Acessibilidade / Reportar erro

Fasceíte necrosante cérvico-torácica facial odontogênica

CASE REPORT

Fasceíte necrosante cérvico-torácica facial odontogênica

Rui Medeiros JúniorI; Auremir da Rocha MeloII; Hugo Franklin Lima de OliveiraIII; Silvana Maria Orestes CardosoIV; Carlos Augusto Pereira do LagoV

IEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião Bucomaxilofacial

IIEspecialista em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião Bucomaxilofacial

IIIResidente em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pelo Hospital da Restauração, Recife/PE, Cirurgião-Dentista

IVDoutora em Biologia Oral pela Universidade de Paris VII, França. Professora do Departamento de Prótese e Cirurgia Bucofacial da Universidade Federal de Pernambuco, UFPE, Recife/PE

VDoutor em Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial pela Faculdade de Odontologia de Pernambuco, FOP/UPE, Staff do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial do Hospital da Restauração, Recife/PE. Hospital da Restauração

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Dr. Geraldo de Andrade 101 apto. 104 Espinheiro Recife PE 52021-220

Palavras-chave: face, fasciite necrosante, infecção.

INTRODUÇÃO

A fasceíte necrosante (FN) da cabeça e pescoço é uma rara e potencialmente fatal infecção bacteriana do tecido mole, que acomete principalmente indivíduos adultos e idosos, sem predileção por sexo1. Não existem dados confiáveis quanto à sua real incidência na população2.

A maioria dos casos tem origem odontogênica, envolvendo abscessos dentários e doença periodontal crônica, ou faríngea; evoluindo com extensa necrose e formação gasosa no tecido subcutâneo e fascial subjacente, com elevado índice de mortalidade (aproximadamente 40%)2.

Usualmente, revela envolvimento polimicrobiano, podendo ser classificada, nestes casos, em tipo I, quando causada por flora mista de bactérias anaeróbias obrigatórias e outras anaeróbias facultativas não pertencentes ao grupo A, e tipo II, quando do envolvimento de GAS (Streptococcus do grupo A) isolado ou associado ao Staphylococcus aureus3.

Diabetes melito não controlada, doenças vasculares periféricas, hepatopatias e doenças imunológicas são importantes fatores de risco para FN2. Os exames imaginológicos são fundamentais para caracterizar os limites topográficos da infecção e o diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com celulite ou erisipela em seu estágio inicial4. O tratamento bem sucedido envolve o diagnóstico precoce, desbridamento cirúrgico radical de todo o tecido necrótico, antibioticoterapia parenteral de amplo espectro e medidas gerais de suporte agressivas4.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente masculino, 37 anos, etilista crônico, apresentou lesão cérvico-torácica facial compatível com celulite e história odontológica pregressa de infecção odontogênica não tratada.

O exame físico locorregional revelou trismo mandibular, aumento de volume endurecido e sensível à palpação em região submandibular, sublingual e submentoniana (bilateralmente) com extensão torácica (Figura 1A). O exame intrabucal evidenciou a presença de múltiplos restos radiculares, além de elementos dentários cariados e periodontalmente comprometidos. Hiperemia, hipertermia, taquipneia, desidratação e leucocitose apontavam para um quadro de sepse. O exame tomográfico (TC) mostrou enfisema subcutâneo característico (Figura 1B).



Assim, foi proposto um tratamento emergencial com desbridamento cirúrgico radical e imediato. No transoperatório, foi colhido material para estudo de cultura e antibiograma, decidindo-se por deixar as musculaturas cervical anterior e torácica expostas. Ainda, foram realizadas múltiplas exodontias para a remoção do foco primário da infecção (Figura 1C).

Antibioticoterapia empírica foi iniciada com o uso de ceftriaxona e metronidazol. Os exames de cultura e sensibilidade revelaram crescimento de espécies de Klebsiellapneumoniae sensíveis aos antimicrobianos administrados. Desbridamentos complementares de pequenas áreas foram realizados durante as duas primeiras semanas de pós-operatório (Figura 1D).

DISCUSSÃO

O presente relato ilustra um caso de FN odontogênica em paciente etilista crônico que evoluiu rapidamente para a região cérvico-torácica. Whitesides et al.5, em seu estudo, revelaram que 81% dos casos tiveram início a partir dos segundos ou terceiros molares inferiores. Kaul et al.6, analisando 77 casos, encontraram em mais de 70% destes pelo menos uma doença crônica de base.

A hipótese diagnóstica de FN é eminentemente clínica (a partir de edema tegumentar inelástico, hipoestesia e crepitação cutânea, etc.), sendo o diagnóstico definitivo feito pela exploração cirúrgica; pela observação de pouca aderência do tecido subcutâneo, ausência de sangramento e necrose fascial.

Assim, após realização de TC, que revelou enfisema subcutâneo característico e denotou a real extensão da infecção, um tratamento cirúrgico emergencial foi realizado. O procedimento contemplou desbridamento agressivo da região cérvico-torácica facial, tendo como limites a linha mamilar, o ponto médio da clavícula bilateralmente e a base da mandíbula. Durante a abordagem observou-se diminuição da resistência na dissecação e necrose dos planos fasciais, necroses da pele e do tecido subcutâneo, drenagem franca de pus e odor fétido; fechando-se, assim, o diagnóstico de FN.

Um fato raro observado foi o envolvimento bacteriológico isolado por Klebsiellapneumoniae; não caracterizando, desta forma, o padrão polimicrobiano clássico da infecção. A terapia antimicrobiana se mostrou bastante eficaz e, atualmente, medidas adjuvantes, como administração de imunoglobulinas e a oxigenoterapia hiperbárica, também têm sido empregadas3.

COMENTÁRIOS FINAIS

Excepcionalmente, as infecções orais podem culminar em quadros graves e fatais de FN. A evolução dessa condição é rápida, principalmente quando associada a fatores predisponentes. Assim, o adequado tratamento deve contemplar o diagnóstico precoce, a antibioticoterapia de largo espectro, a intervenção cirúrgica radical, sendo recomendável, em muitos casos, o envolvimento de uma equipe multidisciplinar.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da BJORL em 17 de maio de 2010. cod. 7090

Artigo aceito em 12 de julho de 2010.

  • 1. Ord R, Coletti D. Cervico-facial necrotizing fasciitis. Oral Dis. 2009;15(2):133-41.
  • 2. Kuncir EJ, Tillou A, St Hill CR, Petrone P, Kimbrell B, Asensio JA. Necrotizing soft-tissue infections. Emerg Med Clin North Am. 2003;21(4):1075-87.
  • 3. Wolf H, Ovesen T. Necrotizing fasciitis in the head and neck region. Ugeskr Laeger. 2008;170(34):2563-6.
  • 4. Costa IMC, Cabral ALSV, Pontes SS, Amorim JF. Fasciíte necrosante: revisão com enfoque nos aspectos dermatológicos. An Bras Dermatol. 2004;79(2):211-24.
  • 5. Whitesides L, Cotto-Cumba C, Myers RA. Cervical necrotizing fasciitis of odontogenic origin: a case report and review of 12 cases. J Oral Maxillofac Surg. 2000;58(2):144-51.
  • 6. Kaul R, McGeer A, Low DE, Green K, Schwartz B. Population-based surveillance for group A streptococcal necrotizing fasciitis: Clinical features, prognostic indicators, and microbiologic analysis of seventy-seven cases. Am J Med. 1997;103(1):18-24.
  • Endereço para correspondência:
    Rua Dr. Geraldo de Andrade 101 apto. 104 Espinheiro
    Recife PE 52021-220
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@aborlccf.org.br