Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação da qualidade de vida em crianças com implante coclear: revisão sistemática

Resumos

O uso do implante coclear (IC) em crianças possibilita o desenvolvimento das habilidades auditivas e comunicativas, permitindo o progresso da criança na escola e, futuramente, ser capaz de obter, manter e executar uma ocupação. Entretanto, existe uma variabilidade quanto ao progresso após o IC, pois muitas crianças são capazes de interagir e participar na sociedade, enquanto outras passam por limitações na habilidade de se comunicar verbalmente. A necessidade de uma melhor compreensão sobre os resultados do IC, além dos resultados em audição e linguagem, tem estimulado a inserção de medidas de qualidade de vida (QV) para avaliar o impacto dessa tecnologia. OBJETIVO: Identificar quais os principais aspectos de qualidade de vida avaliados nas crianças usuárias de implante coclear. MÉTODO: Por meio de uma revisão sistemática da literatura, considerando publicações do período de 2000 a 2011. CONCLUSÃO: Conclui-se que medir a QV em crianças inclui vários conceitos e metodologias. Quando nos referimos às crianças usuárias de IC, os resultados mostraram os desafios em conceituar, de maneira compreensiva, quais domínios de qualidade de vida são importantes para a criança e como estes domínios podem evoluir durante o seu desenvolvimento, visto a grande variedade de instrumentos e aspectos avaliados nos estudos.

criança; implante coclear; perda auditiva; qualidade de vida; reabilitação de deficientes auditivos


The use of cochlear implant (CI) in children enables the development of listening and communication skills, allowing the child's progress in school and to be able to obtain, maintain and carry out an occupation. However, the progress after the CI has different results in some children, because many children are able to interact and participate in society, while others develop limited ability to communicate verbally. The need for a better understanding of CI outcomes, besides hearing and language benefits, has spurred the inclusion of quality of life measurements (QOL) to assess the impact of this technology. OBJECTIVE: Identify the key aspects of quality of life assessed in children with cochlear implant. METHOD: Through a systematic literature review, we considered publications from the period of 2000 to 2011. CONCLUSION: We concluded that QOL measurements in children include several concepts and methodologies. When referring to children using CI, results showed the challenges in broadly conceptualizing which quality of life domains are important to the child and how these areas can evolve during development, considering the wide variety of instruments and aspects evaluated.

child; cochlear implants; hearing loss; quality of life; rehabilitation of hearing impaired


REVIEW ARTICLE

Avaliação da qualidade de vida em crianças com implante coclear: revisão sistemática

Marina MorettinI; Maria Jaquelini Dias dos SantosII; Marcela Rosolen StefaniniIII; Fernanda de Lourdes AntonioIV; Maria Cecília BevilacquaV; Maria Regina Alves CardosoVI

IDoutora em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Fonoaudióloga Especialista em Laboratório da Faculdade de Odontologia de Bauru - USP)

IIMestre em Ciências pela Faculdade de Odontologia de Bauru-Universidade de São Paulo (FOB-USP) (Fonoaudióloga)

IIIEspecialista em Audiologia Clínica e Educacional pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP) (Fonoaudióloga da Associação dos Deficientes Auditivos, Pais, Amigos e Usuários de Implante Coclear (ADAP - Bauru))

IVEspecialista em Audiologia Clínica e Educacional pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC-USP) (Fonoaudióloga do HRAC-USP)

VProfessora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru-Universidade de São Paulo (FOB-USP) (Professora Titular do Departamento de Fonoaudiologia da FOB-USP e Coordenadora do CPA-HRAC-USP)

VIDoutora em Saúde Pública (Professora Doutora do Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - FSP/USP)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marina Morettin Rua Silvio Marchione, nº 3/20 Bauru - SP. Brasil. CEP: 17043-900 Caixa Postal: 620 E-mail: mmorettin@usp.br

RESUMO

O uso do implante coclear (IC) em crianças possibilita o desenvolvimento das habilidades auditivas e comunicativas, permitindo o progresso da criança na escola e, futuramente, ser capaz de obter, manter e executar uma ocupação. Entretanto, existe uma variabilidade quanto ao progresso após o IC, pois muitas crianças são capazes de interagir e participar na sociedade, enquanto outras passam por limitações na habilidade de se comunicar verbalmente. A necessidade de uma melhor compreensão sobre os resultados do IC, além dos resultados em audição e linguagem, tem estimulado a inserção de medidas de qualidade de vida (QV) para avaliar o impacto dessa tecnologia.

OBJETIVO: Identificar quais os principais aspectos de qualidade de vida avaliados nas crianças usuárias de implante coclear.

MÉTODO: Por meio de uma revisão sistemática da literatura, considerando publicações do período de 2000 a 2011.

CONCLUSÃO: Conclui-se que medir a QV em crianças inclui vários conceitos e metodologias. Quando nos referimos às crianças usuárias de IC, os resultados mostraram os desafios em conceituar, de maneira compreensiva, quais domínios de qualidade de vida são importantes para a criança e como estes domínios podem evoluir durante o seu desenvolvimento, visto a grande variedade de instrumentos e aspectos avaliados nos estudos.

Palavras-chave: criança; implante coclear; perda auditiva; qualidade de vida; reabilitação de deficientes auditivos.

INTRODUÇÃO

Vários estudos têm apresentado que crianças com perda auditiva (PA) de grau grave e/ou profundo alcançam um benefício considerável com o uso do implante coclear (IC) aliado à reabilitação auditiva adequada. Essas crianças têm mais chances de adquirir a linguagem oral1 e serem integradas em escolas regulares2, ampliando as oportunidades de se envolver em atividades e participar do mundo auditivo3.

Realizar atividades e participar do mundo auditivo significa comunicar-se e, consequentemente, comunicação está diretamente relacionada à função social, uma vez que as interações sociais ocorrem por meio da comunicação oral4. A função social é um dos aspectos mais importantes para o desenvolvimento global da criança, integra o significado de "qualidade de vida", assim como outros aspectos relacionados à funcionalidade, bem-estar físico e mental4. Portanto, se o IC proporciona o desenvolvimento de audição e linguagem e, consequentemente, o desenvolvimento das habilidades comunicativas, estes progressos, devido ao uso do IC, favoreceriam melhora na qualidade de vida de crianças com deficiência auditiva.

Mas apesar do IC levar, em geral, a uma melhora na qualidade de vida (QV) das crianças, há um número restrito de estudos na área que investigam este aspecto5. Este é um achado surpreendente, uma vez que é bem documentada a interferência da perda auditiva, principalmente no que se refere ao desempenho social, autoestima e aceitação na escola6, sendo esses resultados ainda mais exacerbados em crianças com perda auditiva de grau grave e/ou profundo7.

Geralmente, os estudos da área avaliam aspectos mais relacionados ao desenvolvimento e desempenho auditivo, de linguagem, de fala, o tipo de escola e analisam o custo-efetividade do tratamento com IC1,3,8,9. Mais atenção tem sido dada às medidas realizadas em laboratório/clínica, de imagem e de comportamento do que à coleta das informações sobre o nível de funcionalidade do usuário de IC ou de outros fatores significativos para o seu desenvolvimento biopsicossocial10.

Diante dos avanços nos estudos na área da audiologia, principalmente para a população pediátrica usuária de IC, os profissionais devem considerar que os fatores que afetam os resultados são tão numerosos, que apenas uma parte deles podem ser investigados por meio de testes ou outros instrumentos utilizados na rotina clínica11. Além disso, uma investigação mais detalhada de outros aspectos de vida não é somente relevante para os pais e para os clínicos, mas também para a formulação de políticas de saúde12, permitindo destinar recursos para atender a diferentes necessidades sociais, programas de serviços e de intervenções específicas para esta população13.

Assim, medir a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), que é uma percepção única e pessoal do bem-estar físico, mental e social em diversas situações e atividades9, é importante para avaliar o impacto multidimensional da perda auditiva e do uso do implante coclear na vida da criança, complementando os resultados das medidas clínicas14.

Mas, especificamente na população infantil, medir a QVRS não é uma tarefa fácil. Diversas questões metodológicas permeiam este tipo de avaliação e medir o estado de saúde da criança exige escolhas a serem feitas sobre quais as dimensões da saúde são relevantes, quais preferências são de interesse (criança, pais, professores, médicos, etc), os valores que devem ser usados, e toda uma série de outras questões contextuais e psicométricas que devem ser atendidas15.

O desafio em conceituar de maneira compreensiva quais domínios de QVRS são importantes para a criança e como estes domínios podem evoluir durante o seu desenvolvimento é um fator determinante nesse tipo de avaliação. Por exemplo, domínios de QVRS para uma garota de 5 anos que está iniciando a escola poderá ser diferente para aquele garoto de 18 anos que está começando a dirigir. Este fato reflete diretamente na escolha do instrumento a ser utilizado, pois este deve identificar e avaliar todos os fatores relevantes para a população em questão. Além disso, na maioria das vezes, as medidas de QVRS em crianças são frequentemente completadas pelos pais ou pelo cuidador e estudos mostram uma pobre correlação entre a pontuação dos pais e da criança para domínios mentais e sociais e melhor correlação com domínios físicos16. Assim, a interpretação dos resultados da QVRS tem que levar em consideração o respondente do questionário e, quando possível, a avaliação dos pais e da criança deverão ser realizadas juntas17.

Diante destas questões em relação à medida da qualidade de vida em crianças, buscando direcionar o levantamento bibliográfico com alta evidência científica, foi realizada uma revisão sistemática da literatura, para identificar estudos sobre a qualidade de vida em crianças usuárias de implante coclear e levantar quais principais aspectos avaliados nessa população e fatores relacionados com a medida da qualidade de vida.

MÉTODO

Como princípio essencial da pesquisa baseada em evidências, a pergunta de investigação deste estudo foi: "Quais os principais aspectos da qualidade de vida avaliados nas crianças usuárias de IC e os fatores relacionados com seus resultados?".

A estratégia de busca empregada na revisão bibliográfica foi guiada pela combinação de sete descritores indexados no DecS (descritores em saúde) em português e inglês, empregando os descritores em grupos, com, no mínimo, duas palavras-chave (Quadro 1).


As bases de dados científicas escolhidas para pesquisa foram: LiLacs, MedLine, scieLo, cochrane Library, PubMed, embase, institute for scientific information (ISI) e science Direct. Foram consideradas, para efeito deste estudo, as publicações produzidas o período pesquisado foi de janeiro de 2000 a setembro de 2011, sendo que a última busca manual realizada nas bases eletrônicas de dados ocorreu em setembro/2011.

A seleção dos artigos seguiu critérios de inclusão baseando-se na conformidade dos limites dos assuntos aos objetivos deste trabalho. Os critérios adotados foram:

• Participantes - Crianças usuárias de implante coclear;

• Intervenção - Implante coclear;

• Desfechos mensurados - Qualidade de vida por meio de questionários;

• Tempo - Publicados nos últimos 11 anos (2000-2011);

• Língua: Artigos escritos em português, inglês e espanhol;

• Tipos de estudos - Artigos publicados em revista indexadas com nível de evidência 1a, 1b, 2a, 2b, 3a, 3b e 4, de acordo com os critérios propostos pela american speech-Language association (ASHA)18 (Tabela 1).

Foram excluídos estudos realizados com grupos especiais de crianças usuárias de implante coclear portadoras de outros comprometimentos, tais como paralisia cerebral, neuropatia auditiva, síndromes, hipoplasia do nervo auditivo, reimplantação do componente interno, implante bilateral e outras intercorrências.

A seleção dos estudos foi feita em três etapas e guiada pelos critérios determinados acima. Inicialmente, quatro revisores analisaram todos os estudos identificados pelas combinações dos descritores em todas as bases de dados propostas, por meio da análise do título do estudo, selecionando os artigos que reuniam os critérios de elegibilidade predeterminados (1ª etapa). Em seguida, verificou-se, no corpo dos resumos, se traziam informações disponíveis sobre a utilização de algum instrumento de avaliação da qualidade de vida em crianças (2ª etapa). Nos casos em que o título ou o corpo do resumo deixaram margens de dúvidas, estes foram levantados os textos na íntegra (3ª etapa) para posteriormente serem julgados pertinentes ao tema de estudo e a seguir serem analisados. Os principais dados de cada artigo recuperado foram detalhadamente coletados por meio de uma ficha protocolar padronizada para o presente estudo.

No total, 2.937 artigos foram identificados em todas as bases de dados. Em uma pré-seleção dessas citações, baseada na leitura dos títulos e dos resumos de todos os estudos localizados na busca eletrônica, 2.853 foram excluídos, sendo que 84 trabalhos foram obtidos e lidos na íntegra (Fluxograma 1).

Ao final, 10 artigos atenderam aos critérios de inclusão3,7,11,17,19-24. Destes 10 artigos incluídos nesta revisão, oito estudos foram classificados como estudo de corte transversal3,11,19-24, um se caracterizava como ensaio controlado não randomizado de alta qualidade7, classificado no nível 2b segundo critérios da ASHA, e uma revisão sistemática17 (Tabelas 2 e 3).

A revisão sistemática foi descrita na Tabela 2 quanto ao nome dos autores, o ano de publicação, a revista escolhida para publicação, tipo de estudo realizado, a faixa etária incluída nos artigos analisados pelos autores, a pergunta de investigação, os critérios de inclusão para seleção dos estudos e os resultados encontrados.

Esse conjunto de artigos foi submetido à avaliação dos dados, sendo as informações relevantes de cada artigo (número de sujeitos participantes, idade no IC, tempo de uso, idade média dos sujeitos, objetivo do estudo, questionários utilizados e conclusão), bem como a classificação quanto ao grau de recomendação, reunidas em tabelas para facilitar a consulta e o acesso durante a apresentação e discussão dos resultados (Tabela 3).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O impacto da realização da cirurgia de implante coclear (IC) em crianças e adolescentes com perda auditiva de grau grave e/ou profundo se estende além da melhora no desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem, e na percepção e produção da fala. Este impacto envolve também outros aspectos do dia-a-dia da criança relacionados com a sua qualidade de vida, como os aspectos físicos, psicológicos e de bem-estar social19.

Diante do interesse em investigar quais os principais aspectos de qualidade de vida têm sido descritos na literatura e verificar quais fatores relacionados com esta medida em crianças e jovens usuários de IC, este estudo realizou o levantamento sistemático da literatura da área.

Os resultados revelaram uma diversidade entre os estudos levantados, tanto em relação à população avaliada quanto à idade na avaliação, idade de realização da cirurgia, tempo de uso do IC, quanto em relação aos instrumentos utilizados para avaliar a qualidade de vida. Estes resultados também foram encontrados na revisão sistemática realizada por Lin & Niparko17.

A partir da análise qualitativa dos estudos, foi possível verificar que os principais aspectos de qualidade de vida levantados nos estudos selecionados para esta revisão sistemática foram: bem-estar físico; bem-estar emocional; autoestima; família; amigos; escola; satisfação com IC; aspectos sociais; mobilidade; autocuidado; dor; uso do telefone; compreensão da fala; ouvir os sons ambientais; comunicação; autossuficiência; uso dos dispositivos; atitudes dos outros e autoconfiança.

Dessa forma, tanto aspectos da qualidade de vida relacionada à saúde (físico, psicológico e bem-estar social)20 e aspectos específicos dessa população usuária de IC (família, amigos, escola, satisfação com IC, uso do telefone, compreensão da fala, ouvir os sons ambientais e uso dos dispositivos) foram investigados.

Apesar dos instrumentos genéricos de avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde serem muito gerais aos aspectos investigados, o que pode não permitir levantar questões de interesse particular para determinada condição (por exemplo, uso do telefone), alguns estudos atualmente mostram que estes possuem sensibilidade suficiente, dado o amplo impacto que a surdez tem sobre a vida de uma criança3. Outra vantagem deste tipo de instrumento é a habilidade de poder comparar os aspectos multidimensionais que o compõe, em diferentes grupos de crianças20.

Além disso, atualmente poucas ferramentas específicas e padronizadas de avaliação de QVRS estão disponíveis para a população pediátrica com perda auditiva. Somente em dezembro de 2011 foi publicada a validação de uma ferramenta para avaliação de qualidade de vida em crianças com perda auditiva intitulada "Hearing environments and Reflection on Quality of Life (HEAR-QL)"25. Este questionário não foi traduzido para o português até a análise final desse estudo.

Assim, recomenda-se que, para a avaliação da QVRS em crianças com deficiência auditiva, estes dois tipos de avaliação devem ser utilizados, como complementares aos resultados clínicos. Os dois instrumentos são necessários para compreender completamente o impacto do IC em vez de compartimentalizar esta intervenção em somente um fenômeno auditivo20.

Em relação à análise dos fatores relacionados com as medidas de qualidade de vida em crianças e jovens usuários de IC, um dos aspectos avaliados foi a idade da criança na cirurgia. A análise qualitativa dos estudos que realizaram essa análise permitiu considerar que crianças que realizam a cirurgia em idades precoces avaliam de forma mais positiva a sua qualidade de vida.

Apesar de cada estudo avaliar crianças com idades diferentes, pesquisas da área mostram que crianças implantadas mais cedo alcançam melhor percepção auditiva, apropriação incidental da linguagem e inteligibilidade de fala1,8. O desenvolvimento precoce dessas habilidades pode melhorar a comunicação da criança com seus pais, na escola e assim levar a um melhor desempenho social, refletindo nas avaliações de qualidade de vida.

Quanto ao tempo de uso, de três estudos que realizaram essa análise, dois encontraram uma correlação positiva entre a pontuação total de QVRS e o tempo de uso de IC, sendo que as crianças com mais tempo de uso avaliaram mais positivamente sua QVRS. Este aspecto também tem sido relevante nos resultados obtidos em crianças26. Crianças com tempo de uso maior de seus dispositivos e que os utilizam de maneira efetiva podem apresentar melhor desempenho de percepção de inteligibilidade e, assim como a idade no implante, a comunicação mais efetiva pode trazer benefícios para outros aspectos de vida.

Em um estudo prospectivo e longitudinal, foram avaliadas 30 crianças usuárias de IC por um período de 10 a 14 anos, quanto ao desempenho de percepção e inteligibilidade de fala. Os resultados mostraram que 87% das crianças utilizavam o implante de forma efetiva e após 10 anos de uso, 60% falavam ao telefone, e 77% desenvolveram inteligibilidade de fala próxima a de ouvintes27.

Em alguns estudos7,20,21 foi encontrada uma correlação significantemente inversa entre a idade cronológica e a avaliação da criança sobre a QVRS, em que a criança mais jovem classificou a QVRS mais positivamente do que a criança com mais idade. Os grupos de crianças avaliadas nesses estudos variaram de 4 a 16 anos e, nos três estudos, as crianças mais novas tinham realizado a cirurgia do IC em idade mais precoce do que os grupos de crianças mais velhas, podendo justificar esses achados em relação à qualidade de vida.

Esta identificação e intervenção precoce da perda auditiva pode ter propiciado uma assimilação mais rápida, mais completa da perda auditiva e, consequentemente, do IC na vida do grupo mais jovem. Ou seja, a assimilação do IC dentro das atividades do dia-a-dia da criança permite que estas incorporem o dispositivo como parte de si ao invés de algo que os distingue dos colegas com audição normal7.

Tanto para as crianças quanto para os pais os resultados de percepção de fala estavam correlacionados com a qualidade de vida, sendo que estes achados podem indicar que as percepções sobre o bem-estar dos usuários de IC são influenciadas por fatores que vão além da audição e capacidade de comunicação28. Além disso, atualmente, os avanços nos hardware, software e tecnologia de processamento de fala dos IC têm afetado diretamente o desempenho e o sucesso na melhora da compreensão de fala, devendo esses fatores sempre ser considerados, uma vez que podem, assim, influenciar nos resultados de QV.

Quanto às diferenças na avaliação da qualidade de vida entre as crianças usuárias de IC, seus pais e crianças com audição, os dados não permitiram conclusões em relação a estas comparações.

Em algumas áreas, como a reabilitação auditiva, em que os problemas são de natureza complexa, e não se pode realizar a intervenção somente em determinados grupos (grupo controle versus grupo de intervenção), é possível incluir na revisão sistemática estudos com características metodológicas limitadas, pelo menos para os padrões metodológicos adotados por estudos de alta evidência científica29. Consequentemente, estes estudos poderão ser suscetíveis a uma análise restrita, mas que não devem ser descartados.

A diferente idade na avaliação, na realização da cirurgia, tempo de uso do IC em cada estudo deve ser considerada como uma limitação, visto que a associação entre o desenvolvimento das habilidades auditivas e de linguagem e estas variáveis é bem estabelecida, e, portanto, a heterogeneidade desses fatores poderá resultar em uma população com amplos resultados quanto às habilidades de linguagem17.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Futuros estudos deverão ser realizados, utilizando ferramentas de avaliação da QVRS que permitam a comparação dos resultados entre serviços, países, e que possam levar a uma melhor compreensão dos critérios para seleção de candidatos à realização da cirurgia, as necessidades da reabilitação das crianças com IC, além de permitir o acesso aos serviços, permitindo que as crianças usuárias de IC desenvolvam seu potencial em todas as áreas da vida.

Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) do BJORL em 26 de setembro de 2012. cod. 10481.

Artigo aceito em 2 de novembro de 2012.

Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo/USP. Centro de Pesquisas Audiológicas do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo/USP - Bauru.

  • 1. Geers AE. Speech, language, and reading skills after early cochlear implantation. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2004;130(5):634-8. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.130.5.634 PMid:15148189
  • 2. Daya H, Ashley A, Gysin C, Papsin BC. Changes in educational placement and speech perception ability after cochlear implantation in children. J Otolaryngol. 2000;29(4):224-8. PMid:11003074
  • 3. Huber M. Health-related quality of life of Austrian children and adolescents with cochlear implants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69(8):1089-101. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2005.02.018 PMid:15946746
  • 4. Davis E, Waters E, Mackinnon A, Reddihough D, Graham HK, Mehmet-Radji O, et al. Paediatric quality of life instruments: a review of the impact of the conceptual framework on outcomes. Dev Med Child Neurol. 2006;48(4):311-8. http://dx.doi.org/10.1017/S0012162206000673 PMid:16542522
  • 5. Kelsay DM, Tyler RS. Advantages and disadvantages expected and realized by pediatric cochlear implant recipients as reported by their parents. Am J Otol. 1996;17(6):866-73. PMid:8915415
  • 6. Brouwer CN, Maillé AR, Rovers MM, Grobbee DE, Sanders EA, Schilder AG. Health-related quality of life in children with otitis media. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2005;69(8):1031-41. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2005.03.013 PMid:16005345
  • 7. Warner-Czyz AD, Loy B, Roland PS, Tong L, Tobey EA. Parent versus child assessment of quality of life in children using cochlear implants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73(10):1423-29. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2009.07.009 PMid:19674798 PMCid:2891383
  • 8. Nicholas JG, Geers AE. Personal, social, and family adjustment in school-aged children with a cochlear implant. Ear Hear. 2003;24(1 Suppl):69S-81S. http://dx.doi.org/10.1097/01.AUD.0000051750.31186.7A PMid:12612482
  • 9. O'Neill C, O'Donoghue GM, Archbold SM, Normand C. A cost-utility analysis of pediatric cochlear implantation. Laryngoscope. 2000;110(1):156-60. http://dx.doi.org/10.1097/00005537-200001000-00028
  • 10. Huttunen K, Rimmanen S, Vikman S, Virokannas N, Sorri M, Archbold S, et al. Parents' views on the quality of life of their children 2-3 years after cochlear implantation. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2009;73(12):1786-94. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2009.09.038 PMid:19875180
  • 11. Archbold S, Sach T, O'Neill C, Lutman M, Gregory S. Outcomes from cochlear implantation for child and family: parental perspectives. Deaf Educ Int. 2008;10(3):120-42.
  • 12. Matza LS, Swensen AR, Flood EM, Secnik K, Leidy NK. Assessment of health-related quality of life in children: a review of conceptual, methodological, and regulatory issues. Value Health. 2004;7(1):79-92. http://dx.doi.org/10.1111/j.1524-4733.2004.71273.x PMid:14720133
  • 13. Bess FH, Dodd-Murphy J, Parker RA. Children with minimal sensorineural hearing loss: prevalence, educational performance, and functional status. Ear Hear. 1998;19(5):339-54. http://dx.doi.org/10.1097/00003446-199810000-00001 PMid:9796643
  • 14. Wake M, Hughes EK, Collins CM, Poulakis Z. Parent-reported health-related quality of life in children with congenital hearing loss: a population study. Ambul Pediatr. 2004;4(5):411-7. http://dx.doi.org/10.1367/A03-191R.1 PMid:15369416
  • 15. Barton GR, Bankart J, Davis AC. A comparison of the quality of life of hearing-impaired people as estimated by three different utility measures. Int J Audiol. 2005;44(3):157-63. http://dx.doi.org/10.1080/14992020500057566 PMid:15916116
  • 16. Eiser C, Morse R. The measurement of quality of life in children: past and future perspectives. J Dev Behav Pediatr. 2001;22(4):248-56. http://dx.doi.org/10.1097/00004703-200108000-00007
  • 17. Lin FR, Niparko JK. Measuring health-related quality of life after pediatric cochlear implantation: a systematic review. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2006:70(10);1695-706. http://dx.doi.org/10.1016/j. ijporl.2006.05.009 PMid:16806501
  • 18
    http://www.asha.org/Publications/leader/2005/050524/f050524a.htm#3 (acesso em 12/9/2012).
    » link
  • 19. Anmyr L, Olsson M, Larson K, Freijd A. Children with hearing impairment-living with cochlear implants or hearing aids. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(6):844-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2011.03.023 PMid:21514963
  • 20. Warner-Czyz AD, Loy B, Tobey EA, Nakonezny P, Roland PS. Health-related quality of life in children and adolescents who use cochlear implants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2011;75(1):95-105. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2010.10.018 PMid:21074282
  • 21. Loy B, Warner-Czyz AD, Tong L, Tobey EA, Roland PS. The children speak: an examination of the quality of life of pediatric cochlear implant users. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142(2):247-53. http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2009.10.045 PMid:20115983 PMCid:2852181
  • 22. Schorr EA, Roth FP, Fox NA. Quality of life for children with cochlear implants: perceived benefits and problems and the perception of single words and emotional sounds. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(1):141-52. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2008/07-0213)
  • 23. Sach TH, Barton GR. Interpreting parental proxy reports of (health-related) quality of life for children with unilateral cochlear implants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2007;71(3):435-45. http://dx.doi.org/10.1016/j.ijporl.2006.11.011 PMid:17161471
  • 24. Incesulu A, Vural M, Erkam U. Children with cochlear implants: parental perspective. Otol Neurotol. 2003;24(4):605-11. http://dx.doi.org/10.1097/00129492-200307000-00013 PMid:12851553
  • 25. Umansky AM, Jeffe DB, Lieu JE. The HEAR-QL: quality of life questionnaire for children with hearing loss. J Am Acad Audiol. 2011;22(10):644-53. http://dx.doi.org/10.3766/jaaa.22.10.3 PMid:22212764 PMCid:3273903
  • 26. Bakhshaee M, Ghasemi MM, Shakeri MT, Razmara N, Tayarani H, Tale MR. Speech development in children after cochlear implantation. Eur Arch Otorhinolaryngol. 2007;264(11):1263-6. http://dx.doi.org/10.1007/s00405-007-0358-1 PMid:17639444
  • 27. Beadle EA, McKinley DJ, Nikolopoulos TP, Brough J, O'Donoghue GM, Archbold SM. Long-term functional outcomes and academic-occupational status in implanted children after 10 to 14 years of cochlear implant use. Otol Neurotol. 2005;26(6):1152-60. http://dx.doi.org/10.1097/01.mao.0000180483.16619.8f PMid:16272934
  • 28. Clark JH, Wang NY, Riley AW, Carson CM, Meserole RL, Lin FR, et al. Timing of cochlear implantation and parents' global ratings of children's health and development. Otol Neurotol. 2012;33(4):545-52. http://dx.doi.org/10.1097/MAO.0b013e3182522906 PMid:22588232
  • 29. Hyde M. Evidence-Based Practice, Ethics and EHDI Program Quality. In: Seewald RC, Bamford JM, (eds). A Sound Foundation through Early Amplification: Proceedings of the Third International Conference. Stäfa, Switzerland: Phonak AG; 2005. p.281-301.
  • Endereço para correspondência:

    Marina Morettin
    Rua Silvio Marchione, nº 3/20
    Bauru - SP. Brasil. CEP: 17043-900
    Caixa Postal: 620
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      26 Set 2012
    • Aceito
      02 Nov 2012
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@aborlccf.org.br