473 foi referendada pelo pleno, confirmando o posicionamento da relatora.

Nesses julgados, houve também críticas severas dirigidas ao governo federal:

O discurso negacionista é um desserviço para a tutela da saúde pública nacional. (Min. Rosa Weber, ACO n. 3473)

Esse cenário de incompreensível recusa da União em assumir o protagonismo da coordenação da ação dos Estados e Municípios no enfrentamento conjunto da pandemia da COVID-19 sofre, agora, o agravamento decorrente da redução dos investimentos federais no financiamento dos leitos de UTI [...]. (Min. Rosa Weber, ACO n. 3483)

A ACO n. 3490, por sua vez, é um pedido do estado da Bahia para que a União fornecesse os medicamentos do “Kit Intubação”, alegando que a União teria suspendido os repasses de verbas destinadas à aquisição desses materiais. Porém, a ministra Weber apenas determinou que a União apresentasse um planejamento de ações para garantir o suprimento dos insumos. Essa decisão foi referendada pelo pleno.

Por fim, a STP n. 484 tratou da disputa entre a Universidade Federal da Bahia e o município de Salvador em virtude da abertura de leitos de UTI para covid-19 junto a uma maternidade, o que levaria ao compartilhamento do ambiente hospitalar por pacientes de covid-19, recém-nascidos, puérperas e gestantes. O ministro Toffoli deferiu a liminar para suspender a abertura desses leitos, o que poderia ocorrer apenas se comprovado o esgotamento das outras unidades de saúde.

As decisões que determinam a retomada, pela União, do custeio de leitos de UTI em estados podem ser vistas como uma exceção ao padrão decisório do STF que evita impor a realização de medidas custosas. Há algumas explicações possíveis para essa diferença. Primeiro, a situação emergencial de iminente colapso do sistema hospitalar e a preocupação, já demonstrada em decisões sobre outros temas, de garantir aos estados as condições materiais para executarem suas políticas. Segundo, vale notar as críticas incisivas da ministra Weber ao governo federal e que ela determinou o dever de restabelecer o financiamento para os estados que foram autores das ações “de forma proporcional às outras unidades federativas”. Isso demonstra preocupação com justiça distributiva (não favorecer os autores das ações em detrimento de outros estados) e, possivelmente, o receio de que a interrupção do custeio federal para alguns estados seria por razões arbitrárias.21 21 Os governadores dos estados que entraram com as ações - Maranhão, São Paulo, Bahia, Piauí e Rio Grande do Sul - tiveram frequentes confrontos com o presidente da República. Portanto, havia uma preocupação legítima de que o não envio de recursos federais pudesse ser uma retaliação política. Por fim, tratava-se de restabelecer uma política, e não de criá-la. Vale mencionar, sobre essa última hipótese, que, para a questão da habilitação de novos leitos e da distribuição de “Kit Intubação”, o STF buscou uma solução consensual por meio de audiências de conciliação (ESTADOS E UNIÃO..., 2021ESTADOS E UNIÃO terão mais prazo para propor acordo sobre leitos de UTI. Consultor Jurídico, 12 maio 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-mai-12/estados-uniao-terao-prazo-propor-acordo-leitos . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-12/es...
). Aqui também é possível falar em um modo de atuação judicial de natureza “fraca”, de promoção do diálogo entre as partes em vez da imposição de uma medida concreta.

7. Vacinação

O desenvolvimento de vacinas eficazes e seguras contra a covid-19 abriu a possibilidade de solução da crise sanitária. Porém, também a política de vacinação no Brasil foi caracterizada pelo conflito federativo e por suspeitas em relação à atitude do presidente da República (FONSECA, SHADLEN e BASTOS, 2021FONSECA, Elize Massard da; SHADLEN, Kenneth C.; BASTOS, Francisco I. The Politics of COVID-19 Vaccination in Middle-income Countries: Lessons from Brazil. Social Science & Medicine, [s.l.], v. 281, n. 114093, jul. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0277953621004251?via%3Dihub . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
), o que se refletiu nos casos que chegaram ao STF e em seus julgamentos.

7.1. Plano federal de vacinação

Após manifestações públicas do presidente Bolsonaro contra a vacina CoronaVac, produzida pelo estado de São Paulo por meio do Instituto Butantan, foi proposta a ADPF n. 754 para obrigar o governo federal a: (a) assinar protocolo de intenções de adquirir os 46 milhões de doses previstas da vacina CoronaVac; (b) apresentar planos de aquisição de vacinas que contemplassem todas as alternativas viáveis com base em critérios científicos; e (c) contratar as vacinas registradas, nos limites das disponibilidades orçamentárias, pautando-se por critérios exclusivamente técnicos. Após voto do relator ministro Lewandowski para determinar à União a entrega de um plano de vacinação, o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO) foi voluntariamente apresentado pela União e a ADPF foi retirada da pauta.

Nessa ADPF, em decisão liminar do relator, referendada posteriormente pelo pleno, foi negado pedido para obrigar a compra da CoronaVac pela União, porque isso seria uma intromissão indevida do Judiciário na esfera de atuação do Executivo, e, à época da decisão, o governo federal já havia confirmado a compra do imunizante. Porém, foi concedido o pedido para que a União especificasse a ordem de preferência entre os grupos prioritários no PNO.22 22 A ADPF n. 756 contemplava pedidos similares ao da ADPF n. 754, incluindo a apresentação de um plano de vacinação federal detalhado e a aquisição de vacinas que viessem a ser aprovadas pela Anvisa. Nessa decisão, o STF também demonstrou cautela em não assumir o papel de gestor público em questões de alta complexidade técnica e considerou que, à época do julgamento (19/04/2021), muitos dos objetos dos pedidos já estavam contemplados no PNO.

Outras questões importantes relativas à vacinação contra covid-19 foram discutidas no âmbito dessa ADPF. Já em 10/11/2020, houve um despacho do relator que pedia esclarecimentos sobre a interrupção da pesquisa com a CoronaVac pela Anvisa devido ao óbito de um voluntário. Havia a preocupação de que a interrupção poderia ter motivação política, uma vez que ela chegou a ser comemorada pelo presidente (BOLSONARO..., 2020BOLSONARO comemora suspensão de testes da Coronavac. DW, 10 nov. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www. dw.com/pt-br/bolsonaro-comemora-suspens%C3%A3o-de-testes-da-coronavac/a-55558007 . Acesso em: 12 dez. 2021.
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). Em outros despachos e decisões, o relator ministro Lewandowski pediu esclarecimentos e detalhamentos relativos a prazos, à ordem de prioridade no PNO23 23 Conforme o despacho efetuado em 13/12/2020. e ao estoque de seringas e agulhas.24 24 Conforme os despachos efetuados em 07/01/2021 e 14/01/2021.

Por fim, a possibilidade de tornar a vacinação contra covid-19 compulsória foi objeto da ADI n. 6586, ajuizada no contexto da discussão entre o governador de São Paulo, João Dória, que aventou a possibilidade de determinar a compulsoriedade, e o presidente Bolsonaro, que se opôs a ela. Nessa decisão, o STF rejeitou a possibilidade de vacinação forçada (uso de força física para injetar a substância em um indivíduo), mas entendeu que não havia, em princípio, inconstitucionalidade na vacinação compulsória (uso de sanções legais contra quem recusa a vacinação). A compulsoriedade, porém, deve respeitar critérios como os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, estar baseada em informações estratégicas de saúde e em evidências científicas. Ademais, somente pode ser imposta se houver distribuição universal e gratuita de vacinas. Também ficou estabelecido que a compulsoriedade da vacinação contra covid-19 pode ser imposta por estados e municípios.

7.2. Políticas estaduais e municipais de vacinação

Houve ações em que o conflito entre a União e os governos estaduais sobre a política de vacinação e os questionamentos quanto à capacidade e ao comprometimento do governo federal ficaram ainda mais salientes. A ADPF n. 770 e a ACO n. 3451, com fundamento na alegada omissão do governo federal em relação à política nacional, pedem autorização para que entes subnacionais realizem sua própria política de vacinação, inclusive por meio da importação de imunizantes aprovados no exterior e do redirecionamento de recursos a esses entes para o custeio dessa compra.25 25 A ADPF n. 796 pedia que, dada a demora do governo federal, fosse ordenado à União o repasse financeiro aos demais entes federados para aquisição de vacinas contra covid-19. O STF decidiu pelo não cabimento da ação. Nas duas ações, o pleno do STF firmou entendimento de que a incumbência do Ministério da Saúde de coordenar e definir as vacinas integrantes do PNO não exclui a competência comum dos outros entes para realizarem suas próprias políticas. Isso inclui a possibilidade de importar e distribuir imunizantes diversos daqueles ofertados pela União, desde que autorizados pela Anvisa, se o PNO for descumprido ou se não prover cobertura imunológica tempestiva e suficiente.

Na ACO n. 3451, houve, ainda, um requerimento para que a União adquirisse imunizantes suficientes para a população maranhense ou que o estado fosse autorizado a comprar imunizantes e, posteriormente, abater o valor gasto de suas dívidas com a União. O pedido não foi concedido pelo relator porque o Ministério da Saúde apresentou cronograma que atendia a algumas das demandas do estado.

Ainda nessa ACO, houve disputas em torno do prazo para a avaliação pela Anvisa de pedido de importação especial da vacina Sputnik, de origem russa, contratada pelo estado do Maranhão. O prazo para avaliação do pedido na Anvisa fora suspenso porque o relatório técnico da vacina não foi apresentado à agência. O ministro Lewandowski, em decisão liminar posteriormente referendada pelo pleno, expressando preocupação com a gravidade da pandemia e a insuficiência de vacinas, não permitiu a suspensão do prazo pela Anvisa e autorizou a importação caso a agência não se manifestasse no prazo de 30 dias previsto na legislação (WANG, 2021WANG, Daniel Wei Liang. STF, Anvisa e Sputnik: a pandemia é grave, a falta de cautela regulatória também. JOTA, 16 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-anvisa-e-sputnik-a-pandemia-e-grave-a-falta-de-cautela-regulatoria-tambem-16042021 . Acesso em: 12 dez. 2021.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/...
). Posteriormente, a Anvisa fez um pedido para manter a suspensão do prazo enquanto não fosse apresentado relatório técnico, o que foi rejeitado pelo relator. A posição do STF foi reiterada em pedidos semelhantes feitos por outros estados (ACOs n. 3477, 3500 e 3497).

Por fim, na RCL n. 45469, o município de Barra do Piraí contesta acordo entre União e Instituto Butantan que dá exclusividade ao governo federal para a compra da vacina CoronaVac, frustrando entendimento prévio entre o município e o laboratório para aquisição desse imunizante. De acordo com o município, a exclusividade da venda à União esvaziaria a competência municipal para formular e executar sua política. Vale lembrar que, devido à demora da União em confirmar a compra da CoronaVac, entes estaduais e municipais negociavam diretamente com o Butantan a compra do imunizante (FERRARI, 2020FERRARI, Murillo. 11 estados e 276 municípios já formalizaram interesse na Coronavac, diz Doria. CNN Brasil, São Paulo, 10 dez. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/11-estados-e-912-municipios-ja-formalizaram-interesse-na-coronavac-diz-doria/ . Acesso em: 10 dez. 2021.
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/11-es...
). O ministro Barroso negou o pedido por entender que estados e municípios estão autorizados a dispensarem vacinas próprias apenas se o PNO for descumprido ou não prover cobertura imunológica tempestiva e suficiente. No caso, o ministro entendeu não haver provas de descumprimento do PNO, e a inclusão da CoronaVac mostra ação da União em prol da imunização.

7.3. Ordem de prioridade

No Brasil, a campanha de vacinação começou com um número pequeno de imunizantes e quando a pandemia chegava ao seu momento de maior gravidade. Isso gerou disputas em torno da ordem de vacinação. Além dos pedidos por mais transparência no PNO quanto à ordem da fila, houve também grupos que buscaram no Judiciário prioridade na vacinação.

No âmbito da ADPF n. 754, pedia-se a inserção de quilombolas e indígenas (inclusive os não aldeados, que não vivem em terras indígenas) na primeira fase de prioridade da vacinação no PNO ou, subsidiariamente, a apresentação de justificativa para não incluir essas populações. O relator ministro Lewandowski negou seguimento ao pedido porque populações indígenas e quilombolas já haviam sido inseridas no plano de vacinação. Em relação aos indígenas não aldeados, o relator considerou que incluir esse grupo demandaria avaliação técnica prévia e poderia prejudicar outros grupos já considerados prioritários.26 26 Posteriormente a essa decisão, o ministro Barroso, relator da ADPF n. 709 (sobre medidas de proteção para populações indígenas), rejeitou o pedido de ampliação da prioridade na vacinação para os indígenas urbanos, exceto para aqueles em áreas sem acesso ao SUS.

Na mesma ADPF, houve pedido para dar a profissionais da segurança a mesma prioridade dada aos trabalhadores de saúde ou, subsidiariamente, aos detentos e aos funcionários do sistema prisional. Também nessa decisão, o relator entendeu não caber ao Judiciário definir ou alterar a ordem da vacinação porque isso exigiria estudos técnicos e de logística, além do risco de prejudicar outros grupos. Por fim, determinou que o pleito fosse direcionado para análise do Ministério da Saúde. Com o mesmo argumento, foi indeferido pelo ministro Lewandowski o pedido feito nas ADPFs n. 756 e 840 para a inclusão de todas as pessoas com deficiência, sem nenhuma diferenciação entre os tipos de deficiência ou outras circunstâncias, e de seus cuidadores/acompanhantes/responsáveis nos grupos prioritários para vacinação. Em diversas decisões monocráticas, o STF impediu ou não autorizou estados e municípios a mudarem a ordem de prioridade prevista no PNO para dar maior prioridade a profissionais de educação, segurança e salvamento (RCLs n. 46965, 47311 e 46843, ADPF n. 829).

Houve também ações que questionavam a ordem de vacinação estabelecida por entes subnacionais quando divergiam do PNO. A RCL n. 47398 e a STP n. 786 questionaram o fato de o município de João Pessoa vacinar profissionais da educação antes das pessoas em situação de rua, da população privada de liberdade e de funcionários do sistema de privação de liberdade, contrariando a ordem do PNO. Os pedidos foram indeferidos pelos relatores, que aceitaram a informação de que as doses para a população de rua não foram aplicadas em razão de fortes chuvas, e que havia dúvidas sobre se caberia ao município ou ao estado vacinar a população carcerária. Portanto, não se tratava de mudança na ordem do PNO.

Em suma, com relação à política nacional de vacinação, o STF optou por uma atuação dialógica, obrigando a criação de um plano e controlando a transparência e as justificativas das escolhas feitas. Apesar de inúmeros pedidos, o STF não impôs medidas concretas, como obrigar a União a comprar vacinas ou mudar a ordem de prioridade. Também coerente com a jurisprudência em outros temas, buscou garantir a autonomia dos estados para decretarem a compulsoriedade da vacinação e de terem as próprias políticas (inclusive com os próprios imunizantes). Porém, as políticas locais de vacinação foram autorizadas apenas caso o PNO fosse descumprido ou insuficiente, e o STF restringiu a autonomia local para mudar a ordem de prioridade para receber a vacina. Portanto, prestigiou-se a política nacional, mas com o reconhecimento da possibilidade de se realizarem políticas locais como uma garantia caso o PNO fosse inadequado ou insuficiente. Novamente, houve alguma sobreposição entre questões de competência federativa e a avaliação dos méritos de uma política pública.

8. Publicidade e sigilo de dados

As ADIs n. 6347, 6351 e 6353 alegavam que a MP n. 928/2020 (BRASIL, 2020eBRASIL. Medida Provisória n. 928, de 23 de março de 2020. Altera a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, e revoga o art. 18 da Medida Provisória n. 927, de 22 de março de 2020. 2020e. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv928.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
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), que incluiu uma exceção na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/2011) (BRASIL, 2011BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. 2011. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
), limitaria desproporcionalmente o direito à informação do cidadão ao prever: (a) a suspensão dos prazos de resposta a pedidos de acesso à informação durante o estado de calamidade pública; (b) o impedimento de conhecimento de recursos interpostos contra a negativa de acesso; e (c) a necessidade de reiteração do pedido de acesso à informação quando terminado o estado de calamidade pública. Nas três ADIs, em cautelar do ministro Alexandre de Moraes referendada pelo pleno, foi suspensa a eficácia dos referidos dispositivos sob argumento de que a MP “transforma[va] a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda sociedade” (ADI n. 6347, p. 11).27 27 A posterior perda de eficácia da MP pelo decurso do prazo sem deliberação pelo Congresso Nacional levou à extinção dos processos pela perda do objeto.

As ADPFs n. 690, 691 e 692, por sua vez, questionavam alterações na metodologia de divulgação pelo governo federal de dados sobre a evolução da pandemia, o que fez com que a plataforma para acesso a esses dados ficasse indisponível.28 28 O mesmo fato foi objeto dos MS n. 37.181 e 37.170 e da Pet 8.923 diante do então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Esses pedidos não foram conhecidos pelo STF com fundamento em razões processuais. Ainda assim, é interessante notar que em todas as decisões os relatores mencionam o precedente da decisão proferida na ADPF n. 690. Essas ações discutiam também a alteração da metodologia utilizada pelo Distrito Federal (DF) para contabilizar casos e óbitos, tornando-a distinta daquela das demais unidades da federação.

Em sede de cautelar e em decisão final, o STF julgou parcialmente procedente as arguições e determinou que o Ministério da Saúde e o DF mantivessem a divulgação diária de dados epidemiológicos sobre a pandemia e que o DF se abstivesse de alterar a metodologia de contabilização e publicação desses dados. O STF entendeu que publicidade e transparência quanto às informações sobre a pandemia são necessárias para controlar a atuação dos órgãos governamentais.

A defesa da transparência e da publicidade de dados relacionados à pandemia na Corte apresentou outras nuances nos casos em que o direito à privacidade estava em debate. Durante a pandemia, a jurisprudência do STF teve uma mudança fundamental pelo reconhecimento do direito fundamental à proteção de dados pessoais e da autodeterminação informativa no julgamento das ADIs n. 6387, 6388, 6389 (WIMMER, 2021WIMMER, Miriam. Limites e possibilidade para o uso secundário de dados pessoais no poder público: lições da pandemia. Revista Brasileira de Políticas Públicas, [s.l.], v. 11, n. 1, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7136 . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/...
). Até então, predominava no STF a tese de que apenas estariam protegidos os dados em trânsito (em comunicação), mas não os dados em repouso, armazenados em bancos de dados, em dispositivos ou em outras tecnologias (DONEDA, 2019DONEDA, Danilo. Da privacidade à proteção de dados pessoais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.).

Essas ADIs discutiam a constitucionalidade da MP n. 954/2020 (BRASIL, 2020fBRASIL. Medida Provisória n. 954, de 17 de abril de 2020. Dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado e de Serviço Móvel Pessoal com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. 2020f. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv954.htm . Acesso em: 20 set. 2023.
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), que dispunha sobre o compartilhamento de dados de telemetria por empresas de telecomunicações com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a produção estatística sobre as taxas de isolamento e distanciamento social, entre outras informações voltadas a avaliar a efetividade das medidas de prevenção ao contágio da covid-19. Porém, a decisão cautelar da ministra Weber suspendeu a eficácia da MP por entender que a norma não definia apropriadamente como os dados coletados seriam utilizados no combate à covid-19, o que impedia a avaliação sobre sua proporcionalidade ante a interferência na privacidade de milhões de pessoas. A ementa do acórdão do plenário que referendou a cautelar deixa claro o receio de que a pandemia fosse utilizada como pretexto para violar direitos.29 29 Posteriormente, as ações foram extintas por perda de objeto porque a MP n. 954/2020 perdeu eficácia sem ser convertida em lei.

O cenário de urgência decorrente da crise sanitária [...] e a necessidade de formulação de políticas públicas que demandam dados específicos para o desenho dos diversos quadros de enfrentamento não podem ser invocadas como pretextos para justificar investidas visando ao enfraquecimento de direitos e atropelo de garantias fundamentais consagradas na Constituição. (Min. Rosa Weber, ADI n. 6387 MC-REF)

Em resumo, o STF atuou para que se mantivesse a divulgação de dados epidemiológicos sobre a pandemia e para suspender as medidas que visavam dificultar o acesso à informação pública durante o período. Transparência e acesso a dados foram entendidos como instrumentais para o controle da atuação do governo no combate à covid-19. A decisão sobre o compartilhamento de dados de telemetria é interessante por ser um dos raros exemplos em que o controle da uma política federal pelo STF ocorreu pelo excesso e não pela carência de ação do governo no combate à pandemia. O fato de que tal medida intrusiva veio de um governo frequentemente levado à Corte por minimizar a gravidade da pandemia e a importância do distanciamento social possivelmente aumentou as suspeitas em relação aos seus reais propósitos.

Conclusão

A análise desse grande conjunto de decisões permite tirar algumas conclusões gerais sobre a atuação do STF em matéria de medidas para contenção dos danos à vida e à saúde causados pela covid-19. O presente estudo confirma a tese, já sustentada na literatura, de que o STF foi bastante acionado para controlar o Executivo federal durante a pandemia e frequentemente impôs derrotas ao governo (OLIVEIRA e MADEIRA, 2021OLIVEIRA, Vanessa Elias de; MADEIRA, Lígia Mori. Judicialização da política no enfrentamento à Covid-19: um novo padrão decisório do STF? Revista Brasileira de Ciência Política, [s.l.], n. 35, e247055, p. 1-44, 2021.; OLIVEIRA, 2020OLIVEIRA, Fabiana Luci de. Judicialização da política em tempos de pandemia. Contemporânea, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 389-398, jan./abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.contemporanea.ufscar.br/index.php/contemporanea/article/view/933/pdf . Acesso em: 21 dez. 2021.
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; BIEHL, PRATES e AMON, 2021BIEHL, João; PRATES, Lucas E. A.; AMON, Joseph J. Supreme Court v. Necropolitics: The Chaotic Judicialization of COVID-19 in Brazil. Health and Human Rights Journal, [s.l.], v. 23, n. 1, p. 151-162, jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8233022/pdf/hhr-23-01-151.pdf . Acesso em: 21 dez. 2021.
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). Contudo, este artigo permite entender com mais precisão como esse controle ocorreu ao abarcar um número maior de casos em temas diversos, cobrir um período mais longo e dar atenção ao conteúdo dos pedidos e das decisões.

Da perspectiva processual, é importante notar que parte importante das decisões analisadas foi monocrática e liminar. Isso reflete as regras internas da instituição, que concede bastante poder ao presidente do STF e aos relatores das ações (ARGUELHES e RIBEIRO, 2018aARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. ‘The Court, it is I’? Individual Judicial Powers in the Brazilian Supreme Court and their Implications for Constitutional Theory. Global Constitutionalism, [s.l.], v. 7, n.2, p. 236-262, 2018a.), mas também a dinâmica da pandemia, em que muitas intervenções são urgentes e o contexto muda rápida e frequentemente. Contudo, vale destacar que o pleno quase sempre confirmou a decisão monocrática. Ademais, em momentos-chave, o colegiado atuou para firmar posições, como o reconhecimento, logo no início da pandemia, da competência de entes subnacionais para decretarem medidas de distanciamento social e o acórdão que em poucos dias superou a decisão do ministro Nunes Marques sobre cultos religiosos presenciais. O individualismo dos ministros do STF, que é frequentemente criticado pela literatura (ARGUELHES e RIBEIRO, 2018bARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Ministrocracia: o Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro. Novos Estudos - CEBRAP, [s.l.], v. 37, n. 1, p. 13-32, jan./abr. 2018b.; FALCÃO, ARGUELHES e RECONDO, 2017FALCÃO, Joaquim; ARGUELHES, Diego Werneck; RECONDO, Felipe (orgs.). Onze supremos: o supremo em 2016. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito: Supra: Jota: FGV Rio, 2017.), deu ao STF a agilidade para interferir de forma mais efetiva nas políticas de combate e prevenção à covid-19, para firmar posições que, em regra, foram posteriormente confirmadas pelo pleno.

Do ponto de vista substantivo, vale destacar que, diferentemente da maioria dos outros países (GINSBURG e VERSTEEG, 2021GINSBURG, Tom; VERSTEEG, Mila. The Bound Executive: Emergency Powers During the Pandemic. International Journal of Constitutional Law, [s.l.], v. 19, n. 5, p. 1498-1535, dez. 2021. Disponível em: Disponível em: https://academic.oup.com/icon/article-abstract/19/5/1498/6308959 . Acesso em: 21 dez. 2021.
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), a atuação do STF se deu mais sobre a ausência e insuficiência de ação governamental que sobre o seu excesso para o controle da pandemia. Em muitos casos, a resposta do STF a essa insuficiência veio na forma de decisões que buscaram viabilizar as políticas de combate à covid-19 por parte de entes estaduais. Isso se reflete de forma acentuada nas decisões referentes ao distanciamento social (em que se reconheceu a competência comum e concorrente dos entes subnacionais para as decretar), à requisição de bens (quando se impediu a requisição federal de bens já negociados com governos estaduais), ao financiamento de leitos de UTI e à possibilidade de políticas locais de vacinação. Os conflitos federativos tenderam a ser resolvidos no sentido de impedir que normas e políticas federais inviabilizassem ou esvaziassem medidas de entes subnacionais. Essa postura do STF é significativa, considerando que a política pública de saúde foi historicamente caracterizada pela concentração de decisões no governo federal devido à sua competência legislativa abrangente, do uso da sua competência comum para realizar a coordenação federativa das políticas e da concentração de recursos no governo federal (ARRETCHE, 2014ARRETCHE, Marta. Quando instituições federativas fortalecem o governo central? Novos Estudos - CEBRAP, [s.l.], v. 95, p. 39-57, mar. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/GJnGZZNXJ8cTyRHTkcgtCqc/?lang=pt . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.scielo.br/j/nec/a/GJnGZZNXJ8...
). A atuação do STF nesse período também parece ir de encontro com as análises que argumentam que a jurisprudência do tribunal tende a ser centralista, atribuindo mais poder à União em disputas federativas (OLIVEIRA, 2009OLIVEIRA, Vanessa Elias de. Poder judiciário: árbitro dos conflitos constitucionais entre estados e União. Lua Nova, São Paulo, v. 78, p. 223-250, 2009. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/CjPhvXgGpjNSGcRvLRshYMM/abstract/?lang=pt . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.scielo.br/j/ln/a/CjPhvXgGpjN...
; GOMES, CARVALHO e BARBOSA, 2020GOMES, Jose Mario Wanderley; CARVALHO, Ernani; BARBOSA, Luís Felipe Andrade. Políticas públicas de saúde e lealdade federativa: STF afirma protagonismo dos governadores no enfrentamento à Covid-19. Revista Direito Público, Brasília, v. 17, n. 94, p. 193-217, jul./ago. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/4395/Gomes%3B%20Carvalho%3B%20Barbosa%2C%202020 . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.b...
), embora essa seja uma leitura que começa a ser contestada mesmo antes da pandemia (DANTAS, 2020DANTAS, Andrea de Quadros. O STF como árbitro da federação: uma análise empírica dos conflitos federativos em sede de ACO. Revista Direito GV, São Paulo, v. 16, n. 2, 2020. doi: https://doi.org/10.1590/2317-6172201964.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; BARBOSA e GLEZER, 2021GLEZER, Rubens; BARBOSA, Ana Paula Pereira; CADEDO, Matheus Silva. O mito da jurisprudência federalista concentradora do STF: uma nova proposta de análise dos conflitos federativos. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, Belo Horizonte, ano 115, n. 47, p. 83-111, jan./jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/54616606/O_mito_da_jurisprud%C3%AAncia_federalista_concentradora_do_STF_uma_nova_proposta_de_an%C3%A1lise_dos_conflitos_federativos . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.academia.edu/54616606/O_mito...
; LEONI, 2021LEONI, Fernanda. O papel do Supremo Tribunal Federal na intermediação dos conflitos federativos no contexto da Covid-19. Cadernos de Gestão Pública e Cidadania, [s.l.], v. 27, n. 87, p. 1-17, maio/ago. 2022. Disponível em: Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/view/83851/80618 . Acesso em: 4 set. 2023.
https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ind...
; DANTAS, PEDROSA e PEREIRA, 2021DANTAS, Andrea de Quadros; PEDROSA, Maria Helena Martins Rocha; PEREIRA, Alessandra Lopes da Silva. A pandemia de covid-19 e os precedentes do STF sobre as competências constitucionais dos entes federativos: uma guinada jurisprudencial ou mera continuidade da função integrativa da Corte? Revista Direito Público, [s.l.], n. 17, v. 96, p. 37-64, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/4511 . Acesso em: 21 dez. 2021.
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).

Ademais, houve diversas decisões com críticas explícitas a ações e omissões do governo federal, e em particular de seu chefe, cuja atuação foi muitas vezes vista como omissa e negacionista. É nesse contexto que são mais bem entendidas decisões contrárias a diversas medidas adotadas pelo Executivo federal que parecem minimizar a crise sanitária: o veto à obrigatoriedade do uso de máscaras, ações contrárias ao distanciamento social e as restrições ao acesso de dados públicos referentes à pandemia. As suspeitas em relação aos propósitos do governo federal também ajudam a explicar a decisão que fixou o entendimento de que ignorar a ciência pode gerar responsabilização de agentes públicos, assim como o julgamento que impediu o governo federal de acessar dados de usuários de telefonia celular.

A avaliação negativa da atuação do governo federal também se manifesta na sobreposição entre, de um lado, questões formais sobre competência federativa e, de outro lado, avaliações substantivas sobre a melhor política para o enfrentamento da pandemia em diversos julgamentos. É possível que, devido a essa sobreposição, as críticas e as suspeitas em relação à atuação do governo federal sejam variáveis relevantes para explicar a jurisprudência descentralizadora do STF em temas relativos ao tratamento e à prevenção da covid-19 (ESTEVES, 2020ESTEVES, Luiz Fernando Gomes. A ciência pode determinar a competência para editar leis no combate ao coronavírus? JOTA, 13 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/stf/supra/a-ciencia-pode-determinar-a-competencia-para-editar-leis-no-combate-ao-coronavirus-13042020 . Acesso em: 21 dez. 2021.
https://www.jota.info/stf/supra/a-cienci...
).

Entretanto, apesar das críticas ao governo federal e às suas omissões, houve hesitação do STF em interferir na discricionariedade administrativa para determinar a realização de medidas muito complexas, aqui entendidas como aquelas cuja resolução envolve grande conhecimento fático e técnico (como autorizar a importação de vacinas sem avaliação da Anvisa ou a requisição de leitos hospitalares), que possuem impactos distributivos sobre bens escassos (como mudar a ordem de prioridade na vacinação) e que são de difícil execução (como expulsar invasores de terras indígenas ou decretar o lockdown em uma cidade).

Em algumas situações em que se pedia a realização de ordens complexas, e sobretudo quando havia preocupação de que poderia haver descaso do governo federal (como no plano nacional de vacinação ou na proteção às populações indígenas e quilombolas), o STF optou por uma atuação de tipo dialógica. Assim, evitou impor a execução de medidas complexas ao mesmo tempo em que exigia planejamento, transparência e, no caso de populações vulneráveis, diálogo com esses grupos e com órgãos voltados para a proteção de seus direitos. Essa abordagem é vista por parte da literatura como uma alternativa eficaz de garantir direitos sem extrapolar os limites de capacidade institucional e da legitimidade democrática das cortes (SABEL e SIMON, 2004SABEL, Charles F.; SIMON, William H. Destabilization Rights: How Public Law Litigation Succeeds. Harvard Law Review, [s.l.], v. 117, n. 1015, p. 1015-1101, 2004.; RODRÍGUEZ-GARAVITO, 2011RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Beyond the Courtroom: The Impact of Judicial Activism on Socioeconomic Rights in Latin America. Texas Law Review, [s.l.], v. 89, n. 1669, p. 1669-1698, 2011.), embora observações mais próximas da execução da decisão na ADPF n. 709 (sobre a proteção de populações indígenas) mostrem pouco entusiasmo com os resultados efetivamente alcançados (GODOY, SANTANA e OLIVEIRA, 2021GODOY, Miguel Gualano de; SANTANA, Carolina Ribeiro; OLIVEIRA, Lucas Cravo de. STF, povos indígenas e Sala de Situação: diálogo ilusório. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 2174-2205, jul./set. 2021. doi: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2021/61730.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

Além de permitir a identificação de tendências na jurisprudência do STF, a pesquisa ampla, exaustiva e com enfoque no conteúdo das decisões também identifica nuances importantes. Por exemplo, em sede de controle concreto de constitucionalidade, as decisões do STF sobre distanciamento social variaram conforme tema, julgador(a) e entes federativos envolvidos. Da mesma forma, embora reconhecesse a competência de estados de terem suas próprias políticas de vacinação, o STF não permitiu que eles contrariassem a ordem de prioridade para imunização estabelecida no PNO. Também houve situações específicas em que o STF impôs a realização de medidas com significativo impacto orçamentário, como a manutenção do custeio da União de leitos de UTI.

Vale ressaltar que o presente artigo não teve a ambição de analisar normativamente a jurisprudência do STF. Muito pode ser dito sobre, por exemplo, se ou quanto o contexto político deveria influenciar julgamentos, se o STF deveria ser mais ou menos incisivo no controle das ações e omissões do governo federal, se as decisões sobre competência federativa são coerentes com a jurisprudência da Corte pré-pandemia, sobre as vantagens e desvantagens de intervenções judiciais de natureza dialógica, e sobre a separação entre questões técnicas/científicas e juízos políticos. Porém, por razão de escopo e espaço, essas são questões para futuras pesquisas.

Este texto também possui outros limites. Primeiro, ele descartou as decisões julgadas por razões processuais em que não houve enfrentamento de questões materiais do caso. Porém, não se pode excluir a possibilidade de que razões processuais sejam utilizadas para evitar enfrentar questões materiais. Segundo, a pesquisa não incluiu ações em que não houve decisão do STF, seja porque nunca entrou na pauta, seja porque o julgamento foi interrompido. Não decidir é uma estratégia judicial com consequências sobre a política pública (ARGUELHES e HARTMANN, 2017ARGUELHES, Diego Werneck; HARTMANN, Ivar A. Timing Control without Docket Control: How Individual Justices Shape the Brazilian Supreme Court’s Agenda. Journal of Law and Courts, Chicago, v. 5, n. 1, p. 105-140, mar./maio 2017.), sobretudo em um contexto dinâmico como o da pandemia.

Portanto, longe de pretender encerrar a discussão sobre a atuação do STF no contexto da covid-19, este artigo propõe-se a organizar e mapear em detalhes o campo para encontrar padrões gerais e identificar nuances na jurisprudência. Que futuros estudos avancem ainda mais o conhecimento sobre esse triste e conturbado período.

AGRADECIMENTOS

O presente artigo beneficiou-se muito de comentários a versões anteriores feitos por Alethele Santos, Beatriz Kira, Fernanda Terrazas, Gabriela Armani, Luisa Ferreira e Matheus Barros.

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  • VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 441-464, jul./dez. 2008. Disponível em: Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/35159/33964 Acesso em: 21 dez. 2021.
    » http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/revdireitogv/article/view/35159/33964
  • WANG, Daniel Wei Liang. STF, Anvisa e Sputnik: a pandemia é grave, a falta de cautela regulatória também. JOTA, 16 abr. 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-anvisa-e-sputnik-a-pandemia-e-grave-a-falta-de-cautela-regulatoria-tambem-16042021 Acesso em: 12 dez. 2021.
    » https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/stf-anvisa-e-sputnik-a-pandemia-e-grave-a-falta-de-cautela-regulatoria-tambem-16042021
  • WANG, Daniel Wei Liang. Atuação do sistema de justiça durante a pandemia de covid-19: uma análise da jurisprudência do STF. In: SANTOS, Alethele de Oliveira; LOPES, Luciana Tolêdo (orgs.). Principais elementos Brasília: Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2020. (Coleção COVID-19, v. 1). p. 96-108.
  • WANG, Daniel Wei Liang et al Why Has a Progressive Court Failed to Protect the Prison Population against Covid-19? Mass Incarceration and Brazil’s Supreme Court in Times of Pandemic. Health and Human Rights Journal, Boston, no prelo.
  • WIMMER, Miriam. Limites e possibilidade para o uso secundário de dados pessoais no poder público: lições da pandemia. Revista Brasileira de Políticas Públicas, [s.l.], v. 11, n. 1, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7136 Acesso em: 21 dez. 2021.
    » https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/article/view/7136
  • YOUNG, Katherine G. Constituting Economic and Social Rights Oxford: Oxford University Press, 2012.
  • 1
    https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search.com.
  • 2
    Foram incluídos na análise casos julgados em que, ainda que formalmente decididos por razões processuais, era difícil distinguir questões processuais das de mérito, por exemplo, discussões sobre a presença de requisitos fáticos para determinada ação.
  • 3
    Sobre as diferenças e sinergias entre métodos de interpretação tradicionais do Direito e métodos de análise de conteúdo das Ciências Sociais, ver Hall e Wright (2008HALL, Mark A.; WRIGHT, Ronald F. Systematic Content Analysis of Judicial Opinions. California Law Review, [s.l.], v. 96, n. 63, p. 63-122, 2008. Disponível em: Disponível em: https://lawcat.berkeley.edu/record/1121706/files/fulltext.pdf . Acesso em: 12 dez. 2021.
    https://lawcat.berkeley.edu/record/11217...
    ).
  • 4
    Por distanciamento social (também chamado de isolamento social) entendemos a redução das interações em uma comunidade, que pode incluir pessoas não diagnosticadas como infectadas, e que pode ser implementada por decisão voluntária individual ou por imposição de limites a atividades que promovam contato social.
  • 5
    Os dados completos das decisões citadas neste artigo estão disponíveis no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.1FPGX2.
  • 6
    Aqui há uma referência à iminente exoneração do então Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, devido a embates com o presidente da República.
  • 7
    RCLs n. 42573, 42590, 42591, 42637, 45459.
  • 8
    SLs n. 1428 MC e 1429 MC; SSs n. 5403, 5403 MC e 5470 MC; STPs n. 448 e 516.
  • 9
    STP n. 486.
  • 10
    ACO n. 3425 MC; STPs n. 172, 173, 173 AgR, 299, 299 AgR, 307 e 327.
  • 11
    ADIs n. 6421 MC, 6422 MC, 6424 MC, 6425 MC, 6427 MC, 6428 MC e 6431 MC.
  • 12
    Em 22/07/2020, devido às dificuldades e aos conflitos no encontro da Sala de Situação, foi parcialmente deferido um pedido para garantir a plena e efetiva participação dos indígenas, mas sem excluir a participação das Forças Armadas.
  • 13
    Também houve uma avaliação específica sobre o plano de barreiras sanitárias para comunidades indígenas isoladas ou de contato recente, que levou a uma ordem do STF de 06/08/2020 para que fosse complementado com medidas sanitárias. O plano para barreiras sanitárias foi homologado em 31/08/2020, acrescido de algumas mudanças e mais detalhes e informações.
  • 14
    A decisão também estendeu a prioridade na vacinação para indígenas urbanos em áreas sem acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS). O ministro Barroso, porém, rejeitou o pedido de ampliação da decisão para os indígenas urbanos em decisão de 17/05/2021.
  • 15
    O veto do presidente ao art.3o-A, III, havia sido derrubado pelo próprio Congresso em 19/08/2020 e, portanto, houve perda do objeto em relação a esse artigo em particular no momento do julgamento do mérito.
  • 16
    Na ACO n. 3398, o Estado de Rondônia não chegou a efetivar a compra antes da ordem de requisição feita pela União, mas havia uma manifestação de interesse nos equipamentos.
  • 17
    A liminar na ACO n. 3393 foi confirmada pelo pleno.
  • 18
    Para uma análise dos requisitos e dos limites da requisição administrativa em um contexto de pandemia, ver Mendonça (2020MENDONÇA, José Vicente Santos de. Dez perguntas e respostas sobre requisição administrativa em tempos de covid-19. Academia.edu, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.academia.edu/43026755/Dez_perguntas_e_respostas_sobre_requisi%C3%A7%C3%A3o_administrativa_em_tempos_de_COVID_19 . Acesso em: 21 dez. 2021.
    https://www.academia.edu/43026755/Dez_pe...
    ) e Moreira (2020MOREIRA, Egon Bockmann. Requisição administrativa em tempos de pandemia: seis desafios e um novo conceito. Direito do Estado, n. 461, 4 jun. 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/egon-bockmann-moreira/requisicao-administrativa-em-tempos-de-pandemia-seis-desafios-e-um-novo-conceito . Acesso em: 21 dez. 2021.
    http://www.direitodoestado.com.br/coluni...
    ).
  • 19
    ACOs n. 3473, 3474, 3475, 3478 e 3483, respectivamente.
  • 20
    A ACO n. 3473 foi referendada pelo pleno, confirmando o posicionamento da relatora.
  • 21
    Os governadores dos estados que entraram com as ações - Maranhão, São Paulo, Bahia, Piauí e Rio Grande do Sul - tiveram frequentes confrontos com o presidente da República. Portanto, havia uma preocupação legítima de que o não envio de recursos federais pudesse ser uma retaliação política.
  • 22
    A ADPF n. 756 contemplava pedidos similares ao da ADPF n. 754, incluindo a apresentação de um plano de vacinação federal detalhado e a aquisição de vacinas que viessem a ser aprovadas pela Anvisa. Nessa decisão, o STF também demonstrou cautela em não assumir o papel de gestor público em questões de alta complexidade técnica e considerou que, à época do julgamento (19/04/2021), muitos dos objetos dos pedidos já estavam contemplados no PNO.
  • 23
    Conforme o despacho efetuado em 13/12/2020.
  • 24
    Conforme os despachos efetuados em 07/01/2021 e 14/01/2021.
  • 25
    A ADPF n. 796 pedia que, dada a demora do governo federal, fosse ordenado à União o repasse financeiro aos demais entes federados para aquisição de vacinas contra covid-19. O STF decidiu pelo não cabimento da ação.
  • 26
    Posteriormente a essa decisão, o ministro Barroso, relator da ADPF n. 709 (sobre medidas de proteção para populações indígenas), rejeitou o pedido de ampliação da prioridade na vacinação para os indígenas urbanos, exceto para aqueles em áreas sem acesso ao SUS.
  • 27
    A posterior perda de eficácia da MP pelo decurso do prazo sem deliberação pelo Congresso Nacional levou à extinção dos processos pela perda do objeto.
  • 28
    O mesmo fato foi objeto dos MS n. 37.181 e 37.170 e da Pet 8.923 diante do então Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Esses pedidos não foram conhecidos pelo STF com fundamento em razões processuais. Ainda assim, é interessante notar que em todas as decisões os relatores mencionam o precedente da decisão proferida na ADPF n. 690.
  • 29
    Posteriormente, as ações foram extintas por perda de objeto porque a MP n. 954/2020 perdeu eficácia sem ser convertida em lei.
  • Como citar este artigo:

    WANG, Daniel Wei Liang et al. O STF e as medidas para prevenção e tratamento da covid-19. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2336, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202336

Disponibilidade de dados

O conjunto de dados deste artigo está disponível no SciELO Dataverse da Revista Direito GV, no link: https://doi.org/10.48331/scielodata.1FPGX2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2022
  • Aceito
    10 Mar 2023
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