Acessibilidade / Reportar erro

O descortinar da mediação da leitura no espetáculo Crianceiras

Discovering the mediation of reading in the crianceiras spectacle Crianceiras spectacle

Resumo:

Ao compreender a mediação da leitura como uma atividade que exige do mediador uma atuação consciente e humanizadora, é necessário refletir sobre a importância de utilizar e articular os diversos dispositivos informacionais que podem auxiliar esse processo. Este estudo teve como objetivo evidenciar a utilização e a articulação de diferentes dispositivos informacionais no processo de mediação da leitura desenvolvido no espetáculo cênico-musical Crianceiras. Quanto à metodologia, a pesquisa configura-se como descritiva e teve como método o estudo de caso. Os dados foram coletados através de um questionário online e analisados com base na abordagem qualitativa. A análise dos resultados indicou que, ao articular diversos dispositivos informacionais, o Crianceiras tem conseguido alcançar o objetivo de envolver diferentes sujeitos nas atividades de mediação da leitura, de modo a apoiar esses sujeitos-leitores em sua formação e desenvolvimento crítico e cognitivo. Assim, é muito importante que o mediador da leitura considere e adote, em suas práticas, os diversos dispositivos informacionais para ampliar a ambiência que repercutirá na formação de leitores proficientes.

Palavras-chave:
leitura; mediação da leitura; mediação da leitura musical; dispositivos informacionais; Crianceiras

Abstract

Understanding the mediation of reading as an activity that requires a conscious and humanizing acting from the mediator, it is necessary to reflect on the importance of using and articulating the various informational devices that can help in this process. This study aimed to highlight the use and articulation of different informational devices in the process of mediation of reading developed in the Crianceiras scenic-musical spectacle. As for the methodology, this is a descriptive research and had the case study as a method. The data were collected through an online questionnaire and analyzed based on a qualitative approach. The analysis of the results inidcated that to the perception that by articulating various informational devices, the Crianceiras project has managed to reach the objective of involving different subjects-readers in mediation of reading activities, supporting them in their critical and cognitive development. Thus, it is very importante that the mediator of reading consider and adopt in their practices the diversified informational devices to expand the ambience that will affect the formation of proficient readers.

Keywords:
reading; mediation of reading; mediation of music reading; informational devices; Crianceiras project

1 Introdução

A leitura deve ser entendida pelos sujeitos como uma ação basilar de todo agir humano. O entendimento que permeia este texto é de que a leitura, para além da linguagem escrita, abrange as expressões imagéticas, sonoras, gestuais, entre outras que, conforme Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ), compõem o mundo social e se articulam em um processo de interpretação que subsidia a comunicação dos saberes entre os diversos sujeitos-leitores. Entender que existe leitura para além das palavras é ampliar as possibilidades de acesso e apropriação da informação que estão materializadas nos diversos dispositivos socioculturais que podem integrar o processo formativo dos sujeitos-leitores.

Desenvolver atividades de mediação da leitura exige uma atuação consciente dos agentes mediadores e, para tanto, eles contam com o auxílio de dispositivos informacionais que podem favorecer a aproximação e a formação dos sujeitos-leitores, além de envolvê-los e instigá-los ao prazer pela leitura. Para que isso seja possível, é fundamental que os mediadores conheçam as potencialidades dos dispositivos e os articulem ao perfil, às necessidades e às expectativas dos sujeitos-leitores. Convém enfatizar que a leitura não envolve somente as expressões verbais, porque, no ato de ler, o leitor também recorre a outros subsídios para interpretar e ressignificar o que lê, suas vivências e o contexto em que está inserido.

Nesta pesquisa, entre os dispositivos informacionais, destaca-se a música, que, devido às expressões melódicas, rítmicas e textuais, possibilita que o sujeito-leitor tenha acesso às informações e possa se apropriar delas, visto que a música é elaborada em um contexto sociocultural que transparece as percepções do produtor. A música também pode contribuir com o processo de mediação da leitura quando, associada a outras expressões (textuais, iconográficas etc.), faz com que o sujeito-leitor desenvolva diferentes percepções sensoriais e cognitivas que o auxiliem no processo de apropriação e alcance do prazer pela leitura.

Nesta perspectiva, torna-se relevante que no decorrer das atividades de mediação da leitura, o mediador também apoie os leitores na atribuição de sentidos e significados, visto que os dispositivos, os sujeitos e o ato da leitura estão associados em um contexto sociocultural. Por isso, ratifica-se a importância da escolha dos dispositivos que serão mediados, visto que existe uma interferência no processo de apropriação realizado pelo sujeito-leitor.

Compreende-se que a mediação da leitura é o envolvimento de leitores e mediadores (dispositivos e agentes), que estão imersos em uma dinâmica cultural que evoca potencialidades de leitura. Por isso, é necessário refletir e entender como os mediadores articulam e utilizam os diversos dispositivos informacionais, visando favorecer essa formação e envolver os sujeitos.

Assim, considerando o exposto, o objetivo desta pesquisa foi evidenciar a utilização e a articulação de diferentes dispositivos informacionais no processo de mediação da leitura desenvolvido no espetáculo cênico-musical Crianceiras. Quanto ao delineamento metodológico, trata-se de uma pesquisa que se caracteriza como descritiva, com a adoção do método de estudo de caso.

O Crianceiras é proveniente de um projeto desenvolvido pelo cantor e compositor Márcio de Camillo, com poemas musicados e interpretados com a participação de crianças. Os poemas centram-se nas obras dos poetas Manoel de Barros e Mário Quintana. Esse projeto iniciou com o lançamento de um CD e, depois, ampliou-se para um espetáculo, que integra diferentes expressões artísticas e que tem como base a música e a poesia. Para coletar os dados, foi utilizado o questionário, aplicado de maneira online com o idealizador do projeto, Márcio de Camillo .

O estudo pautou-se nos pressupostos teóricos de Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ) e Perrotti (1999PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação ao leitor). In: PADRO, Jason; CONDINI, Paulo (org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Agnus, 1999. p. 31- 43.) quanto ao ato de ler; de Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ), que trata sobre os níveis básicos da leitura; de Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ), em relação à mediação da leitura; de Pieruccini (2007PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15. ), sobre os dispositivos informacionais; e nos conceitos de Vygotsky (2000VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.) e Dumont (2020DUMONT, Lígia Maria Moreira. Construtos próprios sobre leitura na Ciência da Informação. In: DUMONT, Lígia Maria Moreira (org.). Leitor e leitura na Ciência da Informação: diálogos, fundamentos, perspectivas. Belo Horizonte: ECI/UFMG, 2020. p. 21-52. ) sobre significado e sentido.

2 A mediação da leitura musical e o processo de atribuição de sentido e significado

Quando se trata do ato de ler, imediatamente se faz uma relação com textos verbais e a linguagem escrita. Porém, ao se refletir acerca desse ato, é possível expandi-lo aos diversos tipos de expressões sociais e culturais que cercam os sujeitos. Tendo como referência, nessa reflexão, a percepção defendida por Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ), de que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, entende-se que o ato de ler não se limita a decodificar signos linguísticos, mas também envolver as relações que podem ser estabelecidas entre o sujeito que realiza a leitura e a expressão que está sendo interpretada, adquirindo sentido e significado mediante o contexto em que o ato de ler está ocorrendo. Percebe-se, portanto, que a leitura do que está no entorno do sujeito possibilita que ele se aproprie de elementos que darão subsídios para que possa refletir criticamente, ter curiosidade, (re)interpretar e (re)criar as leituras que lhe forem apresentadas, sejam elas verbais ou não.

Na perspectiva de Perrotti, o ato de ler é “[...] uma atividade que envolve essencialmente um modo de se relacionar com a linguagem e as significações.” ( PERROTTI, 1999PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação ao leitor). In: PADRO, Jason; CONDINI, Paulo (org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Agnus, 1999. p. 31- 43., p. 31). Nota-se que o referido autor, ao abordar sobre o ato de ler, não o limita à linguagem verbal, porque, ao colocar em seu conceito que esse ato envolve uma relação com a linguagem e os significados, abrange os diversos tipos de dispositivos em que a comunicação e a informação se manifestam e podem ser apropriadas por meio da leitura.

Ainda sobre as diversas possibilidades do ato de ler, Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) propõe uma reflexão sobre o pensamento de que esse ato só está relacionado à linguagem escrita. A autora provoca que, se é dessa forma, como explicar a leitura que os sujeitos usualmente fazem de um gesto, um olhar ou uma situação pela qual passam? A reação que eles demonstrarão a partir dos exemplos citados por Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) será uma resposta física para a leitura que eles fizeram do ocorrido, impulsionados, também, por suas experiências anteriores de situações iguais ou parecidas. Por isso, pautada em outros estudos, a autora pontua que, mesmo na leitura de textos verbais, não é somente o conhecimento da língua que conta no momento em que o sujeito está em contato com o texto, mas também seus conhecimentos de vida, suas relações interpessoais etc. Ela defende que se aprende a ler “vivendo”. Isso indica que a formação dos leitores está associada à sua experiência existencial ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ).

Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) prossegue com suas reflexões e conceitua a leitura:

[...] como um processo de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que linguagem. Assim, o ato de ler se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do fazer humano, caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma relação igualmente histórica entre o leitor e o que é lido. ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. , p. 30, destaque da autora)

O conceito trabalhado por Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) corrobora com as ideias de Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ) e de Perrotti (1999PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação ao leitor). In: PADRO, Jason; CONDINI, Paulo (org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Agnus, 1999. p. 31- 43.). Ampliando a percepção que se pode ter acerca do ato de ler e da leitura, os referidos autores advertem que, ao realizar essa ação, os sujeitos devem considerar os aspectos pertencentes ao seu meio social que contribuem para que eles, como atores sociais, possam interpretar e recriar o que é lido em relação aos sentidos e aos significados atribuídos às suas vivências.

Avançando em seus estudos, Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) cita como níveis básicos de leitura o sensorial, o emocional e o racional. Ela acrescenta que esses níveis poderão ocorrer de forma simultânea ou um pode se destacar em relação ao outro, em específico, a depender do contexto em que a leitura se dá ou das expectativas do leitor no momento. Ao explicitar o que diz respeito a cada um dos níveis, mostra que os leitores, em algum momento, já vivenciaram essas sensações ou situações.

Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) ao tratar do nível sensorial se reporta aos elementos referenciais do ato de ler, a saber: a visão, o tato, a audição e o gosto. Essa leitura pode ser caracterizada pelo primeiro contato dos sujeitos - mediador e leitor - com os dispositivos informacionais, como, por exemplo, o livro, a música e uma peça de teatro. Ao contribuir para que haja esse contato em uma atividade de mediação da leitura, por exemplo, o mediador possibilita que o sujeito perceba o que o agrada sem que seja necessária uma justificativa para isso, porque tal leitura despertou sensações.

Quando a leitura toca o sujeito por meio dos sentidos e desperta nele sentimentos de curiosidade, tristeza, alegria etc., pode-se dizer que ele alcançou o próximo nível defendido por Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) - o emocional. Nesse nível, a autora evidencia a vulnerabilidade que pode surgir por meio da leitura, em que “[...] emerge a empatia, tendência de sentir o que se sentiria caso estivéssemos na situação e nas circunstâncias experimentadas por outro, isto é, na pele de outra pessoa [...]” ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. , p. 51). No nível emocional, o sujeito se identifica com o dispositivo que está sendo trabalhado. Isso pode acontecer, por exemplo, no caso de um livro em relação a um personagem ou uma música com a situação narrada. Por isso, ao abordar a leitura no nível emocional, a autora assevera que não se trata do que foi lido, mas do que a leitura provocou no sujeito.

No nível racional ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ), o sujeito rememora suas experiências, suas leituras anteriores, a identificação despertada no nível emocional e os utiliza como subsídios na leitura atual. De acordo com Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ), a leitura racional acrescenta à leitura sensorial e a emocional:

[...] o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, dar sentido ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o universo das relações sociais. ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. , p. 66).

No que diz respeito à compreensão de cada um dos níveis, reforça-se o que foi destacado pela autora, quando defende que eles se inter-relacionam e podem acontecer de forma simultânea. Isso indica que o ato de ler é um processo transitório entre emoções e reflexões críticas acerca da leitura das expressões sociais e culturais que envolvem o sujeito.

É necessário considerar a importância da leitura na vida do sujeito. No universo das realidades sociais, existem diferentes tipos de contato com a leitura. Por essa razão, as atividades de mediação da leitura e o próprio agente mediador são muito importantes, uma vez que essa interferência pode ser significativa para que o sujeito vivencie o prazer da leitura.

Quanto à mediação da leitura, utilizam-se como base os estudos de Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ), para quem essa ação pode ser definida levando em consideração duas características fundamentais: a literatura e a oralidade. A mediação oral da literatura é “[...] toda intervenção espontânea ou planejada de um mediador de leitura visando aproximar o leitor-ouvinte de textos literários, seja por meio da voz viva ou da voz mediatizada” ( BORTOLIN, 2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. , p. 137, destaque da autora). Ao tratar da mediação da leitura, com foco na literatura, o mediador tem a possibilidade de despertar no sujeito as diferentes perspectivas sociais que o cercam ( BORTOLIN, 2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ). E apesar de o conceito da autora trazer a literatura como dispositivo central, os demais também podem e devem ser utilizados com o mesmo objetivo durante as atividades de mediação da leitura.

No que tange à oralidade, pode-se compreendê-la como “[...] toda comunicação em que o indivíduo utiliza o seu suporte vocal e corporal, no exercício diário de uma profissão [...]” ( BORTOLIN et al., 2015BORTOLIN, Sueli et al.Oralidade, mediação da informação e da literatura na escola. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16., 2015, João Pessoa. Anais eletrônicos [...]. João Pessoa: UFPB, 2015. p. 1-17., p. 4). A partir disso, o mediador será capaz de envolver a atenção dos sujeitos-leitores na atividade realizada e fazer com que eles se sintam à vontade para participar também da condução da mediação da leitura.

Ainda refletindo a respeito da oralidade, Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ) apresenta, em seus estudos, quatro pilares que compõem a oralidade e chama a atenção para o comportamento do mediador durante a ação e para o espaço em que ela será realizada. O primeiro pilar é a voz. Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ) fala do cuidado que o mediador deve ter com a pronúncia das palavras, a entonação e o ritmo da fala, porque esses detalhes podem caracterizar uma comunicação oral efetiva durante a mediação da leitura e ser responsável por marcar a memória do sujeito. O segundo pilar é o corpo e diz respeito às expressões faciais, ao olhar, aos movimentos que são realizados durante a fala. Essas expressões podem colaborar para que o mediador tenha a atenção do sujeito durante toda a atividade. Porém é necessário que esses movimentos não sejam exagerados e que, ao invés de envolver o sujeito na atividade, possa distraí-lo ( BORTOLIN, 2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ).

Em relação ao terceiro pilar - o espaço - Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ) refere que se trata da necessidade de, durante as atividades de mediação da leitura, desenvolver uma “atmosfera” segura e afetiva para os sujeitos, para que eles possam expressar o que pensam e sentem. Por fim, o último pilar da oralidade é a presença, que Bortolin, pautada nos estudos de Paul Zumthor, conceitua como “[...] a materialização ou a concretização do corpo e da fala que, somadas com o espaço e a literatura, propiciam uma performance textual.” ( BORTOLIN, 2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. , p. 197, destaque da autora). Então, compreende-se que o último pilar é resultado do alcance dos anteriores, é o cuidado que o mediador tem ao conduzir as atividades e a liberdade que os sujeitos adquirem para se expressar sem censura e com interação.

Somada com os pilares defendidos por Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ) - fundamentais para o desenvolvimento consciente da mediação da leitura - destaca-se a necessidade de que os agentes mediadores utilizem os mais variados dispositivos informacionais durante as atividades, objetivando transformar o espaço em que a ação ocorre em um ambiente confortável, livre e afetuoso, que favoreça o alcance de múltiplas possibilidades de interpretações e sensações.

Ao entender a importância dos dispositivos informacionais durante o desenvolvimento da mediação da leitura, convém refletir sobre esse conceito a partir dos estudos de Pieruccini (2007PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15. ), que compreende dispositivo informacional como:

[...] um signo, mecanismo de intervenção sobre o real, que atua por meio de formas de organização estruturada, utilizando-se de recursos materiais, tecnológicos, simbólicos e relacionais, que atingem os comportamentos e condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos indivíduos. ( PIERUCCINI, 2007PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15. , p. 5).

A partir dessa reflexão, constata-se a amplitude que os dispositivos podem representar, tal como: as bibliotecas, os livros, uma peça de teatro, uma música, entre outros. Esse entendimento é alcançado ao se compreender que tais dispositivos atuam sobre os sujeitos e suas diferentes realidades, possibilitando que o agente mediador amplie as possibilidades de interferir ao utilizar um repertório diversificado.

Ao contribuir para que os sujeitos-leitores se apropriem dos dispositivos informacionais durante uma atividade de mediação da leitura, os mediadores estarão subsidiando o desenvolvimento do sentimento de pertença dos envolvidos na ação. É necessário, então, ressaltar a importância dessa postura consciente do mediador da leitura, posto que, atuando dessa forma, ele estará demonstrando para os sujeitos a relevância desses dispositivos em sua formação leitora para o acesso e a apropriação da informação e para a representação identitária e cultural do meio em que o sujeito está inserido.

Nessa ampla variedade de dispositivos informacionais, destacam-se a música e suas potencialidades no que se refere a promover um espaço dinâmico. Ao mencionar a música como um dispositivo, entende-se que ela é capaz de transformar o ambiente e estimular a imaginação e a interação entre o mediador e os sujeitos e o despertar de emoções. Segundo Nogueira (2004NOGUEIRA, Monique Andries. A música e o desenvolvimento da criança. Revista UFG, Goiás, v. 6, n. 2, p. 22-25, 2004. ), a música é uma linguagem universal que ultrapassa fronteiras, sua importância é incontestável na vida dos seres humanos, visto que é capaz de despertar sentimentos e gerar transformações. O autor acrescenta que:

Inúmeras pesquisas, desenvolvidas em diferentes países e em diferentes épocas, particularmente nas décadas finais do século XX, confirmam que a influência da música no desenvolvimento da criança é incontestável. Algumas delas demonstraram que o bebê, ainda no útero materno, desenvolve reações a estímulos sonoros. Outros estudos apontam também que, mesmo se o contato com a música for feito por apreciação, isto é, não tocando um instrumento, mas simplesmente ouvindo com atenção e propriedade (percebendo as nuances, entendendo a forma da composição), os estímulos cerebrais também são bastante intensos. ( NOGUEIRA, 2004NOGUEIRA, Monique Andries. A música e o desenvolvimento da criança. Revista UFG, Goiás, v. 6, n. 2, p. 22-25, 2004. , p. 3).

Assim, compreende-se a música como um dispositivo fundamental nas atividades de mediação da leitura, porque, por meio dela, é possível alcançar diferentes sujeitos. A música pode denotar um processo de identificação e rememoração de lembranças e sentimentos. Tais reações podem contribuir para que o sujeito se expresse e interaja com os demais, compartilhando suas vivências e interpretações. Exemplos de atividades de mediação da leitura que envolvem a música são cantigas de roda, contação de histórias, poesias cantadas, saraus etc., em que essa arte pode se expressar de forma lúdica, interativa, criativa, divertida e prazerosa. Assim, o mediador da leitura perpassa sua atuação vinculada à conduta profissional e interfere, de maneira consciente e humanizadora, nos diversos contextos sociais que integra. Isso se justifica porque a atividade mediadora é “[...] uma concepção de vida imbuída de convicção da relevância do seu papel nos contextos socioculturais.” ( SANTOS; SOUSA; ALMEIDA JÚNIOR, 2021SANTOS, Raquel do Rosário; SOUSA, Ana Claudia Medeiros de; ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Os valores pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação consciente da informação. Informação & Informação, Paraná, v. 26, n. 1, p. 343-362, 2021. , p. 347).

Como se trata de uma expressão cultural que materializa a memória e os traços socioculturais de um povo ou grupo, a música permeia todos os momentos da vida dos sujeitos. “Ela está presente em diversas situações da vida humana, em todas as culturas, em todas as regiões, em todas as épocas, ou seja, a música é uma linguagem universal.” ( OLIVEIRA JUNIOR; CIPOLA, 2017OLIVEIRA JUNIOR, Ademir Pinto Adorno de; CIPOLA, Eva Sandra Monteiro. Musicalização no processo de aprendizagem infantil. Revista Científica UNAR, Araras, v. 15, n. 2, p. 126-141, 2017. , p. 127). Tais percepções ratificam a importância do uso da música para a formação do sujeito-leitor, por contribuir para o seu desenvolvimento cognitivo e sociocultural.

A música é um dispositivo que impulsiona o ato de ler, por se tratar de um fenômeno universal, como exposto anteriormente. Segundo Mateus e Cavalcante (2017MATEUS, Bárbara Maria Vieira; CAVALCANTE, Luciane de Fátima Beckman. O uso da música na biblioteca escolar. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. Especial, p. 2020-2036, 2017. , p. 2), "[...] o aprendizado associado à música possibilita a exploração da imaginação, promove o desenvolvimento da criatividade, bem como o prazer de ler novos textos.". Entende-se a mediação da leitura musical como uma ação que não só contempla a leitura da palavra, como também potencializa a leitura de mundo, por meio de suas letras, melodias, ritmos, timbres, dentre outros elementos. Além disso, a música pode proporcionar mais ludicidade às atividades mediadoras, aumentando a interação entre os sujeitos e intensificando o compartilhamento de conhecimentos e vivências. Nessas trocas, existem sentidos e significados atribuídos previamente pelos sujeitos, que ao serem evocados, ressignificam suas percepções anteriores, tanto em uma perspectiva singular quanto coletiva.

Nesse contexto, a mediação da leitura deve ser um ato consciente, em que os mediadores entendam as particularidades dos sujeitos e planejem suas ações considerando essas concepções. Essa é uma forma de contribuir para contextualizar a mediação da leitura em uma perspectiva sociocultural e, consequentemente, criar condições propícias para formar leitores críticos.

Esses sujeitos, que, agora, atingem uma dimensão mais profunda da leitura, passam a refletir sobre as mensagens que lhes são transmitidas, questionando seus significados e estabelecendo as próprias considerações. Com esse fenômeno associado à semiótica, inicia-se a etapa da atribuição de sentidos, que ocorre no âmbito da subjetividade, como aponta Vygotsky (2000VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.). Nele, os sujeitos confrontam as leituras - de músicas, imagens etc. - ao aproximar de seu contexto experiências e visões de mundo que geram novas interpretações.

A produção de sentidos e de significados é inerente ao ser humano, porquanto é a partir dela que os sujeitos formam suas convicções e concepções de mundo, posicionam-se em relação aos fatos, estabelecem gostos e criam laços com outras pessoas. Além disso, é por meio do processo de significação e atribuição de sentidos que os sujeitos produzem e adquirem novos conhecimentos ( ALMEIDA, 2012ALMEIDA, Carlos Cândido de. Mediação como processo semiótico: em busca de bases conceituais. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa, v. 5, n. 1, p. 1-18, 2012. ).

Aplicando essa compreensão na mediação da leitura musical, entende-se que a música é um dispositivo que pode estimular a produção de sentidos, à medida que os sujeitos interpretam suas letras e ritmos estabelecendo conexões com seu contexto social e cultural.

O sentido não precede o texto, não está nele depositado nem é uma proposição pronta, acabada. É no texto sim, mas através do ato da leitura, que se produzem os sentidos. Em outras palavras, o sentido é um valor e o texto é um pretexto [...] ( DUMONT, 2020DUMONT, Lígia Maria Moreira. Construtos próprios sobre leitura na Ciência da Informação. In: DUMONT, Lígia Maria Moreira (org.). Leitor e leitura na Ciência da Informação: diálogos, fundamentos, perspectivas. Belo Horizonte: ECI/UFMG, 2020. p. 21-52. , p. 46).

Nesse sentido, analisar e refletir sobre os elementos musicais é algo que deve ser desenvolvido pelos agentes mediadores, uma vez que esses elementos subsidiarão o processo de apropriação da informação, ao possibilitar a atribuição de sentidos e significados.

A utilização da música nas atividades de mediação da leitura caracteriza-se como uma ação promissora, pois, segundo Moura e Almeida, “O universo sonoro é rico em significados e representatividade, da qual o homem faz uso em seus mais diversos contextos.” ( MOURA; ALMEIDA, 2019MOURA, Josuel Vitorino de; ALMEIDA, Carlos Cândido de. Semiótica, música e organização do conhecimento: contribuindo para o debate. Ciência da Informação em Revista, Alagoas, v. 6, n. 1, p. 20-36, 2019. , p. 32). Portanto, o mediador, além de explorar a arte da música por meio dos sons e das vozes, pode utilizar imagens, gestos, danças, instrumentos, dentre outros elementos que fazem parte do universo musical, para enriquecer as atividades de mediação da leitura.

3 Percurso metodológico

Esta comunicação caracteriza-se, quanto ao objetivo, como descritiva, porque, de acordo com Gil (2010GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. ), esse tipo de pesquisa visa descrever as características de determinada população ou fenômeno. O método utilizado foi o estudo de caso, que “[...] consiste em estudar, profunda e exaustivamente, um ou mais objetos [...]” ( GIL, 2010GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. , p. 54). Este estudo foi realizado no âmbito do espetáculo Crianceiras, que reúne teatro, cinema de animação, música, literatura etc., com o intuito de aproximar os leitores das obras dos poetas Manoel de Barros e Mário Quintana.

O objetivo deste estudo foi evidenciar a utilização e a articulação de diferentes dispositivos informacionais no processo de mediação da leitura desenvolvido no espetáculo cênico-musical Crianceiras. Para coletar os dados, adotou-se como técnica a aplicação de questionário via e-mail. Tal instrumento foi composto de 13 questões abertas, divididas em duas categorias: categorização do projeto e utilização de dispositivos na mediação da leitura.

Na análise dos dados coletados, foi utilizada a abordagem qualitativa, que, de acordo com Minayo, trabalha com o universo de “[...] significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” ( MINAYO, 2001MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001., p. 21-22). Portanto, a abordagem qualitativa permeou a análise e a interpretação das informações obtidas por meio do questionário.

4 Apresentação e discussão dos resultados

A análise das respostas obtidas por meio do questionário, que foi respondido pelo responsável pelo Crianceiras, Márcio de Camillo - músico e idealizador do Projeto - possibilitou verificar o entrelace dos diversos dispositivos no espetáculo, com destaque para a literatura e a música. Quando questionado sobre o surgimento da ideia do Crianceiras e o que motivou essa iniciativa, Márcio de Camillo afirmou:

Eu era vizinho do poeta Manoel de Barros, em Campo Grande/MS, onde fui criado. Tínhamos um amigo em comum, o fotógrafo Marcelo Buainaim, que já estava trabalhando com a obra do poeta, através de suas imagens do Pantanal, e me fez uma primeira provocação: por que você não musicaliza os poemas do Manoel? Na época, eu era muito jovem e não me senti preparado. Anos depois, em 2007, num outro momento da minha carreira, depois de já ter desenvolvido alguns projetos de abrangência nacional, voltei à casa do poeta e pedi autorização para musicar sua obra; meu desejo era prestar minha homenagem a ele através da minha arte. Assim nasceu o CD CRIANCEIRAS MANOEL DE BARROS.

De acordo com a resposta, pode-se evidenciar que o poeta e o fotógrafo - amigos que ele cita em sua fala - foram duas referências. Cada um, com sua expressão artística, ampliou sua percepção quanto à pluralidade da leitura. Eles podem ser reconhecidos como mediadores que apoiaram Márcio de Camillo a expressar, por meio da música, sua leitura de mundo, as vivências e os saberes e se constituir como um mediador da leitura musical.

Tendo em mente o que é defendido por Almeida (2012ALMEIDA, Carlos Cândido de. Mediação como processo semiótico: em busca de bases conceituais. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa, v. 5, n. 1, p. 1-18, 2012. ) e Dumont (2020DUMONT, Lígia Maria Moreira. Construtos próprios sobre leitura na Ciência da Informação. In: DUMONT, Lígia Maria Moreira (org.). Leitor e leitura na Ciência da Informação: diálogos, fundamentos, perspectivas. Belo Horizonte: ECI/UFMG, 2020. p. 21-52. ) sobre sentido, compreende-se que, ao prestar essa homenagem e (re)interpretar os poemas por meio da música, Márcio de Camillo ressignificou e atribuiu novos sentidos à obra. Ele leu e se apropriou da ideia que o poeta queria expressar, possibilitando que fosse capaz de atribuir novos significados à obra por meio da música. Além disso, possibilitou que as obras - o poema e sua versão musicalizada - alcançassem outros públicos e pudessem rememorar lembranças e despertar sentimentos. Nesse aspecto, também podem ser notadas as leituras sensorial e emocional defendidas por Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ).

Quanto ao motivo para escolher os poetas Manoel de Barros e Mário Quintana, o entrevistado expôs:

No caso da obra do poeta Manoel de Barros, essa proximidade, física e artística; no caso do poeta Mário Quintana, por ter sido o primeiro livro de poesia que tive contato, ainda na minha adolescência, presente do meu professor de Literatura.

Com base na fala do respondente, pode-se inferir que tanto Manoel de Barros quanto Mário Quintana interferiram na formação de Márcio de Camillo como leitor. Pode-se dizer que uma interferência ocorreu de maneira direta, na vivência e nas experiências que constituíram a leitura de mundo, em um processo de interação presencial. A outra interferência - a de Mário Quintana - foi mediada pelo agente e pelo dispositivo livro, ou seja, o professor citado por ele mediou a leitura apresentando, por meio de um dispositivo, a possibilidade de constituir o Márcio de Camillo como leitor, também com a interferência de Mário Quintana. Assim, nesse segundo relato, existem três agentes mediadores da leitura que, por meio de suas interferências, provocaram atribuições de sentidos que permeiam sua produção artística e sua formação como leitor e mediador da leitura.

Ressalta-se, também, a motivação afetiva para escolher os poemas de Mário Quintana, porque, como ganhou o livro na adolescência, esse gesto o marcou de tal forma que o provocou a escolher esse poeta para o Crianceiras, reforçando o que Pieruccini (2007PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15. ) defende com relação à conduta afetiva e simbólica que os dispositivos informacionais podem atingir. Assim, ratifica-se que os diversos dispositivos e as sensações, sentimentos e sentidos atribuídos a partir do acesso a esses, como também as mensagens que seus produtores intencionaram compartilhar, devem ser considerados no processo de mediação da leitura.

Ao ser indagado sobre como foi pensada a escolha de um público-alvo para o Crianceiras, Márcio de Camillo conta que quem pensou em ofertar a ação para o público infantil foi a esposa:

Quem teve a ideia de destinar o CD Crianceiras Manoel de Barros para o público infantil foi minha esposa, que é psicóloga e tem esse contato mais estreito com o universo infantil, e assim que se aprofundou mais na obra dele, percebeu o quanto era próximo seu universo poético, do imaginário infantil. Inclusive, o nome do projeto, ela "pescou", do texto 'Manoel por Manoel', quando ele diz: ..."'então, trago de minhas raízes crianceiras" [...] E, nasce assim um projeto-família, que começou dentro da minha casa, com a minha filha conhecendo a poesia através da música, e dali em diante, contagiou as famílias das crianças que participaram do cd, depois do lançamento, as escolas de Campo Grande, e, parafraseando o poeta que diz, "poesia é voar fora da asa", a poesia ganhou asa, e segue alçando voos sem fronteiras, sejam elas, geográficas, geracionais, sociais […]

A fala dele ratifica a possibilidade de a mediação da leitura deixar-se permear por vivências e afetividade. Quando cita a esposa e a filha, ele demonstra que a mediação não está desassociada da vida dos sujeitos, antes, a leitura de mundo permeia a leitura das expressões que os sujeitos desenvolvem em suas práticas mediadoras. Portanto, a leitura e a constituição cultural e identitária estão imbricadas. Esse entrelaçamento da história de vida e da formação de mediador da leitura aproxima-se do entendimento de Santos, Sousa e Almeida Júnior (2021SANTOS, Raquel do Rosário; SOUSA, Ana Claudia Medeiros de; ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Os valores pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação consciente da informação. Informação & Informação, Paraná, v. 26, n. 1, p. 343-362, 2021. , p. 347), quando defendem que a atuação do mediador não se restringe às atribuições profissionais, mas se configura como “[...] uma concepção de vida imbuída de convicção da relevância do seu papel nos contextos socioculturais.”.

A partir da resposta de Márcio de Camillo, ratifica-se a importância dos dispositivos informacionais que se aproximam da reflexão realizada por Pieruccini (2007PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15. ), ao afirmar que, quando se apropria do conhecimento, o sujeito também está se apropriando do dispositivo informacional. Por isso que, ao ter um contato maior com as obras do poeta, a esposa do Márcio de Camillo conseguiu estabelecer associações com sua experiência profissional e indicar um público-alvo para a ação. Nota-se, ainda, que essa escolha foi feita no âmbito da subjetividade, como defendido por Vygotsky (2000VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.), visto que ela associou a leitura às suas vivências, reinterpretou-a e lhes atribuiu sentido.

Também é possível perceber o quanto o Crianceiras alcançou públicos para além do que o próprio idealizador havia previsto, fato que é claramente afirmado mais à frente, quando cita os dispositivos digitais. Em sua origem, o projeto que constituiu o Crianceiras adquiriu força no ambiente familiar do artista, com a participação ativa da esposa e da filha que experimentou uma ‘leitura sensorial’ ( MARTINS, 1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ) dos poemas musicalizados. Essa ambiência familiar, que fortalece a atribuição de sentidos à junção da poesia com a música, que contextualiza o processo inicial do projeto, ganhou novas dimensões e alcançou outros sujeitos, reforçando o que Oliveira Júnior e Cipola (2017OLIVEIRA JUNIOR, Ademir Pinto Adorno de; CIPOLA, Eva Sandra Monteiro. Musicalização no processo de aprendizagem infantil. Revista Científica UNAR, Araras, v. 15, n. 2, p. 126-141, 2017. ) defendem que, a música é um dispositivo que está presente em diversas situações da vida dos sujeitos e é considerada uma linguagem universal.

Na perspectiva de o espetáculo Crianceiras ser uma instância de mediação da leitura, foi perguntado a Márcio de Camillo qual a reação/interação do público com as atividades realizadas e quão importante eram essas reações/interações:

É sempre muito emocionante ver a reação do público, principalmente das crianças, incorporando a poesia de forma tão natural, hoje, percebo que toda criança já nasce poeta, e a cada dia, temos esse projeto sendo multiplicado através das ações realizadas a partir dele, pelos educadores e seus alunos. Jamais imaginei que iria tão longe, e que aquela homenagem ao poeta Manoel de Barros, se tornaria o meu projeto da vida! Quanto a participação/interação do público, atribuo a nossa parceria com a arte-educadora Cibelle Rosa, com quem desenvolvemos o projeto ‘Crianceiras Poesia na Prática’, cuja premissa é formar a plateia-artista, vivenciando a poesia em sala de aula através de atividades práticas, que partem das linguagens poéticas: música, dança, artes visuais. Esse ciclo de aprendizagem, começa com uma oficina artística para os educadores a partir do Cd e do Aplicativo Crianceiras Manoel de Barros, passando pela sala de aula, e culminando com a apresentação do espetáculo cênico-musical, com as crianças ‘atuando’ da plateia.

Em sua fala, quando cita o Crianceiras como um ‘projeto de vida’, Márcio reforça a percepção anterior apresentada e defendida por Santos, Sousa e Almeida Júnior (2021SANTOS, Raquel do Rosário; SOUSA, Ana Claudia Medeiros de; ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Os valores pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação consciente da informação. Informação & Informação, Paraná, v. 26, n. 1, p. 343-362, 2021. ) de que o agente mediador realiza suas ações como uma convicção de vida, ou seja, uma atuação para além da prática profissional que envolve os valores pragmático, afetivo e simbólico. Na perspectiva do valor simbólico, pode-se afirmar que ele é basilar para uma atuação que envolve o coletivo. Também se percebe uma articulação que inicia com uma postura protagonista do Márcio de Camillo e se amplia para as crianças que participam ativamente do espetáculo.

Trabalhar com crianças possibilita ao mediador perceber, com clareza, o que lhes agrada e se elas se identificam ou não com a ação. Essa é uma reação sincera. Mediante a resposta do entrevistado, nota-se esse envolvimento do público nas atividades. Nesse contexto, pode-se rememorar a importância dos pilares da oralidade estudados por Bortolin (2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ). É por meio da voz, do corpo, do espaço e da presença que os mediadores conseguem fascinar as crianças, fazer com que elas participem e se sintam livres para isso. Assim, o espetáculo adquire o movimento necessário para a participação de todos os envolvidos, articulando os artistas e as crianças que também são protagonistas dessa ação.

A formação da plateia-artista relatada por Márcio de Camillo e conduzida por uma educadora e parceira do Crianceiras evidencia também o pensamento de Mateus e Cavalcante (2017MATEUS, Bárbara Maria Vieira; CAVALCANTE, Luciane de Fátima Beckman. O uso da música na biblioteca escolar. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. Especial, p. 2020-2036, 2017. ) de que o aprendizado por meio da música promove a imaginação, a criatividade e o prazer. Assim, percebe-se, na prática, o quanto uma mediação da leitura musical pode ser completa, envolve diversos dispositivos, propõe a ludicidade e apresenta as atividades de modo leve e criativo, fazendo com que os sujeitos possam ressignificar sua perspectiva de mundo no encontro com a leitura.

Seguindo por essa percepção, Márcio de Camillo, ao ser questionado sobre a resposta do público em relação ao desenvolvimento do gosto pela leitura, aponta que é preciso agregar diferentes tipos de expressões e dispositivos de leitura.

Com o advento da internet, cada vez vai ficando mais difícil, prender a atenção das pessoas por mais tempo, numa única coisa. Por isso, penso que, agregar linguagens, além da escrita e da falada, contribui para que a leitura possa ser incorporada de forma lúdica e criativa. Atualmente, até a música está cada vez mais vinculada à imagem; os videoclipes por exemplo [...] o Crianceiras nasceu CD, migrou para a TV por assinatura em formato de videoclipes e depois, para os tablets e celulares através do aplicativo. Desde abril de 2020, também adaptamos nossas apresentações para o formato online, foi preciso nos reinventar, e aprendemos a criar emoção mesmo através da tela do computador. Inclusive, um lado positivo disso, foi que, chegamos em lugares, onde provavelmente, não teríamos ido presencialmente, muitas vezes pelo alto custo com logística.

O entrevistado ratifica a importante reflexão sobre a utilização de maneira associada das diferentes expressões, como a escrita, a oralidade, a imagem etc. nas atividades de mediação da leitura, como também os diversos dispositivos - CD, TV, ambiente físico e virtual - nos quais essa ação mediadora pode ser realizada e que podem ampliar as possibilidades de atribuir sentidos, visto que, em cada um desses dispositivos, novas percepções podem ser alcançadas.

O entendimento apresentado pelo artista, de agregar as distintas expressões à leitura, corrobora as reflexões apresentadas por Paulo Freire (1989FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989. ), Perrotti (1999PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação ao leitor). In: PADRO, Jason; CONDINI, Paulo (org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Agnus, 1999. p. 31- 43.) e Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ). Dessa maneira, ao compreender que a leitura vai além da linguagem verbal, é importante adotar a tecnologia de informação e comunicação e seus recursos, para ampliar as atividades de mediação da leitura com uma postura consciente e flexível por parte dos agentes mediadores, de estudar e adotar meios e métodos diversificados para realizar essas atividades. Entretanto, é preciso verificar o perfil do sujeito leitor e atuar no processo inclusivo e participativo dele, para que esse processo de ressignificação não tenha resultado diferente do objetivo proposto, que é uma atuação protagonista por parte de todos os envolvidos na mediação da leitura.

Devido ao contexto pandêmico iniciado em 2020, o Crianceiras passou a se apresentar em formato digital, em que Márcio de Camillo destaca a postura exigida do agente mediador, de provocar “emoção através da tela do computador”. Acredita-se que a criação de um ‘espaço’ ( BORTOLIN, 2010BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010. ) favorável à interação, para proporcionar conforto, mesmo que por meio de uma tela, foi essencial para que a emoção citada pelo artista fosse alcançada. Destaca-se que, apesar das circunstâncias, o artista observou o lado positivo da situação, porque, por causa dessa adaptação para o ambiente online, o Crianceiras chegou a lugares mais distantes, o que, talvez, fosse inviável presencialmente. Assim, essa conduta pode ser tomada como uma reflexão necessária dos demais agentes mediadores, que não se conformam com as barreiras que podem impactar sua atuação, percebem os desafios e buscam alternativas para ressignificar suas práticas.

Márcio de Camillo também foi questionado sobre o processo de criação e o que o inspira a escolher os dispositivos selecionados:

Eu criei a música, e ela, por si só, já é um instrumento de mediação de leitura. Nas apresentações que faço atualmente, sejam lives pelo instagram, youtube, ou aulas pelo Zoom, a música continua sendo a minha linguagem, e a emoção, sempre brota, quando estou interagindo com o público, e vendo o alcance orgânico que tem o Crianceiras.

Observando sua resposta, percebe-se que ele também compreende a importância de articular a música nas atividades de mediação da leitura. Essa percepção está associada à afirmação de Moura e de Almeida (2019MOURA, Josuel Vitorino de; ALMEIDA, Carlos Cândido de. Semiótica, música e organização do conhecimento: contribuindo para o debate. Ciência da Informação em Revista, Alagoas, v. 6, n. 1, p. 20-36, 2019. ), que atribuem à música a possibilidade de construir significados e representações. Vê-se, então, que, por meio da mediação da leitura musical, existe a potencialização da interação entre sujeitos e mediadores, porque ambos têm traços identitários e memorialísticos que podem ser evocados durante a ação.

Ao ser questionado acerca do dispositivo que mais desperta a atenção e a curiosidade dos leitores, Márcio de Camillo indicou o aplicativo do Crianceiras, por ser, segundo ele, completo e interativo e articular várias expressões. Essa ênfase ocorre porque a plataforma agrega música, videoclipes com animações, fotografias, desenhos, colagens etc., todos associados aos poemas. A ludicidade gerada com o uso desse dispositivo aproxima e integra os sujeitos (mediadores e leitores), o que é fundamental para o desenvolvimento e a formação cognitiva, social e cultural deles.

Ao ser perguntado sobre o processo de aprendizagem estimulado por meio da música nas atividades realizadas pelo Crianceiras, o entrevistado argumentou:

O projeto ‘Crianceiras Poesia na Prática’ foi criado para contribuir com o processo de ensino-aprendizagem, munindo o educador com uma oficina de arte-educação e um material de apoio para sala de aula, tendo sempre a música como pano de fundo para atividades lúdicas e criativas.

Márcio de Camillo destaca a interferência do projeto ao contribuir com a atuação dos educadores e favorecer a aprendizagem com as atividades lúdicas e criativas, subsidiadas pelo Crianceiras. Vê-se, então, a articulação entre diferentes instituições no processo de formação desse sujeito-leitor, que pode experienciar, de maneiras distintas, o encontro com a leitura. Essa ação favorece suas atividades-fim. Esse resultado demonstra que os mediadores precisam atuar de forma consciente e inovadora em prol de sua formação, visto que eles também ampliam seus repertórios e os do sujeito-leitor.

Indagado sobre se as atividades do Crianceiras influenciam o gosto e o prazer pela leitura, Márcio de Camillo expõe:

Penso que sim; esse intercâmbio de linguagens artísticas - música, poesia, dança, teatro, artes visuais, despertam emoção, que estará vinculada ao objeto livro, tornando a leitura, uma extensão daquela emoção positiva.

Nota-se, em suas reflexões, um fazer consciente, devido à importância e ao impacto das ações do Crianceiras na experiência leitora dos sujeitos, que, a partir dos vínculos afetivos estabelecidos pelo uso de múltiplas linguagens, geram sensações e sentimentos atrelados às leituras. Diante disso, é perceptível o alcance dos três níveis básicos de leitura propostos por Martins (1988MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. ), a citar: nível sensorial, que diz respeito aos sentidos - audição, visão, tato e gosto; nível emocional, que se trata das sensações e dos sentimentos, como a empatia e/ou a identificação com o que é lido; nível racional, que remete às reflexões provocadas pelas leituras, por vezes vinculadas ao seu contexto e às suas vivências.

Quanto à interferência da música no comportamento dos sujeitos, com base nas atividades realizadas pelo Crianceiras, Márcio de Camillo disse que “ o impacto vem da corporeificação, ou seja, o conteúdo passa pelo corpo, gera sensações, e a poesia é então incorporada.”. Assim, considerando a afirmação do entrevistado, entende-se que a música é uma expressão que pode auxiliar os leitores e os mediadores a atribuírem sentido, apoiando o processo de encontro entre esses sujeitos e a informação e contribuindo para que ocorra a apropriação tanto das informações quanto dos dispositivos utilizados na atividade mediadora.

Sobre às possíveis interferências da ambiência no espaço físico e virtual nas atividades realizadas pelo Crianceiras, Márcio de Camillo respondeu que a adaptação do espetáculo para o espaço online ressignificou suas percepções em relação à arte: “ Aprendi, com essa adaptação pro online, que, para a arte, não existe fronteiras!”. Assim, quando os diferentes dispositivos são utilizados de maneira consciente podem se complementar e contribuir para efetivar a ação e favorecer diferentes percepções, aprendizagens e aproximações entre os leitores, os agentes mediadores e os dispositivos informacionais que são utilizados e apresentados na atividade de mediação da leitura.

5 Considerações finais

Ao refletir sobre a utilização e a articulação de diferentes dispositivos nas atividades realizadas pelo espetáculo cênico-musical Crianceiras, que são reconhecidas, neste artigo, como atividades de mediação da leitura, pode-se afirmar que este espetáculo proporciona o encontro dos leitores com as informações, por meio da poesia musicalizada. Portanto, essa atuação se configura como uma mediação da leitura musical que interfere, de maneira consciente, na formação dos sujeitos envolvidos.

O Crianceiras utiliza diversos dispositivos em sua ação, toma como dispositivo-base a música e a articula com o teatro, a dança, os poemas etc., com o objetivo de provocar sensações e emoções nos sujeitos e favorecer a formação de sujeitos-leitores que podem se apropriar das várias expressões artísticas somadas com a leitura.

A experiência proporcionada pelo Crianceiras reforça o que foi discutido sobre a importância de compreender a leitura como uma ação ampla, que articula expressões verbais e não verbais, porque, quando se lê, todo o contexto sociocultural que envolve o sujeito influencia sua interpretação e seu processo de ressignificação. Além disso, é possível perceber a música como um dispositivo importante nas atividades de mediação da leitura, porque ela é, ao mesmo tempo, um dispositivo que informa e favorece expressões por parte dos sujeitos, possibilita o compartilhamento de sentimentos e de vivências e subsidia o desenvolvimento crítico, cognitivo e artístico dos sujeitos-leitores.

Pode-se entender que, ao abranger dispositivos como a poesia, a literatura e a música, a mediação da leitura musical favorece a formação do sujeito-leitor e amplia suas percepções para as diversas possibilidades de se expressar e dispositivos que pode adotar. Nesse sentido, é necessário que o mediador da leitura possa identificar as expectativas dos sujeitos-leitores, adotando meios, planejando ações inovadoras e utilizando diversos dispositivos que possam ampliar as atividades e apoiar o alcance de um processo formativo e consciente que está em constante ressignificação.

Referências

  • ALMEIDA, Carlos Cândido de. Mediação como processo semiótico: em busca de bases conceituais. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, João Pessoa, v. 5, n. 1, p. 1-18, 2012.
  • BORTOLIN, Sueli. Mediação oral da literatura: a voz dos bibliotecários lendo ou narrando. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho, São Paulo, 2010.
  • BORTOLIN, Sueli et alOralidade, mediação da informação e da literatura na escola. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 16., 2015, João Pessoa. Anais eletrônicos [...]. João Pessoa: UFPB, 2015. p. 1-17.
  • DUMONT, Lígia Maria Moreira. Construtos próprios sobre leitura na Ciência da Informação. In: DUMONT, Lígia Maria Moreira (org.). Leitor e leitura na Ciência da Informação: diálogos, fundamentos, perspectivas. Belo Horizonte: ECI/UFMG, 2020. p. 21-52.
  • FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
  • GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
  • MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
  • MATEUS, Bárbara Maria Vieira; CAVALCANTE, Luciane de Fátima Beckman. O uso da música na biblioteca escolar. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, n. Especial, p. 2020-2036, 2017.
  • MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
  • MOURA, Josuel Vitorino de; ALMEIDA, Carlos Cândido de. Semiótica, música e organização do conhecimento: contribuindo para o debate. Ciência da Informação em Revista, Alagoas, v. 6, n. 1, p. 20-36, 2019.
  • NOGUEIRA, Monique Andries. A música e o desenvolvimento da criança. Revista UFG, Goiás, v. 6, n. 2, p. 22-25, 2004.
  • OLIVEIRA JUNIOR, Ademir Pinto Adorno de; CIPOLA, Eva Sandra Monteiro. Musicalização no processo de aprendizagem infantil. Revista Científica UNAR, Araras, v. 15, n. 2, p. 126-141, 2017.
  • PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins (apontamentos sobre a formação ao leitor). In: PADRO, Jason; CONDINI, Paulo (org.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Agnus, 1999. p. 31- 43.
  • PIERUCCINI, Ivete. Ordem informacional dialógica: mediação como apropriação da informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 8., Salvador. Anais eletrônicos [...] Salvador: UFBA, 2007. p. 1-15.
  • SANTOS, Raquel do Rosário; SOUSA, Ana Claudia Medeiros de; ALMEIDA JÚNIOR, Oswaldo Francisco de. Os valores pragmático, afetivo e simbólico no processo de mediação consciente da informação. Informação & Informação, Paraná, v. 26, n. 1, p. 343-362, 2021.
  • VYGOTSKY, Lev Semionovitch. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2022
  • Aceito
    24 Jun 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Ramiro Barcelos, 2705, sala 519 , CEP: 90035-007., Fone: +55 (51) 3308- 2141 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: emquestao@ufrgs.br