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Inovação em segurança pública: um estudo bibliométrico

Innovation in public security: a bibliometric study

Resumo:

Segurança pública é tema complexo que compreende diversas linguagens, atores e disciplinas. Ela é interpretada a partir de múltiplos paradigmas e sob distintas abordagens, que influenciam desde as etapas mais abstratas de conceituação e percepção da insegurança, até fases de dissenso acerca das propostas concretas para seu enfrentamento e controle. Cada vez mais, governança pública, academia, iniciativa privada, sociedade civil articulam-se, em rede, para tratar deste assunto que repercute nos direitos humanos mais fundamentais. Essa multiplicidade de olhares precisa ser cuidadosamente compreendida e sintetizada. Por essa razão, desenvolve-se o presente estudo que objetiva traçar o quadro geral do conhecimento científico publicado acerca da inovação em segurança pública. Trata-se de estudo descritivo, de abordagem quantitativa e do tipo revisão bibliométrica. Foram analisadas 261 publicações, sem filtro de tempo, espaço ou linguagem, encontradas na base de dados da Scopus, a partir da sintaxe: (“ Public SecurityorPublic Safety”) and Innovation. Os resultados evidenciam que há dois fortes movimentos, não dicotômicos, sendo desenvolvidos, em concomitância, na área de segurança pública: o primeiro, mais disciplinar, tem enfoque no desenvolvimento de tecnologias e na gestão da informação; o segundo, com enfoque mais transdisciplinar, trata, sobretudo, de ocupação territorial inteligente. De forma mais específica, identificou-se cinco eixos temáticos nos artigos: tecnologias, ocupação territorial, aplicação da lei, administração e saúde. Outro ponto, percebido, ao se medir os fluxos de comunicação, foi a constatação que as redes internacionais de colaboração entre pesquisadores ainda são efêmeras, o que pode sugerir carência no amadurecimento das redes de aprendizagem.

Palavras-chave:
segurança pública; inovação; bibliometria; smart city; ocupação territorial

Abstract:

Public security is a complex topic that encompasses different languages, actors and disciplines. It is interpreted from multiple paradigms and under different approaches that influence, from the most abstract stages of conceptualization and perception of insecurity, to phases of dissent about concrete proposals for its confrontation and control. Increasingly, public governance, academics, the private sector, and civil society are joining together in a network to address this issue, which has repercussions on the most fundamental human rights. This multiplicity of perspectives needs to be carefully understood and synthesized. For this reason, the present study was developed, which aims to outline the general picture of published scientific knowledge about innovation in public security. This is a descriptive study, with a quantitative approach and a bibliometric review. 261 publications were analyzed, without time, space or language filter, found in the Scopus database, based on the syntax: (“Public Security” or “Public Safety”) and Innovation. The results show that there are two strong, non-dichotomous movements being developed, concurrently, in the area of ​​public security: the first, more disciplinary, focuses on the development of technologies and information management; the second, with a more transdisciplinary focus, deals, above all, with intelligent territorial occupation. More specifically, five thematic axes were identified in the articles: technologies, territorial occupation, law enforcement, administration and health. Another point, noticed when measuring communication flows, was the finding that international collaboration networks between researchers are still ephemeral, which may suggest a lack of maturation of learning networks.

Keywords:
public security; innovation; bibliometrics; smart city; territorial occupation

1 Introdução

É fato notório que a preocupação com segurança pública ocupa lugar de destaque na Gestão e na Governança, tanto pública quanto privada, no jornalismo, nas conversas informais, nas mais diversas agendas etc. Como será visto no tópico quatro, foi, contudo, a partir da década de 1970 que o tema começou a ganhar espaço também na literatura científica que trata de inovação.

Essa profusão de debates técnicos, científicos e interpessoais traduz as múltiplas realidades de segurança pública experienciadas ao redor do globo. Contextos sociais distintos que se materializam através de variáveis relativamente comuns de insegurança como, por exemplo: os índices internacionais de violência em desfavor de homens jovens, de mulheres em razão do gênero, de crianças e adolescentes, de minorias, bem como, das variações dos tipos penais em razão do espaço e da condição social dos sujeitos ativo e passivo envolvidos.

Abordando o caso específico do Brasil, dados recentes do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2021), demonstram, sobre o ano de 2020, aumento do número de mortes violentas em geral (4%); aumento de morte de crianças de zero a 11 anos (1,9%) e adolescentes de 12 a 19 anos (3,6%); aumento na letalidade policial (0,3%); aumento da morte de mulheres (0,7%) e, da mesma forma, elevação do número de morte (24,7%) e de violência (20,9%) contra a população LGBTQIA+. A mesma obra, em sentido inverso, aponta redução do número de crimes contra o patrimônio: roubo de veículos (-26,9%); roubo a estabelecimento comercial (-27,1%); roubo à residência (-16,6%); roubo à transeunte (-36,2%); roubo de carga (-25,4%).

Já em 2021, houve alteração na ordem citada no parágrafo anterior. Foram menos mortes violentas intencionais (47.503), uma redução de 6,5% na taxa por 100 mil habitantes, e mais crimes contra o patrimônio: roubo a estabelecimento comercial (6,5%); roubo à residência (4,7%); roubo de carga (2,4%). Aumento nos casos de racismo (31%). Aumento também na violência contra LGBTQIA+, especificamente: agressão (35,2%), homicídio (7,2%), estupro (88,4%). No mesmo sentido, aumento na violência contra a mulher: agressão doméstica (0,6%), ameaça (3,3%), medidas protetivas de urgência (13,6%). Aumento também na violência cometida contra a criança e adolescente: 26% entre zero e quatro anos e 36% entre cinco e nove anos ( FBSP, 2022FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022.). Fato é que, com poucas exceções, como em 2015, 2018, 2019, 2021, o quadro de mortes violentas tem se agravado, permanecendo em níveis elevados.

De fato, a análise histórica dos dados de segurança pública faz suscitar a hipótese, bastante plausível, de que as formas mais tradicionais de desenvolver e aplicar políticas de segurança pública merecem ser continuamente revisitadas por não lograrem êxito satisfatório. Nesse sentido, há profusão de trabalhos a questionar os modelos e paradigmas atuais de segurança pública: Bayley e Skilnick (2006BAYLEY, D. H.; SKOLNICK, H. J. Nova polícia: inovações nas polícias de seis cidades norte-americanas. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.), Ruediger e Lima (2021RUEDIGER, M. A.; LIMA R. S. (org). Segurança pública após 1988: história de uma construção inacabada. Rio de Janeiro: FGV, 2021.), Fabretti (2014FABRETTI, H. B. Segurança pública: fundamentos jurídicos para uma abordagem constitucional. São Paulo: Atlas, 2014. ), Vargas (2020VARGAS, D. B. Segurança pública: um projeto para o Brasil. São Paulo: Contracorrente, 2020.), Lima e Bueno ( 2015LIMA, R. S. L.; BUENO, S. Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. São Paulo: Alameda, 2015.), Garriott (2018GARRIOTT, W. (org). Policiamento e governança contemporânea: a antropologia da polícia na prática. São Paulo: Unicamp, 2018.) entre muitos outros.

Acredita-se que a leitura comparada das publicações científicas pode evidenciar a existência de movimentos de inovação em segurança pública com intuito de transformar o referido quadro de violência e criminalidade. Um papel que se torna ainda mais premente diante da fragilidade metodológica de dados oficiais como apontado pelo Atlas da Violência de 2021 ( CERQUEIRA et al., 2021CERQUEIRA, D. et al. Atlas da violência 2021. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, 2021.). Ainda, segundo Cano (2006CANO, I. Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 136-155, 2006., p. 137):

[...] o notável avanço da criminalidade trouxe o tema da segurança pública para a agenda política e social, da qual não sairia nunca mais. O fracasso das políticas tradicionais no controle da criminalidade e da violência abriu espaço para reformas e propostas inovadoras.

Em suma, a questão de pesquisa que mobiliza o presente trabalho é: qual o perfil e o padrão de desenvolvimento da literatura científica sobre inovação na segurança pública? O objetivo deste estudo, por sua vez, é: analisar o perfil das publicações acadêmicas, nacionais e internacionais, e das suas redes de aprendizagem, discutindo a produtividade científica e identificando os trabalhos mais relevantes para os constructos: segurança pública e inovação.

2 Referencial teórico

A função primeira do Estado, nos ensina Hobbes (2003HOBBES, T. Leviatã ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ), é garantir paz social, livrando o homem do jugo de viver em perene estado de natureza onde impera a lei do mais forte.

Reconhecendo, então, que a função do Estado é suprir as necessidades de segurança, bem como, que os atuais dados estatísticos de violência e criminalidade ( FBSP 2019FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2019. São Paulo: FBSP, 2019.; FBSP 2020FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2020. São Paulo: FBSP, 2020.; FBSP 2021FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2021. São Paulo: FBSP, 2021.; FBSP 2022FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022.) podem conduzir questionamentos válidos acerca da eficiência estatal em provê-la satisfatoriamente, cabe investigar a contribuição da ciência moderna para tratar do problema.

Uma forma particularmente útil de abordagem científica para questões transdisciplinares, polissêmicas e complexas como a segurança pública é a bibliometria.

Este tipo de estudo foi definido, em seus primórdios, como: “a aplicação de métodos matemáticos e estatísticos a livros e outros meios de comunicação” ( PRITCHARD, 1969PRITCHARD, A. Statistical bibliography or bibliometrics? Journal of Documentation, Yorkshire, v. 25, n. 4, p. 348-349, 1969. , p. 348, tradução nossa). Mais recentemente, um trabalho bibliométrico é definido por Café e Bräscher (2008CAFÉ, L.; BRÄSCHER, M. Organização da informação e bibliometria. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 13, n. esp, p. 54-75, 2008. , p. 54) como: “um conjunto de leis e princípios aplicados a métodos estatísticos e matemáticos que visam o mapeamento da produtividade científica de periódicos, autores e representação da informação”. No mesmo sentido, Araújo (2006ARAÚJO, C. A. A. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Em questão, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-32, 2006., p. 12) define a bibliometria como “técnica quantitativa e estatística de medição dos índices de produção e disseminação do conhecimento científico”.

As bibliometrias se desenvolveram do que se costumava chamar, até 1969, de bibliografia estatística e, hoje, são aplicadas nos mais diversos campos do saber. Quanto à origem do termo, há certo dissenso sobre quem o criou. Há quem defenda que foi Pritchard em 1969PRITCHARD, A. Statistical bibliography or bibliometrics? Journal of Documentation, Yorkshire, v. 25, n. 4, p. 348-349, 1969. ( LAWANI, 1981LAWANI, S. M. Bibliometrics: its theoretical foundations, methods and applications. Libri, Berlin, v. 31, n. 4, p. 294-315, 1981. ; SENGUPTA, 1992SENGUPTA, I. N. Bibliometrics, Informetrics, Scientometrics and Librametrics: an overview. Libri, Berlin, v. 42, n. 2, 1992. ; MACIAS-CHAPULA, 1998MACIAS-CHAPULA, C. A. O papel da informetria e da cienciometria e sua perspectiva nacional e internacional. Ciência da informação, Brasília, v. 27, n. 2, 1998.; GLÄNZEL, 2003GLÄNZEL, W. Bibliometrics as a research field: a course on theory and application of bibliometric indicators. Budapest: Course Handouts, 2003. , p. 6). Por outro lado, há quem defenda que foi Paul Otlet em 1934 ( VANTI, 2002VANTI, N. A. P. Da bibliometria à webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da informação, Brasília, v. 31, n. 2, p. 369-379, 2002.; ROUSSEAU, 2014ROUSSEAU, R. Forgotten founder of bibliometrics. Nature, Berlin, v. 510, n. 7504, p. 218-218, 2014. ). Segundo Vanti (2002VANTI, N. A. P. Da bibliometria à webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da informação, Brasília, v. 31, n. 2, p. 369-379, 2002.), Paul Otlet criou a expressão e Pritchard popularizou-a.

De fato, a bibliometria tem vantagens na objetividade e transparência de resultados. Baseada em métodos matemáticos já validados, ela dispõe de instrumental adequado para sintetizar um tema, analisando-o em seus múltiplos delineamentos metodológicos, ilustrando os subtemas em ascensão e em declínio, as redes de coprodução, os documentos de maior impacto etc. Outra vantagem dessa objetividade e transparência é reduzir eventuais tendenciosidades do pesquisador. Nas palavras de Aria e Cuccurullo (2017ARIA, M.; CUCCURULLO, C. Bibliometrix: an R-tool for comprehensive cience mapping analysis. Journal of informetrics, Amsterdã, v. 11, n. 4, p. 959-975, 2017.) e Glänzel (2003GLÄNZEL, W. Bibliometrics as a research field: a course on theory and application of bibliometric indicators. Budapest: Course Handouts, 2003. ):

O uso da bibliometria está gradualmente se estendendo a todas as disciplinas. É particularmente adequado para mapeamento científico em um momento em que a ênfase em contribuições empíricas está produzindo fluxos de pesquisa volumosos, fragmentados e controversos. [...] Três tipos gerais de questões de pesquisa podem ser respondidas usando bibliometria para mapeamento científico: (i) identificar a base de conhecimento de um tópico ou campo de pesquisa e sua estrutura intelectual; (ii) examinar a frente de pesquisa (ou estrutura conceitual) de um tópico ou campo de pesquisa; e (iii) produzir uma estrutura de rede social de uma determinada comunidade científica ( ARIA; CUCCURULLO, 2017ARIA, M.; CUCCURULLO, C. Bibliometrix: an R-tool for comprehensive cience mapping analysis. Journal of informetrics, Amsterdã, v. 11, n. 4, p. 959-975, 2017., p. 960, tradução nossa).

Hoje, a bibliometria é um dos raros campos de pesquisa verdadeiramente interdisciplinares a se estender a quase todos os campos científicos ( GLÄNZEL, 2003GLÄNZEL, W. Bibliometrics as a research field: a course on theory and application of bibliometric indicators. Budapest: Course Handouts, 2003. , p. 5, tradução nossa).

No azo, vale comentar a importante teoria de Glänzel (2003GLÄNZEL, W. Bibliometrics as a research field: a course on theory and application of bibliometric indicators. Budapest: Course Handouts, 2003. ) pela qual as bibliometrias contemporâneas podem ser divididas segundo três grupos-alvo, G1, G2 e G3. Explica-se: O grupo um é denominado Bibliometria para profissionais da Bibliometria (G1). É representado por bibliometrias de base, possuindo vocação para pesquisas metodológicas e para a teoria das próprias bibliometrias. O grupo dois, ao qual a atual pesquisa pertence, conjuga as denominadas Bibliometrias Aplicadas (G2), sendo o maior e o mais diverso dos grupos, surgindo quando já há certo acúmulo de pesquisas sobre um tema, podendo ser utilizado por pesquisadores de muitas áreas do saber para produzir conhecimento. Por fim, o grupo três, Bibliometria para a política científica e gestão (G3), considerado pelo autor da teoria como o mais importante dos grupos tem o objetivo de orientar as próprias estruturas da ciência.

Aria e Cuccurullo (2017ARIA, M.; CUCCURULLO, C. Bibliometrix: an R-tool for comprehensive cience mapping analysis. Journal of informetrics, Amsterdã, v. 11, n. 4, p. 959-975, 2017.), explicam ainda que o fluxo de trabalho para mapeamento científico, via estudo bibliométrico, consiste em cinco etapas, as quais foram adotadas no presente trabalho. O protocolo de pesquisa tem início com a formulação da pergunta de pesquisa e o delineamento do estudo; coleta de dados; análise de dados; visualização dos dados e; por fim, a interpretação.

Nesse sentido, a análise e a visualização dos dados decorrem de fórmulas matemáticas já testadas por inúmeros estudos. Nada obstante, os métodos bibliométricos continuam sendo paulatinamente aprimorados, como demonstrado por Araújo (2006ARAÚJO, C. A. A. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Em questão, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 11-32, 2006.).

As três leis clássicas da bibliometria são: a lei de Lotka, de 1926, que foca nos autores e o impacto de suas publicações; a lei de Bradford, de 1934, que trata da dispersão da literatura e seus temas; a lei de Zipf, de 1949, que serve para análise das palavras (unigramas, bigramas e trigramas) presentes nas publicações ( ALVARADO, 1984ALVARADO, R. U. A bibliometria no Brasil. Ciência da informação, Brasília, v. 13, n. 2, 1984.). Acerca da definição desses métodos matemáticos, transcreve-se:

Bradford objetiva conhecer o núcleo de periódicos produzido em determinado tema, Lotka visa definir as maiores contribuições de pesquisadores em determinadas áreas do conhecimento e Zipf pontua a frequência com que certas palavras aparecem nos textos científicos de maneira a definir sua representatividade neste contexto ( CAFÉ; BRÄSCHER, 2008CAFÉ, L.; BRÄSCHER, M. Organização da informação e bibliometria. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 13, n. esp, p. 54-75, 2008. , p. 54).

Por fim, uma observação deve ser feita. A expressão segurança pública é polissêmica. Ele pode denotar, por exemplo, o combate à criminalidade e a manutenção da ordem pública, pode receber um significado mais amplo como o de garantia da segurança social, razão pela qual hoje se fala também de segurança humana, cultural, ambiental, alimentar, genética etc. No trabalho em baila, contudo, o conceito adotado não será nenhum desses. Aqui, será adotado um conceito sintático e não semântico, ou seja, a definição estará cingida pelo conteúdo das publicações científicas que trazem o vocábulo segurança pública, conforme metodologia de pesquisa apresentada a seguir.

3 Metodologia

A presente pesquisa é de abordagem quali-quantitativa, de objetivo descritivo e visa auxiliar a compreensão do panorama geral acerca dos estudos científicos que tratam de inovação e segurança pública. Serão analisadas as variáveis (i) documentos, (ii) autores e (iii) periódicos e seus elementos, tais como: título, resumo, palavras-chave, ano de publicação, fator de impacto, número de citações, redes de colaboração internacionais, documentos mais importantes para área, principais eixos temáticos, suas correlações entre outras. Segue-se detalhamento metodológico.

Para o desenvolvimento de uma revisão metodologicamente assertiva, iniciou-se a pesquisa tentando identificar os descritores (vocabulário controlado) mais adequados para descrever o assunto. Foram feitas consultas aos tesauros internacionais da Unesco; Science Direct Elsevier e; Eurovoc, por expressões como Public Security, Public Safety, Innovation, contudo, os resultados não foram satisfatórios devido à ausência de algumas das palavras, razão pela qual mesclou-se linguagem natural e cabeçalhos de assunto.

Considerando que não será feito recorte espacial ou de linguagem, optou-se por privilegiar as expressões em inglês. Assim, estabeleceu-se, como critério de busca, as palavras-chave: Public Safety, Public Security e Innovation. Em fevereiro de 2022, o autor realizou pesquisa preliminar para identificar o que as bases de dados dispunham sobre o tema. Utilizou-se, como parâmetro de busca, a presença da sintaxe: (“ Public SecurityORPublic Safety”) AND Innovation. Pesquisou-se os seguintes repositórios: (i) Scopus e (ii) Web of Science e (iii) Scielo ( Tabela 1).

Foi considerado como critério de exclusão a publicação ser do tipo Errata ou Nota. Inclusos, portanto: Article; Conference Paper; Book; Book Chapter; Review; Conference Review; Short Survey, contendo ou não evidências empíricas. Por fim, a base escolhida foi a Scopus, eleita por possuir o maior número de resultados.

Tabela 1 -
Nº de publicações por base de dados

É imperioso destacar que a pergunta realizada aos motores de busca da Scopus foi acerca dos trabalhos que contivessem a expressão (“ Public Security” or “ Public Safety”) and Innovation apenas em seu título, resumo ou palavras-chave para, assim, reduzir o número de falsos positivos.

Como possível limitação do estudo, destaca-se a utilização de descritores apenas em língua inglesa e a possibilidade de que a matéria escopo desse artigo transite, significativamente, na literatura cinzenta e não em periódicos indexados, fato comum em algumas ciências de base tecnológica, como demonstrado por Glänzel e Schoepflin (1999GLÄNZEL, W.; SCHOEPFLIN, U. A bibliometric study of reference literature in the sciences and social sciences. Information processing & management, Oxford, v. 35, n. 1, p. 31-44, 1999.).

Por fim, as informações aqui apresentadas foram tratadas por meio do software R.Studio, versão 1.4; ambiente R Script, versão 4.1.0; Microsoft Excel 2019 e análise provenientes das próprias bases de dados Scopus. Tudo com foco nos trabalhos científicos publicados até 23/02/2022.

4 Resultados

Esta seção foi construída para analisar a dinâmica do tema inovação em segurança pública enquanto objeto de pesquisas acadêmicas, segundo bases de dados Scopus. A pesquisa retornou 261 pesquisas, publicadas ou no prelo, entre 1973 e 2022.

Considerando o quantitativo global de trabalhos, o tema, que começou a se desenvolver na década de 1970, atingiu seu ápice em 2018 quando foi alvo de 26 publicações. No último triênio (2019-2021), contudo, houve declínio no número de publicações. Veja-se a distribuição temporal das pesquisas no gráfico 1 que se segue.

Gráfico 1 -
Distribuição temporal dos 261 trabalhos mapeados

A distribuição no tempo das pesquisas ( Gráfico 1) que tratam do binômio “segurança pública/inovação” tem uma trajetória irregular, com aclives e declives bastante acentuados, o que pode revelar que o tema tem uma base teórica ainda em fase de consolidação. Outra possibilidade é que ele se caracterize por transformações rápidas e sucessivas nos objetos de pesquisa, pois como será visto há uma forte influência de aspectos tecnológicos permeando o tema. Lembra-se que a literatura cinzenta não está representada nesse trabalho e que ela pode representar uma proporção importante de conhecimento para compreensão do supracitado binômio. Fato já advertido por Glänzel e Schoepflin (1999GLÄNZEL, W.; SCHOEPFLIN, U. A bibliometric study of reference literature in the sciences and social sciences. Information processing & management, Oxford, v. 35, n. 1, p. 31-44, 1999.).

Para melhor ilustrar o tema, vale apresentar também a nuvem de palavras extraída a partir da inspeção das 261 publicações, considerando os bigramas que compõem os resumos dessas obras. Observe-se, abaixo, a Figura 1.

Figura 1 -
Nuvem de palavras dos bigramas mais frequentes nos resumos

As expressões public safety e public security não foram consideradas na elaboração da nuvem de palavras uma vez que já estão expressas na sintaxe de pesquisa, razão pela qual foram retiradas da figura acima. Algo que vale destacar na análise da nuvem é a elevada frequência das expressões Smart City (27) e Smart Cities (14), que juntas aparecem em um total de 41 vezes, configurando, dessa forma, o segundo subtema mais presente nos trabalhos científicos, ficando atrás apenas de Information Systems (55).

A seguir, na tabela 2 abaixo, vemos de forma mais detalhada os dez bigramas mais recorrentes na literatura. Alerta-se, contudo, que os bigramas foram selecionados e destacados, analisando subtemas segundo relevância, frequência e localização deles nos resumos das obras. Expressões já constantes na sintaxe de pesquisa foram excluídas da tabela 2, a saber: Public Safety e Public Security.

Tabela 2 -
Subtemas com maior destaque nos resumos da literatura

Pela análise dos resumos dos trabalhos percebe-se ainda a existência cinco grandes eixos temáticos de pesquisas sendo desenvolvidos pela academia dentro do contexto das inovações em segurança pública, são eles: (E1) eixo tecnológico; (E2) eixo ocupação territorial inteligente; (E3) eixo aplicação da lei; (E4) eixo administrativo; (E5) eixo saúde.

Pelo eixo tecnológico (E1) os pesquisadores têm buscado abordar a questão dos sistemas de informação e seu desenvolvimento, segurança da informação e das redes, mídias sociais, inteligência artificial, veículos autônomos, análise de dados, computação nas nuvens, long term evolution etc. Trata-se do eixo com temas mais interligados aos demais.

Pelo eixo da ocupação territorial (E2), discute-se a segurança pública no campo das cidades inteligentes e da sustentabilidade. No eixo da aplicação da lei (E3), os subtemas compreendem os sistemas de justiça, penitenciários, de persecução criminal, bem como aspectos ligados aos seus agentes e à prestação de serviços públicos específicos. No eixo administrativo (E4), agrupam-se temas ligados à gestão e à governança da segurança pública, seus processos e suas modelagens. Por último, no eixo saúde (E5), discute-se a saúde física e emocional, tanto de indivíduos quanto de grupos, através de assuntos que perpassam desde a Covid-19 e saúde mental até questões estruturais como sistemas de cuidados em saúde.

Abaixo, a Figura 2 demonstra alguns dos subtemas mais comumente encontrados nos trabalhos científicos com foco em inovação e segurança pública. Importante apontar que os assuntos foram divididos em eixos apenas para fins didáticos. O rol é exemplificativo, não significando esgotamento dessas categorias. Dessa forma, um tema pode perfeitamente ocupar variados eixos, conforme for a abordagem e o enfoque da pesquisa.

Figura 2 -
Eixos e principais temas abordados nos resumos da literatura

A figura dois foi construída a partir: (i) das correlações dos bigramas dos resumos da literatura, o que permite aferir proximidade e distanciamento entre termos e; (i) da semelhança semântica entre as expressões. Vale destacar, que todos os eixos estão conectados. O eixo um, por exemplo, não existe por si mesmo, ele é fortemente relacionado com os demais, em especial com o eixo dois. A representação em cinco blocos objetiva apenas para uma categorização mais clara. A título de exemplo, destaca-se “ Organizational Culture”, um tema administrativo, sabidamente de interesse da Knowledge Management, mas que aparece relacionado à “ Public Security” e depois à “ Law Enforcement”. Tal arranjo pode indicar que os trabalhos que abordam inovação em segurança pública têm, como uma de suas muitas temáticas, a cultura organizacional das polícias. Com isso, indica-se que os eixos não devem ser interpretados como classes estanques.

Uma vez demonstrado os principais assuntos e abordagens feitas pelos resumos da literatura, passa-se a apresentar agora o comportamento das palavras-chaves escolhidas pelos autores das pesquisas para a compreensão geral dos caminhos que o tema vem percorrendo. Desta forma, a análise das 20 palavras com maior frequência entre as keywords autorais evidencia a ascensão do tema Smart City, cuja trajetória se iniciou em 2014 e hoje é a segunda maior do espectro, ficando atrás apenas de Public Safety, que pode ser desconsiderada uma vez que trata da própria expressão utilizada nos motores de busca. Ou seja, a ocupação territorial inteligente é o subtema mais presente quando observamos as palavras-chave dos autores e o segundo maior quando analisamos os resumos.

Detalha-se, em ordem decrescente de apresentação, as 20 palavras-chave mais presentes entre os autores(as): public safety (12); smart city (11); innovation (9); internet of things (7); public security (5); big data (4); china (4); regulation (4); blockchain (3); communication (3); cryptocurrency (3); information systems (3); innovation diffusion (3); law enforcement (3); organizational culture (3); police (3); public administration (3); risk management (3); security (3); work teams (3).

Observando a figura 3 abaixo é possível perceber que o eixo 02, em que se encontram as smart cities, é tratado sob um forte viés tecnológico, mas que também aborda, embora perifericamente, subtemas de base como resiliência, educação, bem estar social e sustentabilidade.

Figura 3 -
Subtemas relacionados ao eixo 2, cluster Ocupação Territorial

De forma complementar, apresenta-se a figura 4, que investiga a rede formada pela estrutura intelectual da literatura compulsada. Nessa imagem, conseguimos perceber as inter-relações entre cinco diferentes clusters (azul, verde, laranja, marrom e lilás) e mais dois menores (vermelho e rosa) que aparecem isolados sem comunicação direta.

Figura 4 -
Rede de subtemas segundo palavras-chave dos autores

Esses clusters confirmam a prevalência de estudos que abordam questões tecnológicas, de ocupação territorial inteligente, de aplicação da lei e governança. Por outro lado, os subtemas envolvendo saúde (eixo 4), que aparecem na análise dos resumos, tem pouca prevalência quando o objeto de pesquisa são as palavras-chave dos autores, o que pode traduzir um interesse menos central desse campo.

Abordando agora a questão da produtividade científica internacional, considerando as 261 pesquisas já publicadas sobre o tema, o Brasil ocupa a 4ª colocação com a publicação de 11 trabalhos. Em ordem decrescente de registros, temos as seguintes colocações: 1º Estados Unidos (105); 2º China (21); 3º Canadá (19); 4º Brasil (11); 5º Índia (10); 6º Alemanha (8); 7º Reino Unido (7); 8ª França (6); 9º Itália (6); 10º Holanda (6). Todavia, quando se analisa os trabalhos mais citados o Brasil cai para a 18ª posição com apenas quatro citações. No primeiro lugar, permanecem os Estados Unidos que acumulam um total de 834 citações em seus artigos. Em seguida aparecem Canadá com 312 citações e China com 81.

Analisando a colaboração entre os países para a produção científica, revela-se que a rede internacional de cocriação é ainda bastante frágil na área. O vínculo mais forte é formado por Estados Unidos e Canadá que compartilham apenas cinco trabalhos. Todas as demais ligações baseiam-se no compartilhamento de uma ou, no máximo, duas ligações. No caso dos onze trabalhos que envolvem o Brasil, dois deles contam com parcerias internacionais, um com os Estados Unidos e outro com a Coreia do Sul.

No tocante às instituições brasileiras que mais têm trabalhado a questão da inovação em segurança pública, vale destacar: (a) Fundação Getúlio Vargas; (b) Universidade Federal de Itajubá, cada uma participando com duas pesquisas; Outras instituições a citar são: (c) Universidade Federal de Minas Gerais; (d) Universidade Estadual do Norte do Paraná; (e) Universidade de Brasília; (f) Universidade Federal do Rio Grande do Norte; (g) Universidade Federal de Lavras; (h) Universidade de São Paulo; (i) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; (j) Universidade Federal de Alagoas; (k) Universidade Federal Fluminense e; (l) Academia de Polícia Militar Senador Arnon de Mello, todas colaborando com uma publicação. Por fim, quanto aos dez documentos mais importantes ao tema da inovação em segurança pública, por critério de citação, destacam-se:

Quadro 2 -
Os dez artigos mais citados no mundo

5 Discussão

A segurança pública é tema de notório interesse social e, consequentemente, acadêmico. Foi, entretanto, a partir de 2002 que se constatou o crescimento sistemático do interesse dos pesquisadores pelo tema da inovação em segurança pública. Tal incremento talvez seja explicado pelo aumento da incidência de crimes contra a vida, tal como ocorre no Brasil ( FBSP, 2022FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2022. São Paulo: FBSP, 2022.; FBSP, 2021FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2021. São Paulo: FBSP, 2021.; FBSP, 2020FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2020. São Paulo: FBSP, 2020.; FBSP, 2019FBSP. Anuário brasileiro de segurança pública 2019. São Paulo: FBSP, 2019.), bem como pelo paulatino processo de desenvolvimento da Ciências Policiais como área de conhecimento no rol das ciências estudadas no Brasil, formalmente reconhecida, em 2019, pelo Conselho Nacional de Educação ( BRASIL, 2019BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Processo 23123.007756/2017-45. Parecer 945/2019 de 9 jun. 2019. Brasília, DF: Conselho Nacional da Educação, 2019.).

Outro fator que pode ter estimulado o incremento no número de questões de pesquisa é o amadurecimento da consciência da transdisciplinaridade da segurança pública. Essa segunda hipótese é induzida pela observação do número de diferentes disciplinas e abordagens que vêm sendo desenvolvidas nos estudos levantados ( Figura 2). Da mesma forma, explica-se pela posição de destaque conferida a um tema eminentemente transdisciplinar, como modelos de ocupação territorial. Esse tema, como visto, ocupa o primeiro lugar na análise quantitativa das palavras-chave dos pesquisadores e segundo lugar quando o foco são os resumos das obras.

Os estudos de inovação para a segurança pública não são, contudo, uma novidade, pois já se acumulam quase cinquenta anos de pesquisas, assim, é aceitável afirmar que resta reconhecida, no meio científico, a importância da segurança pública baseada em evidências e na inovação para enfrentar as questões sociais que atentam contra a paz social. O assunto, todavia, tem naturalmente se renovado e os trabalhos atuais têm desenvolvido novos escopos e abordagens, dando dinamicidade ao tema.

As pesquisas mapeadas sugerem ainda que, comumente, os autores mapeados têm focado mais nos aspectos tecnológicos e menos nos aspectos principiológicos e teóricos. O que pode traduzir uma eventual limitação, já que os princípios e paradigmas são alicerces importantes para orientar a superação de problemas complexos. Como explicado, em trabalho clássico de Kuhn (2020KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas [recurso eletrônico]. São Paulo: Perspectiva, 2020. , p. 44): “[paradigmas] fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”. Fabretti (2014FABRETTI, H. B. Segurança pública: fundamentos jurídicos para uma abordagem constitucional. São Paulo: Atlas, 2014. ) e Vargas (2020VARGAS, D. B. Segurança pública: um projeto para o Brasil. São Paulo: Contracorrente, 2020.) corroboram, por sua vez, relatando a importância da mudança dos tradicionais paradigmas de segurança pública.

Esse processo de revisitação dos assuntos de base, para além das questões tecnológicas, é ainda mais relevante sob a égide de uma sociedade líquida que impõe temporalidade aos arranjos das inter-relações e, consequentemente, aos construtos que delas derivam. Afinal, como ensina Bauman (2021BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2021., p. 8) “a sociedade líquido-moderna é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação”.

Lima e Bueno (2015LIMA, R. S. L.; BUENO, S. Polícia e Democracia: 30 anos de estranhamentos e esperanças. São Paulo: Alameda, 2015., p. 12) reconhece os avanços feitos pelos profissionais de segurança pública, desde 1988, mas alerta para a urgência na inovação e construção de uma moderna “arquitetura institucional que organiza as respostas públicas frente ao crime, à violência e à garantia de direitos”.

Outro ponto a destacar e que requer estudos complementares, é o fato das redes colaborativas, formadas entre instituições científicas de diferentes países, serem ainda bastante rarefeitas. Isso pode se dar pelo entendimento de que as realidades são, de tal forma, peculiares que o intercâmbio poderia ser infrutífero, ou, o que parece mais acertado, que as redes estão evoluindo, porém, ainda estão em seus estágios iniciais de formalização e amadurecimento.

6 Considerações finais

Inovação em segurança pública é um tema que ainda conta com número diminuto de pesquisas publicadas, muito embora ele trate de um assunto basilar para a compreensão e tratamento das ações que atentam diretamente contra a coesão do tecido social. Por tal motivo, fica clara a importância de estudos que descrevam e sintetizem o perfil das evidências científicas disponíveis.

Inovar em segurança pública é urgente e esse processo está em franco desenvolvimento, tanto na academia, como visto neste trabalho, quanto na gestão pública que, paulatinamente, migra para a integração e colaboração de stakeholders através da adoção de uma visão sistêmica, como se percebe em Brasil ( 2018BRASIL. Lei no 13.675 de 11 de junho de 2018. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública; cria a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). Brasília, DF: Presidência da República, 2018.) que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).

Vê-se também um movimento das pesquisas mais recentes em focar em aspectos mais tecnológicos do assunto, olvidando, em parte, aspectos teóricos mais básicos, porém igualmente importantes para alicerçar mudanças sustentáveis e efetivas. De fato, o tradicional paradigma que associava, quase que exclusivamente, segurança pública ao policiamento, em uma visão inadequada à complexidade do tema, vem sendo superado em favor de um paradigma emergente de segurança mais cidadã, mais moderna, mais sistemática ( CANO, 2006CANO, I. Políticas de segurança pública no Brasil: tentativas de modernização e democratização versus a guerra contra o crime. Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 136-155, 2006.; FABRETTI, 2014FABRETTI, H. B. Segurança pública: fundamentos jurídicos para uma abordagem constitucional. São Paulo: Atlas, 2014. ). O exemplo mais claro desse processo é a proliferação de estudos que abordam a ocupação territorial inteligente. O que, por sua vez, traduz resolução pacífica de conflitos e foco no combate às causas mediatas e imediatas do delito, não no habitual combate ao delinquente, alicerçado sobre metáfora da guerra.

Veja-se. A segurança pública que se anuncia foge de simplificações instrumentais. Ela arvora-se no desenvolvimento tecnológico, mas também na teoria da complexidade de Morin (2015MORIN, E. Introdução ao pensamento complexo. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2015. ), na teoria dos sistemas, no princípio democrático, nos direitos humanos, na integração e colaboração transdisciplinar de diferentes agentes, no princípio protetivo que privilegia a prevenção (social, situacional e policial), na reintegração emancipadora, na sustentabilidade, na governança multinível, na adequação à volatilidade e liquidez dos arranjos sociais, no ciclo completo de polícia etc.

Ela adota um modelo participativo de gestão que, segundo Freire et al. (2016FREIRE, P. S. et al. Modelos de gestão organizacional para a sustentabilidade. In: ENCONTRO DE SUSTENTABILIDADE EM PROJETO, 4., 2016, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: UFSC, 2016. p. 598-610.), caracteriza-se por uma metodologia que internaliza e promove desordem criativa, permitindo que sejam tomadas decisões baseadas nos conhecimentos e vivências de um coletivo de sujeitos e não de um único “patrão”.

Por fim, argumenta-se pela importância de trabalhos adicionais que ampliem a discussão da inovação em segurança pública, nos mais diversos clusters e subtemas identificados e que não olvidem questões propedêuticas.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Maio 2022
  • Aceito
    17 Set 2022
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