Acessibilidade / Reportar erro

Implante coclear Digisonic SP® Binaural: acesso coronal tunelizado

Resumos

O implante coclear é um grande avanço no tratamento da surdez. Há grandes evidências que a audição bilateral traz diversas vantagens ao ser humano e muito mais quando se trata de audição binaural. OBJETIVO: Este artigo tem por objetivo descrever o primeiro caso operado no Brasil, sendo o terceiro país das Américas (México e Colômbia) a realizar, com implante binaural Neurelec Digisonic SP® demonstrando a técnica cirúrgica. MÉTODO: Descrição da técnica cirúrgica. RESULTADOS: Ver técnica cirúrgica. Procedimento ocorreu sem intercorrências. DISCUSSÃO: O efeito "squelch", a somação binaural, a localização da fonte sonora e o efeito sombra da cabeça são umas das principais razões que justificam a superioridade da reabilitação binaural. O custo do tratamento deve ser levado em conta em políticas de saúde pública. CONCLUSÃO: Custo do implante coclear é um dos grandes limitadores da bilateralidade na reabilitação desse grupo de pacientes, porém, com essa tecnologia, é possível solucionar esse problema, expondo o paciente a poucos riscos, com o uso de uma técnica cirúrgica pouco invasiva.

implante coclear; perda auditiva bilateral; perda auditiva neurossensorial; reabilitação de deficientes auditivos; surdez


Cochlear implants represent a significant breakthrough in the treatment of hearing loss. Evidence indicates bilateral hearing brings significant benefits to patients, particularly when binaural hearing is offered. OBJECTIVE: To describe the first case of implantation of a Digisonic SP® Binaural Neurelec device in Brazil (the third implant placed in the Americas, after Mexico and Colombia) and the chosen surgical approach. METHOD: Description of a surgical approach. RESULTS: The procedure was successfully completed. DISCUSSION: The squelch effect, binaural summation, location of the sound source, and the shadow effect of the head are listed among the reasons to explain the superiority of binaural rehabilitation. Cost of treatment must be considered in the development of public health policies. CONCLUSION: The cost of cochlear implants has been one of the main impediments to bilateral rehabilitation. The Digisonic SP® Binaural Neurelec device addresses this issue and exposes patients to less risk through a minimally invasive implantation procedure.

cochlear implantation; deafness; hearing loss, bilateral; hearing loss, sensorineural; rehabilitation of hearing impaired


ORIGINAL ARTICLE

Implante coclear Digisonic SP® Binaural: acesso coronal tunelizado

Guilherme Machado de CarvalhoI; Alexandre Caixeta GuimarãesII; Ivan Senis Cardoso MacedoIII; Lúcia Cristina Beltrame OnukiIV; Fabiana DanieliV; Henrique Furlan PaunaII; Fernando Laffitte FernandesVI; Jorge Rizzato PaschoalVII; Walter Adriano BianchiniVIII; Arthur Menino CastilhoIX

IMestre em Medicina (Universidade Nova de Lisboa) (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

IIMédico (Médico Residente em Otorrinolaringologia, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

IIIMédico (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

IVFonoaudióloga, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP. (Fonoaudióloga, Especialista em Implante Coclear)

VMestre em Bioengenharia, fonoaudióloga (Fonoaudióloga, Especialista em Implante Coclear, Mestre em Bioengenharia pela EESC/USP)

VIMédico (Médico Residente, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

VIIDocente (Médico Otorrinolaringologista, Dispciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

VIIIMestre (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

IXDoutor (Otorrinolaringologista, Otologista, Disciplina de Otorrinolaringologia, Cabeça e Pescoço, UNICAMP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Guilherme Machado de Carvalho Disciplina de Otorrinolaringologia Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Campinas - São Paulo. Brasil. CEP: 13081-970. Caixa Postal: 6111 Tel: (19) 3788-7454/3788-7523. Fax: (19) 3788-7563 E-mail: guimachadocarvalho@gmail.com

RESUMO

O implante coclear é um grande avanço no tratamento da surdez. Há grandes evidências que a audição bilateral traz diversas vantagens ao ser humano e muito mais quando se trata de audição binaural.

OBJETIVO: Este artigo tem por objetivo descrever o primeiro caso operado no Brasil, sendo o terceiro país das Américas (México e Colômbia) a realizar, com implante binaural Neurelec Digisonic SP® demonstrando a técnica cirúrgica.

MÉTODO: Descrição da técnica cirúrgica.

RESULTADOS: Ver técnica cirúrgica. Procedimento ocorreu sem intercorrências.

DISCUSSÃO: O efeito "squelch", a somação binaural, a localização da fonte sonora e o efeito sombra da cabeça são umas das principais razões que justificam a superioridade da reabilitação binaural. O custo do tratamento deve ser levado em conta em políticas de saúde pública.

CONCLUSÃO: Custo do implante coclear é um dos grandes limitadores da bilateralidade na reabilitação desse grupo de pacientes, porém, com essa tecnologia, é possível solucionar esse problema, expondo o paciente a poucos riscos, com o uso de uma técnica cirúrgica pouco invasiva.

Palavras-chave: implante coclear; perda auditiva bilateral; perda auditiva neurossensorial; reabilitação de deficientes auditivos; surdez.

INTRODUÇÃO

Estudos recentes têm evidenciado o implante coclear (IC) como tratamento para a deficiência auditiva profunda em crianças e adultos. A restauração precoce do input auditivo por meio do implante coclear permite que as habilidades comunicativas dos pacientes melhorem substancialmente, embora com resultados bastante variados1.

Além disso, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no ano de 2025 existirão aproximadamente 1,2 bilhão de pessoas no mundo acima dos 60 anos2 e, conforme o Royal National Institute for Deaf People (RNID), hoje já existem mais de 300 milhões de pessoas com presbiacusia no mundo e, no ano de 2050, estima-se que chegue a 900 milhões2, o que pode aumentar de modo importante a necessidade de tratamentos para reabilitação de pacientes com disacusia.

O implante coclear representa uma significante inovação cirúrgica3, tecnológica e numerosos estudos mostram que os benefícios são superiores aos riscos, além de demonstrarem melhora na qualidade de vida do paciente implantado3.

Embora o implante coclear unilateral proporcione uma boa compreensão da fala sob condições silenciosas, pacientes implantados frequentemente relatam dificuldade em compreender a fala quando expostos a ruídos de fundo, com dificuldade também em localização do som. Uma vez que estas duas funções exigem estimulação binaural em indivíduos normais e usuários de aparelhos auditivos, não é surpreendente que haja um interesse crescente em implantes cocleares binaurais4.

O objetivo desse artigo é descrever a técnica cirúrgica e o primeiro caso realizado no Brasil de implante coclear bilateral Digisonic SP®Neurelec através do acesso cranial coronal subcutâneo tunelizado com auxílio de tubo orotraqueal e demostrar os detalhes envolvidos nesse procedimento. Atualmente, a UNICAMP já apresenta uma série de casos realizados, todos sem qualquer intercorrências, e citamos ainda que alguns centros brasileiros também já realizam esse procedimento.

Atualmente (2013), segundo a própria empresa Neurelec, tal procedimento foi realizado apenas em alguns países como na França, Reino Unido, Alemanha, Espanha, Itália, Romênia, Médio Oriente, Í ndia, México, Colômbia e agora no Brasil.

MÉTODO

Para inclusão do caso, iniciamos o seguinte protocolo:

• Idade maior de que 16 anos (crescimento da calota craniana);

• Paciente pós-lingual com desenvolvimento de fala (oralizado);

• Boa leitura orofacial;

• Experiência prévia com aparelho de amplificação sonora individual (AASI) por pelo menos 2 anos;

• Audiometrias tonais seriadas (com disacusia sensorioneural grave/profunda - evidenciar quadro audiológicos estável por pelo menos 2 anos);

• Audiometria em campo livre com e sem AASI (com pouco ganho);

• Teste de percepção de fala (desempenho menor que 60% com 65 dB em campo livre);

• Potencial auditivo do tronco cerebral (PEATE) e emissões otoacústicas (OEA) (ausentes);

• Tomografia computadorizada de ouvidos, mastoides e crâio;

• Ressonância nuclear magnética de ouvidos, mastoides e crânio com avaliação e reconstrução da orelha interna e conduto auditivo interno;

• Avaliação psicológica.

O paciente selecionado foi plenamente orientado sobre o procedimento, cirurgia, dispositivo implantado, expectativas pós-operatórias, complicações esperadas e foi disponibilizado termo de consentimento livre e esclarecido.

Aspectos éticos

O trabalho foi aprovado e respeitou as regras do Comitê de Ética da Instituição (004/2013).

RESULTADOS

Nessa seção, será exemplificada a técnica cirúrgica utilizada e a descrição do paciente submetido a tal procedimento.

Técnica cirúrgica

O paciente foi posicionado em decúbito dorsal, sob anestesia geral e intubação orotraqueal e, então, se inicia o preparo do campo operatório do seguinte modo:

1. Antissepsia de toda face, região retroauricular, cabelos e couro cabeludo, com clorexidina 2% (degermante), fixação dos eletrodos do nervo facial e aplicação de um grama de cefazolina endovenosa;

2. Tricotomia retroauricular bilateral, isolamento e esparadrapagem com MicroporeTM das regiões retroauriculares e da face (isolado face);

3. Preparo e preensão do cabelo da paciente, demarcando a região coronal, com auxílio de elásticos siliconados;

4. Infiltração de anestésico tópico (xylocaína 2% com noriepinefrina; aplicado 4 mg lidocaína/kg) nas regiões retorauriculares e da sutura coronal;

5. Nova antissepsia com clorexidina 0,5% (alcoólico) de regiões retroauriculares e couro cabeludo;

6. Colocação de campos estéreis com exposição de sutura coronal, regiões retroauriculares e parcialmente a face;

7. Incisão retroauricular retilínea de aproximadamente 4 centímetros, com dissecção por planos e confecção de retalho músculo periosteal em formato de cruz;

8. Retirada de pequenos fragmentos de fáscia e músculo temporal para posterior obliteração da cocleostomia;

9. Mastoidectomia simples, identificando: canal semicircular lateral, ramo curto da bigorna, parede posterior do conduto auditivo externo, tégmen timpani e seio lateral. Coleta de pequena quantidade de pó de osso;

10. Adelgaçamento da parede posterior do conduto auditivo externo e realização da timpanotomia posterior, mantendo-se o incus buttress;

11. Confecção de cocleostomia de 1 milímetro em região ântero-superior em relação à janela redonda, após identificação do nicho da janela redonda;

12. Repetidos passos 7 a 11 para lado contralateral;

13. Realizada incisão coronal (no vertex da cabeça) de aproximadamente 3 centímetros, dissecção por planos;

14. Confecção de túnel subperiosteal para comunicação da incisão coronal com incisão retroauricular com auxílio de descoladores, afastadores e pinças de preensão convencionais de modo atraumático (bilateralmente);

15. Locado tubo orotraqueal de 5 milímetros pelo túnel criado no passo anterior (bilateralmente) (Figura 1);


16. Realizada cuidadosa revisão de hemostasia;

17. Fixado com sistema de dois parafusos de titânio componente interno do implante coclear binaural Neurelec Digisonic SP® em região escamosa do osso temporal (Figura 2);


18. Inserido eletrodo pela cocleostomia sob microscopia, locado eletrodo terra em região do arco zigomático e posicionado eletrodo contralateral por dentro do tubo orotraqueal ipsilateral;

19. Tracionado tubo orotraqueal, ipsilateral ao componente interno do implante, pela incisão coronal delicadamente junto com o eletrodo contralateral já previamente posicionado (Figura 3);


20. Posicionado o eletrodo contralateral agora no tubo orotraqueal contralateral;

21. Tracionado o tubo orotraqueal, contralateral ao implante, pela incisão retroauricular contralateral;

22. Inserido eletrodo pela cocleostomia sob microscopia,locado eletrodo terra em região do arco zigomático (lado contralateral);

23. Posicionamento do enxerto de músculo ao redor do eletrodo de forma a vedar a cocleostomia. Colocação de pó de osso, obliterando a timpanotomia posterior (bilateralmente);

24. Fechamento, com uso de VicrylTM 3.0, nos planos do retalhos periósteo muscular e da incisão coronal e subcutâneo e nylon 4.0 no plano da pele (bilateralmente);

25. Limpeza do paciente e curativo externo compressivo;

26. Telemetria de impedâncias dos eletrodos e a pesquisa dos potenciais de tronco cerebral evocados eletricamente (EABR);

27. Radiografia na incidência transorbital para confirmar o correto posicionamento do eletrodo intracoclear (Figura 4).


Observação: A movimentação da cabeça do paciente deve ser sempre realizada de modo cuidadoso. Essa técnica cirúrgica não foi desenvolvida pala equipe acima, apenas adaptada de outros procedimentos já descritos5,6.

Cirurgia esquematizada nas Figuras 5 a 7.


Telemetria de Impedâncias e EABR

Foi realizado o registro das impedâncias dos eletrodos inseridos em ambas as cócleas por meio de um sistema de telemetria bidirecional. Este registro é possível pela utilização da interface diagnóstica Digistim SP e software Digistim for Windows SP ®, versão atual 1.9.15, que possibilitou, também, a realização da pesquisa dos potenciais de tronco cerebral evocados eletricamente (EABR). Tais procedimentos foram realizados na etapa intraoperatória, ao final do procedimento e com o paciente ainda sob efeito da anestesia geral, com o intuito de verificar o "status" do receptor-estimulador e feixes de eletrodos implantados, bem como o funcionamento do dispositivo e a efetividade da estimulação promovida pelo mesmo nas fibras neurais periféricas auditivas de ambos os lados (Figuras 8 e 9).



Monitorização do Nervo Facial

Durante todo o procedimento foi monitorado o nervo facial bilateralmente, por meio de dois eletrodos em cada lado da face, nas regiões frontal e zigomática, além dos eletrodos "terra" (fixado na região torácica) e STIM+ (pólo positivo; na região esternoclavicular). O monitor utilizado foi o NIM-PulseTM (Nerve Integrity Monitor, Meditronic XomedTM).

Microscópio

Foi utilizado o microscópio CARL ZEISS GMGH S88 MicroscopeTM. O microscópio tem, ainda, uma câmera acoplada e é conectado a um sistema de vídeo com gravação digital dos procedimentos cirúrgicos.

Dispositivo

Foi utilizado o implante coclear Neurelec Digisonic®SP Binaural, desenvolvido pela empresa francesa Neurelec S.A. no ano de 2006.

O dispositivo corresponde a um único receptor-estimulador conectado a dois feixes de eletrodos, responsáveis por estimular as fibras neurais remanescentes em ambas as cócleas simultaneamente e sincronicamente (Figura 10). O receptor-estimulador apresenta as mesmas características de um implante Digisonic SP monoaural convencional, como o sistema de fixação com a utilização de parafusos de titânio e sua estrutura compacta e em formato monobloco, que possibilita uma inserção mais rápida e menos invasiva ao paciente. Cada feixe apresenta 12 eletrodos, conectados a um eletrodo terra, totalizando 24 canais ativos de estimulação e velocidade de até 24.000 pulsos por segundo. Um microfone contralateral é conectado ao processador de fala convencional, Digi ® SP ou Saphyr ® SP, que analisa separadamente os sinais de entrada originados das duas orelhas, e os envia de forma sincrônica para os eletrodos posicionados nas diferentes cócleas, proporcionando, dessa forma, uma audição binaural (Figura 11). O microfone contralateral utilizado para o funcionamento do sistema é o Widex CROS (Widex Corp, Dinamarca).



Caso

Paciente feminino, 35 anos, com história de deficiência auditiva progressiva, e há dez anos com quadro neurossensorial grave. Faz uso de aparelho de amplificação sonora individual (AASI) em ambas as orelhas há 16 anos, com pouco benefício recente.

Por ter quadro de evolução progressiva, desenvolveu linguagem oral e dispõe de boa leitura orofacial. Possui história familiar de surdez (pai, tios paternos, irmãos, avós).

Foi inserida no Programa de Implante Coclear do Grupo de Otologia e Próteses Implantáveis de Hospital Universitário Quaternário Especializado em janeiro de 2012.

Na investigação clínica, laboratorial e radiológica (CT e RNM) não foram encontrados etiologias que justificassem o quadro, tendo todos seus exames dentro da normalidade.

A avaliação audiológica está descrita a seguir (Tabelas 1 e 2).

Não houve respostas no potencial evocado auditivo de tronco encefálico (PEATE) e nem nas emissões otoacústicas (transientes e produtos de distorção) em ambas as orelhas.

A avaliação da percepção dos sons de Ling foi de 0% (cada orelha e ambas as orelhas); discriminação do nome 0% e teste de percepção de sentenças 0% (cada orelha e ambas as orelhas).

DISCUSSÃO

Ainda hoje, diversos serviços de saúde públicos e centros especializados têm recomendado o implante coclear unilateral (ao invés do bilateral) para os pacientes com perda auditiva neurossensorial grave a profunda por diversas razões, entre elas: custo, preservação da outra orelha para tecnologias futuras, risco adicional de uma segunda cirurgia e falta de evidências documentando os benefícios do implante coclear bilateral7.

Porém, o implante coclear bilateral vem sendo considerado como uma vantagem significativa para melhorar a percepção da fala em ambientes ruidosos quando comparado ao implante coclear unilateral8.

Estudos também apontam que a implantação bilateral (dois implantes, um em cada orelha) promove uma audição estereofônica, que resulta em uma melhor percepção de fala para o usuário não só em ambientes ruidosos como também em situações de silêncio, além de melhora na habilidade de localização sonora9.

O melhor desempenho quanto à localização do som em usuários de implante coclear bilateral depende do efeito sombra de cabeça, do efeito squelch e do efeito da somação binaural10.

O efeito sombra de cabeça ocorre pela obstrução da cabeça à chegada do som à orelha estimulada e melhorando a relação sinal ruído. A somação binaural é resultado do processamento auditivo central e demonstra a habilidade do sistema nervoso auditivo central integrar e utilizar a informação das duas orelhas. O efeito squelch é a habilidade do sistema auditivo em utilizar a informação de ambas as orelhas quando a fala e o ruído são separados espacialmente4.

Embora a literatura psicoacústica tenha demonstrado há muito tempo os benefícios da audição binaural, só recentemente os estudos demonstraram melhora na inteligibilidade de fala com implantes bilaterais em comparação com os implantes unilaterais.

Ainda, em condições ideais, os benefícios do implante bilateral podem ser muito maiores do que os que têm sido relatados. Por exemplo, para a inteligibilidade de fala no ruído, o benefício é consideravelmente maior que os benefícios relatados de somação ou do efeito squelch e é robusto em reverberação quando a fonte de interferência está perto11.

Dessa forma, mesmo nos dias de hoje, com seus benefícios funcionais claramente identificados, a implantação bilateral para adultos ainda não se encontra amplamente difundida, e o custo de um segundo implante, além dos gastos associados a um novo procedimento cirúrgico, permanecem como o maior empecilho para que tal procedimento seja realmente efetivado pelos serviços de saúde, em especial pelos serviços públicos como o SUS.

Estudo baseado na relação custo-benefício da cirurgia de implante coclear para os serviços de saúde evidenciou que os benefícios clínicos proporcionados pelo implante bilateral em adultos em relação ao implante unilateral são pequenos perto do investimento a ser realizado para tal procedimento, o que tem dificultado a sua efetivação nestes serviços12.

Dessa forma, o implante coclear Digisonic® SP Binaural, desenvolvido pela empresa Neurelec S.A., representa uma alternativa para reduzir os custos da implantação bilateral, visto que o dispositivo corresponde a um único implante responsável por promover estimulação em ambas as cócleas. O dispositivo tem um custo médio de 30% acima do valor de um implante coclear unilateral convencional, entretanto, foi demonstrado que seus benefícios são equivalentes ao implante coclear bilateral12.

Ainda, estudo demonstrou um notável efeito "squelch" para usuários do implante coclear Digisonic®SP Binaural, estando este valor acima do observado em usuários de implante coclear bilateral convencional. Este aspecto foi apontado pelos autores como o resultado da correspondência temporal direita/esquerda proporcionada pela descarga sincrônica realizada pelo implante binaural13.

O implante Digisonic®SP Binaural promove um processamento do som nas duas orelhas separadamente e simultaneamente, assim como ocorre no IC bilateral. Entretanto, diferentemente do implante bilateral, o implante binaural apresenta uma sincronia na estimulação elétrica entre as cócleas. Em outras palavras, o dispositivo realiza uma estimulação de diferentes bandas de frequência de forma alternada entre as cócleas para cada sequência de pulsos, promovendo uma correspondência entre as mesmas para cada som.

Complicações cirúrgicas envolvendo o implante coclear também ocorrem com alguma frequência e têm sido motivo de preocupação por parte dos serviços de saúde para a implementação de novas técnicas cirúrgicas. Conforme o Acordo Europeu sobre Falhas e Explantes, as falhas podem ser divididas em seis categorias : 1 - falha pelo impacto; 2 - falha na vedação; 3 - falha eletrônica; 4 - problema no conjunto de eletrodos; 5 - outros (especificar); 6 - sem causa específica14.

Em estudo envolvendo 550 cirurgias consecutivas de implante coclear, foram observadas 92 complicações (6%). As complicações consideradas maiores somaram 8,9% e as menores 7,8%15.

Entre essas complicações maiores, foram consideradas: problemas na inserção do eletrodo, eletrodo na posição errônea, eletrodo danificado, eletrodo comprimido, falha de inserção, deslocamento, deiscência ou infecção do retalho, colesteatoma, otomastoidite, paralisia facial com sequela, fístula liquórica, meningite e sintomas otológicos incapacitantes. Entre as complicações menores, foram citadas: paralisia facial periférica transitória, lesão da parede posterior do meato, lesão do ânulo ou membrana timpânica, fístula perilinfática, hemorragia, lesão do nervo corda do tímpano e hematoma15.

CONCLUSÃO

A implantação coclear bilateral traz diversos benefícios ao paciente com disacusia grave e/ou profunda, sendo o implante Digisonic® SP Binaural uma alternativa eficaz a esta modalidade e com boa relação custo-benefício. A técnica cirúrgica apresentada foi realizada sem dificuldades ou complicações e o procedimento cirúrgico se mostrou simples e seguro.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer a nossa Disciplina pela oportunidade e pela chance de executar nossos projetos. A toda equipe envolvida com a reabilitação cirúrgica de pacientes com surdez (funcionários, instrumentadora, fonoaudiólogas, psicóloga, residentes) e todos os demais. Um agradecimento especial à funcionária Mercedes F. Santos, pelo apoio e criação dos desenhos, e consequente a toda equipe do AudioVisual da FCM.

REFERÊNCIAS

1. Fortunato-Tavares T, Befi-Lopes D, Bento RF, Andrade CRF. Children with cochlear implants: communication skills and quality of life. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;78(1):15-25.

2. Sprinzl GM, Riechelmann H. Current trends in treating hearing loss in elderly people: a review of the technology and treatment options - a mini-review. Gerontology. 2010;56:351-8. http://dx.doi. org/10.1159/000275062 PMid:20090297

3. Turchetti G, Bellelli S, Palla I, Forli F. Systematic review of the scientific literature on the economic evaluation of cochlear implants in paediatric patients. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2011;31(5):311-8. PMid:22287822 PMCid:3262412

4. Brown KD, Balkany TJ. Benefits of bilateral cochlear implantation: a review. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;15(5):315-8. http://dx.doi.org/10.1097/MOO.0b013e3282ef3d3e PMid:17823546

5. Guevara N, Sterkers O, Bébéar JP, Meller R, Magnan J, Mosnier I, et al. Multicenter evaluation of the digisonic SP cochlear implant fixation system with titanium screws in 156 patients. Ann Otol Rhinol Laryngol. 2010;119(8):501-5. PMid:20860274

6. Truy E, Ionescu E, Ceruse P, Gallego S. The binaural digisonic cochlear implant: surgical technique. Otol Neurotol. 2002;23(5):704-9. http://dx.doi.org/10.1097/00129492-200209000-00017 PMid:12218623

7. Litovsky R, Parkinson A, Arcaroli J, Sammeth C. Simultaneous bilateral cochlear implantation in adults: a multicenter clinical study. Ear Hear. 2006;27(6):714-31. http://dx.doi.org/10.1097/01.aud.0000246816.50820.42 PMid:17086081 PMCid:2651401

8. Yoon YS, Li Y, Kang HY, Fu QJ. The relationship between binaural benefit and difference in unilateral speech recognition performance for bilateral cochlear implant users. Int J Audiol. 2011;50(8):554-65. http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2011.580785 PMid:21696329 PMCid:3160169

9. Freyman RL, Balakrishnan U, Helfer KS. Spatial release from informational masking in speech recognition. J Acoust Soc Am. 2001;109(5 Pt 1):2112-22. http://dx.doi.org/10.1121/1.1354984 PMid:11386563

10. Hyppolito MA, Bento RF. Directions of the bilateral cochlear implant in Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(1):2-3. PMid:22392231

11. Culling JF, Jelfs S, Talbert A, Grange JA, Backhouse SS. The benefit of bilateral versus unilateral cochlear implantation to speech intelligibility in noise. Ear Hear. 2012;33(6):673-82. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3182587356 PMid:22717687

12. Summerfield AQ, Barton GR. Getting acceptable value for money from bilateral cochlear implantation. Cochlear Implants Int. 2003;4 Suppl 1:66-7. http://dx.doi.org/10.1002/cii.112 PMid:18792183

13. Verhaert N, Lazard DS, Gnansia D, Bébéar JP, Romanet P, Meyer B, et al. Speech performance and sound localization abilities in Neurelec Digisonic® SP binaural cochlear implant users. Audiol Neurootol. 2012;17(4):256-66. http://dx.doi.org/10.1159/000338472 PMid:22584289

14. Achiques MT, Morant A, Muñoz N, Marco J, Llópez I, Latorre E, et al. Cochlear implant complications and failures. Acta Otorrinolaringol Esp. 2010;61(6):412-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.otorri.2010.07.005 PMid:20947060

15. Brito R, Monteiro TA, Leal AF, Tsuji RK, Pinna MH, Bento RF. Surgical complications in 550 consecutive cochlear implantation. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):80-5. http://dx.doi.org/10.1590/S180886942012000300014 PMid:22714851

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 22 de outubro de 2012. cod. 10535.

Artigo aceito em 1 de março de 2013.

Otologia, Audiologia e Próteses Auditivas Implantáveis - Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da UNICAMP.

  • 1. Fortunato-Tavares T, Befi-Lopes D, Bento RF, Andrade CRF. Children with cochlear implants: communication skills and quality of life. Braz J Otorhinolaryngol. 2011;78(1):15-25.
  • 2. Sprinzl GM, Riechelmann H. Current trends in treating hearing loss in elderly people: a review of the technology and treatment options - a mini-review. Gerontology. 2010;56:351-8. http://dx.doi. org/10.1159/000275062 PMid:20090297
  • 3. Turchetti G, Bellelli S, Palla I, Forli F. Systematic review of the scientific literature on the economic evaluation of cochlear implants in paediatric patients. Acta Otorhinolaryngol Ital. 2011;31(5):311-8. PMid:22287822 PMCid:3262412
  • 4. Brown KD, Balkany TJ. Benefits of bilateral cochlear implantation: a review. Curr Opin Otolaryngol Head Neck Surg. 2007;15(5):315-8. http://dx.doi.org/10.1097/MOO.0b013e3282ef3d3e PMid:17823546
  • 6. Truy E, Ionescu E, Ceruse P, Gallego S. The binaural digisonic cochlear implant: surgical technique. Otol Neurotol. 2002;23(5):704-9. http://dx.doi.org/10.1097/00129492-200209000-00017 PMid:12218623
  • 7. Litovsky R, Parkinson A, Arcaroli J, Sammeth C. Simultaneous bilateral cochlear implantation in adults: a multicenter clinical study. Ear Hear. 2006;27(6):714-31. http://dx.doi.org/10.1097/01.aud.0000246816.50820.42 PMid:17086081 PMCid:2651401
  • 8. Yoon YS, Li Y, Kang HY, Fu QJ. The relationship between binaural benefit and difference in unilateral speech recognition performance for bilateral cochlear implant users. Int J Audiol. 2011;50(8):554-65. http://dx.doi.org/10.3109/14992027.2011.580785 PMid:21696329 PMCid:3160169
  • 9. Freyman RL, Balakrishnan U, Helfer KS. Spatial release from informational masking in speech recognition. J Acoust Soc Am. 2001;109(5 Pt 1):2112-22. http://dx.doi.org/10.1121/1.1354984 PMid:11386563
  • 10. Hyppolito MA, Bento RF. Directions of the bilateral cochlear implant in Brazil. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(1):2-3. PMid:22392231
  • 11. Culling JF, Jelfs S, Talbert A, Grange JA, Backhouse SS. The benefit of bilateral versus unilateral cochlear implantation to speech intelligibility in noise. Ear Hear. 2012;33(6):673-82. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0b013e3182587356 PMid:22717687
  • 12. Summerfield AQ, Barton GR. Getting acceptable value for money from bilateral cochlear implantation. Cochlear Implants Int. 2003;4 Suppl 1:66-7. http://dx.doi.org/10.1002/cii.112 PMid:18792183
  • 14. Achiques MT, Morant A, Muñoz N, Marco J, Llópez I, Latorre E, et al. Cochlear implant complications and failures. Acta Otorrinolaringol Esp. 2010;61(6):412-7. http://dx.doi.org/10.1016/j.otorri.2010.07.005 PMid:20947060
  • 15. Brito R, Monteiro TA, Leal AF, Tsuji RK, Pinna MH, Bento RF. Surgical complications in 550 consecutive cochlear implantation. Braz J Otorhinolaryngol. 2012;78(3):80-5. http://dx.doi.org/10.1590/S180886942012000300014 PMid:22714851
  • Endereço para correspondência:

    Guilherme Machado de Carvalho
    Disciplina de Otorrinolaringologia Faculdade de Ciências Médicas - UNICAMP Cidade Universitária "Zeferino Vaz"
    Campinas - São Paulo. Brasil. CEP: 13081-970. Caixa Postal: 6111
    Tel: (19) 3788-7454/3788-7523. Fax: (19) 3788-7563
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Out 2012
    • Aceito
      01 Mar 2013
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@aborlccf.org.br