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Ética nas publicações científicas: o problema de duplo copyright

EDITORIAL

Ética nas publicações científicas: o problema de duplo copyright

Ivan D. Miziara

Professor Livre Docente pela Faculdade de Medicina da USP

Recentemente chegou à mídia leiga inquietantes notícias a respeito de fraudes em publicações científicas, as quais incluíam, entre outros desvios de conduta, manipulações de dados por parte de renomados cientistas.

Para Kremer1, a ética em publicações científicas envolve diretamente a questão da propriedade intelectual, de onde se originam outras questões deveras importantes a respeito de co-autoria dos trabalhos, e, principalmente, de plágio.

Entretanto, no dia-a-dia de editores de publicações científicas, problemas muito mais comezinhos costumam aparecer. Algumas vezes por pretensa "esperteza" do autor. Porém, na grande maioria das vezes, quero crer que por simples desconhecimento de regras de publicação, ou mesmo desatenção, dos autores de um trabalho científico.

Kosovski2 afirma que "[...] caracteriza toda [a] atitude ética ser despretensiosa e nunca, por operação dolosa e de má-fé, levar a crédito o que inscreve a débito de outros." Particularmente, não acredito em "má-fé", a princípio, mas, como diz o ditado popular, "de boas intenções o inferno está cheio" e, assim, autores acabam por cometer faltas éticas graves .

Desse modo, assim como os editores de uma revista científica são obrigados a seguir as regras do COPE (Committee On Publication Ethics), o qual desenvolveu o "Best Practice Guidelines for Journal Editors" - espécie de Código de Ética dos responsáveis pela publicação de obras em um jornal de ciências -, os autores também devem se submeter a regras do próprio jornal e, além disso, nortear sua conduta segundo os ditames da Ética e da Moral.

Um aspecto dessa questão é crucial para entendê-la perfeitamente. No Brasil, assim como no resto do mundo, a pressão por publicação tem atormentado a vida de pesquisadores. Aqueles que não publicam regularmente em revistas de impacto elevado ou, ao menos, indexadas, acabam sendo deixados para trás no ranking acadêmico, independentemente de sua capacidade intelectual ou de sua preferência pelo ensino e não pela pesquisa. É o "publish or perish" que , já há algum tempo, chegou à Academia brasileira.

É de se esperar, portanto, que, no afã de publicar e impulsionar suas carreiras acadêmicas, alguns pesquisadores venham a cometer infrações éticas. Se acontece nos Estados Unidos e Europa, por que não haveria de acontecer aqui?

Um dos problemas comezinhos, mencionados acima, com os quais um editor se defronta é o do envio de um mesmo artigo a duas publicações diferentes ao mesmo tempo.

Essa é uma prática que acontece às vezes, mas quero crer que, mais por desinformação que por dolo puro e simples. Entretanto, problemas surgem quando um autor envia o mesmo artigo a duas publicações diferentes e ao mesmo tempo.

O principal deles diz respeito justamente à propriedade intelectual ou copyright. Inicialmente a propriedade de um artigo é de quem desenvolveu e, posteriormente, redigiu a pesquisa. Quando o trabalho é enviado para publicação, está implícito (e, a seguir, explícito e assinado) uma espécie de pré-contrato, o qual estipula que, se aceito o artigo, o autor transfere seu copyright à publicação.

Em troca do trabalho que a revista, seus editores e revisores, têm de avaliar o artigo recebido, esta passa a ter o direito de publicá-lo, caso conclua que o trabalho esteja apto para tal.

Portanto, enviar o mesmo artigo a duas publicações diferentes implicaria na dupla transferência de um mesmo copyright. É como vender duas vezes o mesmo produto a dois compradores diferentes. Nesse caso, caracteriza-se uma espécie de "estelionato intelectual". É supérfluo e redundante comentar os aspectos éticos e morais desse tipo de procedimento.

O Brazilian Journal of Otolaringology repudia expressamente este tipo de atitude e recomenda aos autores que, ao enviarem o artigo à nossa revista, aguardem o parecer final de nossos revisores antes de enviar seu trabalho a uma nova publicação. É a atitude mais correta e ética no caso.

  • 1. KREMER. J. M. Ética em pesquisa: um tema para reflexão. Revista da Escola de Biblioteconomia da UFMG, Belo Horizonte, v. 11, n. 12, p. 158-179, 1982.
  • 2. KOSOVSKI, E. (Org.). Ética na comunicação. Rio de Janeiro: Mauad, 1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Out 2010
  • Data do Fascículo
    Out 2010
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