Acessibilidade / Reportar erro

Estudo epidemiológico de disfonias em crianças de 4 a 12 anos

Resumos

Estudos sobre disfonias infantis apontam incidência entre 4,4 a 30,3% das crianças. OBJETIVOS: Determinar a prevalência de disfonia em crianças, baseando-se nos julgamentos dos pais, nas ava-liações vocais perceptivas e acústicas, analisar sintomas associados, fatores de risco e achados vide-olaringoscópicos. CASUÍSTICA E MÉTODOS: Os pais de 2.000 crianças responderam questionário sobre qualidade vocal do filho. As crianças foram submetidas às avaliações vocais perceptiva, acústicas e videolaringoscopias. RESULTADOS: Participaram 1.007 meninos e 993 meninas. Sintomas esporádicos foram reportados por 206 pais e permanentes, por 123. Na avaliação perceptiva, o parâmetro G (Grau de disfonia) recebeu escore 0 em 694 vozes, 1 em 1065 e 2 em 228. Houve diminuição de f0 com a idade e os demais parâmetros acústicos mostraram-se mais elevados nas crianças com escore de G em 2. Nas videolaringoscopias, destacaram-se nódulos, espessamentos e inflamação. CONCLUSÕES: O julgamento dos pais indicou prevalência de disfonia em 6,15%, e as análises perceptivas em 11,4%. Os sintomas vocais relacionaram-se à sobrecarga fonatória. Quadros nasossinusais, abuso vocal e ruído foram importantes fatores de risco. As análises acústicas mantiveram relação direta com as perceptivo-auditivas. Lesões laríngeas foram detectadas nas videolaringoscopias, destacando nódulos, espessamentos e inflamação.

criança; distúrbios da voz; epidemiologia


Children dysphonia studies have reported an incidence of 4.4 to 30.3%. GOALS: To establish the prevalence of dysphonia in children, based on the opinion of the parents, acoustic and vocal-perceptual assessments, associated symptoms, risk factors and videolaryngoscopy findings. MATERIALS AND METHODS: The parents from 2,000 children answered a questionnaire about the vocal quality of their children, and these children were submitted to perceptual vocal, acoustic and videolaryngoscopy assessments. RESULTS: We had 1,007 boys and 993 girls; sporadic symptoms were reported by 206 parents and permanent symptoms were reported by 123. In the perceptual assessment, the G parameter (degree of dysphonia) had a score of 0 in 694 voices; 1 in 1,065 and 2 in 228. There was f0 reduction with age and the remaining acoustic parameters were high in children with a G score of 2. Nodules, thickening and inflammation were the most common in the videolaryngoscopy exams. CONCLUSIONS: Parental judgment indicated a prevalence of dysphonia in 6.15%, and perceptual analysis yielded a value of 11.4%. Vocal symptoms were associated with a phonatory overload. sinonasal disorders, vocal abuse and noise were considered relevant risk factors. The acoustic analysis kept a direct association with the perceptual-auditory. Laryngeal lesions were found in the videolaryngoscopy exams, stressing nodules, thickening and inflammation.

child; epidemiology; voice disorders


ORIGINAL ARTICLE

Estudo epidemiológico de disfonias em crianças de 4 a 12 anos

Elaine Lara Mendes TavaresI; Alcione BrasolottoII; Marcela Ferreira SantanaIII; Carlos Alberto PadovanIV; Regina Helena Garcia MartinsV

IFonoaudióloga, Doutora em Epidemiologia Clínica, Fonoaudióloga da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Botucatu

IIProfessora Doutora do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade de São Paulo, Bauru. Docente da Faculdade de Fonoaudiologia

IIIAcadêmica do curso de Medicina da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP

IVProfessor Titular do Departamento de Bioestatística do Instituto de Biociências de Botucatu, UNESP. Docente do Departamento de Bioestatística

VProfessora Livre Docente da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Responsável pelo ambulatório de foniatria e voz. Docente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Estadual Paulista-Unesp, Campus de Botucatu. Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP)

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Regina H.G. Martins Disciplina de Otorrinolaringologia, Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Botucatu, Distrito de Rubião Junior s/n Botucatu (SP) - Brasil. CEP: 18618-970 E-mail - rmartins@fmb.unesp.br

RESUMO

Estudos sobre disfonias infantis apontam incidência entre 4,4 a 30,3% das crianças.

OBJETIVOS: Determinar a prevalência de disfonia em crianças, baseando-se nos julgamentos dos pais, nas ava-liações vocais perceptivas e acústicas, analisar sintomas associados, fatores de risco e achados vide-olaringoscópicos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS: Os pais de 2.000 crianças responderam questionário sobre qualidade vocal do filho. As crianças foram submetidas às avaliações vocais perceptiva, acústicas e videolaringoscopias.

RESULTADOS: Participaram 1.007 meninos e 993 meninas. Sintomas esporádicos foram reportados por 206 pais e permanentes, por 123. Na avaliação perceptiva, o parâmetro G (Grau de disfonia) recebeu escore 0 em 694 vozes, 1 em 1065 e 2 em 228. Houve diminuição de f0 com a idade e os demais parâmetros acústicos mostraram-se mais elevados nas crianças com escore de G em 2. Nas videolaringoscopias, destacaram-se nódulos, espessamentos e inflamação.

CONCLUSÕES: O julgamento dos pais indicou prevalência de disfonia em 6,15%, e as análises perceptivas em 11,4%. Os sintomas vocais relacionaram-se à sobrecarga fonatória. Quadros nasossinusais, abuso vocal e ruído foram importantes fatores de risco. As análises acústicas mantiveram relação direta com as perceptivo-auditivas. Lesões laríngeas foram detectadas nas videolaringoscopias, destacando nódulos, espessamentos e inflamação.

Palavras-chave: criança, distúrbios da voz, epidemiologia.

INTRODUÇÃO

Pesquisas epidemiológicas sobre disfonias infantis são raras na literatura e as dificuldades em sua concretização são relatadas por diversos autores, sendo a primeira delas a própria definição do termo "disfonia"1,2. Além disso, a emissão vocal da criança tem peculiaridades que não devem ser computadas como patológicas, destacando-se a discreta instabilidade e soprosidade durante a emissão, decorrentes, respectivamente, da imaturidade neuromuscular das estruturas da laringe e da fenda triangular posterior, característica marcante da configuração glótica infantil. Esforço, tensão e elevação no pitch durante a emissão vocal são também frequentemente registrados em crianças, principalmente durante atividades recreativas. Essas características vocais são, muitas vezes, interpretadas como anormais e supervalorizadas pelos pais; por outro lado, em outras situações, observa-se pouca percepção destes quanto às alterações vocais de seus filhos, prejudicando o preenchimento dos questionários de avaliação, e retardando o diagnóstico. A esses fatores, associa-se a resistência dos pais em conduzir a criança para os exames endoscópicos, considerados decisivos no diagnóstico. As dificuldades técnicas de exposição da laringe durante os exames videolaringoscópicos e a falta de colaboração das crianças nesses procedimentos são fatores que prejudicam ainda mais a viabilidade e a qualidade das pesquisas1-3.

Os motivos acima explanados justificam os índices muito variados de prevalência de disfonia infantil registrados na literatura, entre 4% a 30%4-11. Os valores mais baixos apontados por alguns autores são, muitas vezes, calculados exclusivamente a partir dos questionários de avaliação preenchidos pelos pais, os quais nem sempre são confiáveis; por outro lado, nos índices mais elevados podem estar sendo computadas desordens vocais fisiológicas, inerentes à idade. Além disso, algumas pesquisas epidemiológicas sobre esse tema são pouco criteriosas na seleção e na composição dos grupos e não investigam as comorbidades relacionadas diretamente ao desenvolvimento de disfonias12,13. Fica, portanto, evidente a importância da análise crítica e detalhada dos estudos epidemiológicos para a interpretação correta dos resultados, bem como a inclusão de outras ferramentas de avaliação, não se restringindo apenas ao conteúdo dos questionários. Neste sentido,, muitos estudos sobre disfonias têm utilizado a escala GRBASI3,14,15 para a análise vocal perceptivo-auditiva, a qual é considerada excelente método de avaliação vocal, principalmente quando aplicada por profissionais experientes. A análise vocal acústica computadorizada tem sido incluída nos estudos, a fim de fornecer registros quantitativos complementares às avaliações e os exames de videoendoscopias permitem esclarecer os diagnósticos laríngeos.

Os objetivos deste estudo foram: determinar a prevalência de disfonia em escolares de 4 a 12 anos da rede pública municipal de Botucatu, SP, baseando-se no julgamento dos pais, em avaliações perceptivo-auditiva e acústica, analisar os sintomas vocais associados, fatores de risco e achados videolaringoscópicos.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos de uma instituição universitária (processo nº 2136/2006) e da Secretaria Municipal de Educação, foram distribuídos aos pais de todas as crianças matriculadas nas oito escolas públicas da cidade onde foi desenvolvido o estudo, escolhidas por sorteio dentre as 29 escolas do município, 2.700 questionários de estudo, juntamente com o termo de consentimento livre e esclarecido, previamente aprovados pelo Comitê de Ética da instituição com o mesmo número de processo acima. A maioria das perguntas dos questionários era fechada para facilitar as respostas dos pais e análise dos resultados, sendo apenas algumas delas abertas (Figura 1). Os pais receberam também um documento contendo definições de conceitos sobre voz normal e alterada e foram convidados a participar de algumas reuniões para esclarecimento de dúvidas e orientações gerais sobre o preenchimento dos mesmos.


O retorno dos questionários, devidamente preenchidos, sinalizou interesse e adesão ao estudo. Questionários preenchidos de forma incompleta (n-630) ou crianças que não colaboraram nas avaliações fonoaudiológicas (n-70) foram excluídos do estudo. Assim, foram selecionadas 2.000 crianças, sendo essas subdivididas em três faixas etárias: de 4 a 6 anos; de 7 a 9 anos; de 10 a 12 anos. Os questionários continham dados de identificação, presença de alteração vocal, sintomas vocais, tempo e forma de instalação dos sintomas vocais, sintomas e fatores associados e tratamentos realizados para o distúrbio vocal. Os critérios de exclusão adotados foram: pertencer à faixa etária diferente da estipulada; relatar história de deficiência auditiva, síndrome genética e/ou malformação craniofacial; possuir antecedentes de intubação prolongada ou traumatismo cervical; ser portador de doenças neurológicas, com comprometimento de voz e fala.

As 2.000 crianças foram conduzidas às avaliações vocais fonoaudiológicas perceptivo-auditiva e acústicas, as quais foram realizadas dentro das escolas, em ambiente silencioso. Todas as crianças receberam, também, encaminhamento para o exame de videolaringoscopia, realizado nos ambulatórios de Otorrinolaringologia (UNESP, Botucatu). Para os cálculos dos índices de prevalência de disfonia, baseados nos depoimentos dos pais, foram computados apenas os sintomas vocais permanentes ou frequentes, não sendo valorizados sintomas vocais esporádicos.

Para a avaliação vocal perceptivo-auditiva, foi utilizada a escala GRBASI, a qual contempla os seguintes parâmetros: G (Grau de alteração), R (Rugosidade), B (Soprosidade), A (Astenia), S (Tensão) e I (Instabilidade). Os registros foram realizados durante a fala espontânea, contagem de números e emissão sustentada da vogal (/a/), sendo a escala aplicada por três profissionais experientes em voz, devendo haver concordância em pelo menos dois deles. As vozes foram consideradas disfônicas quando receberam escores superiores a 1 no parâmetro G da escala GRBASI.

Para a análise vocal acústica, foi utilizado o sistema MDVP (Multi Dimensional Voice Program - Multi Speech 3700, modelo 5105, Kay Elemetrics Corporation, Alemanha) acoplado a um microcomputador, com placa de som standard (sound blaster). As amostras vocais foram captadas por um microfone head set (marca Shure-EUA) conectado à mesa de som (marca Behringer, modelo Xenyx 502 - Alemanha) durante a emissão sustentada da vogal /a/, mantendo níveis de altura e frequência confortáveis, sendo as crianças previamente treinadas. Para as análises, foram removidos os dois segundos iniciais e finais das gravações, por serem passíveis de instabilidades na emissão. Os seguintes parâmetros foram estudados: Frequência Fundamental (f0), Porcentagem de Jitter (%), Pich Perturbation Quotient (PPQ-%), Porcentagem de Shimmer (%), Amplitude Perturbation Quotient (APQ -%), Noise Harmonic Ratio (NHR) e Soft Phonation Index (SPI).

Dentre as 2.000 crianças convocadas para os exames de videolaringoscopias, apenas 259 compareceram aos ambulatórios, sendo que, destas, 222 foram examinadas com telescópio rígido (70º, 8mm, marca Asap, Alemanha), e 37 com o nasofibroscópio flexível (3,3mm, Olympus, Japão), por não permitirem o exame com o telescópio. Para a captura de imagens, utilizou-se sistema conjugado (multifunctional video system type XE-50, Eco V 50W X -TFT/USB - ILO ELETRONIC GnbH - Carl - Zeiss, Alemanha).

Os diagnósticos videolaringoscópicos foram definidos como se seguem:

• nódulos vocais - lesões sésseis bilaterais, claras, simétricas, posicionadas na borda livre das pregas vocais, na união do terço anterior com o terço médio da porção fonatória da glote;

• pólipos vocais - lesões sésseis ou pediculadas, unilaterais (raramente bilaterais), de aspecto gelatinoso, móveis quando pediculadas;

• cistos vocais mucosos ou epidérmicos - lesões unilaterais, circunscritas, arredondadas, com limites bem definidos, com conteúdo mucoso (cisto mucoso) ou caseoso (cisto epidérmico). A observação de drenagem do conteúdo do cisto através de uma abertura na mucosa caracterizou o cisto fistulizado;

• ponte de mucosa - arco mucoso ao longo da prega vocal, com extensão e largura variáveis;

• sulco vocal - depressão linear escura na mucosa da prega vocal, paralela à borda livre, uni ou bilateral, variando em profundidade e extensão (sulco estria maior ou menor). Quando a depressão da mucosa se restringia a uma pequena região, mantendo o fundo epitelizado, deu-se a denominação de sulco bolsa;

• micromembrana laríngea anterior - microdiafragma unindo a região anterior das pregas vocais, com inserção glótica ou infraglótica.

Além das lesões definidas acima, foram também consideradas outras alterações inflamatórias da mucosa laríngea, como: edema, hiperemia e espessamentos epiteliais mucosos. Alguns diagnósticos endoscópicos de difícil diferenciação (como, por exemplo, o sulco bolsa, cisto fistulizado, ponte de mucosa) foram confirmados durante laringoscopia direta.

Para a análise estatística, na caracterização dos sintomas/atitudes, tipo de voz, fatores associados e sintomas vocais dos filhos, foi construído o intervalo de confiança de 95% e utilizado o Teste de Homogeneidade de Goodman. A análise de variância foi utilizada para as variáveis: sintomas vocais reportados pelos pais, gênero, faixa etária, escore de G e parâmetros acústicos. Todas as discussões foram realizadas no nível de 5% de significância.

RESULTADOS

• Gênero e faixas etárias (em anos): participaram da pesquisa 2.000 crianças, distribuídas nas seguintes faixas etárias, conforme ilustrado na Figura 2.


• Julgamento dos pais com relação à presença de sintomas vocais de seus filhos, distribuídos em gênero e faixas etárias (anos): quando questionados se consideravam a voz de seus filhos normais ou alteradas, 1.671 deles (83,6%) negaram qualquer sintoma vocal e 329 pais relataram a presença deles, sendo esporádicos em 206 crianças (10,3%) e frequentes ou permanentes em 123 (6,15%). Os resultados destas avaliações estão apresentados na Tabela 1.

• Caracterização dos sintomas/atitudes vocais reportados pelos pais: a Tabela 2 lista os principais sintomas vocais reportados pelos pais e os respectivos limites de confiança, ganhando destaque a rouquidão e o cansaço ao falar.

• Modo e tempo de aparecimento dos sintomas vocais: sintomas vocais de início súbito foram observados em 12 crianças e início gradual em 317 crianças. O tempo de aparecimento dos sintomas foi variável, desde o início da fala (n-72), menos de um mês (n-12), entre um mês e um ano (n-171), ou acima de um ano (n-74).

• Fatores associados à piora nas qualidades vocais, segundo relato dos pais: na Tabela 3, estão listados os fatores responsáveis pela piora das qualidades vocais reportados pelos pais, havendo destaque para o ruído ambiental excessivo, o abuso vocal e o estado gripal.

• Sintomas associados apresentados pelos filhos: entre os sintomas associados aos vocais, destacaram-se os quadros alérgicos pulmonares (asma, bronquite) e nasais (espirros, coriza hialina, prurido nasal), quadros obstrutivos nasais de outras causas (hipertrofia das tonsilas, mantendo nariz trancado e respiração bucal de suplência), seguidos dos sintomas auditivos (Tabela 4).

• Tratamentos realizados segundo relato dos pais: quando questionados sobre os tratamentos realizados, para os sintomas vocais de seus filhos, 232 (70,5%) pais responderam que os mesmos faziam uso apenas de medicamentos. A fonoterapia para o tratamento do distúrbio vocal foi reportada por 84 (25,5%) pais.

• Resultados das avaliações da escala GRBASI baseados nas pontuações do parâmetro G: as avaliações perceptivo-auditivas mostraram que 707 (35,3%) crianças apresentaram escore 0 da escala, indicando ausência de alterações vocais. Desvios vocais discretos, pontuados no escore 1, foram registrados em 1.065 crianças (53,3%) e de grau moderado (escore 2) em 228 (11,4%) crianças (Tabela 5).

• Correlação entre os resultados da análise vocal acústica e a análise perceptivo-auditiva: a Tabela 6 apresenta os valores médios da frequência fundamental e sua correlação com os escores de G da escala GRBASI. Os valores de f0 diminuíram com o aumento da idade em ambos os sexos. No sexo feminino, as crianças com escore 2 de G apresentaram os menores valores de f0. Os demais parâmetros acústicos (porcentagem de jitter, PPQ, APQ, porcentagem de shimmer, NHR e SPI) apresentaram valores mais elevados nas crianças com escore 2 de G (Tabelas 6 a 12), confirmando o elevado grau de concordância entre ambas as técnicas de avaliação.

     

• Resultados dos exames de videolaringoscopias: os exames endoscópicos foram realizados em 259 crianças, das quais 73 não apresentavam sintomas vocais ou alterações nas avaliações vocais perceptivo-auditivas. Os exames endoscópicos mostraram-se normais em 115 crianças (44,4%), sendo os nódulos vocais as lesões laríngeas mais diagnosticadas (Tabela 13; Figuras 3 e 4). Exame de laringoscopia direta foi indicado em 20 crianças, sendo que, destas, 13 foram submetidas à microcirurgia de laringe para remoção de nódulos vocais e seis para remoção de cisto, sendo todos do tipo epidérmicos. O único caso de sulco vocal diagnosticado nas crianças foi submetido também ao exame de laringoscopia direta para confirmação do diagnóstico, porém não foi realizado nenhum tipo de procedimento nesse momento. Os pais de todas as crianças que foram submetidas a esse exame assinaram termo de consentimento, autorizando o procedimento.



DISCUSSÃO

As 2.000 crianças deste estudo foram subdivididas por faixas etárias, devido ao constante crescimento e desenvolvimento da laringe infantil, responsável por mudanças gradativas nas qualidades vocais, mais acentuadas próximo aos 12 anos. As alterações vocais são mais evidentes entre os meninos e devem-se aos elevados níveis hormonais sistêmicos na adolescência16,17. Optou-se, portanto, por excluir as crianças acima dessa idade pela proximidade com o período mutacional. Houve maior adesão de crianças da faixa etária entre 7 e 9 anos nas escolas selecionadas.

Diversas metodologias são utilizadas nos estudos epidemiológicos sobre distúrbios da voz. Uma delas é calcular a prevalência de disfonia baseada apenas nos depoimentos dos pais. Nestes casos, é recomendado que os questionários de estudo sejam elaborados em linguagem popular, contendo questões claras e objetivas. Os pais devem também ser esclarecidos sobre conceitos de voz alterada e normal, orientando-os, assim, no preenchimento dos questionários, sendo estes cuidados tomados nesta pesquisa. Não é aconselhável que sejam computados nos cálculos de prevalência de disfonias os sintomas vocais esporádicos pela elevada frequência com que são observados na população infantil durante atividades esportivas e de lazer ou no curso de infecções das vias aéreas superiores. Por outro lado, os sintomas permanentes indicam persistência de padrões vocais alterados de causas variadas, tanto funcionais como orgânicas. As funcionais decorrem de sobrecarga fonatória e são caracterizadas pela elevação na intensidade da voz, esforço e tensão na emissão, padrão fonatório, este, que favorece o desenvolvimento das lesões laríngeas.

Os índices de prevalência de disfonia apontados na literatura variam entre 4,4% a 30,3%3-8. Valores próximos aos deste estudo, entre 6% e 7%, calculados a partir do depoimento dos pais, foram apresentados Leeper et al.5 em análise das qualidades vocais de 1.481 crianças, sendo identificadas vozes atípicas em 104 delas (7%). Pastrelo & Behlau8, ao analisarem as vozes de 363 crianças, constataram valores de disfonia discretamente inferiores a esses, em torno de 4,4%. Duff et al.6 investigaram a prevalência de distúrbios vocais em 2.445 crianças (Feminino-1.199, Masculino-1.246) de 2 a 6 anos e identificaram 95 (3,9%) crianças com vozes atípicas. Porcentagens mais elevadas foram apontadas por Yari et al.4, em torno de 13,8%, em avaliação vocal em 1.549 crianças. Essas discrepâncias entre os estudos podem ser minimizadas com a inclusão de outros métodos de avaliação aos estudos. Carding et al. 10 entrevistaram os pais de 7.389 crianças de oito anos e constataram que 11,6% delas apresentavam problemas vocais, contra 6% de vozes atípicas identificadas pelos fonoaudiólogos, reforçando a importância da utilização de vários métodos de avaliação.

Neste estudo, a maioria dos pais relacionou os sintomas vocais às situações de abuso vocal, como rouquidão e cansaço ao falar. O abuso vocal, especialmente em ambiente ruidoso, foi indicado como importante fator de piora dos sintomas vocais. Este, além da elevada demanda fonatória, é acompanhado, em muitos casos, de aumento da intensidade da voz, especialmente em crianças, e culmina com hiperfunção e tensão musculoesquelética. Esse padrão fonatório leva à colisão traumática das pregas vocais e ao desenvolvimento de lesões laríngeas, como os nódulos vocais2,3. Connelly et al.18, em estudo com 137 crianças com disfonia, identificaram abuso vocal em 62 delas (45%). As disfonias infantis são também favorecidas pelos quadros respiratórios alérgicos e obstrutivos nasais, os quais também ganharam destaque neste estudo. Alguns autores registraram melhora importante nas medidas vocais acústicas de pacientes submetidos à cirurgia das tonsilas quando comparadas às análises pré-operatórias12,13.

O tratamento medicamentoso para os sintomas vocais, reportado pela maioria dos pais, é indicado nas infecções agudas das vias aéreas superiores. No entanto, a reeducação vocal é parte integrante do tratamento das desordens vocais crônicas, por originarem-se a partir do uso inadequado da voz3. A fonoterapia foi realizada por menor número de crianças, talvez pelas dificuldades de acesso ao tratamento especializado, baixa renda familiar e falta de diagnóstico.

As análises perceptivo-auditivas pela escala GRBASI identificaram alterações discretas e moderadas em, respectivamente, 53,3% e 11,4% das crianças (p<0,05). Alterações discretas nos parâmetros de B (Soprosidade), S (Tensão) e I (Instabilidade) são comumente observadas nas vozes infantis e não devem ser considerados eventos patológicos. Os valores de soprosidade (B) podem decorrer da configuração glótica da laringe infantil com a formação da fenda triangular posterior19. Tensão (S) pode indicar estado hiperfuncional e ser identificada nas vozes de crianças empolgadas na narração de fatos. Baseados nessas considerações, neste estudo foram valorizadas as alterações vocais pontuadas apenas dos escores de G acima de 1 para o cálculo da prevalência de disfonia, o que representou 11,4% dos casos, porcentagem esta 1,8 vezes maior que a indicada no depoimento dos pais, em torno de 6,15%. Ressalta-se, portanto, a importância da utilização de mais de um método de avaliação.

As análises acústicas mostraram que os valores de f0 diminuíram com o aumento da idade, sendo os menores valores registrados nas crianças com escore 2 de G. Esse comportamento de f0 foi demonstrado anteriormente por diversos autores em crianças sem sintomas vocais, a fim de determinar os valores acústicos normativos nas diversas faixas etárias, passando de 257Hz e 275Hz aos 4 a 5 anos, para 234Hz e 222Hz aos 10 a 11 anos, entre os meninas e meninos, respectivamente19. F0 é considerada importante parâmetro acústico, mantendo relação direta com o comprimento, tensão, rigidez, massa das pregas vocais e pressão subglótica20.

Os demais parâmetros acústicos (% jitter PPQ, %shimmer, APQ, NHR e SPI) mostraram-se mais elevados nas crianças com escore 2 de G. Jitter e PPQ pontuam o número de ciclos aperiódicos, sendo importantes indicadores do grau de comprometimento vocal3. Shimmer e APQ expressam as irregularidades da amplitude da onda sonora e correlacionam-se à presença de ruído à emissão (rouquidão) e à soprosidade. Esses parâmetros podem estar alterados em lesões laríngeas com aumento de massa das pregas vocais, devido à irregularidade vibratória21,22. NHR relaciona o componente harmônico com o de ruído da onda sonora e o SPI indica o coeficiente de fonação suave, apresentando-se elevado no excesso de soprosidade da emissão, como ocorre nas fendas glóticas e nas disfonias hiperfuncionais3,22.

Os exames de videolaringoscopias foram realizados em 259 crianças, das quais 73 eram assintomáticas e receberam escore 0 na avaliação perceptiva. As 186 crianças restantes apresentavam sintomas vocais ou alterações na escala GRBASI, de diferentes intensidades. Se considerarmos um total de 329 crianças com sintomas vocais, o índice de adesão aos exames endoscópicos foi de 56,5%, porcentagem esta expressiva, porém distante da ideal. Essa taxa é justificada pela necessidade de deslocamento dos pais até o hospital para a realização do exame e, consequentemente, de se ausentar do trabalho, além da falta de conhecimento dos pais com relação à técnica do exame e a pouca colaboração das crianças.

Os exames de videolaringoscopias mostraram-se normais em várias crianças com sintomas vocais, caracterizando os quadros de disfonias funcionais, responsáveis por grande parte das disfonias da infância. Resultam do uso inadequado e exagerado da voz, na ausência de lesão estrutural ou orgânica das pregas vocais1. Nestes casos, a avaliação perceptivo-auditiva é valiosa, bem como o exame de nasofibroscopia, o qual permite analisar a dinâmica vocal de forma natural e espontânea. A disfonia hiperfuncional é caracterizada por contração exagerada da musculatura intrínseca e extrínseca da laringe, resultando em colisão traumática das pregas vocais e fenda glótica triangular posterior. O exame de videolaringoscopia pode não identificar lesões estruturais sobre as pregas vocais, porém edema e congestão da mucosa laríngea são achados comuns. O desenvolvimento de lesões de mucosa, como os nódulos vocais (Figura 3), são também frequentes, especialmente entre os meninos na idade de 5 a 10 anos, havendo inversão de gênero após a puberdade e ganharam destaque nos diagnósticos endoscópicos deste estudo2,3,8. Essas lesões foram diagnosticadas em 81 crianças deste estudo, havendo predomínio entre os meninos.

Cistos vocais, sulcos e pontes de mucosa foram lesões também diagnosticadas neste estudo e denominadas por Pontes et al.23 como lesões estruturais mínimas da laringe. Correspondem a pequenos desarranjos histológicos da cobertura epitelial das pregas vocais, capazes de prejudicar o ciclo vibratório. Essas lesões podem cursar com sintomas vocais desde os primeiros anos de vida, como reportado por alguns pais em seus questionários, e têm sido diagnosticadas cada vez mais precocemente em crianças, graças à evolução nos equipamentos de videolaringoestroboscopias e à nitidez das lentes endoscópicas. Os cistos são as lesões mais frequentes, podendo ser classificados como epidermoides ou mucosos, tendo se destacado entre as principais causas de rouquidão em crianças, depois dos nódulos e dos espessamentos24.

A análise conjunta dos resultados deste estudo indicou haver concordância entre os dois métodos utilizados na avaliação vocal (perceptivo-auditiva e acústica). Entretanto, houve discordância entre as informações contidas nos questionários dos pais com as avaliações fonoaudiológicas perceptivo-auditivas, demonstrando a importância da associação de várias ferramentas de avaliação na metodologia das pesquisas e a baixa credibilidade das informações fornecidas pelos familiares, mesmo após orientações de preenchimento dos questionários.

CONCLUSÕES

O julgamento dos pais indicou índice de prevalência de disfonia de 6,15% e as análises vocais perceptivo-auditivas de 11,4%, havendo, portanto, discordância entre ambos os métodos de avaliação. Por outro lado, as medidas acústicas mantiveram relação direta com os escores das análises perceptivo-auditivas. Os sintomas vocais relatados pais relacionaram-se às situações de sobrecarga fonatória, tendo como fatores predisponentes o ruído ambiental excessivo e os quadros alérgicos e obstrutivos nasais. As lesões laríngeas mais diagnosticadas nos exames videolaringoscópicos foram nódulos vocais, espessamentos mucosos e processos inflamatórios.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos às agências de fomento FAPESP e Capes e à Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervicofacial pelo suporte financeiro.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 18 de março de 2011. cod. 7653

Artigo aceito em 23 de julho de 2011.

FAPESP, Capes, Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-facial.

  • 1. Wilson DK. Children's voice problems. In: Voice Problems of children, 3rd ed. Philadelphia: Williams & Wilkins; 1987. p.1-15.
  • 2. Colton RH, Casper JK, Leonard R. Understanding Voice Problems: A physiological perspective for diagnosis and treatment. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p.498.
  • 3. Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p.348.
  • 4. Yairi E, Currin LH, Bulian N, Yairi J. Incidence of hoarseness in school children over a 1 year period. J Commun Dis. 1974;7(4):321-8.
  • 5. Leeper HA Jr, Leonard JE, Iverson RL. Otorhinolaryngologic screening of children with vocal quality disturbances. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1980;2(2):123-31.
  • 6. Duff MC, Proctor A, Yairi E. Prevalence of voice disorders in African American and European American preschoolers. J Voice. 2004;18(3):348-53.
  • 7. Afik Kiliç M, Okur E, Yildirim I, Güzelsoy S. The prevalence of vocal fold nodules in school age children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2004;68(4):409-12.
  • 8. Pastrelo AC, Behlau M. Estudo de parâmetros vocais em crianças na faixa etária de 4 a 11 anos. In: Behlau M., Gasparini G. (organizadoras). A voz do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2006. p.57-66.
  • 9. Hirschberg J, Dejonckere PH, Hirano M, Mori K, Schultz-Coulon HJ, Vrticka K. Voice disorders in children. Int J Pediatric Otorhinolaryngol. 1995;32 Supp:S109-125.
  • 10. Carding PN, Roulstone S, Northstone K; ALSPAC Study Team. The prevalence of childhood dysphonia: a cross-sectional study. J Voice. 2006;20(4):623-30.
  • 11. Melo ECM, Mattioli FM, Brasil OCO, Behlau M, Pitaluga ACA, Melo DM. Disfonia infantil: aspectos epidemiológicos. Rev Bras Otorrinolaringol. 2001;67(6):804-7.
  • 12. Subramanian V, Kumar P. Impact of tonsillectomy with or without adenoidectomy on the acoustic parameters of the voice: a comparative study. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2009;135(10):966-9.
  • 13. Maryn Y, Van Lierde K, De Bodt M, Van Cauwenberge P. The effects of adenoidectomy and tonsillectomy on speech and nasal resonance. Folia Phoniatr Logop. 2004;56(3):182-91.
  • 14. Dejonckere PH. Voice problems in children. Pathogenesis and diagnosis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 1999;49(Suppl 1):S311-4.
  • 15. De Bodt MS, Wuyts FL, Van De Heyning PH, Croux C. Test-retest study of the GRBAS Scale: influence of experience and professional background on perceptual rating of voice quality. J Voice. 1997;11(1):74-80.
  • 16. Hartnick CJ, Rehbar R, Prasad V. Development and maturation of the pediatric human vocal fold lamina propria. Laryngoscope. 2005;115(1):4-15.
  • 17. Hirano M, Kakita Y. Cover-body theory of vocal fold vibration. In: Daniloff RG, editor. Speech science. San Diego: College - Hill Press; 1985. p.1-45.
  • 18. Connelly A, Clemente WA, Kubba H. Management of dysphonia in children. Laryngol Otol. 2009;123(6):642-7.
  • 19. Tavares ELM, Lábio BR, Martins RHG. Normative study of vocal acoustic parameters from children from 4 to 12 years of age without vocal symptoms: a pilot study. Braz J Otorhinolaryngol. 2010;76(4):485-90.
  • 20. Araújo SA, Grellet M, Pereira JC. Standardization of acoustic measures of the normal voice. Br J Otorrinolaryngol. 2002;68(4):540-4.
  • 21. Niedzieslka G. Acoustic analysis in the diagnosis of voice disorders in children. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2001;57(3):189-93.
  • 22. Bhuta T, Patrick L, Garnett JD. Perceptual evaluation of voice quality and its correlation with acoustic measurements. J Voice. 2004;18(3):299-304.
  • 23. Pontes P, Behlau M, Gonçalves I. Alterações estruturais mínimas da laringe (AEM): considerações básicas. Acta Awho. 1994;3(1):2-6.
  • 24. Martins RH, Santana MF, Tavares EL. Vocal cysts: clinical, endoscopic, and surgical aspects. J Voice. 2010;25(1):107-10.
  • Endereço para correspondência:
    Regina H.G. Martins
    Disciplina de Otorrinolaringologia, Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Faculdade de Medicina de Botucatu, Distrito de Rubião Junior s/n
    Botucatu (SP) - Brasil. CEP: 18618-970
    E-mail -
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      23 Jul 2011
    • Recebido
      18 Mar 2011
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@aborlccf.org.br