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Efeitos do ruído de impacto na audição de militares

Resumos

A prática de tiro é uma atividade que expõe o policial militar ao ruído de impacto, o que pode causar efeitos irreversíveis na audição. OBJETIVO: Avaliar o conhecimento sobre o ruído e os efeitos do ruído de impacto entre policiais militares que fazem prática de tiro. FORMA DE ESTUDO: Caso controle retrospectivo. MATERIAL E MÉTODO: Participaram 115 militares, sendo 65 expostos ao ruído de impacto e 50 não expostos. Foi realizada a avaliação do nível de ruído das armas de fogo, aplicado um questionário, realizada audiometria tonal limiar e teste de emissões otoacústicas transiente e produto de distorção. RESULTADOS: O nível médio de ruído foi de 125Db (C), a maioria (78%) acredita que o ruído pode causar perda auditiva, 92,3% utilizam protetor auricular nas práticas de tiro, mas grande parte (32,3%) nunca recebeu orientação quanto ao seu uso, o sintoma mais referido foi o zumbido (23%) e 25% dos expostos apresenta perda auditiva sugestiva de induzida por ruído. Houve diferença significativa entre os grupos em relação às alterações auditivas. CONCLUSÃO: Os militares expostos ao tiro são mais suscetíveis a desenvolver perdas auditivas. Há necessidade do desenvolvimento de Programas de Preservação Auditiva nesta população.

armas de fogo; militares; perda auditiva provocada por ruído; saúde pública


Shooting is an activity that exposes military personnel to noise impact, which may cause irreversible effects on hearing. OBJECTIVE: To evaluate impact noise on the hearing of military personnel that practice shooting. STUDY DESIGN: A case-control retrospective study. METHODS: 115 military personnel were enrolled; 65 had been exposed to impact noise and 50 were non-exposed. Firearm noise levels were evaluated, subjects answered a questionnaire and underwent threshold tonal audiometry and otoacoustic emissions testing. RESULTS: The average noise level was 125dB(C). Most subjects (78%) believe that noise may cause hearing loss; nearly all (92.3%) used ear noise protectors while shooting, but most (32.3%) had never received guidance for using this equipment. There were significant differences between the two groups in relation to changes suggesting impact noise-induced hearing loss. CONCLUSION: The differences between groups show that noise-exposed military personnel are more likely to develop hearing loss. The goal of a hearing conservation program for this population should be to preserve hearing and educate these individuals about the importance of using hearing protection correctly.

firearms; hearing loss; military personnel; noise-induced; public health


ORIGINAL ARTICLE

Efeitos do ruído de impacto na audição de militares

Adriana Betes HeupaI; Claudia Giglio de Oliveira GonçalvesII; Herton CoifmanIII

IMestrado em Distúrbios da Comunicação pela Universidade Tuiuti do Paraná, Fonoaudióloga do Hospital da Policia Militar do Paraná

IIDoutorado em Saúde Coletiva pela UNICAMP, Fonoaudióloga docente no Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná

IIIDoutorado em Otorrinolaringologia pela Universidade de São Paulo, Médico otorrinolaringologista docente adjunto da Universidade Federal do Paraná

RESUMO

A prática de tiro é uma atividade que expõe o policial militar ao ruído de impacto, o que pode causar efeitos irreversíveis na audição.

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento sobre o ruído e os efeitos do ruído de impacto entre policiais militares que fazem prática de tiro.

FORMA DE ESTUDO: Caso controle retrospectivo.

MATERIAL E MÉTODO: Participaram 115 militares, sendo 65 expostos ao ruído de impacto e 50 não expostos. Foi realizada a avaliação do nível de ruído das armas de fogo, aplicado um questionário, realizada audiometria tonal limiar e teste de emissões otoacústicas transiente e produto de distorção.

RESULTADOS: O nível médio de ruído foi de 125Db (C), a maioria (78%) acredita que o ruído pode causar perda auditiva, 92,3% utilizam protetor auricular nas práticas de tiro, mas grande parte (32,3%) nunca recebeu orientação quanto ao seu uso, o sintoma mais referido foi o zumbido (23%) e 25% dos expostos apresenta perda auditiva sugestiva de induzida por ruído. Houve diferença significativa entre os grupos em relação às alterações auditivas.

CONCLUSÃO: Os militares expostos ao tiro são mais suscetíveis a desenvolver perdas auditivas. Há necessidade do desenvolvimento de Programas de Preservação Auditiva nesta população.

Palavras-chave: armas de fogo, militares, perda auditiva provocada por ruído, saúde pública.

INTRODUÇÃO

Alterações auditivas podem ser provocadas pela exposição a níveis de pressão sonora elevados, como o ruído em forte intensidade1. Quando a exposição é intensa e de curta duração, como num ruído de impacto, pode gerar um trauma acústico2,3.

O trauma acústico é uma lesão na orelha média e/ou interna causada por uma exposição única e breve ao ruído de grande intensidade, como aquele proveniente de uma explosão. Seus sinais e sintomas são a perda auditiva súbita após a exposição, presença de zumbido, sensação de ouvido tampado, a membrana timpânica pode romper-se e a cadeia ossicular pode ficar parcial ou completamente destruída. O trauma acústico afeta geralmente os limiares de 3000 a 6000Hz e, com a continuidade da exposição, a lesão estende-se para outras frequências2,4.

Dentre as atividades prejudiciais que expõem o indivíduo ao ruído de impacto, está a prática de tiro, comum na carreira militar. Os militares, dependendo da atividade que desenvolvem ao longo de sua carreira, podem ficar expostos tanto ao ruído contínuo e/ou intermitente (por exemplo, de rádio comunicador, sirene de viaturas etc.), como ao ruído de impacto das armas de fogo5.

Estudos já verificaram a intensidade do ruído das armas de fogo. Na Grécia, um estudo avaliou o nível de pressão sonora emitido pelas armas utilizadas por militares, encontrando picos de 160,2dB NPS6. No Brasil, avaliou-se o nível de pressão sonora emitido pelas armas utilizadas por instrutores de tiro da Policia Militar da cidade de Montes Claros (MG), encontrando um nível máximo de 108,9 dB NPS7.

Os efeitos auditivos causados pela exposição ao ruído da arma de fogo também estão presentes em diversas pesquisas internacionais8. No Brasil, estudo na região Sul, que avaliou 101 militares que fazem prática de tiro, encontrou 20,79% dos sujeitos com perda auditiva sensorioneural, diferente de sujeitos civis9. Em São Paulo, outro estudo identificou os sintomas apresentados por 72 bombeiros que trabalhavam expostos ao ruído entre 67 a 82dB NPS e foram encontradas queixas como: irritabilidade (20,8%), cefaleia (14,5%), dificuldade em ouvir (14%), alterações no sono (13,5%), zumbido (10,5%) e tontura (1,5%)10.

Para a identificação precoce das alterações auditivas induzidas pelo ruído, o teste das emissões otoacústicas (EOA) é um importante instrumento, pois como as células ciliadas externas da orelha interna são vulneráveis a agentes externos, como o ruído, no teste de EOA pode-se detectar os primeiros sinais de alteração coclear11. Diversos estudos também avaliaram a eficácia deste exame em militares expostos ao ruído.

Em Israel, pesquisa explorou a aplicação das EOA no diagnóstico da Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) em militares. Verificou-se que existe uma clara associação entre o limiar auditivo e a amplitude das EOA, isto é, quanto pior o limiar auditivo, mais reduzida sua amplitude. Devido ao teste ser sensível e objetivo, as EOA oferecem informações indispensáveis para o diagnóstico da PAIR e complementa a audiometria, tanto no diagnóstico como na monitoração da função coclear que está exposta ao ruído12.

Na Polônia, pesquisa com 92 soldados do serviço militar realizou audiometria de altas frequências e emissões otoacústicas transientes (EOAT) antes e depois do serviço militar. Concluiu-se que o teste de EOAT é um método mais sensível que a audiometria para detectar lesões causadas pelo ruído13.

Na Grécia, verificou-se o efeito do ruído de impacto nas emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD) antes e depois da exposição ao ruído em militares que foram expostos ao ruído da arma de fogo sem o uso de proteção auditiva. Concluiu-se que as EOAPD podem oferecer informações adicionais sobre a qualidade coclear e podem ser bem aplicadas no monitoramento auditivo por ser um exame rápido, objetivo e de fácil realização6.

Estudo com militares da Marinha do Brasil comparou 60 militares expostos a ruídos ocupacionais e 60 não expostos, utilizando os testes de EOAT e EOAPD para verificar as diferenças entre os grupos. Observou-se que o grupo de militares não expostos ao ruído apresentou registros das EOAT e EOAPD com amplitudes maiores que o grupo exposto ao ruído14.

Assim, torna-se importante investigar a audição dos militares que fazem prática de tiro, bem como o conhecimento dos mesmos a respeito da sua própria audição, para a elaboração de Programas de Preservação Auditiva para esta população15,16.

O objetivo desta pesquisa é avaliar o conhecimento sobre o ruído e os efeitos do ruído de impacto entre policiais militares que fazem prática de tiro para a implantação de um Programa de Preservação Auditiva.

MATERIAL E MÉTODO

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que foi realizado sob o número 011/2009. Após explicação sobre o estudo, os participantes que aceitaram voluntariamente participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, antes da realização dos procedimentos do estudo.

É um estudo do tipo caso-controle realizado com 115 militares, sendo 65 do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e 50 de setores administrativos da Policia Militar do Paraná (PMPR). Existem cerca de 100 militares que compõem o BOPE. Sessenta e cinco aceitaram participar da presente pesquisa.

Para compor o grupo exposto ao ruído, fizeram parte os militares do BOPE, que realizam prática de tiro regularmente. Para compor o grupo controle, o mais homogêneo possível com o grupo exposto, para permitir comparações, foram convidados militares administrativos, que mesmo já tendo sido expostos em algumas ocasiões na sua carreira ao ruído de impacto, selecionando-se aqueles que não fazem prática de tiro há mais de 12 meses e sem queixas auditivas, compondo o grupo não exposto ao ruído.

A média de idade dos sujeitos do grupo exposto foi de 32,2 anos (23 a 44 anos), com tempo médio de serviço de 9,1 anos (1 a 25 anos). Os sujeitos do grupo não exposto tiveram média de idade de 33 anos (23 a 46 anos), com tempo médio de serviço de 11,1 anos (1 a 24 anos). Não houve diferença significativa na comparação dos grupos nas variáveis idade (p=0,5165) e tempo de serviço (p=0,1136).

Inicialmente, foi realizada a avaliação do nível de ruído emitido pelas armas de fogo utilizadas na corporação (pistola, revólver, espingarda, carabina e fuzil). A medição foi realizada no local de treinamento de tiro ao ar livre com um medidor de nível de pressão sonora da marca Brüel & Kjaer, tipo 2230, com o operado no circuito de resposta de compensação (C). As leituras foram realizadas com o equipamento próximo à orelha do atirador.

Os militares responderam a um questionário referente a sintomas e cuidados com a audição, passaram por inspeção do meato acústico externo, audiometria tonal limiar por via aérea, nas frequências de 250 a 8.000Hz, e via óssea (somente se os limiares auditivos aéreos estivessem superiores a 25 dB NA, nas frequências de 500 a 4.000Hz NA) e emissões otoacústicas evocadas por transientes (EOAT) e produto de distorção (EOAPD). Todos estavam em repouso acústico na ocasião da realização dos exames auditivos.

Para o exame de audiometria tonal limiar, foi utilizado o audiômetro Interacoutics 229-B calibrado conforme norma ISO 8253-1, com fone TDH 39P para via aérea e B71 para via óssea, em cabine acústica calibrada nas frequências de 250 a 8000 Hz bilateralmente. Consideraram-se os limiares auditivos tonais até 25 dB NA como padrão de normalidade. Para o exame de emissões otoacústicas (EOAT e EOAPD), foi utilizado o equipamento Interacoutics Eclipse Plataform, também em cabine acústica. Nas EOAT, foi aplicado o critério de passa/falha com apresentação de até 1000 estímulos, em forma de clique, em cada orelha separadamente, na intensidade de 75dB. Como critério para presença, utilizou-se o método algoritmo 3dB (reprodutibilidade maior que 75% em pelo menos três bandas de frequências consecutivas com nível de sinal/ruído mínimo de 3dB). E, nas EOAPD, utilizou-se o método DP gram-extended, com intensidade L1-L2=10dB, sendo L1=65dB e L2=55dB; a razão f1/f2=1,22; sendo o teste com duração máxima de 90 segundos. Foram testadas frequências de 1.000 a 8.000Hz e seus respectivos produtos de distorção, e consideradas presentes quando apresentaram amplitude maior que -10dB e com diferença de sinal/ruído maior ou igual a 6dB.

Para a análise dos dados, foram utilizados os seguintes procedimentos estatísticos: teste t de Student para comparação das respostas do questionário e da audiometria e teste de diferença de proporções na comparação dos resultados das EOAT e EOAPD, ambos com nível de significância de 5% (0,05).

Para a análise do questionário, foram inclusos todos os integrantes da pesquisa, a fim de se verificar a opinião e o conhecimento geral de todos, e, para a análise dos resultados da audiometria tonal limiar e das emissões otoacústicas, foram excluídos os militares de ambos os grupos que apresentaram perdas auditivas mistas ou condutivas.

RESULTADOS

O nível de ruído emitido pelas armas de fogo avaliado variou de 119 a 133dB (C). Em treinamento, são efetuados aproximadamente 50 disparos ou mais, durante um treino de 2 a 4 horas, em uma série de 5 a 10 disparos seguidos por aproximadamente 2 minutos.

O grupo exposto respondeu sobre o uso de protetores auditivos durante as práticas de tiro. Quase todos (92,3%) utilizam o protetor auditivo nas práticas de tiro, sendo que 70,7% utilizam o protetor do tipo inserção, mas grande parte relatou que nunca recebeu orientação quanto ao uso correto dos protetores (32,3%) ou recebeu orientações superficiais (38,6%). Outros receberam somente quando entraram na corporação (12,3%) e 16% relataram que foram bem orientados. Os protetores auditivos disponíveis para uso são abafadores (tipo concha) sem registro de marca, modelo ou NRR (nível de redução de ruído). Cada militar tem ainda a livre escolha para utilizar qualquer outro protetor que prefira adquirir em particular.

Quanto ao conhecimento dos militares a respeito dos efeitos do ruído na audição, o Gráfico 1 ilustra as respostas encontradas. Houve diferença significativa entre os grupos quanto ao conhecimento do ruído como causador de perdas auditivas, sendo maior na população exposta ao ruído.


Logo após a prática de tiro, os militares referiram como sintomas e queixas a presença de zumbido (23%), perda temporária da audição (7,6%), dor de cabeça (3%) e irritação (3%).

Quanto aos sintomas/queixas auditivos e extra-auditivos comumente percebidos por ambos os grupos, as respostas podem ser observadas no Gráfico 2.


Quanto ao resultado dos audiogramas, no grupo exposto, nove militares apresentaram alteração auditiva mista ou condutiva e, no grupo não exposto, dois militares apresentaram esta característica, sendo, assim, eliminados da análise.

A Tabela 1 apresenta os resultados das audiometrias do grupo exposto e do grupo não exposto. Os resultados foram separados em limiares auditivos normais, sendo considerados normais os limiares até 25dB, e limiares auditivos sugestivos de perda auditiva induzida por ruído de impacto (PAIRi), sendo considerados aqueles limiares com entalhe acústico nas frequências de 3000, 4000 e/ou 6000Hz2. Nesta comparação, verificou-se diferença estatisticamente significativa do perfil auditivo.

No teste das Emissões Otoacústicas Transientes, foram calculadas porcentagem de presença e ausência entre os grupos exposto e não exposto. A Tabela 2 indica os resultados e revela que há diferença estatisticamente significativa entre os grupos.

O Gráfico 3 mostra resultados das EOAT entre os sujeitos do grupo exposto ao ruído, separados por audiograma com audição normal e sugestiva de PAIR. Verifica-se que existe maior porcentagem de presença de EOAT bilateral nos sujeitos com audição normal. Na comparação das orelhas direita (OD) e esquerda (OE), não houve diferenças.


Nas amplitudes das Emissões Otoacústicas por Produto de Distorção, houve diferença significativa nas frequências de 3kHz na orelha direita e em 4 e 8kHz na orelha esquerda. Esta diferença de amplitude entre os grupos por orelha pode ser visualizada nos Gráficos 4 e 5.



DISCUSSÃO

Na avaliação do nível de ruído, a variação ocorreu de 119 a 133dB (C). Este achado está de acordo com outras pesquisas, que encontraram níveis de ruído das armas de fogo variando de 115,4 a 147,3 dB (C)6,7,13.

A arma mais utilizada pela corporação é a Pistola.40 e seu nível de ruído foi de 124,9dB(C). Este nível ultrapassa os limites do anexo II da Norma Regulamentadora nº 15 (NR15)17, que coloca como limite de tolerância para o ruído de impacto a intensidade de 120 dB(C), com o medidor de pressão sonora em nível "C" de compensação. E quando considerado o número de impactos em relação ao tempo de treino (mais de 50 impactos para 2 a 4 horas de treino, sendo aproximadamente 10 impactos em dois minutos), também ultrapassa o limite estabelecido pela NHO-01, a qual sugere a exposição máxima de 15 impactos por hora18.

Em relação aos conhecimentos e percepção dos sujeitos a respeito do ruído, a maior parte dos militares (92,3%) refere que utiliza o protetor auditivo durante as práticas de tiro, sendo que a maioria utiliza o protetor tipo inserção (70,7%). Este achado concorda com um estudo finlandês que verificou que 86,1% dos militares utilizavam o protetor auditivo19, e com um estudo brasileiro, de Minas Gerais, no qual 94% dos militares referiam utilizar o protetor auditivo nas práticas de tiro20. Discorda, porém, de outro estudo de São Paulo que encontrou apenas 35,4% dos militares do exército que utilizavam a proteção auditiva adequada21.

Quanto às orientações recebidas sobre o uso dos protetores auditivos, a maioria dos avaliados referiu que a orientação recebida foi superficial (38,4%), e outros referiram nunca ter recebido orientação (32,3%). Apesar da maioria dos militares referir o uso de proteção auditiva, questiona-se a capacidade destes equipamentos em atuar na prevenção da perda auditiva. Somente a colocação do protetor auditivo muitas vezes é ineficiente para evitar danos ao sistema auditivo, levando a sintomas permanentes e progressivos20,21. Seria indicado, então, que cada militar possuísse o seu equipamento de proteção auditiva, como é o caso do colete à prova de balas e do capacete. Sabe-se que existe uma resistência no meio militar ao uso de protetores auditivos, em especial em serviços externos e combates, pois não há motivação por parte dos superiores militares, já que muitos acreditam que o uso da proteção auditiva contribui contra a segurança do militar22,23.

Quanto ao conhecimento dos efeitos da exposição ao ruído de impacto entre os grupos, houve diferença significativa entre os grupos (p=0,0034), comprovando, como na literatura, que o grupo exposto tem mais contato com questões sobre ruído, até mesmo por ser obrigatório o uso do protetor auditivo nas práticas de tiro24.

Na presente pesquisa, as queixas auditivas (em repouso acústico) mais relatadas foram o zumbido e a dificuldade de ouvir. De acordo com a literatura, estas queixas são sintomas comuns entre os militares que fazem prática de tiro19-22,25.

Apesar de não ter ocorrido diferença nos sintomas entre os grupos de expostos e não expostos ao ruído de impacto, reforça-se a eficácia do uso dos protetores auditivos. Sabe-se que a atenuação de um protetor auditivo depende não só de suas características físicas, como também da pessoa que o utiliza. O uso intermitente e ineficiente reduz drasticamente a sua efetividade e, apesar de todos terem conhecimento sobre os efeitos do ruído na audição e que o uso do protetor auditivo é o método mais utilizado para evitar esses efeitos, muitos militares não o utilizam adequadamente por sentirem dificuldades na comunicação, desconforto e impossibilidade de usá-los em certas circunstâncias26,27. A maior parte do grupo exposto refere que utiliza protetor auditivo em todas as práticas de tiro (92,6%). Há 23% de militares com zumbido logo após a prática e 15% em repouso acústico.

Quanto aos sintomas extra-auditivos, os mais citados entre o grupo exposto foram a cefaleia (20% no grupo exposto) e a irritação (15,3% no grupo exposto e 12% no grupo não exposto). Não houve diferença significativa entre estes e outros sintomas colocados entre os dois grupos. Mas em especial nestes dois sintomas, nota-se uma porcentagem maior no grupo exposto. Tais achados concordam com pesquisa realizada com bombeiros de São Paulo em que se encontrou 20,8% com queixa de irritabilidade e 14,5% com cefaleia10, e com outro estudo brasileiro com trabalhadores expostos a ruído em que 16,9% dos trabalhadores referiram cefaleia e 11,3% referiram irritação28.

Quanto aos resultados dos audiogramas, ao comparar o grupo exposto e o grupo não exposto e os militares com audiogramas com limiares auditivos normais e aqueles com perda auditiva neurossensorial com configuração de entalhe acústico nas frequências de 3.000, e/ou 4.000. e/ou 6.000Hz, sugestivos da PAIR, a diferença entre os grupos aparece estatisticamente significativa, também encontrada em outros estudos9-11,29.

No teste de Emissões Otoacústicas, apenas 21,42% dos militares expostos apresentou EOAT presentes bilateralmente contra 54,16% do grupo não exposto. Esta diferença foi significativa, indicando que a exposição frequente ao ruído de impacto pode causar lesões nas células ciliadas externas. O que também comprova esta afirmação é a comparação entre os sujeitos expostos com audiograma sugestivo de PAIR e os sujeitos com audiograma normal, os quais apresentam maiores porcentagens de presença de EOAT do que os militares com PAIR. Neste estudo, nenhum sujeito com audiograma com perda auditiva neurossensorial com configuração de entalhe acústico apresentou EOAT presente bilateral. Outros estudos também indicam que existe uma maior incidência de EOAT ausentes entre os trabalhadores expostos a ruídos com audiometria tonal limiar dentro da normalidade, mostrando que este é um teste eficaz para a detecção precoce da perda auditiva coclear12-14.

Em relação às EOAPD, ao comparar suas amplitudes, houve diferença significativa nas frequências de 3KHz à direita e em 4KHz à esquerda. Estas frequências são as mais atingidas após a exposição ao ruído de impacto2-4. As amplitudes menores no grupo exposto estão de acordo com outros estudos realizados com trabalhadores expostos ao ruído e militares que realizam a prática de tiro, em que a amplitude das frequências mais agudas estavam menores nos grupos expostos ao ruído12-15.

Como proposta de um Programa de Preservação Auditiva, enfatiza-se a importância do treinamento para o uso dos protetores auditivos e a necessidade de se conscientizar os militares quanto à importância da manutenção da saúde auditiva para sua carreira profissional e pessoal.

CONCLUSÃO

Existe o risco para a saúde dos militares expostos a arma de fogo, mesmo com a maioria utilizando o protetor auditivo (92,3%), uma vez que os níveis de ruído são elevados.

Há diferenças significativas entre os grupos tanto em relação aos limiares auditivos tonais (3.000, 4.000 e 6.000HZ) como nos resultados do teste de Emissões otoacústicas. Além disso, 25% dos militares que trabalham expostos ao ruído da arma de fogo possuem audiograma com perda auditiva neurossensorial com configuração em entalhe acústico.

Com os resultados das EOAT e EOADP, é possível afirmar que estes testes são importantes e mais eficientes que somente a audiometria na detecção precoce de lesões cocleares por arma de fogo. Por ser um exame rápido, objetivo e eficaz na detecção precoce de perdas auditivas induzidas por ruído, ele vem a complementar a Audiologia Ocupacional em sua bateria de exames, para o monitoramento da audição dos trabalhadores expostos ao ruído, colocando este exame como mais um importante instrumento de vigilância epidemiológica na saúde ocupacional.

Novas pesquisas e ações são necessárias para dar continuidade a este estudo, como a padronização de avaliações específicas para o ruído de impacto, o monitoramento periódico da audição destes militares, e o trabalho de treinamento e conscientização quanto ao uso dos protetores auditivos e cuidados com a audição.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 2 de fevereiro de 2011. cod. 7553

Artigo aceito em 23 de julho de 2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Dez 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2011

Histórico

  • Aceito
    23 Jul 2011
  • Recebido
    02 Fev 2011
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